Direito Penal

Violência Obstétrica: Uma Análise Jurídica Acerca Do Instituto No Estado do Tocantins

Autora: LOPES, Josiane Marques. E-mail: rubiahelio@hotmail.com. Acadêmica do curso de Direito na Universidade UNIRG. Gurupi/TO.

Orientador: DANTAS², Wellson Rosário Santos. E-mail: wellson.adv@gmail.com. Profº. Esp. No curso de Direito na Universidade UNIRG, Gurupi/TO.

Resumo: Este artigo foi produzido através do método de pesquisa qualitativa e propõe-se a conceituar e exemplificar a violência obstétrica e seus tipos. Além de apresentar as propostas de leis que seguem em trâmites em âmbito nacional e os artigos das leis federais já vigentes bem como a lei estadual do Tocantins. É apresentado ainda como se dão as responsabilidades civil, penal e ética dos profissionais, perante a violência à mulher parturiente. Não existe um tipo penal específico que puna os agentes imputadores da violência obstétrica, porém é possível tipificar os atos da violência em vários tipos penais. São estes: injúria, maus-tratos, ameaça, constrangimento ilegal, lesão corporal e não raramente à tentativa de homicídio, todos elencados no Código Penal Brasileiro.

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Palavras-chave: Violência Obstétrica. Tipos de violência Obstétrica. Lei Federal. Lei Estadual.

 

Abstract: This article was produced using the qualitative research method and proposes to conceptualize and exemplify obstetric violence and its types. In addition to presenting the proposed laws that are in progress at the national level and the articles of the federal laws already in force as well as the state law of Tocantins that deals with the subject. It is also presented how the civil, penal and ethical responsibilities of professionals are given in relation to violence to women in labour. There is no specific criminal type that punishes the agents that impute obstetric violence, but it is possible to classify the acts of violence in several criminal types. These are: insult, mistreatment, threat, illegal constraint, bodily injury and not infrequently attempted murder, all listed in the Brazilian Penal Code.

Keywords: Obstetric Violence. Types of Obstetric Violence. Federal Law. State Law.

 

Sumário: Introdução. 1. Reflexões Gerais Acerca Da Violência Obstétrica. 1.1. Definição. 1.2. Tipos De Violência Obstétrica. 1.2.1 Episiotomia. 1.2.2.Manobra De Kristeller. 1.2.3. Aplicação De Ocitocina. 1.2.4. Restrição Da Posição Para O Parto. 1.2.5. Proibição Do Acompanhante 1.2.6.Violência Psicológica. 2. Legislação Sobre Violência Obstétrica. 2.1 No Brasil. 2.2. No Tocantins. 3. Responsabilidade Civil, Ética E Penal Dos Prestadores De Serviços Responsáveis Pela Violência Obstétrica. 3.1 Responsabilidade Civil. 3.2.Responsabilidade Penal. 3.3. Responsabilidade Ética. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

 

INTRODUÇÃO

Permeia o medo no imaginário feminino que haverá sofrimento durante o parto que poderão ocasionar graves consequências que perdurem durante anos, ou até mesmo, que sejam irreversíveis.

Um momento que deveria ser marcado com muito amor e carinho, com o advento do nascimento de um filho, muitas vezes acaba sendo marcado negativamente na vida de muitas mães. Em muitos casos a parturiente sofre agressões verbais, psicológicas, além de perderem a autonomia de seus corpos porque há certos tipos de profissionais que não respeitam as escolhas feitas por elas e realizam os procedimentos obstétricos que desejam, sem observar os desejos e vontades da mulher.

Em consonância às mudanças que ocorreram ao decorrer do processo evolutivo, os procedimentos realizados durante o parto também se desenvolveram progressivamente. Porém, em algumas situações ainda existem a utilização de procedimentos que violam a integridade física e psicológica da parturiente, ficando claro que tais procedimentos não deveriam sequer estar sendo realizados, tendo em vista a falta de necessidade científica dos mesmos.

O presente artigo foi produzido através de pesquisa qualitativa e se propõe a conceituar e exemplificar a violência obstétrica e seus tipos. Além de apresentar as propostas de leis que seguem em trâmites, bem como as leis estaduais e os artigos das leis federais já vigentes. As responsabilidades civil, penal e ética dos profissionais também serão abordadas.

 

  1. REFLEXÕES GERAIS ACERCA DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

1.1 Definição

A expressão Violência Obstétrica foi criada pelo presidente da Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia da Venezuela, Dr. Rogélio Perez D’ Gregório, e ficou conhecida mundialmente em 2010, através do Jornal Internacional de Ginecologia e Obstetrícia.

No Brasil, o termo foi reconhecido no ano de 2019 pelo Ministério da Saúde, após recomendação do Ministério Público. O termo vem sendo utilizado recentemente com o intuito de substituir o termo “violência no Parto”, haja vista a relação ampla não somente com os profissionais da saúde, mas também com as entidades privadas, públicas e qualquer organização da sociedade civil.

À vista disso, para que ocorra a violência obstétrica, basta que o profissional, cometa atos agressivos, violentos ou omissos, que vão contra a dignidade e integridade das pacientes gestantes, em trabalho de parto ou ainda no período de estado puerperal.

 

1.2 Tipos de Violência Obstétrica

A Violência obstétrica ocorre dentro de quatro tipos: Negligência, violência física, violência verbal e violência psicológica.

A negligência se caracteriza como a dificuldade no acesso ao atendimento à gestante. Por sua vez, a violência física caracteriza-se quando há intervenções desnecessárias e/ou violentas sem o consentimento da paciente. A violência verbal ocorre na forma de comentários agressivos, constrangedores, ofensivos, tentativas de ridicularização com a opção de parto ou posição de dar a luz. A violência psicológica caracteriza-se por ações que causem sentimento de inferioridade, abandono, medo e instabilidade.

A “Rede Parto do Princípio”, criou em 2012 um dossiê acerca da Violência Obstétrica, que traz o relato de vítimas dos procedimentos realizados pelos profissionais.

Abaixo relacionaremos alguns exemplos dos atos mais conhecidos e rotineiros da violência obstétrica contidos neste dossiê.

 

1.2.1 Episiotomia

“Quando eu ouvi ele pedindo o bisturi, meu Deus, quase morri! Eu pedi para que não fizesse a episio, mas ele me respondeu: ‘O seguro morreu de velho. Quem manda aqui sou eu”. (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012, p. 83).

A episiotomia consiste em uma incisão realizada na vulva, sem o consentimento da paciente, e em sua maioria, sem anestesia, objetivando a abertura do canal vaginal. Não obstante, alguns profissionais, ao realizar o procedimento de episiorrafia, que é a costura da episiotomia, realizam uma sutura adicional, conhecida como “ponto do marido”, que tem objetiva apertar o canal vaginal para preservar o prazer sexual masculino, após o parto. Na maioria dos casos, este procedimento gera dor e desconforto, na maioria das vezes insuportável para a mulher.

 

1.2.2 Manobra de Kristeller

“Duas pessoas subiram em cima da minha barriga para o bebê nascer.”  (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012, p. 105).

Consiste no ato em que o profissional empurra o feto para a região da pelve – bacia, ou região da cintura – , com o peso do seu corpo sobre as mãos, braço, antebraço ou joelho, objetivando a abreviação do trabalho de parto. Esta manobra foi abandonada pelas graves consequências que causam na mulher e no feto, porém, alguns profissionais ainda a realizam, e não registram nos prontuários.

 

1.2.3 Aplicação de ocitocina

“A enfermeira disse que, como eu estava “quase lá”, ela colocaria o “sorinho” em mim primeiro. Perguntei o que tinha no soro e ela falou que tinha ocitocina. Eu disse NÃO. Ela não deu importância. Pelo contrário, disse que ia me colocar, porque ninguém ali queria um bebê morto, não é mesmo? As pessoas vão para o Hospital para ter um bebê vivo, e se eu tivesse que ir para a UTI ninguém perderia tempo achando minha veia. Ainda reclamou que a veia da minha mão era muito torta”. (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012, p. 138).

A ocitocina é um hormônio que o próprio corpo humano produz, mas que é utilizado em soros (ocitocina sintética, ou seja, artificial), com a finalidade de acelerar o processo de contrações uterinas e consequentemente o parto, porém causa um aumento significativo das dores, e pode trazer sérias complicações para a parturiente e para o feto.

 

1.2.4 Restrição da posição para o parto

“Perguntei ao meu médico se eu podia escolher a posição para o parto, por exemplo de cócoras. Ele riu e falou que é pra eu tirar essas ideias de ‘parto hippie’ da cabeça. Eu insisti e ele disse que não estudou tanto para ficar agachado igual a um mecânico.” (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012, p. 107).

Apesar de ser uma das mais frequentes formas de violência obstétrica, a posição para o parto é de livre escolha da mulher. De acordo com o tópico 13.5.6.5 do Relatório de Recomendação da Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal, 2016, pág.224, “as mulheres devem ser encorajadas a se movimentarem e adotarem as posições que lhes sejam mais confortáveis no trabalho de parto”.

Ainda neste sentido a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 36 de 2008 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) dispõe no tópico 5.6.7.1 que é garantido a mulher condições de escolha das diversas posições durante o parto, desde que não existam impedimentos clínicos.

 

1.2.5 Proibição do acompanhante

“Quando o médico chegou, pedi para deixar o meu marido entrar. Ele não quis deixar, mas meu marido estava com o papel da Lei que permite acompanhante no parto e ele mostrou para o médico. O médico se virou para o meu marido e disse ‘Então eu vou embora e você faz o parto”. (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012, p. 65).

A parturiente pode escolher sem qualquer tipo de restrição ou cobranças, quem vai acompanhá-la durante o pré-parto, parto e pós-parto imediato (10 dias após o parto) de acordo com a Portaria n° 2.418/05 do Ministério da Saúde. Além de caracterizar como violência obstétrica, a proibição de acompanhante durante o parto é um descumprimento direto da Lei 11.108/2005, da RDC nº 38/2008 da ANVISA e do Estatuto da Criança e do Adolescente (no caso de adolescente grávida).

 

1.2.6 Violência psicológica

“Eu digo pras grávidas: ‘se não ficar quieta, eu vou te furar todinha’. Eu agüento esse monte de mulher fresca?” (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012, p. 134).

A violência psicológica caracteriza-se por conta da agressão psicológica recebida durante a gravidez e parto, por mães que sofreram com falta de informações acerca dos procedimentos que foram realizados em seus corpos; que receberam ofensas, insultos, comentários humilhantes, discriminatórios, agressivos e grosseiros. Mães que ao sentir medo, abandono, insegurança tiveram que se calar, guardar suas emoções; que por seu peso, altura, raça, opção sexual, entre outros, foram criticadas; que além de passarem por tudo isso, ainda tiveram que esperar a “boa vontade” dos profissionais, para ter contato com seu filho recém-nascido.

 

2. LEGISLAÇÃO SOBRE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

2.1 No Brasil

No Brasil não existe legislação federal específica que tipifica a violência obstétrica, e com a falta dessa legislação os órgãos que regulam os comportamentos médicos, bem como os que amparam as vítimas criaram resoluções, que buscam regulamentar as questões pertinentes ao assunto. São os órgãos:

  • A Organização Mundial de Saúde (OMS);
  • A Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal;
  • A Diretoria Colegiada da agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA);

Como não possui legislação específica, para a violência obstétrica, o judiciário se ampara nas legislações já vigentes. Neste sentido, a Violência Obstétrica é regulada, mesmo que indiretamente, pela Constituição Federal:

Art. 1°. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana

Art. 5°- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

III – tratamento assemelhado à tortura, desumano, e degradante;

X – violação da intimidade e da vida privada;

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

 

Embora não exista lei federal específica, os atos da violência obstétrica, em sua maioria caracterizam-se típicos e antijurídicos, e estão previstos em alguns artigos das leis a seguir:

A Lei n° 8.078 de 1990 – Código de Defesa do Consumidor regulamenta em seu art. 14, questões pertinentes à reparação de danos causados em relação à prestação de serviços. In verbis:

Art. 14: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

  • 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”

A Lei n° 11.108 de 2005 – Lei do Acompanhante que prevê em seu art. 19-J, in verbis:

Art. 19 – J: Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde – SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós parto imediato.

  • 1° O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente.
  • 2° As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder Executivo.”

A Lei n° 12.401/2011 – Assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, que dispõe em seu art. 19-Q, in verbis:

Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS.

  • 2º O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará em consideração, necessariamente:

I – as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso.”

A Lei n° 10.406 de 2002 – Código Civil, que dispõe em seu art. 186 sobre a Responsabilidade Civil, in verbis:

“Art.186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.”

O Decreto – Lei n° 2.848 de 1940 – Código Penal Brasileiro, in verbis:

Homicídio simples – Art. 121. Matar alguém: Pena – reclusão, de seis a vinte anos;

Lesão corporal – Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano;

Lesão corporal de natureza grave – § 1º Se resulta: I – Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II – perigo de vida; III – debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV – aceleração de parto: Pena – reclusão, de um a cinco anos. § 2° Se resulta: I – Incapacidade permanente para o trabalho; II – enfermidade incurável; III perda ou inutilização do membro, sentido ou função; IV – deformidade permanente; V – aborto: Pena – reclusão, de dois a oito anos;

Lesão corporal seguida de morte – § 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo: Pena – reclusão, de quatro a doze anos; Maus-tratos – Art. 136 – Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena – detenção, de dois meses a um ano, ou multa. § 1º – Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de um a quatro anos. § 2º – Se resulta a morte: Pena – reclusão, de quatro a doze anos. § 3º – Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos;

Injúria – Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Constrangimento Ilegal – Art. 146 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Ameaça – Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único – Somente se procede mediante representação.”

Além das legislações elencadas acima, existem ainda as resoluções dos Conselho Federal de Medicina e Conselho Federal de Enfermagem que dispõem aos profissionais, os atos devidos e vedados:

O Código de Ética Médica – Resolução CFMn° 1.931/2009, que veda ao médico.

“Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida;

Art. 14. Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação vigente no País;

Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte;

Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto.

Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.

Art. 25. Deixar de denunciar prática de tortura ou de procedimentos degradantes, desumanos ou cruéis, praticá-las, bem como ser conivente com quem as realize ou fornecer meios, instrumentos, substâncias ou conhecimentos que as facilitem.

Art. 27. Desrespeitar a integridade física e mental do paciente ou utilizar-se de meio que possa alterar sua personalidade ou sua consciência em investigação policial ou de qualquer outra natureza.

Art. 28. Desrespeitar o interesse e a integridade do paciente em qualquer instituição na qual esteja recolhido, independentemente da própria vontade.

Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.”

O Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem regula na Resolução n° 564/2017:

“Art. 25 Fundamentar suas relações no direito, na prudência, no respeito, na solidariedade e na diversidade de opinião e posição ideológica.

Art. 41 Prestar assistência de Enfermagem sem discriminação de qualquer natureza.

Art. 42 Respeitar o direito do exercício da autonomia da pessoa ou de seu representante legal na tomada de decisão, livre e esclarecida, sobre sua saúde, segurança, tratamento, conforto, bem-estar, realizando ações necessárias, de acordo com os princípios éticos e legais.

Art. 45 Prestar assistência de Enfermagem livre de danos decorrentes de imperícia, negligência ou imprudência.

E proíbe:

“Art. 71 Promover ou ser conivente com injúria, calúnia e difamação de pessoa e família, membros das equipes de Enfermagem e de saúde, organizações da Enfermagem, trabalhadores de outras áreas e instituições em que exerce sua atividade profissional.

Art. 72 Praticar ou ser conivente com crime, contravenção penal ou qualquer outro ato que infrinja postulados éticos e legais, no exercício profissional.”

Alguns parlamentares, ao observar a ausência do Estado em legislar sobre a violência obstétrica, viram a necessidade de criar os projetos de leis acerca do tema. Abaixo relacionados estão os projetos de leis elaborados:

  • PLS 75/2012, da senadora licenciada Maria do Carmo Alves (SE), proíbe que a gestante detenta seja algemada durante o parto.
  • PLS 8/2013, do ex-senador Gim, que obriga a obediência às diretrizes e orientações técnicas e o oferecimento de condições que possibilitem a ocorrência do parto humanizado nos estabelecimentos do SUS. Já aprovado no Senado e remetido à Câmara, foi motivado pelos esforços da Rehuna, coletivo de profissionais de saúde em Rede pela Humanização do Parto e Nascimento.
  • PL 7.633/2014 (na Câmara), do deputado Jean Wyllys, estabelece que médicos e profissionais de saúde devem dar prioridade à assistência humanizada à mulher e ao recém-nascido no ciclo da gravidez até o pós-parto. Os hospitais deverão respeitar o limite de 15% de cesáreas, recomendado pela Organização Mundial da Saúde.
  • PEC 100/2015 (na Câmara), do deputado Veneziano Vital do Rêgo (PMDB-PB), disponibiliza equipe multiprofissional para atenção integral no pré-natal, parto e pós-parto, pelo SUS.
  • PL 359/2015 (na Câmara), da deputada Janete Capiberibe (PSB-AP), propõe fornecer curso de qualificação básica para as parteiras tradicionais e incluir sua atividade no âmbito do SUS.
  • PL n° 8.219/17 – de autoria do Deputado Francisco Floriano e o PL n° 7.867/2017 de autoria da Deputada Jô Moraes, que dispõe sobre os direitos e deveres dos médicos e das pacientes, além da tipificação com o objetivo de erradicar a violência obstétrica no país.

Tais projetos de leis buscam tanto a tipificação do caso em si, quanto à humanização do atendimento às parturientes.

Com a falta da legislação federal, alguns estados criaram legislações pertinentes ao tema. Como exemplo, têm-se os estados de Santa Cataria e Minas Gerais com as Leis Estaduais: Lei nº 17.097, de 17/01/2017 e Lei nº 23175 de 21/12/2018, respectivamente.

As leis estabelecem os procedimentos realizados pelos profissionais que são considerados violência contra as parturientes e regulam como as instituições e os profissionais devem proceder para informar às parturientes sobre seus direitos.

 

2.2 No Estado do Tocantins

O Estado do Tocantins, em sua busca por legislar o ato, também definiu o termo Violência Obstétrica, conforme prevê o art. 2° da Lei n° 3.385 de 2018:

“Art. 2°. Considera-se violência obstétrica todo ato praticado pelo médico, pela equipe do hospital, maternidade e unidade de saúde, por um familiar ou acompanhante que ofenda de forma verbal ou física as mulheres gestantes, em trabalho de parto ou, ainda, no período de estado puerperal.”

A Lei n° 3.385 de julho de 2018 dispõe sobre a implementação de medidas de informação e proteção à gestante e parturiente contra a violência obstétrica no Estado do Tocantins.

“Art. 1º A presente Lei tem por objeto a implementação de medidas de informação e proteção à gestante e parturiente no Estado do Tocantins, visando à proteção contra a violência obstétrica e à divulgação da Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal.”

Faz se necessário instruir a gestante a identificar as praticas abusivas e criminosas que podem ser cometidas pelos profissionais de saúde no desempenho de suas funções, pois tendo ciência da existência que possíveis abusos podem ocorrer deixa-a em estado de atenção estando apta a evitar qualquer dano proveniente de uma prática abusiva contra sua integridade física e psicológica.

Conforme disposto na Lei que vigora no estado do Tocantins, é possível conceituar e identificar o que é a violência obstétrica, o que beneficia as pacientes quando precisam denunciar as práticas criminosas cometidas pelos profissionais da saúde, além das mesmas obterem amparo jurídico quando houver a necessidade legal.

 

3. RESPONSABILIDADE CIVIL, ÉTICA E PENAL DOS PRESTADORES DE SERVIÇOS RESPONSÁVEIS PELA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

3.1 Responsabilidade Civil

É possível identificar a partir do art. 186 do Código Civil a presença dos requisitos para configurar a responsabilidade civil:

“Art.186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligencia ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.”

Em relação aos profissionais liberais (que não possuem vínculos empregatícios), o CDC em seu art. 14, §4° prevê que para que seja caracterizada a responsabilidade civil em determinadas situações, como exemplo, a exclusão do erro médico, é necessário além do nexo causal, do fato e do dano, a comprovação da culpa do profissional, para que haja a responsabilização civil e a reparação do dano. Assim sendo, a responsabilidade civil do médico, será subjetiva.

Porém, partindo da idealização atual de que os casos de violência obstétrica não mais são caracterizados como erro médico, mas sim como violência de gênero, quando provado que houve a violência obstétrica, não é necessário a prova da culpa, mas sim o nexo causal, do fato e do dano, ou seja, o dano é presumido, devendo ser então, indenizado.

Ao julgar a responsabilização do dano, o julgador deve analisar principalmente o ato, tendo em vista que podem ocorrer resultados que independem da vontade médica.

O Estado também pode ser responsabilizado pelo dano causado, já que está previsto na Constituição Federal de 1988, o direito fundamental à saúde, assim como, prevê também em seu art. 196, anteriormente mencionado que a

“Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

 

3.2 Responsabilidade Penal

Para que haja responsabilidade penal, a conduta ilícita do agente deve ser dolosa ou culposa. Diz-se doloso o crime quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo (art. 18, I, Código Penal). E culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia (art. 18, II, Código Penal).

A própria Constituição em seus princípios fundamentais, pugna pela dignidade da pessoa humana, portanto, é implícito e claro o direito da mulher gestante, a um tratamento humanizado em seu parto.

Não existe um tipo penal específico que puna os agentes imputadores da violência obstétrica, porém é possível tipificar os atos da violência em vários tipos penais. São estes: injúria, maus-tratos, ameaça, constrangimento ilegal, lesão corporal e não raramente à tentativa de homicídio, todos elencados no Código Penal Brasileiro.

A injúria é tipificada como ofensas que a gestante recebe, ferindo sua honra e dignidade; a pena prevista é de um a seis meses de detenção e multa. Os maus-tratos são a privação da atenção e dos cuidados médicos necessários, para a parturiente; a pena prevista é de até um ano de detenção. A ameaça é encontrada em frases proferidas como: “eu vou te dar motivo para gritar daqui a pouco”; a pena prevista é de um a seis meses de detenção. O constrangimento ilegal se dá com a exposição das partes íntimas das vítimas, assim como procedimentos desnecessários ou não permitidos, falta de informação e privação de acompanhante; a pena prevista é de três meses a um ano de detenção, ou multa. A lesão corporal, em muitos casos se dá pelo procedimento de episiotomia, por exemplo; a pena pode chegar a 8 anos de reclusão a depender do caso. O homicídio pode ocorrer em decorrência das graves lesões sofridas pela parturiente; a pena é de reclusão de seis a vinte anos.

 

3.3 Responsabilidade Ética

Quanto à responsabilidade ética do médico, o Código de Ética Médica – Resolução n° 1.931 de 2009, do Conselho Federal de Medicina, veda aos médicos, em um capítulo dedicado aos Direitos Humanos, condutas que se encaixam perfeitamente na ocorrência de violência obstétrica:

“Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto.

Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.

Art. 25. Deixar de denunciar prática de tortura ou de procedimentos degradantes, desumanos ou cruéis, praticá-las, bem como ser conivente com quem as realize ou fornecer meios, instrumentos, substâncias ou conhecimentos que as facilitem.

Art. 27. Desrespeitar a integridade física e mental do paciente ou utilizar-se de meio que possa alterar sua personalidade ou sua consciência em investigação policial ou de qualquer outra natureza.

Art. 28. Desrespeitar o interesse e a integridade do paciente em qualquer instituição na qual esteja recolhido,independentemente da própria vontade.”

No mesmo sentido, os profissionais de enfermagem, que acompanham o pré e pós-parto, respondem por responsabilidade direta e subjetiva, assim como os médicos, ou seja, é necessário provar a culpa.

Os médicos e enfermeiros que descumprirem tais dispositivos, estão sujeitos às sanções disciplinares que vão desde de uma advertência, à uma possível cassação do exercício profissional, pois, a relação médico-paciente deve se basear no princípio da dignidade humana.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em consoante aos fatos apresentados neste artigo, é possível afirmar que a violência obstétrica é caracterizada por procedimentos realizados em mulheres parturientes, por profissionais obstétricos que por sua vez, retiram da paciente a autonomia de seu corpo. Tais procedimentos podem provocar traumas físicos e psicológicos, e de acordo com a ciência, não trazem qualquer benefício à parturiente e á criança.

Na tentativa de minimizar a ocorrência destes casos, foram criadas resoluções e dossiês que tipificam condutas ilícitas e relatos das vítimas. As resoluções seguem o parâmetro legislativo e punem os profissionais, caso seja comprovado as práticas ilegais.

Como não existe legislação federal que ampare a mulher em caso de Violência Obstétrica, o Estado do Tocantins em sua competência criou uma Lei n°3.385/2018, que garante às vitimas um amparo legislativo, bem como, a punição para quem cometa as ações tipificadas.

É sabido que as mulheres sofrem maus-tratos e procedimentos não necessários durante o parto e, portanto, pode-se concluir que a expressão violência obstétrica, conforme as pesquisas revisadas, não é definido em termos legais, tampouco penalizado em âmbito federal. Desta forma, o estado do Tocantins buscou conceituar o termo violência obstétrica, através da Lei n° 3.385/2018, definindo e criminalizando o tipo penal.

Além da criação de Lei Federal para regulamentar as penalidades civis e panais do instituto, é necessário que haja criação de políticas públicas para que haja conscientização das mulheres, juntamente com a mobilização social, para garantir o conhecimento acerca de seus direitos enquanto parturientes, visando diminuição dos casos de violência obstétrica no âmbito nacional.

 

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