Autor(a): Jhenny Fernanda dos Santos Higino – Acadêmica de Direito na Universidade do Estado do Amazonas (UEA). E-mail: jhenny.fernandas@gmail.com.
Coautor(a): Jane Silva da Silveira – Bacharel em Estatística, Bacharel em Direito, Especialista em Direito Processual Civil, Professora do Curso de Direito da Universidade Estadual do Amazonas. E-mail: janesilveira.adv@gmail.com.
Resumo: A violência doméstica é uma questão de interesse de toda sociedade contemporânea e objeto de estudo de várias áreas do conhecimento, dentre elas a psicologia, o serviço social, as ciências sociais e também as ciências jurídicas. O presente trabalho tem uma importância contextual extremada, pois discorre sobre a violência doméstica, tomando como recorte de pesquisa a população do Município de Itacoatiara, situada na região metropolitana de Manaus. Inicialmente discorremos sobre a violência doméstica contra a mulher analisando a busca de acesso fomentada pelo poder público. Tomando como base o fato de que o objetivo geral tem seus desdobramentos através dos objetivos específicos, são estes, portanto :1. Analisar a trajetória histórico-político do enfretamento à violência doméstica e familiar; 2. Investigar os efeitos do Projeto Casa de Maria como instrumento pedagógico no combate à violência doméstica no Município de Itacoatiara. Utilizou-se uma pesquisa teórica com abordagem qualitativa e quantitativa.
Palavras-chave: Violência doméstica; Projeto Casa de Maria; Justiça; Lei Maria da Penha; Itacoatiara.
Abstract: Domestic violence is a matter of interest to all contemporary society and the object of study in several areas of knowledge, including psychology, social work, social sciences and also legal sciences. The present work has an extreme contextual importance, as it discusses domestic violence, taking as a research clipping the population of the Municipality of Itacoatiara, located in the metropolitan region of Manaus. Initially, we discussed domestic violence against women, analyzing the search for access fostered by the public authorities. Based on the fact that the general objective has its consequences through specific objectives, these are, therefore: 1. Analyze the historical-political trajectory of facing domestic and family violence; 2. Investigate the effects of the Casa de Maria Project as a pedagogical tool in combating domestic violence in the municipality of Itacoatiara. A theoretical research with a qualitative and quantitative approach was used.
Keywords: Domestic violence; Casa de Maria Project; Justice; Maria da Penha Law; Itacoatiara.
Sumário: Introdução. 1 Violência: Etimologia, definições e tipos de Violência. 1.1 Violência Doméstica e seus Tipos. 1.2 Os Tipos de Violência. 2. Tratados Internacionais, Convenções e Conferências. 3. Leis Nacionais Inerentes ao Combate à Violência Doméstica. 4. Políticas Públicas: Do plano positivado ao Plano concreto. 5. O Enfrentamento à violência contra as mulheres: Do acesso à justiça e os serviços de segurança pública no Estado do Amazonas 5.1 O Acesso à justiça: A importância da Casa de Maria no Município de Itacoatiara. Conclusão. Referências.
Introdução
Qualquer pesquisa que verse sobre um tema inerente à Violência Doméstica e Familiar, que não pretenda ser superficial, precisa ser radical, rigorosa e sistemática, além disso, faz-se necessário um diálogo holístico com as diversas áreas de conhecimento. Com efeito, é nesta senda que este artigo trilha, tendo em vista que se toma a Violência Doméstica e Familiar como tema interdisciplinar, embora enfoquemos a questão do acesso na dimensão jurídico-legal.
O acesso à justiça, é importante destacar, não se trata apenas de atendimento das vítimas em delegacias especializadas, trata-se de acesso à justiça que é abarcada pela legislação pertinente que se funda no direito fundamental da dignidade da pessoa humana.
Dados oficiais do Estado do Amazonas, apontados por Lemes (2020) aduzem que “12.984 mulheres foram vítimas de violência doméstica de janeiro a julho deste ano. Já o número de casos de mulheres que sofreram lesão corporal no mesmo período, chegou a 1.697”. Destarte, trata-se de um numero exacerbado tendo em vista ser dados referentes ao primeiro semestre e que nos colocam diante de uma realidade que precisa de inferência zelosa por parte do Poder Público.
Tendo os dados alarmantes citados acima, se faz necessário compreender o acesso à justiça por parte das vítimas que sofrem o tipo de violência em discussão, é ele que serve de termômetro para se visualizar os reais efeitos das políticas públicas de enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar, que tem sido uma bandeira internacional dos Direitos Humanos e uma necessidade moral da sociedade contemporânea. O acesso à justiça ao que se refere este trabalho pode ser compreendido como “o exercício de um conjunto de direitos fundamentais formados sobre uma base de igualdade, com a finalidade de garantir a solução de conflitos mediante os procedimentos estabelecidos pelas leis de um país”.(COPELLO,2017,p2)
Embora parta-se um contexto de política nacional, busca-se compreender como se dá o acesso à política de combate à violência a mulher, tomando como recorte de pesquisa, os atendimentos da “Casa de Maria”, no Município de Itacoatiara, no Estado do Amazonas.
O objetivo geral desta pesquisa é discorrer analiticamente sobre a Violência Doméstica contra às mulheres no município de Itacoatiara à medida que se investiga a busca de acesso à justiça fomentada pelo poder público.
Os objetivos específicos por sua vez são:1. Analisar a importância do Projeto Casa de Maria na assistência das vítimas de violência doméstica e familiar; 2 Investigar os efeitos do Projeto Casa de Maria como instrumento pedagógico no combate à violência doméstica no Município de Itacoatiara.
Estruturalmente o trabalho segue a seguinte sequência didática na qual inicialmente, busca-se compreender a Violência Doméstica e Familiar, no plano conceitual e de definições e em seguida, investiga-se a trajetória histórica, bem como a Política de Enfrentamento no cenário nacional. Por fim, investiga-se, o acesso tomando como base as ações do Poder Público no Estado do Amazonas, tomando como recorte populacional as mulheres itacoatiarenses que procuram acesso à justiça especializada em combate à Violência Doméstica e Familiar.
Adotou-se uma pesquisa teórica com abordagem qualitativa, tendo em vista que a mesma “não implica imediata intervenção na realidade, mas nem por isso deixa de ser importante, pois seu papel é decisivo na criação de condições para a intervenção” (BAFFI, 2016). Assim, fez-se necessário buscar aporte teóricos em obras específicas sobre o tema, enfocando a legislação pertinente, além de buscar dados e informações nas instituições que envolvem a problemática no campo prático.
A violência contra as mulheres é um dos maiores desafios impostos ao Estado brasileiro, aponta o relatório da comissão parlamentar de inquérito do Senado Federal (Brasil,2013) apresentada pela então senadora Ana Rita. Com efeito, a Violência Doméstica, constitui violação aos direitos humanos e que são incompatíveis com o Estado Democrático de Direito. Ampliando a discussão, buscamos compreender os conceitos, as definições e os tipos de Violência Doméstica.
Tem-se discutido sobre a Violência Doméstica contra à mulher em antes de aprofundarmos mais o tema, é mister entender o a definição de violência e neste sentido, leciona a Equipe editorial (2020)[1]:
“Remonta ao latim como violentia, associada ao adjetivo violentus, distinguindo o comportamento violento de um indivíduo, sobre vis, por força ou vigor, com raiz no indo-europeu *weie-, em alusão a querer pegar algo com tenacidade. É a imposição forçada de uma pessoa a outra, independentemente da forma, contexto e nível de relacionamento ou parentesco, sobre o qual os organismos estatais e a justiça têm a obrigação de velar. Pode surgir na privacidade da família, bem como no local de trabalho. Destacam figuras legais como violência institucional ou violência de gênero, bem como a distinção de pessoas que agem violentamente, cientes de suas ações apesar de não poderem controlar seus impulsos.”
O sentido da palavra violência que é oriunda do etmo latim violentia já aponta a essência semântica da palavra em questão que é definida de forma objetiva e simples , por Michaelis[2] como “ Qualidade ou característica de violento; Ato de crueldade; Emprego de meios violentos; Fúria repentina; Coação que leva uma pessoa à sujeição de alguém”. Percebe-se que a palavra violência implica em vários sentidos e estes levam a existência de vários tipos.
Assim, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (2020) existem três grupos de quem comete atos de violência que são: a violência autoprovocada, a violência interpessoal e violência coletiva. Destaca-se que a Violência Doméstica se enquadra na violência interpessoal.
Tendo em vista posto os tipos e conceitos sobre violência e para fins de conclusão sobre o conceito de Violência contra a mulher, diz respeito, segundo a ONU(1993) à todo ato de violência que tenha e que possa ter como resultado um dano como o sofrimento físico, sexual ou psicológico para a mulher, inclusive as ameaças e seus atos de coação, ou a privação arbitrária de sua liberdade, tanto que se procedam em sua vida pública ou privada.
1.1 Violência Doméstica e seus Tipos
A Violência contra a mulher não é algo natural, pelo contrário está atrelada a uma construção histórica e também social, que tem sua gênese no patriarcalismo das sociedades antigas (Leite e Noronha, 2015). Assim, para compreender este fenômeno violento, é importante compreender as raízes do mesmo.
Inicialmente, faz-se necessário compreender o que vem a ser a Violência Doméstica, e neste sentido leciona Pinafi (2007):
“A violência contra a mulher é produto de uma construção histórica — portanto, passível de desconstrução — que traz em seu seio estreita relação com as categorias de gênero, classe e raça/etnia e suas relações de poder. Por definição, pode ser considerada como toda e qualquer conduta baseada no gênero, que cause ou passível de causar morte, dano ou sofrimento nos âmbitos: físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na privada.” (grifo nosso)
Assim a violência contra a mulher, na qual se inclui a Violência Doméstica refere-se às condutas que causam danos físicos, sexual ou psicológico e também além da morte, considera-se violência doméstica, os danos morais e patrimoniais, como corrobora a Lei 11.340/2006:
“Art. 5º: Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.” (BRASIL, 2006)
De forma lacônica e objetiva a violência doméstica e familiar se caracteriza por atos de agressão ou omissão que se dão nas seguintes formas: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial.
Quando tratamos sobre Violência Doméstica, é mister atentar que se trata de uma luta contínua e dinâmica, no que tange ao direito internacional, e neste sentido tomar como base os conceitos e definições, também de forma mundialmente aceito, assim, por derradeiro a Organização Mundial da saúde aduz que:
“Todo ato de violência baseado em gênero, que tem como resultado, possível ou real, um dano físico, sexual ou psicológico, incluídas as ameaças, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade, seja a que aconteça na vida pública ou privada. Abrange, sem caráter limitativo, a violência física, sexual e psicológica na família, incluídos os golpes, o abuso sexual às meninas, a violação relacionada à herança, o estupro pelo marido, a mutilação genital e outras práticas tradicionais que atentem contra mulher, a violência exercida por outras pessoas – que não o marido – e a violência relacionada com a exploração física, sexual e psicológica e ao trabalho, em instituições educacionais e em outros âmbitos, o tráfico de mulheres e a prostituição forçada e a violência física, sexual e psicológica perpetrada ou tolerada pelo Estado, onde quer que ocorra”.(OMS, 1998, p.7).
A definição acima é mais ampla e foi elaborada e publicada na Eliminação da Violência Contra a Mulher, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1993 e nos parece a mais completa e concatenada com a Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres e com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Sabendo-se as definições e conceitos sobre a Violência Doméstica, é mister compreender os tipos de Violência Doméstica, e estes estão tipificados no corpo da Lei Maria da Penha, especificamente no Capítulo II, no Artigo 7º e incisos I, II, III, IV e V, consequentemente e são : Violência física; Violência psicológica; Violência moral; Violência sexual e Patrimonial.
1.2 Tipos de Violência
Os tipos de Violência Doméstica aqui tratados, são os postos na Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, conforme citados anteriormente.
A Violência Física é “Entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher.” (IMP,2020) e neste tipo de violência, se encontram: Espancamento; Os atos de arremessar objetos; Sacudir a vítima; Apertar seus braços; Estrangulamento ou Sufocamento; Lesões das mais diversas formas e; Tortura.
A Violência Psicológica é “considerada qualquer conduta que: cause dano emocional e diminuição da autoestima; prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher; ou vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões” (IMP,2020.).
São casos de Violência Psicológica: Ameaça; Constrangimento; Humilhação; Manipulação; Isolamento (proibição de contato com amigos e parentes); Vigilância constante; Chantagem; Tirar a liberdade de crença e; Distorcer e omitir fatos para deixar a mulher em dúvida sobre a sua memória e sanidade (gaslighting); entre outros.
De Acordo O IMP (2020) a Violência Sexual “Trata-se de qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força”. Neste caso se encontram: O estupro; o ato de obrigar a mulher a fazer atos sexuais que causam desconforto ou repulsa; Impedir o uso de métodos contraceptivos ou forçar a mulher a abortar; Limitar ou anular o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher; entre outros.
Violência Patrimonial é “Entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”. (IMP,2020).
São exemplos de Violência patrimonial: Controlar o dinheiro; Destruição de documentos pessoais; Furto, extorsão ou dano; Estelionato; Privar de bens, valores ou recursos econômicos; Causar danos propositais a objetos pertencentes a vítima; entre outros.
Violência Moral “É considerada qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria” de acordo com o IMP (2020).
É Violência Moral: Acusar a mulher de traição; Emitir juízos morais sobre a conduta da vítima; Expor a vida íntima; Rebaixar a mulher por meio de xingamentos que digam respeito a sua índole; Desvalorizar a vítima pelo seu modo de se vestir; entre outros.
A fim de compreender o processo histórico mundial que envolve a questão dos direitos das mulheres, bem como toda discriminação de gênero e combate à Violência Doméstica e Familiar, compilamos os principais documentos pertinentes às conquistas, em se tratando de Tratados Internacionais, Convenções e Conferências. Percebe-se conforme o quadro abaixo, que a questão dos Direitos Internacionais da Mulher sempre foram pautas dos Direitos Humanos, uma vez, estar atrelado à dignidade da pessoa humana.
Quadro 1: Tratados Internacionais, Convenções e Conferências
Principais Documentos Internacionais para a Promoção dos Direitos das Mulheres e da Igualdade de Gênero |
Carta das Nações Unidas (1945) |
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). |
Convenção Interamericana Sobre a Concessão dos Direitos Civis à Mulher (1948) |
Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher (1953). |
Convenção da OIT no. 100 (1951). |
Convenção da OIT no. 103 (1952). |
Convenção da OIT no. 111 (1958). |
Convenção da OIT no. 156 (1981). |
Convenção da OIT no. 171 (1990). |
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial – CERD (1966). |
Convenção Americana de Direitos Humanos, São José (1969). |
I Conferência Mundial sobre a Mulher (Cidade do México, 1975). |
Convenção Para Eliminar Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher – CEDAW (1979). |
II Conferência Mundial sobre a Mulher (Copenhague, 1980). |
III Conferência Mundial Sobre a Mulher (Nairóbi, 1985). |
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio, 92). |
II Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993). |
III Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 94). |
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará (1994). |
IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Beijing, 95). |
II Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos- Habitat II’96 (Istambul, 96). |
Declaração do Milênio (2000). |
III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e formas Conexas de Intolerância (Durban, 2001). |
Convenção e Recomendação da OIT sobre Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos (Genebra, 2011). |
Fonte: Observatório de Gênero( adaptado)[3]
Sabe-se que houve no mundo toda uma discussão no plano dos direitos internacionais no sentido de fazer existir direitos às mulheres, colocando-as no mesmo patamar dos homens, assim não havendo discriminação, e relações de superioridade de um gênero em relação a outro.
Há uma continua e dinâmica por parte da sociedade mundial que sempre esteve nas trincheiras buscando garantir a Dignidade da Pessoa Humana para todos, inclusive às mulheres, que socialmente sempre foi parte vulnerável em cenários de sociedades patriarcais, que produziam uma cultura machista.
A luta pelos direitos das Mulheres, no que concerne ao combate à Violência Doméstica, é uma discussão que está dimensionada na garantia da Dignidade da Pessoa Humana, e para buscar garantir essa Dignidade, foi necessário, no Brasil, existir uma Lei específica, que não foi aprovada com tanta brevidade, no sentido de um tema urgente. É importante frisar que antes de entrar no ordenamento jurídico nacional, e em relação a isso aduz Martins (2020) “Antes desta data, os homens, histórica e culturalmente tinham liberdade para agredir indiscriminadamente suas companheiras sem receber as merecidas punições. Uma questão de gênero enraizada desde muitos séculos.”
O Brasil já era signatário da Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres desde o ano de 1984, porém desde então não houve nenhuma movimentação política no sentido de fomentar uma lei concernente à proteção das mulheres, fato este que mostra que havia uma predominância masculina conservadora no parlamento que não tinha interesse em criar uma lei específica relativa à Convenção mencionada acima.
Reprisa-se que o Estado foi inerte em relação aos direitos e garantias das mulheres, inclusive no combate à Violência Doméstica, até ocorrer o escândalo judiciário percebido no famigerado caso de “ Maria da Penha” que forçou no plano internacional que o Brasil se enquadrasse, numa realidade contextual contemporânea mais racional como leciona Almeida, Nascimento, Costa e Outros (2005,p5):
“Diante da omissão e negligência do poder judiciário, a CEJIL-Brasil (Centro para a Justiça e o Direito Internacional) e o CLADEM-Brasil (Comitê Latino-Americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher), juntamente com a própria Maria da Penha, encaminharam em 1998 uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), denunciando o Estado brasileiro pelo ato de impunidade e negligência em relação à violência doméstica da qual Maria da Penha havia sido vítima. Assim, em virtude da pressão internacional, no ano de 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu Informe nº 54, responsabilizou e condenou o Estado brasileiro por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres. Fato este que acarretou constrangimento ao Estado brasileiro, fazendo com que cumprisse os tratados internacionais dos quais é signatário.” (Grifo nosso).
Percebe-se que o caso Maria da Penha, apontou que o Brasil, assinava Tratados, participava de Convenções e Conferências, dando uma ideia de uma nação preocupado com a os direitos e garantias das mulheres mas no plano prático, havia uma política e uma legislação indiferente à realidade posta. O caso de Maria da Penha mostrou a realidade da mulher brasileira às veias abertas para a sociedade internacional.
Destacando esse contexto vergonhoso:
“O Brasil ignorou os pedidos de esclarecimento enviados de Washington. Ante o silêncio, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos decidiu em 2001 fazer uma condenação pública, para que o mundo ouvisse. Acusou o país de covardemente fechar os olhos à violência contra suas cidadãs. Foi uma humilhação internacional.
Só então o governo começou a se mexer por uma lei contra a violência doméstica. Organizações feministas ajudaram na redação do projeto.
A pressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos também foi decisiva para que o marido de Maria da Penha fosse posto atrás grades, em 2002 — 19 anos e meio após os atentados. Os crimes caducariam aos 20 anos.
Em 2006, o projeto foi aprovado pela Câmara e pelo Senado e sancionado por Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente na época. A Lei 11.340 ganhou o apelido de Lei Maria da Penha — justa homenagem à mulher que se recusou a aceitar a inércia das instituições e mudou o destino das brasileiras para sempre.” (Jornal do Senado) (grifo nosso)
Como se percebe somente no ano de 2006 é que o Brasil passou a ter uma lei específica que introduz no plano positivado do ordenamento jurídico um instrumento concreto que combate a Violência contra as mulheres, cinco anos após ser condenado publicamente pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Mesmo sendo o Brasil signatário, ser integrante e participar de Conferências, Convenções e Tratados, só podemos considerar a realidade concreta como corte epistemológico e histórico, a entrada da Lei 11.340 no ordenamento jurídico. Com efeito é esse acontecimento que coloca o Brasil no caminho da decência humana no que se refere a Dignidade da pessoa Humana.
A Lei Maria da Penha, tenta romper com uma tradição patriarcal legalmente criminoso que remonta ao período de Brasil Colônia, como se constata:
“A vida do Brasil colonial era regida pelas Ordenações Filipinas, um código legal que se aplicava a Portugal e seus territórios ultramarinos. Com todas as letras, as Ordenações Filipinas asseguravam ao marido o direito de matar a mulher caso a apanhasse em adultério. Também podia matá-la por meramente suspeitar de traição — bastava um boato. Previa-se um único caso de punição. Sendo o marido traído um “peão” e o amante de sua mulher uma “pessoa de maior qualidade”, o assassino poderia ser condenado a três anos de desterro na África.
No Brasil República, as leis continuaram reproduzindo a ideia de que o homem era superior à mulher. O Código Civil de 1916 dava às mulheres casadas o status de “incapazes”. Elas só podiam assinar contratos ou trabalhar fora de casa se tivessem a autorização expressa do marido.” (Jornal do Senado)
A partir da existência deste instrumento legal que fomenta um combate à Violência Doméstica, urge também que haja políticas afirmativas por parte do Estado, neste sentido, inclusive ensejando uma nova cultura pautada na consciência de uma sociedade que não se cale diante das atrocidades causados pela Violência Doméstica.
Tendo em vista uma nova realidade contextual , este ano de 2020 , o Congresso Nacional corroborou a lei Maria da Penha , através da Lei 14.022/2020, de autoria da Deputada ativista Maria do Rosário e mais 22 congressistas da bancada feminina, “a Lei para tentar conter o aumento de casos de violência doméstica no país. (…)ampliou o alcance das medidas também para pessoas com deficiência que sofram violência doméstica e familiar.” (Agência Senado, 2020).
Tendo em vista a importância da Lei Maria da Penha na história do Brasil, no que tange à proteção à Dignidade da Pessoa Humana tendo como foco as mulheres, assim, cabe-nos analisar os efeitos da Lei ao que concerne às políticas públicas por parte do Estado.
Assim, é importante atentar e investigar como se dá o atendimento, o acesso à justiça por parte das vítimas de Violência Doméstica, tendo em vista que há uma lei específica para estes casos.
De acordo com a Carta Magna de 1988, no Artigo “Todos são iguais perante a lei” e ainda acrescenta no Inciso I, do artigo mencionado que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” .O Direito Fundamental à igualdade entre homens e mulheres pressupõe, inicialmente, que a Dignidade da Pessoa Humana é indistinta em relação ao gênero. Assim, é mister destacar que a letra da Lei Maior do Estado trata todos no mesmo nível, e este nível é o da dignidade, da equidade e igualdade, na contramão Oliveira e Cavalcante(2007) afirma “ que na prática os direitos fundamentais não são acessíveis a todo e qualquer cidadão, em virtude principalmente da não observância da igualdade e da dignidade da pessoa humana”.
Neste cenário dicotômico entre lei e fomento de políticas públicas há fissuras que não concatenam a teoria (Lei) e ações governamentais (Políticas públicas), e sem essa práxis político-legal é impossível combater a Violência Doméstica que está dimensionada na violência de gênero.
No que tange as primeiras iniciativas concretas corrobora Oliveira e Cavalcante (2017, p11):
“A primeira experiência de implantação de uma política pública de combate à violência contra as mulheres no Brasil ocorreu em 1985 com a criação da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher-DEAM. No mesmo ano foi constituído o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Em 1986, foi criada a primeira Casa-Abrigo para mulheres em situação de risco de morte do país. Essas três importantes conquistas da luta do movimento feminista no Brasil foram, durante muito tempo, as principais ações do Estado voltadas para a promoção dos direitos das mulheres no enfrentamento à violência.”
Vem-se reprisando ao longo deste trabalho que o combate à Violência Doméstica é fruto de manifestações e reivindicações aguerridas e organizadas e ainda nos idos dos anos da década de 1980 houve a criação da Delegacia especializada de atendimento à Mulher, também foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e a primeira Casa-Abrigo.
A atenção à Mulher passa a ser enfocada de forma mais prioritárias a partir do ano 2003, como aduz Oliveira e Cavalcante (2017) apud Pasinato e Santos (2008):
“inaugurou-se uma nova fase nas políticas públicas de âmbito nacional relacionadas às mulheres, com a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, a qual recebeu o status de ministério, com orçamento próprio, poderes e autonomia administrativa para criar e executar políticas públicas voltadas para a ampliação e a garantia dos direitos das mulheres. Assim, a política de enfrentamento à violência contra as mulheres foi ampliada no sentido de promover a implantação de novos serviços e de propor a construção de Redes de Atendimento às mulheres em situação de violência.” ( grifo nosso)
Percebe-se que a política de enfretamento à violência contra as mulheres ganha uma dimensão mais concreta, institucional e objetiva a partir de 2003, quando passa haver um direcionamento a partir de diretrizes do Governo Federal com a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres que assim implementa a criação das redes de atendimento às mulheres em situação de violência.
No sentido de políticas públicas podemos aduzir que a Política Nacional estabelecida a partir do ano de 2003, colocaram o Brasil numa direção político-legal das Nações que respeitavam os Tratados, Convenções e Conferências, como sintetiza BRASIL (2011):
“A Política Nacional encontra-se, também, em consonância com a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e com convenções e tratados internacionais ratificados pelo Brasil, tais como: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, 1994), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1981) e a Convenção Internacional contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas (Convenção de Palermo, 2000). Desse modo, a elaboração da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) tem como objetivo explicitar os fundamentos conceituais e políticos do enfrentamento à questão, que têm orientado a formulação e execução das políticas públicas formuladas e executadas – desde a criação da SPM em janeiro de 2003 – para a prevenção, combate e enfrentamento à violência contra as mulheres, assim como para a assistência às mulheres em situação de violência.”
No contexto desse novo olhar de uma política pública voltada para às mulheres é que se estabelecem diretrizes amplas para o enfrentamento à violência doméstica como se percebe:
“A partir de 2003, as políticas públicas para o enfrentamento à violência contra as mulheres são ampliadas e passam a incluir ações integradas, como: criação de normas e padrões de atendimento, aperfeiçoamento da legislação, incentivo à constituição de redes de serviços, o apoio a projetos educativos e culturais de prevenção à violência e ampliação do acesso das mulheres à justiça e aos serviços de segurança pública.”(BRASIL, 2011).
Embora em 1986, já existisse um Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, uma verdadeira política pública de enfrentamento à violência contra as mulheres passa a existir somente a partir do ano de 2003 e assim busca-se entre as metas estabelecidas incentivar a constituição de redes de serviços, projetos educativos e culturais, além de buscar a ampliação do acesso das mulheres à justiça e aos serviços de segurança pública.
Vimos que a trajetória histórico-legal dos direitos inerentes às mulheres, principalmente no que se refere a dignidade da pessoa humana e à da igualdade de direitos e deveres caminha no Brasil em marcha lenta, mas tem alcançado os estados e inclusive tem alcançado cidades interioranas, que é o caso do Município de Itacoatiara, que desde o ano de 2019, tem tentado viabilizar acesso à justiça e a segurança pública para as mulheres vítimas de Violência Doméstica.
De acordo com o Senado Federal (2011) em relatório tratando sobre as políticas de enfrentamento do plano nacional, o Estado do Amazonas assinou o Pacto com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) em 2009, tendo como municípios polos dez municípios, inclusive o Município de Itacoatiara. De acordo com o Mapa da Violência (2003), o Amazonas tinha uma taxa de 3.8 homicídios femininos para cada cem mulheres. Com efeito, o Governo do Estado do Amazonas passou a fomentar ações práticas o que tange ao enfretamento ao combate à violência a mulher como se percebe:
Quadro 2: Ações Previstas para implementação do Pacto entre os anos de 2011 e 2014.
Fonte: Comissão Parlamentar Mista de Inquérito.[4]
Neste contexto de implementações de uma política nacional, o Estado do Amazonas, fez o Acordo de Cooperação com a União e assinado um Termo de adesão que visa consolidar o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra às Mulheres, como se fez saber Amazonas (2019, p2):
“Acordo de Cooperação Federativa, de 31 de janeiro de 2012, celebrado entre a União, por intermédio da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e o Estado do Amazonas, o Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, o Ministério Público do Estado do Amazonas, a Defensoria Pública do Estado do Amazonas e a Associação Amazonense de Municípios do Estado do Amazonas, para a execução de ações cooperadas e solidárias para a implantação do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres.
Termo de Adesão n.° 012/2013/SPM/PR, de 30 de outubro de 2013, celebrado entre a União, por intermédio da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e o Estado do Amazonas, o Município de Manaus, o Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, o Ministério Público do Estado do Amazonas e a Defensoria Pública do Estado do Amazonas, para a consolidação da Política e do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, mediante adesão dos partícipes ao “Programa Mulher: Viver sem Violência” (grifo nosso)
De fato o Estado do Amazonas, incorporou a política de enfretamento, e vem se estruturando nessa dimensão, criando pastas em sua estrutural governamental, e se adequando à uma concepção mais contemporânea de gestão, na qual se dá ênfase a políticas afirmativas e se atenta aos princípios dos Direitos Humanos.
No ano de 2019, a Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (SEJUSC) e o Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM), assinaram um Termo de cooperação técnica que “tem por objetivo a cooperação técnica entre os participes, mediante a conjugação de esforços com vistas à continuidade das ações voltadas a gestão das políticas públicas para atendimento e apoio das Mulheres do Campo e da Floresta” (Amazonas, 2011). Assim, é fato que as políticas públicas em relação ao Enfretamento ao Combate à Violência contra a Mulher, é uma realidade, no Estado do Amazonas.
É importante frisar que as ações da SEJUSC geram efeitos positivos no que concerne ao enfretamento posto, como se observa:
“Compete, especificamente, a SEJUSC: Apoiar tecnicamente as ações em prol das mulheres e divulgar amplamente as atividades que serão executadas através do presente acordo; Disponibilizar equipe técnica para desenvolvimento das ações e atividades previstas neste instrumento; Prestar atendimentos psicossociais às mulheres, com encaminhamentos à rede de atendimento de combate à violência contra a mulher; Promover abordagens informativas às mulheres; Promover rodas de conversas sobre a prevenção de violência contra a mulher; Realizar o cadastramento das mulheres usuárias da rede de atendimento; Realizar atendimento das demandas emergenciais, responsabilizando-se pelo encaminhamento para a rede de atendimento de violência contra a mulher; Realizar a emissão de documentos básicos para mulheres (1.” e 2.a vias de RG e Certidão de Nascimento), em parceria com a Secretaria Executiva de Cidadania da SEJUSC; Disponibilizar, a título gratuito, para o TJAM a cessão da Unidade Móvel de Atendimento, para a implementação conjunta das ações e atividades descritas neste instrumento.”
É inexorável afirmar que o Estado do Amazonas através da SEJUSC, traça no plano real e concreto uma gestão concatenada à política nacional de enfretamento ao Combate à Violência as Mulheres, inclusive fomentando atendimentos que garantem acesso à justiça, no que concerne à uma mobilidade no caminho da cidadania e na construção da Dignidade da Pessoa Humana, das mulheres vítimas. Nesta esteira o acesso à justiça é visto como direito fundamental, que por conseguinte um direito previsto na Constituição Federal de 1988.
5.1 O Acesso à justiça: A importância da Casa de Maria no Município de Itacoatiara
Discorrer sobre as leis, refletir sobre as políticas de enfrentamento ao combate às formas de violência contra às mulheres, nada disso importa, se no plano prático, não houver acesso à justiça, que é a pedra de toque de fomentos das ações concretas das políticas públicas. Como já dito o “acesso” não é sinônimo de mero atendimento para registro de boletins de ocorrência, e sim, ter acesso à estrutura holística do Poder Público para o enfretamento da Violência. Neste diapasão, o acesso à justiça, se dá dentro de uma política de enfretamento posta em lei, e que implica na criação de uma estrutura como nos mostra o Pacto Nacional:
“(…)ao definir um dos seus eixos como Fortalecimento da Rede de Atendimento e Implementação da Lei Maria da Penha, garante um maior aporte de recursos por parte da Secretaria de Políticas para as Mulheres e demais Ministérios para o apoio (criação/reaparelhamento/reforma) de serviços especializados de atendimento à mulher (em especial, Centros de Referência de Atendimento à Mulher, Casas Abrigo, Casas de Acolhimento Provisório, Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, Núcleos da Mulher nas Defensorias Públicas, Promotorias Especializadas, Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher”( Presidência da República, p.20, 2011).
O acesso à justiça, por conseguinte, não é apenas, o atendimento na delegacia, envolve atendido por uma rede composta de uma estrutura robusta, concreta, objetiva, que fomente verdadeiramente o direito fundamental da dignidade da pessoa humana às mulheres, pois o acesso aqui desejável é à estrutura que conta com criação de delegacias especializadas ao atendimento específico de mulheres agredidas, a criação de abrigos para que a mulher agredida não fique exposta ao relento habitacional, a criação de núcleos específicos voltados para atendimento às mulheres agredidas, tanto na defensoria quanto na promotoria, além da existência de juizados especializados em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Em Itacoatiara, cidade localizada na Região Metropolitana de Manaus, nos traz uma demonstração de ação prática no combate à Violência Doméstica contra às Mulheres, fomentando assim acesso à justiça para as vítimas da violência em questão. Com efeito, em Itacoatiara a “Casa de Maria” desenvolve atendimento às mulheres vítimas dos crimes tipificados na Lei nº 11340.
A respeito da Casa de Maria, que é um projeto de inciativa do Governo do Amazonas, por meio de sua Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc), e atua oferecendo diariamente orientação, acolhimento e apoio a vítimas e seus familiares. Em relação à atendimento, parcerias e apoios, a Casa de Maria é:
“um espaço anexo a Delegacia Especializada com atendimento social e psicólogo, faz parte de uma parceria entre Sejusc, Prefeitura de Itacoatiara, Movimento de Mulheres Camponesas de Itacoatiara e Delegacia Especializada no município, com apoio do Fundo de Promoção Social e Erradicação da Pobreza (FPS) e Agência de Fomento do Estado do Amazonas (Afeam).”(Amazonas, Sejusc, 2019).
Tratando sobre o acesso à justiça fomentado na Casa de Maria, esclarece a Defensoria Pública do Amazonas “O atendimento será possível a partir da assinatura de um termo de cooperação entre a Defensoria e a Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (SEJUSC), que administra a Casa[5] (Amazonas, 2019), logo as vítimas de violência acolhidas pela Casa de Maria passaram a receber assistência jurídica gratuita da Defensoria Pública do Estado (DPE-AM) na sede do projeto, em Itacoatiara, colocando em pratica o que a lei e a política de enfretamento tem orientado.
Assim, a Casa de Maria , que é uma unidade da rede de Enfretamento à Violência Contra a Mulher no Amazonas que atua nesta frente a partir de uma cooperação entre dois órgãos do Estado que são a Defensoria Pública do Amazonas e da Secretaria de Justiça de Cidadania e Justiça, que se deu através do Acordo de Cooperação Técnica n°002/2019, o qual garante atendimento jurídico e também faz os encaminhamentos aos órgãos de proteção e serviços psicológicos às vítimas.
Compondo parte da estrutura de acesso ao Enfrentamento, a Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher, tem permitido em ação conjunta com a Casa de Maria, substituir a cultura do silêncio pela cultura da denúncia, como se percebe : “Quando chega a quinta-feira, eu posso ficar sossegada, porque eu sei que não vou mais apanhar”. Esse é o relato de Silene Matos, de 45 anos, que sofreu violência doméstica durante 23 anos no município de Itacoatiara (AMAZONAS, SEJUSC, 2020).
Outros depoimentos corroboram uma mudança comportamental nas mulheres vítimas de Violência Doméstica, graças a existência real e concreta de uma estrutura que permite o verdadeiro acesso à justiça, no sentido amplo, como se percebe, no depoimento de Silene que conta que por diversas vezes o marido chegava alcoolizado em casa nos fins de semana e a violentava, tanto fisicamente quanto psicologicamente e após ser atendida no Serviço de Apoio a Mulheres, Idosos e Crianças (SAMIC/ Casa de Maria) ela mudou a forma como se enxergava e conseguiu quebrar o ciclo de violência.
De acordo com a Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher, nos anos de 2019 e 2020, tem os dados abaixo postos na tabela abaixo:
Tabela: índices de Ocorrências e Inquéritos instaurados
Violência doméstica | Violência doméstica |
2019 | 2020 |
Ocorrências registradas 933 | 477 |
Inquéritos Instaurados 251 | 127 |
Fonte: Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher (DECCM)
Os dados relativos aos atendimentos especializados em relação à Violência Doméstica e Familiar no Município de Itacoatiara nos mostram que a cultura do silêncio é rompida e dá lugar para a cultura da denúncia, pois há uma estrutura que corrobora para a dignidade da pessoa humana , no que tange à igualdade de gênero, no que tange a não-violência, no que tange à uma sociedade humana e justa.
A existência de uma estrutura de apoio que conta com a existência de um núcleo de atendimento, como a Casa de Maria, permite-nos visualizar através de dados e depoimentos como a realidade pode ser mudada , quando as políticas públicas são conduzidas de maneira responsável e preocupada com o bem estar social, com a vida, com a cultura da paz.
A Casa de Maria, é fruto do envolvimento do governo do estado com o governo municipal, que juntos buscam consolidar o que já está posto em plano nacional a mais de uma década. É sempre importante destacar que quando há vontade política, e se coloca a questão como prioridade, a teoria vira leitura da prática. Abaixo segue quadro, no qual se percebe a atuação da Casa de Maria.
Quadro 3: Serviços da Casa de Maria
1. Quantidade de Atendimentos
2. Procedimentos do Serviço Social
3. Metodologia
4. Por que se criou a “Casa de Maria”?
5. O Acesso no sentido amplo |
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Fonte: SAMIC/Casa de Maria.
A Casa de Maria faz parte de uma estrutura, que conta com a existência de Delegacia especializada, núcleos específicos na Defensoria Pública e Promotoria, e tem em suas ações atendimentos voltados à integração social e à restruturação psicológica, sendo, portanto, fundamental para a concretização do acesso às vítimas de Violência Doméstica e Familiar ao patamar positivado da Dignidade da Pessoa Humana, no município de Itacoatiara.
Conclusão
No decorrer deste artigo, pode-se investigar e analisar a trincheira histórica que tem sido a busca pelo acesso à justiça, por parte das mulheres vítimas de Violência Doméstica e Familiar. Pois este acesso tem um sentido amplo, não se referindo simplesmente à atendimento em delegacias, à defensoria ou algo similar, trata-se, de acesso à uma política justa que além de poder acessar à justiça também lhe forneça suportes estruturais para uma restruturação psicossocial com amparo legal.
Outra conclusão que podemos tecer é a de que não se pode ver o acesso às vítimas de Violência Doméstica e Familiar à justiça sem a lente dos Direitos Humanos, pois este acesso está intimamente vinculado aos direitos fundamentais que tem como azo a Dignidade da Pessoa Humana.
É ponto de conclusão, aduzir que as políticas públicas podem alcançar seus objetivos se houver empenho do Poder Público, em suas instâncias. Se o Estado tornar prático o que está positivado, a realidade que se prega na não discriminação de gênero, será construída progressivamente, tendo em vista que o acesso à justiça permite uma mudança de comportamento, principalmente os que são imbricados de uma cultura extemporânea patriarcal e por conseguinte, machista.
No Estado do Amazonas, tomando o exemplo prático das ações do Governo estadual em cooperação federativa permitiu o município de Itacoatiara, conseguisse consolidar uma política prática de acesso à justiça para as mulheres vítimas de Violência Doméstica e Familiar, pois houve o fomento de estrutura de enfrentamento, do qual nota-se a função precípua e profícua das atividades realizadas pela “ Casa de Maria”.
A “Casa de Maria” conseguiu criar expectativas para quem já não as tinha e perspectivas positivas para quem já não tinha esperança numa vida digna, postulada como princípio fundamental.
Referências
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[3] Disponível em: http://www.observatoriodegenero.gov.br/eixo/internacional/documentos-internacionais.
[4] BRASIL, Senado Federal do. Relatório Final.COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO. Com a finalidade de investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência”. Brasilia, 2013.
[5] Grifo feito pela a autora.
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