União homoafetiva e dupla maternidade: algumas implicações no registro civil

Resumo: Admitindo que não deve haver obstáculo no âmbito estatal ao reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo, em virtude do respeito que se deve manter em relação à livre orientação sexual dos indivíduos, além da valorização do afeto que norteia as relações de família, é preciso estabelecer que a escrituração do registro público no Brasil, na sua prática cotidiana, espelhe esse pensamento, independente de resoluções ou ordens de serviço emanadas de esferas superiores. O registro público não deve apenas observar o fato biológico, mas a realidade social.

Abstract: Assuming that there should be no obstacle at the state level to the recognition of same-sex unions, due to the respect to be maintained in relation to the free sexual orientation of individuals, as well as the appreciation of the affection that governs family relations, it is necessary that the bookkeeping of the public registry in Brazil, in its daily practice, mirrors that thought, independent of resolutions or orders of service emanating from higher spheres. The public record should not only observe the biological fact, but the social reality.

Sumário: Dupla maternidade e paternidade. Registro Civil. Realidade fática e registral.

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Introdução

Existem duas questões de natureza registral que precisam ficar compreendidas em matéria de homoafetividade, a primeira é que não se pode opor obstáculo à formalização da união entre pessoas do mesmo sexo (o que já parece sedimentado) e a segundo é que a prole, havida dessas relações, deve ser igualmente levada a registro de acordo com a vontade manifestada pelas partes envolvidas.

Não se trata de terreno fácil de caminhar, uma vez que essas questões estão vinculadas a valores profundamente arraigados na cultura ocidental, especialmente ao modelo de família obediente a um padrão patriarcal e sexista, hoje em franca modificação. Com efeito, não se pode afirmar em matéria de família que os modelos decaem, porque a palavra correta é que eles se modificam, se amoldam, na mesma medida em que o padrão comportamental humano se modifica.

O que era inadmissível ontem já não o é hoje, o espírito humano encontra-se em permanente devir (transformação), o que faz da metamorfose ambulante do poeta[1] ser a mais eloquente tradução da condição humana.

Numa situação de fato que tive oportunidade de opinar, duas mulheres levaram ao Judiciário uma ação de reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva, em caráter consensual. Adicionalmente pediram que fosse reconhecida a condição de dupla maternidade à filha biológica de uma delas, concebida mediante inseminação artificial obtida a partir de um banco de sêmen.

Não informaram bens a serem partilhados em virtude da dissolução da sociedade conjugal, nem da necessidade de prestação de alimentos uma em relação à outra. Na mesma petição estabeleceram uma guarda compartilhada (na verdade alternada), ao regularem a forma como procederiam em relação à filha.

Efetivamente, as autoras mantiveram uma relação estável, homoafetiva (ou homossexual), em caráter permanente, com características semelhantes à união de pessoas de sexo diferente, contempladas pela norma legal com o casamento, o que se pode inferir pelos documentos acostados, de maneira que os fatos eram inegáveis. Mas os desencontros da vida, embora a vida seja a arte do encontro[2], fizeram o amor terminar, por isso essas duas mulheres pediram que fosse reconhecida e havida como dissolvida a relação entre ambas, como um sucedâneo do divórcio.

Naquele caso o nosso opinativo foi no sentido de que fosse acolhido o pleito na sua integralidade, inclusive considerando o fato de que os cartórios de registros civis estão sujeitos à obediência estrita da norma, não podendo realizar qualquer registro fora do padrão convencionado. Portanto, acreditamos que aquela ação seguirá positivamente no sentido em que foi requerida.

1. Do reconhecimento da relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo: considerações gerais.

A dinâmica da vida nos apresenta multiplicidade de fatos em crescente complexidade e dentre eles, a relação entre pessoas do mesmo sexo que, outrora havida no subterrâneo das famílias, hoje se vê às escâncaras na via pública. E essas relações estão sujeitas a todas as consequências e interdependências naturais semelhantemente às que ocorrem entre pessoas de sexo diferente, vale dizer, carecem de tutela estatal, malgrado a omissão da norma.

Não pode o Judiciário virar as costas a essa questão simplesmente pelo fato de que o legislador não contemplou a hipótese e, portanto, ela não seria merecedora de prestação jurisdicional. Se a lei for omissa, o juiz deverá decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.[3] Aliás, esse tem sido o caminho que a norma percorre antes de assumir a forma de lei, as fontes subsidiárias à lei formal vão contornando e disciplinando as matérias, até que elas ganhem status de norma jurídica, constitucionalmente posta.

No particular é bom observar que a inexistência da lei não é um problema para a solução do caso, conforme a doutrina de Kelsen:

“Num sentido muito amplo, toda conduta humana que é fixada num ordenamento normativo como pressuposto ou como consequência se pode considerar como autorizada por esse mesmo ordenamento e, neste sentido, como positivamente regulada. Negativamente regulada por um ordenamento normativo é a conduta humana quando, não sendo proibida por aquele ordenamento, também não é positivamente permitida por uma norma delimitadora do domínio de validade de uma outra norma proibitiva – sendo, assim, permitida num sentido meramente negativo.”[4]

Isto quer dizer que as condutas humanas, por serem plúrimas, não podem todas elas estar contempladas num dado ordenamento jurídico, de sorte que quando este não prevê (mas também não veda determinada conduta), deve-se entendê-la como permitida, ou facultada.

Não é recente a constatação de que o homem encontra-se muito adiante da lei, o que representa um descompasso tremendo entre o Direito posto e a realidade social. Bobbio, mencionando esse deficit entre a lei e os fatos, menciona a corrente realista do juspositivismo nos seguintes termos:

“Normas jurídicas são, pois, aquelas que os juízes aplicam no exercício de suas funções, vale dizer, no dirimir as controvérsias. A definição realista do direito não faz consequentemente tanta referência ao legislador que estabelece a norma, mas sobretudo ao juiz que a aplica; naturalmente no aplicar as normas legislativas é possível que o juiz lhes modifique o conteúdo, e portanto, é possível uma divergência, uma defasagem entre o ordenamento do legislador e o dos juízes”.[5]

Portanto, o acolhimento da realidade social, não vedada em lei, é juridicamente possível, na medida em que não transgride a norma posta.

É oportuno e conveniente dizer, por outro lado, que o conceito de família não deve ser visto como engessado na norma constitucional de 1988 (grifamos):

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.(…)

§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. 

§ 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

Na literalidade da norma, entidade familiar seria a união entre homem e mulher, ou a comunidade formada por quaisquer dos pais e seus descendentes.

Na realidade vai longe o tempo em que a família era apenas a composição entre pessoas de sexos diferentes e os filhos decorrentes dessa união. A dinâmica da vida fez surgir outros modelos: os casais optaram por não ter filho algum, ou optaram por residir separados em imóveis distintos o homem da mulher; em outros casos as famílias cresceram a ponto de coabitarem genros e netos num mesmo lugar, as mulheres assumiram suas relações estáveis com outras mulheres, da mesma maneira que os homens e assim sucessivamente e nem por isso esses arranjos sociais (que objetivam a atender as necessidades humanas) deixam de ser famílias, ou podem deixar de ser consideradas famílias no sentido jurídico do termo. Isso porque o Direito não consegue contemplar todas as faces do homem em devir [6], desde sempre.

Nesta linha de raciocínio, chega-se ao ponto fundamental da questão: o reconhecimento da juridicidade de uma união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Adverte Tartuce o seguinte:

“Nota-se que, pela conceituação clássica, seguida nas edições anteriores desta obra, o casamento exigiria diversidade de sexos. Todavia, a tendência é o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou casamento homoafetivo, como fez o Superior Tribunal de Justiça ao final de 2011, conforme acórdão assim publicado no seu Informativo n. 486.”[7]

Essa “tendência” também é assinalada por Gonçalves:

“Como se observa, todas as definições apresentam o casamento como união entre homem e mulher, ou seja, entre duas pessoas de sexo diferente. Tal requisito, todavia, foi afastado pelo Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu expressamente a inexistência do óbice relativo à igualdade de sexos (uniões homoafetivas)”….[8]

Não há conceito mais discutido em sede de direito de família do que o casamento, porque ele origina a família e esta é o objeto de tutela desse ramo do conhecimento humano. Bem por isso o Supremo Tribunal Federal, pelo seu eminente Min. Ayres Brito, ao julgar a ADIN 4.277 (DISTRITO FEDERAL), menciona os  Princípios de Yogyakarta, conforme transcrição de trecho do seu voto:

“VIII. Princípios de Yogyakarta: o direito de constituir família, independente de orientação sexual ou identidade de gênero. Torna-se importante assinalar, por relevante, que a postulação ora em exame ajusta-se aos Princípios de Yogyakarta, que traduzem recomendações dirigidas aos Estados nacionais, fruto de conferência realizada, na Indonésia, em novembro de 2006, sob a coordenação da Comissão Internacional de Juristas e do Serviço Internacional de Direitos Humanos.

Essa Carta de Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero fez consignar, em seu texto, o Princípio nº 24, cujo teor assim dispõe:

“DIREITO DE CONSTITUIR FAMÍLIA

Toda pessoa tem o direito de constituir uma família, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero. As famílias existem em diversas formas. Nenhuma família pode ser sujeita à discriminação com base na orientação sexual ou identidade de gênero de qualquer de seus membros.

Os Estados deverão:

a) Tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras medidas necessárias para assegurar o direito de constituir família, inclusive pelo acesso à adoção ou procriação assistida (incluindo inseminação de doador), sem discriminação por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero;

b) Assegurar que leis e políticas reconheçam a diversidade de formas de família, incluindo aquelas não definidas por descendência ou casamento e tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras medidas necessárias para garantir que nenhuma família possa ser sujeita à discriminação com base na orientação sexual ou identidade de gênero de qualquer de seus membros, inclusive no que diz respeito à assistência social relacionada à família e outros benefícios públicos, emprego e imigração”;[9]

Importantes as conclusões decorrentes desse encontro ocorrido em 2006 na Indonésia, que desembocaram no entendimento óbvio de que as pessoas valem mais do que a norma, e de que o afeto deve ser valorizado na compreensão jurídica da família, o que se pode resumir em duas palavras: dignidade e respeito.

Entre nós ficou solucionada a questão a partir do Provimento 12/2012 da Corregedoria Geral de Justiça (CGJ) e da Corregedoria das Comarcas do Interior (CCI), publicado no Diário de Justiça Eletrônico (DJE) de 10/10/2012, que determina que os Tabelionatos de Notas do Estado da Bahia estão autorizados a realizar os procedimentos de escrituras públicas de inventário e partilha de bens, divórcio consensual, com ou sem partilha de bens, e de restabelecimento da sociedade conjugal, para casais homoafetivos, assim como os cartórios de registro civil passam a habilitar o casamento também entre pessoas do mesmo sexo.

Nas situações que envolvam incapazes será necessário submeter as questões ao juízo de família ou de registros públicos, conforme o caso.

2. Da dupla maternidade (e paternidade)

Ainda é polêmica a questão da dupla maternidade, não havendo uma norma que autorize o seu registro no Brasil, embora os tribunais a estejam aceitando, não apenas quando se trata das relações homoafetivas. Exemplo disso é o Processo n. 0006422-26.2011.8.26.0286, da Comarca de Itu (2ª Vara Cível), na apelação cível assim ementada:

“EMENTA: MATERNIDADE SOCIOAFETIVA Preservação da Maternidade Biológica Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família – Enteado criado como filho desde dois anos de idade Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes – A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade Recurso provido”

Na questão antes mencionada, o T.J. de São Paulo, pela 1ª Câmara de Direito Privado, entendeu possível a existência de duas mães no registro de nascimento de determinado homem que, tendo perdido a mãe biológica em trágico acidente aos dois anos de idade, fora criado pela madrasta, havida em suas considerações pessoais como sua mãe. Assim, autorizou o judiciário a inscrição dos nomes das duas mulheres no registro que passou a constar a dupla maternidade.

No seu voto, o relator ALCIDES LEOPOLDO E SILVA JÚNIOR pontuou:

“O art. 1.593 do Código Civil é expresso no sentido de que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.

De “outra origem”, sem dúvida alguma, pode ser a filiação socioafetiva, que decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes.”

Brasil afora os tribunais reconhecem a possibilidade da dupla maternidade:

“STJ – RECURSO ESPECIAL REsp 889852 RS 2006/0209137-4 (STJ)

Data de publicação: 10/08/2010

Ementa: qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores". 7. Existência de consistente relatório social elaborado por assistente social favorável ao pedido da requerente, ante a constatação da estabilidade da família. Acórdão que se posiciona a favor do pedido, bem como parecer do Ministério Público Federal pelo acolhimento da tese autoral. 8. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e os menores sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa situação como a que ora se coloca em julgamento. 9. Se os estudos científicos não sinalizam qualquer prejuízo de qualquer natureza para as crianças, se elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao Estado, ao mesmo tempo, assegurar seus direitos, o deferimento da adoção é medida que se impõe. 10. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da realidade, são ambas, a requerente e sua companheira, responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que a elas, solidariamente, compete a responsabilidade. 11. Não se pode olvidar que se trata de situação fática consolidada, pois as crianças já chamam as duas mulheres de mães e são cuidadas por ambas como filhos. Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças, e não houve qualquer prejuízo em suas criações. 12. Com o deferimento da adoção, fica preservado o direito de convívio dos filhos com a requerente no caso de separação ou falecimento de sua companheira. Asseguram-se os direitos relativos a alimentos e sucessão, viabilizando-se, ainda, a inclusão dos adotandos em convênios de saúde da requerente e no ensino básico e superior, por ela ser professora universitária. 13. A adoção, antes de mais nada, representa um ato de amor, desprendimento. Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, é um gesto…

DUPLA MATERNIDADE – POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO STJ – REsp 889852-RS RECURSO ESPECIAL REsp

O problema que precisa ser resolvido, no plano prático, é a possibilidade de as pessoas irem aos cartórios de registro civil formalizarem essas situações de fato novas no registro público, sem necessidade de recorrer ao judiciário para tanto.

2.1 A questão do registro de nascimento

Entendemos que a situação do registro de dupla maternidade, ou paternidade, não é de exclusiva competência de vara de família, conforme a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação Nº: 0022096.83.2012.8.26.0100, apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo, apelado: G.N.P. e outra, comarca: São Paulo.

Alguns podem objetar afirmando que a filiação se trata de uma questão de estado, portanto não é de mero registro público. Além disso, seria necessário obter autorização judicial para o registro da dupla maternidade.

Respondemos não para a duas afirmativas.

Não se nega que a filiação diga respeito ao estado da pessoa, mas ela se constitui mediante declaração do interessado no momento do registro de nascimento. As retificações posteriores a ele, entretanto, devem ser submetidas ao juiz da vara de registros públicos, onde houver, por força do disposto no artigo 109 da L.R.P.. No particular entendemos que a regra de rigidez na alteração registral lhe confere uma necessária credibilidade.

Tentando encontrar um caminho para essa questão proponho a interpretação dos seguintes artigos da Lei 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos):

“Art. 13. Salvo as anotações e as averbações obrigatórias, os atos do registro serão praticados:

I – por ordem judicial;

II – a requerimento verbal ou escrito dos interessados;

Art. 59. Quando se tratar de filho ilegítimo, não será declarado o nome do pai sem que este expressamente o autorize e compareça, por si ou por procurador especial, para, reconhecendo-o, assinar, ou não sabendo ou não podendo, mandar assinar a seu rogo o respectivo assento com duas testemunhas.

Art. 60. O registro conterá o nome do pai ou da mãe, ainda que ilegítimos, quando qualquer deles for o declarante.”

Da simples leitura do texto legal compreende-se que o homem pode ir ao registro civil e declarar a paternidade a qualquer tempo. Ora, se é assim em relação ao homem, por que não pode ser em relação à mulher?[10] A mulher não estaria em condições de dirigir-se ao cartório de registro e declarar a sua maternidade afetiva? Os atos do registro não serão praticados a requerimento verbal ou escrito dos interessados, como diz o caput do artigo 13? É necessário provar afeto em juízo?

Diz o artigo 59 que se se tratar de filho ilegítimo (havido fora do casamento), não será declarado o nome do pai sem que este expressamente o autorize e compareça, por si ou por procurador especial. Por que não pode a mulher fazer o mesmo?

O artigo 60 parece chancelar o nosso raciocínio: mesmo que o filho seja ilegítimo (havido fora do casamento) deverá constar o nome do pai e da mãe, quando qualquer deles for o declarante.

Portanto a conclusão é de que, não havendo vedação expressa na Lei 6.015/73, pelo contrário, verificando-se inclusive que ela apresenta degraus onde se pode apoiar o entendimento de que está autorizado levar a  registro o nascimento onde se faça constar o nome da mãe biológica e da mãe afetiva, assim do pai biológico e do pai afetivo, ou de dois pais afetivos, de duas mães afetivas e quaisquer outros arranjos que as relações humanas possam conceber e tornar realidade social.

No século XXI é preciso que a mentalidade dos operadores do direito brasileiro mude, no sentido de que se compreenda que não se deve servidão à norma, porque ela não tem em si mesma algum fim. Não há lição mais adequada do que a ministrada há dois mil e poucos anos atrás, quando o Mestre advertiu: O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado.[11]

 

Referências

GONÇALVES, Carlos Roberto. DIREITO CIVIL BRASILEIRO. Saraiva. 2013.

TARTUCE Flávio e SIMÃO, José Fernando. DIREITO DE FAMÍLIA. Ed. Método. 2014

 

Notas
[1]Raul Seixas
[2]Vinícius de Moraes
[3]DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942.
 Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro
 Art. 4o  Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
[4]KELSEN, Hans. TEORIA PURA DO DIREITO. Martins Fontes. Trad. João Batista Machado. p. 18.
[5]BOBBIO, Norberto. O POSITIVISMO JURÍDICO – Lições de Filosofia do Direito. Ícone. Tradução de Márcio Puglise e outros. p. 143.
[6]Devir (do latim devenire, chegar) é um conceito filosófico que significa as mudanças pelas quais passam as coisas.1 2 O conceito de "se tornar" nasceu no leste da Grécia antiga pelo filósofo Heráclito de Éfeso que no século VI a.C., disse que nada neste mundo é permanente, exceto a mudança e a transformação.
[7]TARTUCE Flávio e SIMÃO, José Fernando. DIREITO DE FAMÍLIA. Ed. Método. p.36.
[8]GONÇALVES, Carlos Roberto. DIREITO CIVIL BRASILEIRO. Saraiva. p. 40.
[9]AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.277 DISTRITO FEDERAL
RELATOR :MIN. AYRES BRITTO
REQTE.(S) :PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADV.(A/S) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) :CONGRESSO NACIONAL
INTDO.(A/S) :CONECTAS DIREITOS HUMANOS
INTDO.(A/S) :ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE GAYS, LÉSBICAS E
TRANSGÊNEROS – ABGLT
ADV.(A/S) :MARCELA CRISTINA FOGAÇA VIEIRA E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) :ASSOCIAÇÃO DE INCENTIVO À EDUCAÇÃO E SAÚDE DE
SÃO PAULO
ADV.(A/S) :FERNANDO QUARESMA DE AZEVEDO E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) :INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA – IBDFAM
ADV.(A/S) :RODRIGO DA CUNHA PEREIRA
INTDO.(A/S) :ASSOCIAÇÃO EDUARDO BANKS
ADV.(A/S) :REINALDO JOSÉ GALLO JÚNIOR
INTDO.(A/S) :CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL – CNBB
ADV.(A/S) :JOÃO PAULO AMARAL RODRIGUES E OUTRO(A/S)
[10]Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
       I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
[11]Mc 2:27

Informações Sobre o Autor

Maurício Cerqueira Lima

Promotor de Justiça do Estado da Bahia, com atribuições na 8ª Vara de Família de Salvador. Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Católica do Salvador – UCSal (1992). Especialização em Ciências Criminais e Segurança Pública pela Universidade Jorge Amado – Unijorge. 2009. Concluinte de pós graduação em Filosofia pela Universidade Estácio de Sá. É escritor. http://lattes.cnpq.br/4942649167721851


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Equipe Âmbito Jurídico

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