Juliano Lavarine Calazans Silva
Resumo: O presente trabalho buscará abordar um dos temas mais polêmicos no âmbito das licitações e contratos administrativos, regidos pela Lei 8.666/93. Por meio de revisão bibliográfica, serão expostos os principais argumentos, favoráveis e contrários, acerca da vinculação do valor total dos contratos administrativos, somadas as possíveis prorrogações, à modalidade licitatória que antecedeu a contratação. Argumentos estes, consistentes em decisões das Cortes de Contas, posicionamentos doutrinários de grandes nomes do direito administrativo e na letra da própria Lei de Licitações e Contratos. Por meio dessa tríade – lei, jurisprudência e doutrina -, restará demonstrado que não existe no ordenamento jurídico brasileiro, nenhuma norma que obrigue a observância aos valores das possíveis e eventuais prorrogações contratuais, para fins de escolha da modalidade licitatória.
Palavras-chave: Contratos Administrativos. Prorrogação. Serviços Contínuos. Modalidade Licitatória. Limites.
Resumen: El presente trabajo buscará abordar uno de los temas más polémicos en el ámbito de las licitaciones y contratos administrativos, regidos por la Ley 8.666 / 93. Por medio de revisión bibliográfica, se expondrán los principales argumentos, favorables y contrarios, acerca de la vinculación del valor total de los contratos administrativos, sumadas a las posibles prórrogas, a la modalidad licitatoria que antecedió a la contratación. Argumentos estos, consistentes en decisiones de las Cortes de Cuentas, posicionamientos doctrinarios de grandes nombres del derecho administrativo y en la letra de la propia Ley de Licitaciones y Contratos. Por medio de esa tríada-ley, jurisprudencia y doctrina-, quedará demostrado que no existe en el ordenamiento jurídico brasileño, ninguna norma que obligue la observancia a los valores de las posibles y eventuales prórrogas contractuales, para fines de elección de la modalidad licitatoria.
Palabras clave: Contratos Administrativos. Extensión. Servicios Continuos. Modalidad Licitatoria. Límites.
Sumário: Introdução. 1. Disciplina constitucional e legal. 2. Limites das modalidades. 2.1. Tomada de preços. 2.2. Convite. 3. Contratos administrativos. 3.1. Prorrogação dos contratos. 3.1.1. Serviços de natureza contínua. 4. Prorrogação contratual e submissão ao limite da modalidade licitatória adotada. Conclusão.
Introdução
Dentre os temas mais controversos relacionados às contratações públicas, está a discussão acerca da possibilidade de se prorrogar contratos administrativos, cujo objeto seja a prestação de serviços de natureza contínua, quando tal prorrogação ocasionar a desobediência aos limites de valor estabelecidos, em lei, para a modalidade licitatória que antecedeu a contratação.
A Lei de Licitações e Contratos Administrativos estabelece limites de valor para algumas das modalidades nela elencadas, sendo pacífico o entendimento de que a contratação original deve obedecer a eles. Todavia, a mesma lei que estabelece tais parâmetros, faculta em alguns casos, a prorrogação dos compromissos, por iguais e sucessivos períodos, até o limite de 60 (sessenta) meses, podendo chegar a 72 (setenta e dois), em casos excepcionais.
Diante disso e das divergências em âmbito doutrinário e jurisprudencial, se questiona: a Administração pode proceder à prorrogação de prazo dos ajustes de duração continuada, na hipótese da soma dos pagamentos efetuados ao contratado, no período da prorrogação, acrescida ao valor inicial do contrato, vir a extrapolar o limite previsto para aquela licitação?
Partindo desta premissa, o presente artigo buscará expor as diferentes interpretações, por meio de revisão doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, a fim de demonstrar que não há nenhuma exigência no diploma legal que rege as licitações e contratações públicas, acerca da necessidade de se observar os limites da modalidade licitatória que deu origem à contratação, quando houver necessidade de dilação do prazo contratual pela Administração. A lei apenas estabelece que, a prorrogação dos contratos, cujo objeto seja a prestação de serviços de natureza contínua, seja pautada na busca pela obtenção de preços e condições mais vantajosos para a Administração.
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, ao tecer diretrizes gerais para a administração pública, estabelece o seguinte:
“Art. 37 […]
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (BRASIL, 2017, grifo nosso)
O texto constitucional foi enfático ao estabelecer que a regra para qualquer contratação a ser realizada pela Administração, é que tal compromisso seja precedido do devido processo licitatório, nos termos da lei, ressalvados os casos especificados por ela.
Em 22 de junho, de 1993, foi publicada a Lei 8.666, a fim de instituir normas gerais sobre licitações e contratos administrativos. A lei geral de licitações manteve, como regra, a obrigação de licitar, elencando as hipóteses de exceção, que seriam as licitações dispensadas, dispensáveis e inexigíveis. O artigo 2º da Lei, é muito claro ao estabelecer que:
“Art. 2o As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.” (BRASIL, 2017, grifo nosso)
Para fins de regulamentar as condições de realização destes processos licitatórios, a Lei 8.666/93, dentre outras normas, estabeleceu modalidades de licitação, que deveriam ser adotadas de acordo com a natureza do objeto ou do valor estimado para a futura contratação.
Dentre as diretrizes gerais para licitações e contratações estabelecidas pela Lei de Licitações, está a especificação de modalidades licitatórias que, como já dito, devem ser adotadas de acordo com o objeto, ou levando em consideração o valor estimado para a contratação.
O artigo 22 elenca tais modalidades, como sendo: concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão. O artigo 23, por sua vez, traz os limites[1] a serem observados para a adoção de cada modalidade:
“Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:
I – para obras e serviços de engenharia
II – para compras e serviços não referidos no inciso anterior:
Como se pode observar, as modalidades licitatórias denominadas convite e tomada de preços, são as únicas que possuem limitação de valor como requisito para sua adoção, em razão do valor estimado da contratação.
Este valor estimado será definido de acordo com a média de preços apurada mediante pesquisa de mercado junto aos fornecedores, de bens ou serviços, cuja atividade seja compatível com o objeto a ser licitado. Isto implica dizer que, caso a pesquisa de preços aponte que o valor está acima daquele estabelecido como teto para a modalidade, ela não poderá ser adotada.
2.1. Tomada de Preços
A Lei de Licitações estabelece que tomada de preços é uma modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou, no caso de não estarem cadastrados, que procedam o cadastro até o terceiro dia anterior à data marcada para a apresentação das propostas.
E como visto no dispositivo citado, para a contratação de obras e serviços de engenharia, é possível a adoção dessa modalidade, desde que não seja ultrapassado o valor de R$1.500.000,00 ( um milhão e quinhentos mil reais) e para a aquisição de bens ou outros serviços, desde que a futura contratação não extrapole o limite de R$650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais).
2.2 Convite
Ainda de acordo com a Lei 8.666/93, o convite é a modalidade entre interessados do ramo pertinente, podendo participar mesmo aqueles não cadastrados. A unidade administrativa deverá escolher e convidar pelo menos 03 (três) dentre os interessados, devendo estender o convite também àqueles que manifestarem interesse no certame com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da data estabelecida para a apresentação das propostas.
Trata-se da modalidade mais simples, dentre as elencadas na Lei 8666/93, e com os limites mais baixos. Só poderá ser adotada, quando o valor estabelecido, mediante pesquisa de mercado, não extrapolar os limites estabelecidos em lei, consideradas as atualizações trazidas pelo Decreto Federal nº 9.412/18.
Além de diretrizes gerais para as licitações, a Lei 8666/93 também estabelece normas para os contratos administrativos e os define como sendo:
“Art. 2o […]
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.” (BRASIL, 2017, grifo nosso)
Assim, independentemente da denominação utilizada, sempre que houver ajuste de vontades entre a administração pública e particulares, em que se estipule prestações de um lado e contraprestações de outro, estar-se-á diante de um contrato.
3.1. Prorrogação dos contratos
A Lei de Licitações, em seu artigo 57, caput, estabelece que a vigência dos contratos, por ela regidos, deverá ficar adstrita à vigência do respectivo crédito orçamentário. O art. 34 da Lei 4.320/64, por sua vez, estabelece que o exercício financeiro coincidirá com o ano civil. Em outras palavras, os contratos administrativos, em regra, deverão viger até o dia 31 de dezembro do ano em que foram firmados.
Cumpre ressaltar, no entanto, que o mesmo artigo que veda que os contratos regidos pela Lei 8666/93 tenham o seu prazo de vigência estendido para além do exercício financeiro, traz em seus incisos algumas exceções, conforme segue:
“Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:
I – aos projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, os quais poderão ser prorrogados se houver interesse da Administração e desde que isso tenha sido previsto no ato convocatório;
II – à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses;
III – (Vetado).
IV – ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática, podendo a duração estender-se pelo prazo de até 48 (quarenta e oito) meses após o início da vigência do contrato.
V – às hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24, cujos contratos poderão ter vigência por até 120 (cento e vinte) meses, caso haja interesse da administração.” (BRASIL, 2017, grifo nosso)
Ou seja, nos casos especificados como exceções ao caput do art.57, os contratos não só poderão se estender para além do crédito orçamentário, como poderão ter a sua duração prorrogada.
A primeira exceção diz respeito aos contratos, cujos objetos estejam contemplados nas metas do plano plurianual. Neste caso, além de a lei possibilitar que se ultrapasse o exercício financeiro, permite ainda que, desde que tenha sido devidamente previsto no instrumento convocatório, se prorrogue o contrato quando houver interesse da administração pública.
Esta exceção observa a regra contida no artigo 167, §1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, que estabelece que caso não haja prévia inclusão no plano plurianual, ou lei que autorize tal inclusão, nenhum investimento cuja execução ultrapasse o exercício financeiro poderá ser iniciado.
O plano plurianual, de acordo com Diógenes Gasparini:
“(…) é a lei que define os investimentos e as despesas correspondentes de duração superior ao exercício financeiro ou, nos termos do §1° do art. 165 da Constituição Federal, é a lei que estabelece, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública para as despesas de capital e outras dela decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.” (GASPARINI, 2009, p.713.
Além da exceção contida no inciso I, do art. 57, temos os contratos cujo objeto seja o aluguel de equipamentos e a utilização de programas de informática, que também podem ter sua duração programada para além do crédito orçamentário e, ainda, serem prorrogados por até 48 (quarenta e oito) meses.
Outra hipótese que se figura como exceção à regra contida no caput do dispositivo, em análise, diz respeito àqueles contratos oriundos de processos de dispensa em razão do comprometimento da segurança nacional e da necessidade de aquisição de material de uso pelas Forças Armadas, dentre outros. Nestes casos, havendo interesse da Administração, poderão os contratos ter sua vigência estendida por até 120 (cento e vinte) meses.
Todavia, dentre todas as situações contidas nos incisos do art.57 da Lei 8666/93, a que interessa ao presente estudo, é aquela do inciso II, relativa aos serviços de natureza contínua. De acordo com o dispositivo, os contratos que tenham por objeto a prestação de serviços a serem executados de forma contínua, além de não terem sua vigência adstrita ao respectivo crédito orçamentário, poderão ser prorrogados até o limite de sessenta meses.
3.1.1 Serviços de natureza contínua
Para melhor entendermos os contratos, cujo objeto seja a prestação de serviços de execução continuada, necessária se faz uma análise acerca do que são esses serviços. Diógenes Gasparini nos ensina que:
“[…] serviço de execução contínua é o que não pode sofrer solução de continuidade na prestação que se alonga no tempo, sob pena de causar prejuízos à Administração Pública que dele necessita. Por ser de necessidade perene para a Administração Pública, é atividade que não pode ter sua execução paralisada, sem acarretar-lhe danos. É, em suma, aquele serviço cuja continuidade da execução a Administração Pública não pode dispor, sob pena de comprometimento do interesse público.” (GASPARINI, 2002, p.2)
Em outras palavras, os serviços, para que sejam considerados de natureza contínua, devem atender a uma necessidade permanente da administração pública. E mais além, eles devem ser essenciais ao bom andamento das atividades do órgão ou entidade. Uma vez paralisados, pode haver prejuízos à Administração. E outro não foi o entendimento exarado pelo Ministro do Tribunal de Contas da União, Aroldo Cedraz, em decisão proferida em 2008:
“[…]
Importante mencionar ainda, a conceituação trazida por Ivan Barbosa Rigolin:
“Serviço contínuo ou continuado significa aquela espécie de serviços que corresponde a uma necessidade permanente da administração, não passível de divisão ou segmentação lógica ou razoável em unidades autônomas, nem módulos, nem fases, nem etapas independentes, porém prestados de maneira seguida, ininterrupta e indiferenciada ao longo do tempo, ou de outro modo posto à disposição em caráter permanente, em regime de sobreaviso ou prontidão.” (RIGOLIN, 1999, p. 12)
Sendo assim, sempre que um serviço atender a uma necessidade permanente da Administração, caracterizando-se como rotineiro e essencial para assegurar a integridade de suas funções e a sua interrupção puder causar prejuízo às atividades finalísticas do ente administrativo, estar-se-á diante de um serviço de natureza contínua. E o fato de ele se caracterizar como sendo de execução continuada, possibilita à Administração estender o seu lapso temporal para além do ano civil e, ainda, prorrogá-lo por iguais e sucessivos períodos até o limite de 60 (sessenta) meses.
Conforme explicitado no decorrer do presente artigo, a Lei 8666/93 estabelece em seu art.23, limites para as modalidades tomada de preços e convite. Tais limites, consideradas as atualizações trazidas pelo Decreto nº 9.412/18, devem, invariavelmente, ser observados para fins de contratação pela administração pública, tendo em vista o seu valor estimado.
Isto quer dizer que se a pesquisa de preços apontar que o valor médio de determinado serviço irá ultrapassar o limite legal para a modalidade convite, por exemplo, ela não poderá ser adotada para fins de contratação pela Administração, que deverá optar por uma modalidade mais solene. Quanto a isto, não há controvérsias, até porque a adoção de uma modalidade inferior, em detrimento da modalidade adequada, infringe a regra contida no art. 23.
As divergências de posicionamento surgem, quando da prorrogação dos contratos administrativos, em especial, aqueles cujo objeto seja a prestação de serviços de natureza contínua.
Parte da doutrina afirma que, para fins de escolha da modalidade licitatória, se deve observar todo o lapso temporal do futuro contrato, incluídas as possíveis prorrogações. E outra corrente, esta dominante, defende a tese de que a escolha da modalidade licitatória, para fins de futura contratação pela administração pública, deve observar, tão somente, o valor estimado, mediante pesquisa de mercado, para a contratação original, excluídas as eventuais prorrogações.
A segunda corrente se apresenta como sendo a mais coerente, uma vez que diferentemente do que ocorreu no art. 23, que definiu que as modalidades licitatórias seriam determinadas mediante o valor estimado da contratação, o art. 57, II, da lei geral de licitações, apenas estabeleceu que a prorrogação dos contratos, cujo objeto seja a prestação de serviços de natureza contínua, deve ser realizada com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração pública. Em nenhum momento a Lei 8666/93, determinou que, para fins de se adotar tais prorrogações, deveria haver a observância aos limites previstos para a modalidade licitatória que antecedeu o contrato.
O ilustre doutor Diógenes Gasparini nos demonstra que entendimento contrário a este poderia trazer dificuldades para a administração, sem nenhum amparo legal, como segue:
“Entendimento contrário, certamente equivocado, vedará a maioria das prorrogações, especialmente as calcadas no inciso II, do art. 57, da Lei federal de licitações e contratos da Administração Pública, bastando que assim aconteça que o valor estimado do contrato esteja próximo do piso da modalidade licitatória superior (convite próximo da tomada de preço). A exigência de se manter o somatório do contrato e da prorrogação dentro da modalidade de licitação escolhida para a contratação, não se afeiçoa a letra da lei, pois nada nesse sentido foi prescrito. Também não se amolda ao espírito da lei, preordenado, no caso, a propiciar preços e condições mais vantajosas para a Administração Pública.” (GASPARINI, 2002. 27p.)
Gasparini (2002) ainda enfatiza que tal interpretação reduziria, em muito, a possibilidade de a Administração se utilizar da prorrogação dos contratos com fulcro no art.57, II, da Lei 8666/93.
O renomado jurista Marçal Justen Filho é defensor da corrente contrária. Segundo ele, nos contratos cujo objeto seja a prestação de serviços de natureza contínua, ou seja, aqueles em que existe a possibilidade de prorrogação, deve-se adotar a modalidade que corresponda ao contrato e às respectivas prorrogações:
Outra questão que desperta dúvida envolve os contratos de duração continuada, que comportam prorrogação. A hipótese se relaciona com o disposto no art. 57, inc. II. Suponha-se previsão de contrato por doze meses, prorrogáveis até sessenta meses. Imagine-se que o valor estimado para doze meses conduz a uma modalidade de licitação, mas a prorrogação produzirá superação do limite previsto para a modalidade. Emtais situações, parece que a melhor alternativa é adotar a modalidade compatível com o valor correspondente ao prazo total possível de vigência do contrato. Ou seja, adota-se a modalidade adequada ao valor os sessenta meses. Isso não significa afirmar que o valor do contrato, pactuado por doze meses, deva ser fixadode acordo com o montante dos sessenta meses. São duas questões distintas. O valor do contrato é aquele correspondente aos doze meses. A modalidade de licitação deriva da possibilidade da prorrogação. (JUSTEN FILHO, 2000. p. 211, grifo nosso)
Como se pode notar, parece que nem mesmo o renomado jurista tem certeza quanto à necessidade, ou não, de se observar o valor de eventuais prorrogações, para fins de escolha da modalidade licitatória adequada, uma vez que ele diz que lhe “parece ser a melhor alternativa”.
O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais adota a mesma linha de raciocínio de Marçal. Isto ficou claro em resposta do TCE/MG a dúvidas frequentes, relacionadas à prorrogação de contratos administrativos, quando se posicionou da seguinte forma:
“2. A possibilidade de prorrogação da vigência do contrato administrativo deve ser considerada, em termos de períodos e valores, na escolha da modalidade licitatória?
Sim, para a definição da modalidade de licitação, com base nos limites estabelecidos nos incisos I e II do art. 23 da Lei nº 8.666/93, deve ser considerado pelo gestor público todo o período da contratação. É o caso, por exemplo, de um contrato administrativo para prestação de serviços, estimado em R$50.000,00 (cinquenta mil reais), para um prazo de 12 (doze) meses. Na hipótese dos serviços serem de natureza contínua, cujos contratos admitem prorrogações sucessivas até o limite de 60 (sessenta meses), nos termos do inciso II do art. 57 da Lei nº 8.666/93, deve-se levar em conta o valor estimado para todo o período em que a contratação possa vigorar, qual seja, R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais). Assim, nesse caso, estaria vedada a licitação na modalidade convite. Sobre o assunto, segue entendimento proferido nas Representações de n os 735337, 735338 e 735490, da relatoria do Conselheiro Substituto Licurgo Mourão, apreciadas na Sessão do dia 24/07/2007 (Revista do TCEMG, Edição Especial, A Lei 8.666/93 e o TCEMG, p. 237/238): “Definição do valor da contratação para fins de escolha da modalidade e de verificação da obrigatoriedade da realização de audiência pública deve levar em conta a prorrogação automática prevista no art. 57, II da Lei de Licitações.” (MINAS GERAIS, 2017, p.01, grifo nosso)
Do mesmo entendimento, não pareceu compartilhar o Tribunal de Contas da União:
A administração pública está obrigada a bem planejar suas contratações de bens e de serviços, o que implica estimar corretamente suas necessidades em prazo razoável, evitando dessa forma o parcelamento das compras e dos serviços em várias licitações. Efetuado o planejamento com o rigor e a seriedade devidos, a prorrogação dos contratos decorrentes deverá observar tão somente preços e condições mais vantajosos, nos termos do art. 57, II, da Lei n.o 8.666/93, não podendo ser obstada por meramente acarretar extrapolação da faixa de preços em que se enquadrou a modalidade licitatória de origem. (BRASIL, 2010)
Entretanto, são as palavras de Ivan Barbosa Rigolin que se mostram as mais contundentes e esclarecedoras em relação à desnecessidade de se somar os valores de eventuais prorrogações para fins de escolha da modalidade licitatória cabível:
A escolha da modalidade, entretanto, terá sido acertada se a contratação resultante da licitação havida puder ficar dentro dos limites de valor daquela modalidade, e a escolha da modalidade terá sido desrespeitada se a contratação originária exceder aqueles limites de valor – hipótese evidentemente proibida. Apenas para se eleger a modalidade licitatória adequada se previu, estimativamente, o valor originário do contrato. Nada, entretanto, na redação da lei, nem por princípio, nem em tese, nem muito menos no ‘espírito da lei’ – expressão que a nosso ver precisaria ensejar processo por vadiagem intelectual – nada em absoluto no direito positivo vincula a observância do limite de valor da modalidade por toda a extensão temporal que venha a ter o contrato. (RIGOLIN, 1998, p.393-395, grifo nosso)
Rigolin (1998) deixa muito claro que, para fins da escolha da modalidade, é imprescindível que se observe o valor estimativo da contratação original. Mas é incisivo e esclarecedor ao afirmar que não existe na legislação vigente, nenhum elemento que determine a soma do valor do contrato original ao valor das respectivas prorrogações, para fins de escolha da modalidade licitatória cabível. Se a lei geral das licitações e contratos administrativos não determina a adoção de tal critério, não serão as interpretações inadequadas e equivocadas, jurisprudenciais e doutrinárias, acerca do texto legal, que tornarão a observância de tal medida obrigatória.
Conclusão
Diante dos argumentos apresentados, resta clara a desnecessidade de se observar o valor relativo à totalidade da contratação de serviços de execução continuada, incluídas as possíveis prorrogações.
Como a própria lei estabelece, a prorrogação de contratos administrativos dessa natureza é uma faculdade conferida à administração pública, não havendo nenhuma obrigatoriedade de que venha a ocorrer. Trata-se de uma possibilidade dada à Administração e mera expectativa ao contratado.
Não se discute aqui, em momento algum, que a contratação original deve estar totalmente dentro das limitações de valor impostas à modalidade que a antecedeu. A lei 8.666/93 é transparente ao determinar que algumas modalidades licitatórias têm sua aplicabilidade limitada a valores e, que a sua adoção deve se dar tendo como base o valor estimado da contratação.
Todavia, quando a Lei estabelece as possibilidades de prorrogação, em especial, dos serviços de natureza contínua, ela apenas exige que esta prorrogação se dê pautada na busca pela obtenção de preços e condições mais vantajosos à Administração. Em momento algum, o legislador deu a entender que, para fins das possíveis prorrogações, se deveria observar os limites das modalidades licitatórias que antecederam a contratação.
A escolha da modalidade licitatória com base no valor estimado do contrato e as eventuais prorrogações, decorrentes dele, são situações distintas, que receberam tratamento distinto por parte do legislador.
Admitir interpretações em sentido contrário e, inclusive, a aplicação de penalidades por parte das Cortes de Contas àqueles gestores que não observarem a essa absurda interpretação da letra da lei, seria o mesmo que conferir poder legiferante a quem não o deveria deter.
Sendo assim, não havendo a exigência legal e, considerando que à administração pública só cumpre fazer aquilo que está expressamente previsto em lei, não há nenhum respaldo para se exigir que, para fins de escolha da modalidade licitatória adequada à contratação, se considere os valores relativos às possíveis e eventuais prorrogações.
Referências bibliográficas
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RIGOLIN, Ivan Barbosa. Pode ser ultrapassado o limite da modalidade licitatória utilizada, durante a execução contratual?. Boletim de Licitações e Contratos, São Paulo, v. 11, n. 8, p. 393-395, ago. 1998.
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[1] Os limites estabelecidos no art.23, da Lei 8.666/93, foram atualizados por meio do Decreto 9.412/2018.
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