Resumo: A trajetória das Constituições do Brasil, do Império a Republica Federativa do Brasil de 1988. Apresentando a difícil trajetória para se incorporar os Direitos Humanos na Constituição Pátria, a origem do tema pós-segunda guerra mundial, a grande dificuldade de fazer o tema alcançar seus objetivos na segurança pública estadual em especial no Corpo de Bombeiro Militar. Os avanços legislativos alcançados pelo país após a adoção dos Direitos Humanos pela Constituição Cidadã a incorporação de Acordos, Tratados e Convenções Internacionais sobre direitos humanos. A adoção de tratados internacional contra torturas, penas cruéis, degradantes e de caráter perpetuo, apresentando através de pesquisa bibliográfica uma visão critica ao Regulamento Disciplinar do Corpo de Bombeiros Militar, Decreto 1.260/81, objetivando demonstrar sua afronta aos Direitos Humanos e a dignidade da pessoa humana, ocorridas em face da inércia do Estado frente à tão relevante bem o qual tem o dever tutelar.
Palavra-chave: Direitos Humanos, segurança pública, inercia estatal e dignidade Humana.
Abstract: The history of the Constitutions of Brazil, the Empire the Federative Republic of Brazil 1988. Introducing the difficult path to incorporate human rights in the Constitution country, the origin of the post-World War II theme, the great difficulty of the subject achieve their goals in the state public security in particular the Military Fire Department. Legislative progress made by the country after the adoption of Human Rights by the Citizen Constitution the agreements of incorporation, international treaties and conventions on human rights. The adoption of international treaties against torture, cruel, degrading punishment and perpetual character, presenting through literature a vision criticizes the Disciplinary Regulations of the Fire Brigade, Decree 1,260 / 81, in order to demonstrate its affront to human rights and dignity of human person, occurred in the face of the inertia of the state to as relevant and which has the safeguard duty.Keyword: Human rights, public safety, government inertia and Human Dignity.
Sumário: Introdução. 1. A construção dos direitos humanos; 1.1. Os Direitos Humanos e a Evolução Humana; 1.2. TRATADOS INTERNACIONAIS E A PROIBIÇÃO DE PENAS CRUEIS; 1.3. Dos Direitos Humanos ao Direito Fundamental; 2. Dignidade da pessoa humana no Brasil e a CF/88; 2.1. A influência dos Direitos Humanos na Constituição Federal de 1988; 2.2. Mudança de Paradigma; 3. Segurança pública, democracia e direitos humanos no Brasil; 3.1. O Reflexo da Ditadura na Formação Normativa dos Regimentos Militares; 3.2. Regulamentos disciplinar uma afronta a Constituição Cidadã; 3.2.1. Medidas Coercitivas de caráter aflitivo (sansão imposta) ; 3.2.2. O prejuízo pessoal que aduz a Sanção; 3.2.3. Procedimentos Apuratório Inadequados: Ausência de Procedimentos Adequados: Ampla Discricionariedade do Julgador; 3.2.4. O Prejuízo do não Cancelamento das Punições: Impedimento de Ascenção na Carreira e o Direito a Condecoração; 3.2.5 Do cancelamento das punições: recuperação de dignidade. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Chamando à discussão a cerca do Regulamento Disciplinar da Policia Militar do Mato Grosso do Sul, em vigor no Corpo de Bombeiro Militar, Decreto nº 1.260/81, apresentando suas afrontas ao texto da Constituição Federal de 1988, em especial quanto à dignidade da pessoa humana. As arbitrariedades sofridas pelos próprios agentes de segurança pública no cotidiano da caserna e a difícil tarefa de quem tem o dever moral e jurídico de defender o tema frente à sociedade sendo muitas vezes as próprias vítimas do sistema posto.
É fundamental que se discuta o tema, ora elencado, primordialmente por ferir direitos fundamentais e em especial no meio acadêmico, onde o estudo alcança mentes capazes de formar opiniões futuras no meio jurídico, político e social, levando a reflexão da sociedade para os direitos cerceados por quem tem a obrigação de garantir e no seio das próprias instituições responsáveis por garanti-los em nível de sociedade, uma demonstração clara de que quem tem o dever de garantir direito alheio são muitas vezes as vítimas no cotidiano da sua vida laboral.
1. A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
A concepção do termo direitos humanos é matéria eminentemente recente do ponto de vista histórico, vez que teve seu inicio posto em discussão pós-segunda guerra mundial, em virtude das grandes atrocidades praticadas pelos estados, em especial pelo sistema nazista de Hitler, todo seu fanatismo e a prática do genocídio contra judeus. [1]
Entre os principais doutrinadores, destaca-se Bobbio e as primeiras concepções sobre Direitos Humanos, destaca que a grande reviravolta na forma de ver o ser humano como individuo se origina no ocidente a partir da concepção cristã da vida de que todos são irmãos enquanto filho de Deus. Ao citar Locke o autor lembra que foi este o maior inspirador dos legisladores dos direitos humanos ao discorrer sobre direitos naturais. No princípio, segundo Locke, não estava o sofrimento, a miséria, a danação do “estado ferino”, como o diria Vico, mas um estado de liberdade, ainda que nos limites das leis. [2] A busca por reconhecimento dos Direitos Humanos adveio da necessidade de negar a ideia dos estados totalitários que não recepciona e não admite à espontaneidade humana, neste sentido Bobbio enfatiza que para se atingir o objetivo será necessário criar argumentos de certa forma fortes o suficiente para convencermos a todos de que isso é o desejável e buscando em igual medida, sendo este o único caminho a ser seguido e acrescenta, assim – terminaremos por encontrar a razão e o argumento irresistível, ao qual ninguém poderá recusar a própria adesão.
O professor COMPARATO, argumenta que o ser humano e o único ser capaz de viver em condições de autonomia e se guiar pelas leis que ele próprio editou, e ainda, como assinalou o filósofo, que todo homem tem dignidade e não um preço, como as coisas. A humanidade como espécie, cada ser humano em sua individualidade e propriamente insubstituível: não tem equivalente, não pode ser trocado por coisa alguma. Para o autor, foi na concepção medieval de pessoa que se originou a elaboração de igualdade entre todos os seres humanos. “Desse fundamento, igual para todos os homens, escolásticos e canonistas medievais tiraram a conclusão lógica de que todas as leis contrárias ao direito natural não teriam vigência ou força jurídica”.[3] Foi no período axial da História que despontou a ideia de uma igualdade essencial entre os homens para que isso ocorresse foi necessário vinte e cinco séculos. Este reconhecimento nasce vinculado a uma instituição de capital importância: a lei escrita. Cançado Trindade, no campo da história do Direito Internacional dos Direitos Humanos rumo a sua universalização é regida por princípios básicos criados ao longo de sua formação na história humana:
“São eles os princípios da universalidade, da integralidade e da indivisibilidade dos direitos protegidos, inerentes à pessoa humana e, por conseguinte anteriores e superiores ao Estado e demais formas de organização político-social, assim como o princípio da complementaridade dos sistemas e mecanismos de proteção,” (TRINDADE, 2006, P. 413). [4].
A jurista Flávia Piovesan ao argumentar sobre o tema da positivação dos direitos humanos no âmbito internacional, diz ser um processo de criação normativa que se inicia pós-Segunda Guerra Mundial, tem como fonte o engajamento moral e político que almejou ser uma resposta às atrocidades e horrores do totalitarismo do poder. Surgindo da necessidade de se garantir no âmbito do direito internacional meio necessário para se garantir que seja observado nas constituições pátrias o mínimo necessário.[5]
Observando os ensinamentos dos ilustres doutrinadores, nota-se que foi longo o caminho percorrido por todas as nações até se alcançar um mínimo desejável de garantias referentes a direitos humanos. Neste sentido destaca-se que anteriormente a segunda guerra mundial, as constituições tinham um caráter jurídico e não político guarnecia os interesses do governante o guardião da constituição, apesar do texto rebuscado e garantidor de direitos em tese, não garantia segurança jurídica, pois não vinculava o legislador.
1.1. Os Direitos Humanos e a Evolução Humana
Após tantos massacres, atrocidades, sofrimento, diversos casos de afronta à dignidade da pessoa humana surgiu o entendimento da necessidade de se criar uma organização internacional para proteção da humanidade em caráter geral, com parâmetros para defesa da dignidade humana originando assim a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. A DUDH surgiu em decorrência da morte de dezenas de milhões de pessoas na guerra, assim percebe-se que esse documento fora criado por causa da perversa natureza humana, porém o professor Cansado Trindade, [6]nos ensina que mesmo com tão belo instrumento regulatório não foi surpresa que tenha requerido duas décadas após a adoção das Declarações Universais de 1948, uma reavaliação global da matéria, para identificar os novos rumos que as nações deveriam trilhar, objetivo da I Conferencia de Mundial de Direitos Humanos (Teerã, 1968) resultou fortalecido a universalidade dos direitos humanos, mediante, sobretudo a asserção enfática das indivisibilidades destes. Para o professor COMPARATO, em todos os níveis, da cosmologia à vida social, passando pela geologia e a biologia, o caráter evolutivo do ser humano passa-se por um processo incessante de auto-organização, e adaptação ao meio, pois é da essência humana a evolução sempre tendo algo de incompleto e inacabado, em contínua transformação. ““ Toda pessoa é um sujeito em processo de vir a ser […], neste sentido, pode-se dizer que o homem é o único ser incompleto pela sua própria essência; […] os seres humanos são os únicos seres capaz de evoluir na esfera biológica e social ”” […]. [7]·. Neste processo evolutivo e de ascensão dos direitos humanitários em muito contribuiu os países emergidos da descolonização para essa visão global com o apoio e a experiência negativa sofridas, com problemas em comum, como: extrema pobreza, condições desumanas, racismo, discriminação racial, entre outras, as quais necessitam da busca de solução a nível universal para fazer frente a questões com dimensões globais, em especial as questões de violação dos direitos humanos, como: “[…] crimes do genocídio, e das práticas da tortura e tratamento desumano e degradante, das detenções ilegais e arbitrárias, dos desaparecimentos forçados de pessoas, das execuções sumárias, extralegais ou arbitrárias”.[8] Tais medidas têm como escopo a criminalização dos atos praticados violando direitos humanos embasado nos Direitos Internacional Humanitário. Porém foi na Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993) que se firmou o entendimento de que os direitos humanos permeiam todas as áreas de atividades humanas cabendo assim uma onipresença de proteção tanto vertical pelos Estados através da incorporação de normas internacionais quanto horizontal, por meios de programas das Organizações das Nações Unidas – ONU, por meio de monitoramento das ações de proteção a direitos humanos, firmando com isso o entendimento da abrangência das obrigações erga omnes de proteção. Neste sentido nos ensina Piovesan que “a efetiva proteção dos direitos humanos demanda não apenas políticas universalistas, mas especificas endereçada a grupos socialmente vulneráveis, vitimas preferenciais da exclusão”. [9]
1.2. TRATADOS INTERNACIONAIS E A PROIBIÇÃO DE PENAS CRUEIS
Muitas foram às tragédias suportadas pelos povos ao longo de nossa historia, com o levante e afirmação de regimes opressores, disseminadores de ódio, causadoras de desigualdades sociais entre nações, implantação de regimes totalitários, desumanos, cruéis, voltados à dominação ou extermínio de nações consideradas como raças inferiores, tudo com único fim implantação ideais nacionalistas. Contra tais regimes de políticas totalitárias surge pós-segunda guerra mundial o fortalecimento da ideia de que a proteção dos direitos humanos não poderia estar limitada aos domínios do estado, mas deveriam ir além, teria que alcançar a proteção internacional. Com esta visão surgem as políticas gerais de amparo e apoio a minorias que sempre são os mais atingidos nos diversos casos de barbárie e atrocidades praticadas pelos estados. Neste sentido ressalta Flávia Piovesan, que: “[…] no momento em que os serres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que é cruelmente abolido o valor da pessoa humana, torna-se necessária à reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável”. [10] Com o advento da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 adveio mecanismos de proteção universal aos humanos, visando coibir atrocidades, praticas abusivas dos governos, fomento de proteção a direitos fundamentais, limitação da soberania absoluta do Estado e garantias que o individuo tenha direitos tutelados a nível internacional, com efetivo amparo, proteção e garantias a dignidade.
A norma base vigente no país destaca-se por ser composta por termos garantidores de direitos humanos em sua essência, considerada uma constituição cidadã por todas as garantias nela estabelecidas. Como meio de contrapor aos direitos violados pelo Regime Ditatorial findo; as autoridades brasileiras cuidaram de criar uma nova ordem que garantisse direitos e garantias plenas contemplados nos termos da Declaração Universal de Direitos Humanos, como se nota em diversos de seus artigos a exemplo do art. 3º e inciso III e IV “[…] erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, um verdadeiro aparato a direitos humanitários.[11] À política nacional de proteção dos direitos humanos, celebra a ratificação pelo Estado brasileiro da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, demonstrando assim o interesse do legislador pátrio em acobertar de garantias todos os cidadãos nacionais ou nacionalizados em ter seus direitos preservados na forma da ordem internacional de proteção a direitos humanos. Por fim, nota-se que tais normas vigentes no Brasil, trás garantia jurídica aos cidadãos domiciliados neste Estado, de poderem demandar contra qualquer ato de afronta direitos próprio ou de terceiro que venha ser objeto de violação pelo Estado brasileiro, podendo este se acudir nas formas das normas pátrias, ou ainda não encontrando guarida até demandar a lide na esfera internacional.
1.3. Dos Direitos Humanos ao Direito Fundamental: A Constitucionalização da Dignidade
Por questões didáticas ressaltam-se as diferenças doutrinarias para os termos direitos humanos ou direitos fundamentais, sendo o primeiro relacionado aos aceitos pela ordem internacional em acordos e tratados enquanto o segundo em relação àquilo que está positivado nas Constituições Pátrias. Assim ensina Paulo Bonavides: “[…] direitos humanos, por suas raízes históricas, adotada para se referir aos direitos da pessoa humana antes de sua constitucionalização ou positivação […] direitos fundamentais designam os direitos humanos quando trasladados para os espaços normativos”.[12] Para Comparato todos os humanos são merecedores de igualdade de respeito entre seus pares, já nasce vinculado a uma instituição a qual normatiza sua vida em sociedade de forma igualitária através de normas postas às quais regem a todos na sociedade em igualdade de condições e afirmar “todos os homens nascem livres e iguais em dignidades e direitos” o autor enfatiza que:
“[…] todos os seres humanos têm direito a ser igualmente respeitados, pelo simples fato de sua humanidade, nasce vinculada a uma instituição social de capital importância: a lei escrita, como regra geral e uniforme, igualmente aplicável a todos os indivíduos que vivem numa sociedade organizada”, (COMPARATO, 2010, P. 24).[13]
Desta forma com muito mais possibilidade da aplicação prática se deve eleger a lei escrita, até por que se perpetua no tempo e espaço sem que se perda a sua vigência e aplicabilidade por falta de ser aclamada pelo cidadão ofendido ou por deixar de ser observada no cotidiano pelo poder público mesmo que o prejudicado deixe de reclamar o seu direito violado. Desde os primórdios os Atenienses já falavam a cerca do tema com certa propriedade, pois defendiam que: “A lei escrita é o grande antídoto contra o arbítrio governamental, […] uma vez escritas as leis, o fraco e o rico gozam de um direito igual; o fraco pode responder ao insulto do forte, e o pequeno, caso esteja com a razão, vencer o grande”. Como se observa desde a antiguidade filósofos iluministas já defendia que a melhor forma para se garantir direitos aos homens livres, seria o governo outorgar leis escritas, as quais contemplassem essas obrigações, sendo esse o meio encontrado para obrigar o Estado a respeitar o que se comprometesse a fazer. Como exemplo pode citar os dezesseis artigos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa, apesar de não ser a primeira em virtude da Declaração da Virginia, nos Estados Unidos que estabelecia sua independência, Incorporando a primeira geração de direitos. Defendia John Locke,
“Os direitos do homem são poucos e essenciais: o direito à vida propriedade; e o direito à liberdade, que compreende algumas liberdades essencialmente negativas (sineimperio). Direito de liberdade “independência em face de todo constrangimento imposto pela vontade de outro” (cum império). Já que todos os demais direitos, incluído o direito à igualdade, estão compreendidos nele”, (BOBBIO, 2004, P. 72) [14].
Por outro lado pela teoria do direito natural ou jus naturalismo aprendemos que os direitos do homem transcendem a sua vontade, que existe por si só, independente do querer do outro, existente em qualquer tempo e lugar e não pode ser alterado pela vontade das autoridades, mantém-se inerte por sua própria natureza e se fundamenta na natureza das coisas sendo seu direito tão somente pelo fato de ele ser humano. Defendia Santo Agostinho, que isto era o justo por emanar da vontade divina devendo, ser a base para o direito positivo, ou seja: Agostinho, Santo, Bispo de Hipona, 354. […] na lei temporal dos homens nada existe de justo e legítimo que não tenha sido tirado da lei eterna. Ainda a cerca do tema direitos humanitários a que se considerar que não pode haver somente direitos, mas que a cada direito corresponde consequentemente uma obrigação que o contraponha, trazendo equilíbrio para relação entre os seres, mesmo que não estatuído em lei, mas que seja necessariamente uma regra de vigência obrigatória, seja ela moral ou social, porém obrigatória. Nos primórdios Kant já defendia que:
“O homem deveria ser regido por leis baseadas no direito natural, o homem possui vontades e age de acordo com regras e essas regras constituem máximas. Se elas são válidas para a vontade subjetiva, são máximas, mas a partir do momento que elas passam a serem válidas para qualquer sujeito racional, elas se transformam em leis”, (LAFER, 1941, P. 54). [15]
Tal sentido se justifica vez que todo ser merece ter seus direitos respeitados e como consequência lógica tem por obrigação agir com prudência, equilíbrio, justiça para não violar direitos alheios mesmo que não estejam expressos nas normas legais.
2. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO BRASIL E A CF/88
A história nos ensina que no desenvolvimento das nações mundiais o regime mais garantidor de Direitos Humanos são os Regimes Democráticos, tendo como marco histórico a Constituição de Bonn (Constituição Alemã) de 1949, e a criação do Tribunal Constitucional Federal de 1951. [16] No Brasil se deu com o advento da Constituição Federal de 1988, a qual trouxe a separação dos poderes com sua independência funcional, tendo o Supremo Tribunal Federal como Guardião da Constituição.
2.1. Os Direitos Humanos com Advento da Constituição Cidadã
Na busca pela dignidade da pessoa humana o país deu seus primeiros passos, através do texto constitucional, um verdadeiro aparato protetivo de garantias e inviolabilidade da dignidade humana, onde o constituinte previu uma verdadeira inovação técnica, ao dispor, no art. 5º, § 2º que “Os direitos e garantias expressos nesta constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte”. Desta forma houve um alargamento das garantias estatuída na própria Carta Maior que poderá ser acrescida de outras garantias, as quais tiveram como intenção finalística de proteção dos direitos humanos, ou seja, além dos que já estão garantidos no texto constitucional, há a possibilidade de serem incluídos outros decorrentes dos tratados, pactos, cartas, convênios, protocolos, entre outros. Desta forma nota-se que o legislador originário se preocupou em suma em garantir na carta maior do país o amparo necessário para instituir as garantias de proteção dos direitos humanas pátrios. Como bem salienta Alexandre de Moraes ao citar CANOTILHO, exemplificando a defesa do papel dos direitos fundamentais afirma:
“Cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)”, (MORÃES, 2014, P. 28).[17]
A dificuldade ao se implantar direitos do homem no Brasil está relacionada à cultura política da sociedade pátria para elencar o que é essencial e justo, mesmo após recente Regime Ditatorial, inúmeras afrontas aos direitos do homem uma Constituição Federal com um invejável aparato normativo em prol dos diretos humanos, já se passam mais de 25 anos de democracia consolidada, mas ainda é matéria de pouco conhecimento da sociedade, a qual não vislumbra uma forma de se alcançar aquilo que é justo e necessário para uma vida social harmoniosa. Neste sentido nos ensina Lynn Hunt, para se garantir o respeito à dignidade humana de uma nação faz se necessário mudar sua visão sobre o que seria essa garantia, como implantá-la, a quem ela deve ser destinada, ao dizer “O surgimento dos Direitos Humanos está focado na transformação interior do indivíduo através da conscientização e, consequentemente, na contribuição do mesmo para a mudança de pensamento, de postura social, da cultura e da política”.[18]
2.2. A influência dos Direitos Humanos na Constituição Federal de 1988
A recente democratização do país, advinda de mais de duas décadas de regime militar e notoriamente de afronta a direitos individuais e coletivos a sociedade ansiosa por liberdades, de expressão, voto, ir e vir entre outros negados pelo regime precedente busca cada vez mais ampliar seus direitos. Neste sentido muito foram os avanços legislativos em termos de garantias normativas, com amparo a crianças e adolescentes, a mulheres vítimas de violências domésticas, idosos, entre outros. Verifica-se que os tratados recepcionados pela nação tornaram-se leis, mas que na pratica não se traduz em meios práticos de garantias dos direitos humanos tutelados, dentro da perspectiva que o cidadão espera. Para nos ensinar sobre o tema Bobbio, utiliza-se do discurso pronunciado em novembro de 1988, pelo bispo de Roltenburg-Stuttgart, Walter Kasper, […] “Os direitos do homem constituem no dia de hoje um novo ethos mundial, […] do dever ser, o tempo vivido não é tempo real: […]. As transformações do mundo que vivenciamos nos últimos anos, […], suscitam em nós o dúplice estado de espírito do encurtamento e da aceleração dos tempos”. O mundo real nos oferece, infelizmente, um espetáculo muito diferente, embora as Constituições contenham um enorme aparato jurídico normativo, permanecem em grande parte como letra morta, pois não conseguem ser postas em praticas na velocidade em que a sociedade espera, causando assim uma sensação de indolência,
“Teríamos pouco motivo para ficar alegres se não fosse pelo fato de um grande ideal como o dos direitos do homem subverter completamente o sentido do tempo, pois se projeta nos tempos longos, como todo ideal, cujo advento não pode ser objeto de uma revisão, […], mas depende de um presságio”, (BOBBIO, 2004, P. 96 e 97).[19] .
Desta forma as proteções dos direitos humanos já estão presentes no nosso ordenamento jurídico, doravante faz-se necessário manter a luta diária para exigir de nossos governantes a efetivação prática das garantias estatuídas na Constituição ou por homologação de tratados internacionais.
2.3. Mudança de Paradigma
O constituinte originário decidiu elaborar uma carta de leis capaz de positivar os direitos individuais do cidadão e os deveres das autoridades de forma a reger os ímpetos sociais permitindo que a solidificação da democracia ocorra de forma paulatina e regular, até se chegar a um ideal de direitos e garantias consolidada independente do momento em que se vive sua condição social, política, religiosa ou de raça. Como bem nos ensina Norberto Bobbio, A Era dos Direitos, [13]. “Direitos do homem são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização, etc., etc.”. Importante sempre ter em mente que o Brasil no pós-segunda guerra mundial, primordialmente com o advento da Constituição Federal de 1988, tem passado por relevante transformação na busca de ampliar e consolidar a proteção dos direitos do homem, em perfeito alinhamento com o sistema internacional de proteção, fato este que pode ser notado pelo reconhecimento da competência da Corte Internacional de Direitos Humanos desde dezembro de 1988. Sendo signatário do Pacto de San José da Costa Rica, conforme palavras de Flávia Piovesan, “O instrumento de maior importância no sistema interamericano é a Convenção Americana de Direitos Humanos, também denominados Pacto de San José da Costa Rica”.[20] Tal Convenção data de 1969, portanto durante a vigência do Regime Militar. Com o avanço normativo em prol dos direitos fundamentais trazido pela Constituição Federal de 88, houve-se a obrigatoriedade de se normatizar nas legislações brasileiras, a efetivação prática daquilo que se estabeleceu a carta maior, com a finalidade de se chegar ao ideal buscado pela sociedade brasileira. Já é sabido que o caminho para se alcançar tal pretensão protetivas leva-se um período razoável de tempo, como afirmava Norberto Bobbio, “os direitos fundamentais não nasceram de uma única vez, sendo fruto de uma evolução e desenvolvimento histórico e cultural, nascendo com o Cristianismo, passando pelas diversas revoluções e chegando aos dias atuais”.[21] Buscando dar efetividade ao prescrito na Constituição Federal, qual seja tratamento igual a todos os brasileiros, natos ou naturalizados, branco ou negro, rico ou pobre, garantindo a todos e a qualquer tempo tratamento igualitário pelo Estado à constituição traz em seu bojo inúmeras garantias positivas e negativas a serem observadas pelas autoridades postas, as quais já estão sendo paulatinamente efetivadas como pode ser verificadas pelas diversas normas infraconstitucionais estabelecidas após o advento da constituição cidadã de 1988. Garantindo tratamento igualitário a todos brasileiros, como bem observa o professor Fábio Konder Comparato: “[…] a revelação de que todos os seres humanos, apesar de inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito […] – nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação – pode firmar-se superior aos demais”. Desta forma basta que as autoridades constituídas deem efetividade na aplicação das normas postas de forma a garantir a todos indistintamente aquilo que lhe é de direito como estabelecido na norma legal e supra legal. [22]
3. SEGURANÇA PÚBLICA, DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
No decorrer de quase três décadas e uma democracia em consolidação, nota-se que muito pouco se pensou para aparato de segurança publica ficando aquém das necessidades de uma sociedade organizada. Verifica-se que a pretensão de recepcionar normas contempladoras de Direitos Humanos trás a necessidade dos órgãos de segurança pública se adaptar ao novo modelo vigente, porém o referido tema permanece sob um manto demasiadamente teórico, cercado de utopia, faltando-lhe uma metodologia para aplicação prática pelos agentes saírem do campo filosófico para o real. Pesquisa nos mostra que políticas públicas sobre Direitos Humanos para segurança pública só passou a fazer parte da grade curricular das instituições em caráter obrigatório em 2002 e aos agentes em curso de formação, graduação e aperfeiçoamento, portanto não atingindo a totalidade dos agentes. Aliado a isso mesmo os qualificados veem com desconfiança a aplicabilidade do conceito no dia a dia principalmente pelo fato do tema não abranger todas as esferas dos órgãos estatais tornando os mecanismos dispostos insuficientes para difundir a importância da defesa dos direitos humanos da sociedade. Um verdadeiro dilema entre a norma posta e a realidade fática onde será aplicada, vez que é feita geralmente de afogadilho, sem planejamento para complementação da fase anterior e quase sempre não encontra preparo na estrutura estatal para aporte das exigências necessária do ato. De modo geral a sociedade nem faz ideia real do que venha a ser e qual o papel dos direitos humanos, qual a sua importância no cotidiano ou ainda, quando e como tais direitos são violados.
3.1. O Reflexo da Ditadura na Formação Normativa dos Regimentos Militares
Ao observar os Regulamentos Disciplinares das forças militares, verifica-se que sua letra normativa é um reflexo do que restou do regime findo, com enorme conteúdo de autoritarismo e total inobservância a Direitos Humanos. Se houver uma indagação sobre o tema com autoridade militar de alta patente certamente suas justificativas para tão grande rigor na regulamentação disciplinar dos militares no âmbito da caserna faz-se necessário pela obrigatoriedade de se manter o perfeito acatamento das pelos subordinados daquilo tido como extremamente necessário no regime militar. Qual seja, “[…] maior controle interno aumenta o poder político da organização, ao reduzir a possibilidade de quebras da hierarquia através da ação autônoma de escalões inferiores”.[23]
Coincidências ou não a grande parte dos Estados membros elaboraram seus regulamentos disciplinares entre os anos de 1978 a 1982, portanto ao fim do regime que vigoravam, como se nota os exemplo dos Decretos que regem os Regulamentos Disciplinares dos seguintes Estados: MT, PB, MS e RN, os quais possuem textos quase idênticos entre si. Representando fidelidade na formatação, aplicação de penalidades e critérios de apuração dos fatos delituosos atribuídos ao militar que infringiu a norma posta, em eventual apuração pelas autoridades superiores frente aos hierarquicamente subordinados. A justificativa que as autoridades buscam apresentar para tamanha severidade no trato para com os militares no interior da caserna, bem como o cotidiano de sua vida laboral e/ou privada, está ligada à necessidade de garantir em qualquer tempo, principalmente em momentos de perturbação da ordem pública o perfeito cumprimento do dever legal pelos militares subordinados diante de situações de risco eminente, os quais lhes são demandados o sacrifício se necessário até da própria vida em detrimento do cumprimento do dever legal e do restabelecimento da ordem publica em casos de exigência. Conforme nota-se estabelecido no Estatuto dos Policiais Militares que regem a corporação Bombeiros Militares, em seu Art. 25, inciso I, da Lei Complementar 053 de 30 de agosto de 1990, bem como em dispositivos do próprio Decreto.
“Art. 25 – São manifestações essenciais do valor policial-militar: I – o sentimento de servir à comunidade estadual, traduzido pela vontade inabalável de cumprir o dever policial-militar e pelo devotamento à manutenção da ordem pública, mesmo com o risco da própria vida;” (DECRETO 1.260/81).
O Decreto 1260/81, foi instituído visando caráter educativo das punições e neste sentido discorria Michael Foucault, ao analisar a necessidade da correção da conduta do infrator com a aplicação de penas, “A pena é uma forma de reintroduzir o indivíduo ao convívio social e para esse fim deve ser conduzido”. Para reconduzi-lo ao caminho que se deseja que trilhe, nas atividades laborais ou no cotidiano da sua vida social. A de se ressaltar que a punição disciplinar visa primordialmente, o fortalecimento da disciplina e como consequência da punição a reeducação do infrator e da coletividade dos que estão subordinados a norma, conforme estabelece os termos do artigo 22 e parágrafo único do RDPMMS[24].
Por possuir uma profissão totalmente diversa dos demais membros da sociedade, os militares compreendem a necessidade de tal rigorismo no trato diário na busca do acato as ordens emanadas sem questionamento. Porém a que se atribuir a tais quesitos uma visão humanitária no tramite processual das indisciplinas visando apuração cercada de zelo em prol da justiça e não na busca da satisfação pessoal a quem cabe à apuração do delito, muitas vezes aplicando a visão pessoal no julgamento e em alguns casos até sem possibilitar a adequada defesa do imputado.
3.2. REGULAMENTOS DISCIPLINAR UMA AFRONTA A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ
A norma base vigente no país destaca-se por ser garantidora de direitos humanos em sua essência sendo considerada uma constituição cidadã, por todas as garantias nela estabelecidas. Visando contrapor aos direitos violados pelo Regime Ditatorial, as autoridades brasileiras cuidaram de criar uma nova ordem que garantisse a todos os cidadãos brasileiros natos ou não, direitos e garantias plenas contemplados nos termos da Declaração Universal de Direitos Humanos, dando inicio a uma nova era baseado no respeito e proteção a dignidade humana, conforme artigo 5º, inciso XLVII – b.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade […], XLVII – não haverá penas: […], b) de caráter perpétuo,” (CF/88, 2009, P. 04) [25]
O disposto no artigo 5º surge como efetiva garantia aos direitos individuais e coletivos, destacando-se como aparato protetivo dos direitos das gentes e tais dispositivos constitucionais é afrontada pelo Decreto 1260/81 em diversos de seus artigos e incisos. Ocorre que a própria constituição Federal, ainda elencou pra si a responsabilidade de reger a conduta dos agentes públicos ao estabelecer em seu texto os princípios basilares da administração publica, aos quais estão sujeitos todos os agentes públicos, não podendo os militares estar acima desses princípios ao manterem em vigor normas que afrontam sobre maneira tal base normativa e consequentemente direito e garantias nela estabelecidos, como expressa o Art. 37. “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Tais princípios se firmam pela forma hierarquizada que vigora a corporação bombeiro militar, tendo como base a hierarquia e a disciplina como critério para regular suas relações cotidianas, internas e externamente, em um mundo próprio com regras, condutas e afazeres distintos dos cidadãos civis. Leirner, ao referir-se ao tema, diz “[…] é a base sobre a qual se exteriorizam cotidianamente sinais de respeito, honras, cerimonial, continências, ordens e comandos; tudo isso executado pelos membros da Força, cada qual em uma posição no interior da instituição, sem que ao menos precisem ter consciência de que, tomadas em seu conjunto, as diferentes condutas são manifestações particulares que necessariamente transitam por esse princípio regulador coletivo que é a hierarquia”. [26] Pode-se dizer, portanto, que a partir dela se espelham as relações e a visão de mundo militar. Os próprios Estatutos militares são baseados em elementos axiológicos aos quais buscam valores fundamentais da moral como: disciplina, a honra, lealdade, profissionalismo, verdade, patriotismo, civismo, hierarquia, disciplina, dignidade humana, honestidade e a coragem. Diante da adoção de tais valores, surgem os deveres éticos que devem conduzir a conduta militar: cultuar os símbolos e as tradições da Pátria, do Estado e da sua Instituição atuar com devotamento ao interesse público, colocando-o acima dos anseios particulares, etc. Para Luiz Marques de Mello, “[…] no caso dos Bombeiros Militares os deveres lhes impõem a salvaguarda de vidas alheias e riquezas, mesmo com risco a vida própria”,[27] diante da adoção de tais valores, surgem os deveres éticos de conduzir uma vida militar com devotamento, cumprirem deveres, servir a comunidade, proceder de maneira ilibada, proteger as pessoas, atuar com eficiência, probidade, abnegação e desprendimento pessoal, etc.
3.2.1. Medidas Coercitivas de caráter aflitivo (sansão imposta)
A sanção é medida coercitiva imposta pela norma jurídica ante o desvio de conduta praticado por agentes, cuja conduta lesiva a norma posta esta passiva de pena purgativa, pelo descumprimento da regra predeterminada de forma impositiva. Na lição de Rafael Mello, “A sanção […] é medida de caráter aflitivo, cujos efeitos causam um mal a quem descumpre os comportamentos previstos no ordenamento jurídico”. Classificam-se em duas categorias: de caráter retributivo e de caráter ressarcitório. “[…] A finalidade da sanção retributiva, penal ou administrativa, é preventiva: pune-se para prevenir a ocorrência de novas infrações”.[28] Embora seja difícil negar, visto a natureza da pena veemente punitiva, a autores que defenda que tal espécie traz em seu condão natureza tão somente de desestimular a reincidência da mesma espécie de delitos, principalmente na esfera administrativa, Daniel Ferreira (ob. cit., p. 90), “[…] sanção administrativa ressarcitória não se esgota na imposição de um mal ao infrator, mas vai além da medida aflitiva imposta pela Administração Pública, tem como referência a pessoa que sofreu o dano, obrigando o infrator a repará-lo. […]” [29]·. Por outro lado, para Marcos José da Costa, sanção é gênero e divide-se em duas espécies: corretiva e depurativa, sendo:
“Corretiva: é aquela […] de caráter preventivo individual, visando coibir que o sujeito ativo não mais cometa tal ilícito administrativo praticado; preventivo coletivo (interna corporis), com o intuito de evitar a sensação de impunidade aos demais, coibindo a prática de atos ilícitos por outros policiais militares, e por fim o principio maior (finalístico) da reeducação. Depurativa: é a que tem como condão o ideal retributivo e preventivo coletivo, diferindo na ausência do caráter preventivo individual e reeducativo, pois este tipo de sanção visa excluir o militar da organização, haja vista que uma aplicação de sanção corretiva não atingiria o efeito finalístico”, (RDPMSP, 2000, P. 145) [30].
Na primeira, pune-se o autor visando servir de exemplo para que outros não venham a cometer o mesmo fato delituoso, tem finalidade primordial em si à reeducação do infrator. A segunda é preventiva é também coletivo, porém não trás o caráter de reeducação nem de prevenção individual visto que este tipo de sanção busca a máxima pena administrativa, ou seja, a exclusão das fileiras militares, atingindo somente ao infrator. Ainda segundo o Código Disciplinar dos Militares do Estado de Pernambuco, sanção é uma pena aplicada àqueles a qual estão sujeito, os militares, objetivando o estabelecido no artigo 27 do que diz: “[…] é a sanção administrativa imposta ao militar estadual, com o objetivo de fortalecer a disciplina, a partir da reeducação do transgressor penalizado e da coletividade a que ele pertence, visando evitar a prática de novas transgressões”.[31]Conforme pode se verificar na apresentação de vários juristas, a sansão tem como objetivo uma pena, a qual não pode ter outra finalidade senão coibir desvios de condutas, dessa forma não poderá trazer consigo outro objetivo que não este.
3.2.2. O Prejuízo pessoal que aduz a Sanção
A punição na esfera militar, trás ao imputado uma serie de prejuízos em igual medida como ocorre na esfera penal quando imposta além da medida necessária, traz ao militar punido a sensação de incapacidade, desvalorização, desanimo, desmotivação pela carreira, percepção de rejeição, por parte daqueles de quem esperava apoio. Essa sensação de impotência frente aos superiores o conduz muitas das vezes a entrega ao vício do alcoolismo, tabagismo, drogas, instabilidade financeira e consequentemente afastamento dos familiares a reincidência nas diversas causas de transgressões disciplinares. Dessa forma uma punição arbitraria por si só já corresponde uma afronta à dignidade do imputado, como bem ressalta excelentíssimo desembargador do TJSP, MARCO ANTONIO MARQUES DA SILVA, ao dizer que: “A dignidade da pessoa humana é o reconhecimento constitucional dos limites da esfera de intervenção do Estado na vida do cidadão e, por esta razão, os direitos fundamentais, no âmbito do poder de punir do Estado”.[32]Tais ações interferem diretamente na vida dos apenados quando por uma medida muitas vezes arbitraria ou que exacerba a medida de punir, acaba por impedir o agente de ascender profissionalmente na carreira ou lhe causa estagnação o que significa distanciamento dos pares, impossibilidade de melhora financeira, incerteza de um futuro promissor na instituição a qual serve, além do respeito dos pares e admiração de seus subordinados.
3.2.3. Procedimentos Apuratório Inadequados: Ampla Discricionariedade do Julgador
Dentre os grandes problemas causados pela não previsão legal de um procedimento administrativo coerente e respeitador dos direitos e garantias constitucional consistem na ampla discricionariedade do julgador na hora de imputar uma pena ao acusado, não raras vezes ficam além do necessário para corrigir o sentenciado. No entendimento de DI PIETRO, os processos administrativos regem-se pelo principio da atipicidade dessa forma justifica-se a ampla discricionariedade do julgador, o que legaliza sua conduta, e enfatiza tal entendimento dizendo:
“Ao contrário do Direito Penal, em que a tipicidade é um dos princípios fundamentais, decorrente do postulado segundo o qual não há crime sem lei que o preveja (nullumcrimen, nullapoenasine lege), no Direito Administrativo prevalece à atipicidade, no sentido de que muitas infrações administrativas não são descritas com previsão na lei,” (DI PIETRO, 2009, P. 610). [33]
Em sentido contrario defende Rafael Munhoz de Mello, que a sanção e a correspondente conduta proibida devem ter sido criadas pela lei formal antes da ocorrência do fato (princípio da anterioridade ou irretroatividade). Devem igualmente obedecer aos seguintes princípios:
“[…] – lex scripta, lex certa e lex previa – […] a sanção administrativa só será validamente aplicada se estiver prevista em lei formal anterior ao fato, que descreva com clareza a conduta ilícita e a própria medida punitiva. Daí serem eles analisados em conjunto. No campo do direito administrativo sancionador, o princípio da legalidade exige que o ilícito administrativo e a respectiva sanção sejam criados por lei formal. Apenas o legislador pode tipificar uma conduta como ilícito administrativo e imputar à sua prática uma sanção administrativa. Trata-se de aplicação, no direito administrativo, do princípio nullum crimen nulla poena sine lege, previsto no inciso XXXIX do art. 5º da Constituição Federal, (MELLO, R, 2009, P. 156).[34].
Desta forma não se pode admitir procedimento administrativo sancionador que não tutele os princípios garantidores da dignidade da pessoa humana, garantido no art. 1º, III, da CF/88, capazes do cerceamento da liberdade em flagrante desrespeito a Constituição Federal, que veda expressamente procedimento sem base legal incapaz de garantir ao imputado à ampla defesa e o contraditório como expressado no art. 5º e incisos II, LIV e LV:
“II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei e ainda; LIV – ninguém será privado da liberdade […] sem o devido processo legal; LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, (CF/88, 1989, P. 02). [35]
Como se nota a própria Constituição da Republica, elenca as garantias a serem respeitadas nos processos apuratórios, não excepcionando em momento algum os militares, portanto não pode uma lei ordinária disciplinar procedimentos trazendo disposições contrariar ou em choque com o texto originário. Neste diapasão Diógenes Gomes Vieira no Manual prático do Militar, citando diz que a Administração Castrense não possui poder discricionário ilimitado, pois nos próprios regulamentos constam atos vinculados, que assim são definidos por Mello: “[…] seriam aqueles em que, por existir prévia e objetiva tipificação legal do único possível comportamento da Administração […],[36] (VIEIRA, 2009, apud, MELLO, 2002, P. 380), ao expedi-los, não interfere com apreciação subjetiva alguma”. Ressalta ainda que, “tudo isso significa dizer que o superior hierárquico detém poderes discricionários para avaliar a transgressão disciplinar e poder decisório sobre a mesma, entretanto estão obrigados a cumprir certas regras discriminadas nos regulamentos, na Constituição Federal de 1988 e demais normas jurídicas superiores. Por igual força se descumprir uma norma jurídica, estará cometendo um ato ilegal ou inconstitucional. E se descumprir a lei, estará ultrapassando seu poder administrativo, logo, o poder judiciário poderá analisar a punição disciplinar”.[37]
3.2.4. O PREJUÍZO DO NÃO CANCELAMENTO DE PUNIÇÕES: Impedimento de Ascensão na Carreira, Negativa de Condecoração e Punição de Caráter Perpetuo
Nas organizações militares como um todo se rege por princípios que visão a dominação e submissão total do subordinado frente ao superior como bem apresentam Rosa e Brito no artigo intitulado Corpo e Alma nas organizações, […] visam, sobretudo, a uma espécie de dominação total do sujeito, ou seja, possuí-lo de corpo e alma na organização militar.[38] Em outros termos, o caráter educativo das punições nos remete ao poder disciplinar descrito por Foucault (1987), em que se busca a normalização dos agentes, fazendo-os funcionar de acordo com a norma, punindo os desviantes e recompensando os normalizados. [39] Com essas medidas muitos oficiais extrapolam na dosimetria da medida punitiva, maculando para sempre a vida do militar desviante em especial praças e “Soldados” em inicio de carreira e em fase de adaptação ao meio militar, por conta de não entenderem muito a rotina da caserna, acabam pagando um tanto caro por conta de um julgamento incoerente e desumano que os leva a purgar por toda vida por um deslize sem possibilidade de revisão da medida.
Para o Bombeiro Militar a condecoração com medalhas representa a maior homenagem a que pode se almeja um agente publico, representando o reconhecimento por toda dedicação e esmero na execução de suas atividades laborais em um determinado lapso temporal ou por relevantes serviços prestados, possibilitando-o ser destacado entre os demais de sua classe. Desta forma, como preconiza as normas regulamentadora para se alcançar tão sonhada honraria, prescinde que agente não possua em seu curriculum qualquer punição conflitante com os preceitos estabelecidos no Art. 62 e incisos do Regulamento Disciplinar.
Desta forma o militar que por qualquer deslize tenha sofrido ao longo da sua vida uma punição enquadrada como atentatório ao dever policial militar ou decoro da classe será para sempre indigno de receber qualquer comenda de honra por parte de seus superiores hierárquicos. Mesmo porque são quesitos obrigatórios e necessários para fazer jus a tão esperado reconhecimento, conforme aduz o Art. 4º do Decreto nº 6.369, de 21 de fevereiro de 1.992[40] e a previsão de ser caçada se o militar “tiver cometido atitude contrária à dignidade e à honra militar”, Art. 12º do Decreto nº 10.529, de 29 de outubro de 2001[41].
Observa-se que a única forma de voltar a ter o direito àquilo que expressa o reconhecimento perante todos de relevantes serviços prestados a sociedade e a corporação, qual seja uma medalha, somente ocorrerá tendo sua situação modificada com o cancelamento das punições sofridas, tornando-o merecedor de fazer jus ao recebimento de tal menção elogiosa. Porém o cancelamento de punições só alcançará efeito se e somente se no bojo do processo possuir a observação de que a punição sofrida não for objeto de fato que atenta contra o sentimento do dever, a honra pessoal, ao pundonor militar ou decoro da classe, conforme preceitua o Art. 62 e incisos.
“Art. 62 – O cancelamento da punição pode ser conferido ao policial militar que o requerer dentro das seguintes condições: I – não ser a transgressão, objeto da punição, atentatória ao sentimento do dever, à hora pessoal, ao pundonor policial militar ou ao decoro da classe; II – ter bons serviços prestados, comprovados pela análise de suas alterações”; (DECRETO 1.260/81).[42].
Pode se asseverar que tal norma regulamentadora em voga se contradiz, ao afirmar que a punição disciplinar dever ter em vista benefício educativo e como objetivo o fortalecimento da disciplina. Ora se o militar punido demonstra ter se corrigido a ponto de passar a ser destaque entre seus pares recebendo elogios como forma de reconhecimento, isso deveria bastar para demonstrar correção de atitudes. Porém verifica-se que na prática isso não ocorre e o dispositivo normativo impede que o ato praticado seja esquecido tornando-se fator extremamente desmotivador ao militar punido, obrigando-o a amargar para sempre a macula da punição por toda sua carreira maculando-o como um “militar alterado”, indigno de reconhecimento por um ato geralmente ocorrido no inicio da carreira. Pois após a primeira punição enquadrada como atentatório a certos preceitos militar, jamais poderá ao menos ter sua situação reexaminada por outra autoridade alheia ao ocorrido e com possibilidade de isenção no apreço.
Verifica-se assim que as punições disciplinares impostas aos militares em certas ocasiões tornam-se pena de caráter perpetuo vez que não poderá ser objeto de apreço, em qualquer ocasião, afrontando sobremaneira os preceitos da Carta Maior e o próprio Pacto de São José da Costa Rica, o qual o Brasil é signatário. No mesmo sentido, porém não menos importante refere-se ao lapso temporal estabelecido pelo mesmo regulamento disciplinar, em desarmonia com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade ao estabelecer tempo mínimo para se recorrer de uma punição em cinco anos sem qualquer punição. “Art.62 – O cancelamento da punição pode ser conferido ao policial militar que o requerer dentro das seguintes condições: […] IV – ter completado, sem qualquer punição; […] b) cinco anos de efetivo serviço, quando a punição a cancelar for de repreensão ou detenção”. Tais dispositivos legais estatuídos nas corporações militares tem motivado enormes injustiças no interior da caserna e na vida dos seus agentes, por não corroborar com a aplicação de preceitos geradores da dignidade humana, levando o militar a uma vida de reiterados insucessos, desmotivação e até estagnação nas fileiras militar, ferindo direitos humanos como bem assevera Lynn Hunt ao falar sobre o tema direitos humano que “[…] são difíceis de determinar […], sua própria existência, depende tanto das emoções quanto da razão […], temos muita certeza de que um direito humano está em questão quando nos sentimos horrorizados pela sua violação […]”.[43]
3.2.5. DO CANCELAMENTO DAS PUNIÇÕES: Recuperação de dignidade
Após alcançar o feito de ficar no mínimo cinco anos sem ser punido para que o cancelamento de uma punição se torne possível, faz-se necessário obter ainda das autoridades coatora o reconhecimento de seu empenho e dedicação de forma suficiente para conseguir alguns elogios por bons serviços prestados, que é o reconhecimento por ter se destacado entre os demais por algum feito, em igual medida das punições impostas e só assim poderá recorrer à autoridade máxima do Corpo de Bombeiros Militar, qual seja o Comandante Geral e somente esta por ato meritório cancelar a punição sofrida. Conforme estabelece o Art. 61 do RDPM-MS: “O cancelamento de punição e o direito concedido ao policial-militar de ter cancelada a averbação de punições e outras notas a ela relacionadas, em suas alterações”.[44]
Ao buscar o cancelamento de uma punição sofrida, em especial quando sofrida sem base legal ou tendo esta afronta aos preceitos fundamentais da Constituição, traz a quem busca tal direito à mesma sensação descrita pelo jurista Cansado Trindade, ao discorrer sobre a busca da dignidade da pessoa humana como sendo um caminho de difícil labor, descrevendo, “É como estar constantemente empurrando uma rocha para o alto de uma montanha, voltando a cair e a ser novamente empurrada para cima. Entre avanços e retrocessos, desenvolve-se o labor de proteção”.[45] Neste sentido o Decreto 1.260/80 Regulamento Disciplinar dos Bombeiros Militar, traz como previsão a possibilitar ao militar prejudicado após purgar por longo lapso temporal conseguindo superar todo rancor, amargura e humilhação da punição, direitos a recorrer da decisão.
Observa-se que não basta o militar corrigir sua atitude, modificar sua conduta, considerada inadequada por ocasião da punição e conseguir o reconhecimento publico de seus superiores por bons serviços prestados, precisa ir além, faz-se necessário que a punição sofrida não esteja enquadrada, na vedação imposta no regulamento disciplinar, qual seja, punição atentatória a honra e ao pundonor militar. Mas fica a duvida como qualificar tais dispositivos e o que venha a ser na prática isso? Norberto Bobbio salienta, sempre foi longo e doloroso o caminho para aqueles que buscam o reconhecimento daquilo que lhe é essencial, qual seja, a dignidade como pessoa humana frente ao arbítrio do poder estatal e acrescenta:
“[…], nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (…) o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras cultuas,” (BOBIO, 2004, P. 18) [46]. .
Desta forma verifica-se que para se alcançar aquilo que se entenda como ideal no trato dentro da caserna será necessário continuar a luta por dias melhores até se alcançar um nível aceitável de direitos e respeito à dignidade humana no cotidiano da caserna militar. Já dizia o saudoso mestre Bobbio, “A liberdade e a igualdade dos homens não são um dado de fato, mas um ideal a perseguir, não são uma existência, mas um valor; não são um ser, mas um dever ser”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após longo e penoso caminho percorrido pelas nações buscando respeito à dignidade da pessoa humana e implantação nas Constituições pátrias dos direitos humanos como objeto a ser almejado. No Brasil a positivação de um louvável aparato normativo em prol da dignidade humana, abertura para introdução de novos instrumentos, ampliando assim o leque de proteção através de acordos, convênios e tratados, verifica-se que o grande problema na implantação se dá por conta da falta de amadurecimento jurídico, social e políticos da sociedade o desconhecimento do tema de sua importância e do alcance enquanto direito. Já dizia Lynn Hunt, “para que os direitos humanos se tornassem auto evidentes, as pessoas comuns precisaram ter novas compreensões que nasceram de novos tipos de sentimentos”.[47] Em igual entendimento salienta Bobbio que não basta criar normas positivadas, assinar tratados, convênios, e outros meios e preciso ir além. Não se tratam de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los e para impedir que apesar das solenes declarações eles sejam continuamente violados.[48]
A democratização brasileira muito avançou em consolidar direitos humanos, no entanto as instituições militares em especial o Corpo de Bombeiros Militar, parou no tempo e custam a se render as necessidades de avançar na busca do respeito e fomento dos direitos humanos como regra. Neste sentido a corporação continua a guiar-se por um Regulamento Disciplinar em evidente afronta a preceitos fundamentais se estabelecendo em três quesitos principais: Grande margem de discricionariedade do julgador, punições irrevogáveis, lapso temporal muito grande para possibilidade de revisão do ato, em certas punições. Tal instrumento mostra-se inadequado para atender as demandas nele proposto, qual seja, fortalecimento da disciplina bem como benefício educativo ao punido e a coletividade a que ele pertence, conforme estabelece o artigo vinte e dois do instrumento. Neste sentido nos ensina Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Quando uma sanção é aplicada, o que se pretende com isto é tanto despertar em quem a sofreu um estímulo para que não reincida, quanto cumprir uma função exemplar […]. Não se trata, portanto, de causar uma aflição, um ‘mal’, objetivando castigar o sujeito, levá-lo à expiação pela nocividade de sua conduta. O Direito tem como finalidade unicamente a disciplina da vida social, a conveniente organização dela, para o bom convívio de todos e bom sucesso do todo social, nisto se esgotando seu objeto”, (MELLO, 2005, P. 745). [49]
Na lição do jurista, a sanção quando aplicada visa desestimular quem sofreu a pena voltar a delinquir e o sofrimento que passa o autor basta, para encerrar-se em si mesmo a expiação servindo de exemplo para os demais, portanto, não vindo este a novamente delinquir deve ter seu desvio esquecido e doravante trata-lo com respeito em sua dignidade humana. Assim defendia Bobbio, “os direitos do homem são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização, etc., etc.”.[50]
Além da afronta a norma maior da Republica, e do expresso cerceamento de direitos fundamentais o vigente Regulamento Disciplinar não traz nenhum dispositivo que exija que em tais circunstancies seja necessário cumprimento de algum requisito específico, sendo assim outro erro premente no estatuto, pois algumas interpretações são no sentido de que a impossibilidade de apreço de qualquer recurso de cancelamento de punição que tenha sido enquadrada como atentatória ao sentimento do dever, à hora pessoal, ao pundonor policial militar ou ao decoro da classe. Porém a interpretação prática de situações fáticas enquadradas nestes elementos fica sempre a bel prazer do julgador, de forma subjetiva. Trazendo com isso ampla possibilidade de uma decisão errônea, a qual só poderá ser revista em eventual ação judicial, vez que precisa ira além dos princípios formais do processo, conforme entendimento firmado pelo STJ:
“Por força dos princípios da proporcionalidade, dignidade da pessoa humana e culpabilidade, aplicáveis ao regime jurídico disciplinar, não há juízo de discricionariedade no ato administrativo que impõe sanção a Servidor Público em razão do cometimento de infração disciplinar, de sorte que o controle jurisdicional é amplo, não se limitando, portanto, somente aos aspectos formais (MS 13.083/DF-2007/0217.736-7, 3.ª Seção, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j.13.05.2009,DJ e 04.06.2009).[51]”.
Embora seja fundamental a hierarquia e disciplina nas instituições militares como regras basilares e isso não se discute, porém nos dias atuais tornou-se imprescindível e isso é indiscutível necessidade de um processo administrativo que se garanta ao acusado um julgamento justo e garantidor da ampla defesa e do contraditório.[52]. Neste sentido bem observa em sabias palavras o filósofo Sêneca “Quem decide um caso sem ouvir a outra parte não pode ser considerado justo, ainda que decida com justiça”.[53] Não discordo da salutar necessidade de um Regulamento Disciplinar Militar pautado na exigência de conduta ilibada dos seus agentes, tanto no cotidiano diário da caserna, como na vida civil, no entanto, faz-se mister que da mesma que se cobra seja garantida a preservação da honra pessoal, da vida digna, da soberania intangível da preservação dos direitos individuais. Com o advento da Constituição Federal de 1988, a qual traz como dever a inviolabilidade dos direitos e garantias individuais, torna-se inadmissível que ainda vigore nas instituições militares o preceito da verdade sabida, da prisão como regra e do abuso de autoridade em nome da preservação da hierarquia e disciplina, fazendo-se necessário, regulamentos disciplinares que vige para corrigir os desvios de conduta e não para serem utilizados como objetos de pressão e de perseguição, desrespeitando a própria Carta Política, com seus ideários de distribuição de justiça. É preciso que se crie um Código de Ética Militar que venha reformulado na forma da lei maior e que assegure, não só o direito, como os meios para garanti-los, trazendo expressas punições na norma para quem arbitrariamente os renega.
Oficial Bombeiros Militar bacharel em Direito pela Universidade da Grande Dourados – UNIGRAN pós graduado pela Faculdades de direitos e Relações Internacionais – FADIR/UFGD
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