Vilipêndio é, por certo, uma palavra não muito familiar.
Contudo, o crime que representa o vilipêndio de cadáver é conhecido da população.
Trata-se do desrespeito, do ultraje para com um cadáver, vindo a causar grande sofrimento aos amigos e familiares e desrespeitando a imagem do falecido.
Alguns casos que envolveram famosos foram noticiados nos últimos anos pela mídia brasileira.
Um deles envolvendo o cantor Cristiano Araújo que, na época de sua morte, teve imagens de seu corpo vazadas em um procedimento anterior ao velório.
Assim, apesar de ser um tema razoavelmente conhecido, é um crime que merece especial atenção e entendimento.
Neste artigo, portanto, serão abordados o significado do termo, a previsão legal do crime, as sanções aplicadas, bem como a possibilidade de responsabilização civil.
Serão exploradas, também, situações em que não se aplica o vilipêndio de cadáver e a possibilidade, ou não, da modalidade culposa.
Além disso, serão trazidos exemplos e abordados dois casos famosos em que o crime foi cometido.
O que é vilipêndio de cadáver?
Antes de tudo, importante abordar o significado, o conceito, de vilipêndio na língua portuguesa.
Assim, portanto, o que significa vilipendiar?
Vilipendiar é um verbo transitivo direto, um ato que se comete e que importa em destratar ou humilhar.
Vilipendiar é tratar com desdém, de modo que o objeto ou o sujeito vítima do vilipêndio se sinta desprezado ou desdenhado.
Assim, vilipêndio é ato de desprezar, julgar alguém ou alguma coisa por baixo, não validando as qualidades e ofendendo.
Pode-se vilipendiar de diversas formas, por meio de palavras, gestos ou atitudes.
E vilipêndio de cadáver, o que é?
Bem, quando se trata de vilipêndio de cadáver, tem-se situação na qual o verbo descrito acima tem como alvo um cadáver.
Em outras palavras, vilipêndio de cadáver é o ato de profanar, ultrajar e desrespeitar um cadáver.
É possível configurar vilipêndio de cadáver, por exemplo, ao proferir palavras de baixo calão contra o morto.
Outros exemplos são: praticar atos sexuais com cadáver, lançar objetos no cadáver, desdenhar da situação em que o corpo se encontre, entre outros.
Enfim, vilipêndio à cadáver é qualquer conduta que profane, ultraje, desrespeite o cadáver.
É ato de desrespeito aos mortos que se materializa por meio de condutas que “desonram” o de cujus.
Previsão Legal
O vilipêndio de cadáver é considerado um crime e, sendo assim, possui previsão legal no Código Penal Brasileiro.
É considerado um crime que fere o respeito aos mortos e encontra previsão no artigo 212 do Código Penal Brasileiro (CP).
O crime supracitado engloba o vilipêndio de cadáver e, também, o vilipêndio das suas cinzas.
E o dispositivo prevê sanção punitiva de 1 (um) a 3 (três) anos de reclusão, bem como o pagamento de multa, conforme segue:
Vilipêndio a cadáver
Art. 212 CP – Vilipendiar cadáver ou suas cinzas: Pena – detenção, de um a três anos, e multa.
O sujeito ativo do crime de vilipêndio de cadáver pode vir a ser qualquer pessoa, incluindo os familiares do de cujus.
Já o sujeito passivo, contudo, são apenas aquelas pessoas, que conservam os sentimentos de respeito, lembrança, saudade e veneração pelo falecido.
O sujeito passivo pode ser um grupo de pessoas, quanto ser apenas uma pessoa, individualmente.
O que interessa para configurar o sujeito é ser alguém ou grupo de pessoas que guarde esses sentimentos supracitados pelo de cujus.
E, após compreender a previsão legal do crime de vilipêndio de cadáver, surge a dúvida: o crime admite a forma culposa?
A respeito é não!
O crime de vilipêndio de cadáver somente se admite na forma dolosa.
Assim, é imprescindível que o sujeito ativo tenha agido com dolo de ultrajar e ofender o cadáver ou suas cinzas.
É por este motivo que, a esposa do falecido que, por tristeza, dor e forte emoção de sua perda, rasgar as roupas do falecido no caixão, a fim de guardar de recordação, não se considera crime.
Neste caso, não houve dolo de ofensa ao cadáver. Não agiu, a falecida esposa, com a intenção de ultrajar e ofender o morto.
Ademais, importante citar que também é considerado criminoso de vilipêndio de cadáver aquele que divulga, publica, compartilha ou ajuda a divulgar fotos e vídeos do cadáver.
Isso porque o ato de publicar, divulgar, compartilhar fotos e vídeos do cadáver em situação ofensiva e ultrajante também acabam por ofendê-lo.
Para se configurar o crime de vilipêndio de cadáver para estes casos, portanto, basta apenas que qualquer sujeito, familiares ou amigos, se sinta ofendido com o compartilhamento das imagens de exposição de corpos.
Neste caso, os amigos e familiares ofendidos devem apenas procurar a delegacia para registrar um boletim de ocorrência.
Além disso, importante aferir que, nos casos em que o sujeito que fez as imagens e as divulgou teve acesso a elas em razão de sua profissão, a pena poderá ser aumentada em um terço.
Responsabilização Civil
Importante frisar que, para além da responsabilização na esfera criminal pelo delito de vilipêndio de cadáver, é possível pleitear a responsabilização na esfera civil.
Os sujeitos passivos, amigos e familiares e que guardavam respeito, carinho e saudade pelo falecido que teve seu corpo vilipendiado, podem recorrer à esfera cível.
Neste caso, podem estes sujeitos, que se sentiram ofendidos com o crime de vilipêndio de cadáver a um ente querido, pleitear indenização cabível, cumulativamente.
O dano moral é uma responsabilização civil que enseja o pagamento de valor indenizatório pela ofensa.
Isso se torna possível porque a legislação brasileira ampara tanto aqueles que estão vivos, quanto aqueles que já faleceram.
É bem verdade que a personalidade termina com a morte, no entanto, o direito de imagem pode produzir efeitos após a morte, sendo a indenização um desses.
Postar foto de corpo em rede social configura vilipêndio de cadáver?
Para responder à pergunta, cabe trazer um caso de 2019, julgado pelo magistrado José de Souza Brandão Netto, da Vara Criminal de Entre Rios, na Bahia.
Se trata do processo de nº 8000883-24.2021.8.05.0076.
No referido caso, o investigado havia postado em uma rede social fotos do corpo de um sujeito e a mãe do falecido resolveu entrar com uma ação.
O magistrado, neste caso, decidiu pelo arquivamento do inquérito que apurava o suposto crime de vilipêndio de cadáver.
A decisão veio após um requerimento do Ministério Público (MP) solicitando o arquivamento do procedimento.
O argumento trazido pelo MP foi o de que a divulgação da imagem do corpo da vítima em rede social não tinha por objetivo vulgarizar o cadáver.
Na postagem, o corpo era mostrado, deitado, e sem nenhuma opinião ou descrição.
Ainda, a imagem teria sido excluída do perfil do investigado na rede social após a família ter solicitado a exclusão.
Na decisão, o magistrado argumentou que o crime de vilipêndio de cadáver se configura com ato que objetiva desprezar e ultrajar, não sendo este o caso dos autos.
Assim, pontuou o juiz que as meras postagens das imagens do cadáver nas redes sociais não configuraram o crime porque foram realizadas sem qualquer vilipêndio ou desprezo.
Neste caso em específico, portanto, o julgador achou por bem acolher o parecer do Ministério Público no todo, determinando o arquivamento do processo.
Assim, portanto, no que se refere ao questionamento citado, postar foto de corpo em rede social não configura, necessariamente, vilipêndio de cadáver.
Isso porque, conforme já abordado neste artigo, o crime requer uma atitude dolosa de ultraje, ofensa, desprezo pelo corpo.
Assim, o sujeito, para ser condenado pelo crime de vilipêndio de cadáver, deve cometer ato que ofenda o cadáver e, além disso, cometê-lo intencionalmente, com dolo, com intenção.
Famosos casos de vilipêndio de cadáver
Apesar de a terminologia do crime “vilipêndio de cadáver” não ser amplamente conhecida, se trata de um crime conhecido da população.
Esse conhecimento se dá ao fato de que, nos últimos anos, houveram casos famosos do crime de vilipêndio de cadáver.
Casos, estes, amplamente divulgados pela mídia, seja por se tratarem de episódios que causaram grande comoção e revolta, seja por se dar em função de pessoas famosas.
Abaixo, portanto, serão abordados três casos famosos que ocorreram nos últimos anos e que foram amplamente conhecidos.
– Queda de avião da Chapecoense
Amplamente conhecido, a queda do avião que transportava o time futebolístico brasileiro da Chapecoense foi um acidente que vitimou 71 pessoas.
A tragédia aconteceu na noite de 28 de novembro de 2016, às 21h58, horário local da Colômbia.
A aeronave caiu perto de um local chamado Cerro El Gordo, quando fazia o procedimento de aproximação.
Logo após o acidente, começaram a circular na internet imagens de corpos das vítimas.
Na contramão do grande compartilhamento de imagens dos cadáveres em situação trágica, inúmeras pessoas se revoltaram.
Diversos usuários inundaram as redes sociais em uma espécie de campanha contra o vilipêndio de cadáveres das vítimas do acidente.
A expressão foi amplamente utilizada por estas campanhas na época, trazendo à tona o termo legal e demonstrando a indignação da sociedade com o crime.
– Cantor Cristiano Araújo
O caso envolvendo a morte do cantor Cristiano Araújo foi amplamente divulgado pela mídia brasileira em 2015.
O cantor faleceu em virtude de um acidente de carro, que ocorreu na madrugada do dia 24 de junho de 2015 e que também vitimou sua namorada.
Eles voltavam de um show em Itumbiara, quando o carro em que estavam, na BR-153, saiu da pista e capotou.
Ocorre que, após o acidente, houve o vazamento de fotos e vídeos do corpo do cantor.
Neste caso, três pessoas foram indiciadas pelo crime de vilipêndio de cadáver.
Conforme o delegado Eli José de Oliveira, três pessoas que participaram efetivamente do crime e, além delas, outras duas pessoas que receberem o vídeo estariam sendo investigadas à época.
No caso do cantor, as pessoas que cometeram o crime de vilipêndio de cadáver foram profissionais que tiveram acesso ao cadáver em função de sua profissão.
Foram indiciados dois técnicos em tanatopraxia (procedimento de retirada dos fluídos do corpo para o enterro), bem como um estudante de enfermagem.
Em nota, a clínica afirmou que repudia a ação dos empregados, que foram demitidos por justa causa.
Assim, como já visto, por se tratar de sujeitos que tiveram acesso às imagens em função de sua profissão, pode incidir o aumento de pena em um terço.
As imagens, à época, foram compartilhadas por diversos usuários e o sofrimento da família com o crime de vilipêndio de cadáver foi amplamente debatido.
A morte do cantor e as circunstâncias de vilipêndio de cadáver geraram grande comoção nacional na época.
Denuncie!
Com o avanço da internet e das redes sociais, o crime de vilipêndio de cadáver ganha mais abrangência.
Contudo, também por meio destes recursos é possível mais facilmente identificar e denunciar estes casos.
O papel da sociedade como um todo, nestes casos, é de denunciar esta afronta ao direito brasileiro e à imagem do falecido.
A grande maioria das redes sociais contam com ferramentas de denúncia de materiais impróprios.
Além de ser rápida e fácil, a denúncia nessas redes sociais pode ser realizada por qualquer usuário.
Assim, ao identificar um caso de crime de vilipêndio de cadáver em redes sociais, denuncie!
Todo o cidadão que tiver conhecimento da prática deste crime e, especialmente, do possível criminoso, deve denunciar.
Por se tratar de um crime de ação pública, qualquer cidadão pode e deve realizar seu papel denunciando o delito.
Assim, portanto, se torna possível que as autoridades competentes possam iniciar as investigações e punir os responsáveis.
A competência da investigação, nesses casos é da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI).
Conclusão
Conforme visto, o crime de vilipêndio de cadáver é um delito que visa afrontar, desdenhar, desprezar o corpo do falecido.
É reconhecido pelo direito como um ato de desrespeito aos mortos e, portanto, encontra previsão legal.
É crime, previsto no Código Penal, cabendo sanção criminal e, para além disso, não excluindo responsabilizações civis.
Assim, de grande importância conhecer o vilipêndio de cadáver, saber identifica-lo e, por fim, denunciá-lo às autoridades competentes quando flagrar o delito.
Trata-se de um crime extremamente cruel, configurando uma ofensa aos falecidos, aos familiares e amigos e, também, à sociedade como um todo.
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