No ordenamento jurídico brasileiro, os antecedentes integram um rol de itens a serem vislumbrados no cerne da fixação de pena em decorrência de delitos.
Aquela (e) que nunca praticou crime terá, por óbvia constatação, bons antecedentes. Do contrário, maus.
Em algum momento da vida, toda pessoa se depara com a subsequente expressão: antecedentes criminais. Quem os tem, no senso comum, é visto como alguém com “passagem pela polícia”.
No âmbito do Direito Penal, os antecedentes do indivíduo fazem parte de uma série de critérios que são levados em conta no momento da definição da pena-base, em face de condenação. Observe o que diz o artigo 59, do Código Penal Brasileiro (CP):
Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.
(grifo nosso)
Pois bem, e qual o conceito que a doutrina tem a respeito do termo ʽantecedentesʼ?
Segundo Celso Delmanto et al. (2016, p. 254-255)[1], eles se referem a “[…] fatos anteriores” à vida da pessoa, “[…] incluindo-se tanto os antecedentes bons como os maus”. Na situação de se estar diante de um agente criminoso, a observância dos antecedentes “serve […] especialmente para verificar se o delito foi um episódio esporádico na vida do sujeito ou se ele, com frequência ou mesmo habitualmente, infringe a lei”.
Em uma perspectiva semelhante ao pensamento do teórico anterior, Guilherme de Souza Nucci (2021, p. 305)[2] diz que os antecedentes possuem vínculo com “[…] tudo o que existiu ou aconteceu, no campo penal, ao agente antes da prática do fato criminoso, ou seja, sua vida pregressa em matéria criminal”.
O entendimento do significado de antecedentes criminais e do contido no artigo 59, do CP, é fundamental para a compreensão da dinâmica de individualização da pena pelo (a) juiz (a), a qual encontra-se preceituada no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88). Veja na sequência:
Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
[…]
(grifo nosso)
Os antecedentes a que se refere o artigo 59, caput, do CP, e que tanto impactam na individualização da pena que deverá ser cumprida por uma pessoa em razão de sentença condenatória, conectam-se às chamadas ʽcircunstâncias judiciaisʼ.
As circunstâncias judiciais relacionam-se tanto ao crime como ao agente que o pratica. De acordo com Nucci (2021, p. 305)[3], elas são “[…] extraídas da livre apreciação do juiz, desde que respeitados os parâmetros fixados pelo legislador no art. 59 do Código Penal, constituindo efeito residual das circunstâncias legais”.
Ou seja, a fim de que não sejam duplamente mensuradas e ocorra o princípio do ne bis in idem, antes de pautar-se nas circunstâncias judiciais para estabelecer a pena-base, o magistrado deverá observar se elas já não estão positivadas na legislação vigente enquanto “[…] qualificadoras/privilégios, causas de aumento/diminuição ou agravantes/atenuantes […]” (NUCCI, 2021, p. 305)[4],.
A possibilidade discricionária do (a) juiz (a) valorar determinadas circunstâncias (na imposição de penalidade por conta de ilícitos penais) recebe amparo na jurisprudência também. Atente-se para o que afirma a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) explicitada na abaixo:
DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. PLEITO DE DIMINUIÇÃO DA PENA-BASE. AUSÊNCIA DE CRITÉRIO MATEMÁTICO. DISCRICIONARIEDADE. AUMENTO DEVIDAMENTE JUSTIFICADO. EXPRESSIVA QUANTIDADE E VARIEDADE DE DROGAS APREENDIDAS. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM. FUNDAMENTO DO AFASTAMENTO DA BENESSE PLEITEADA: DROGA FRACIONADA E PREPARADA PARA A VENDA E O CONSUMO – 4.000 (QUATRO MIL) UNIDADES – EVIDENCIADA A DEDICAÇÃO DO AGENTE AO COMÉRCIO ESPÚRIO DE DROGAS. INTENTO DE ABRANDAR O REGIME INICIAL REJEITADO. PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. ÓBICE DO ART. 44, I, DO CÓDIGO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I – É assente nesta Corte Superior de Justiça que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos.
II – Pleito de diminuição da pena-base. É cediço que essa deve ser fixada concreta e fundamentadamente (art. 93, inciso IX, Constituição Federal), de acordo com as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal brasileiro, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do delito.
Assim, para chegar a uma aplicação justa da lei penal, o juiz sentenciante, dentro da discricionariedade juridicamente vinculada, deve atentar para as singularidades do caso concreto, guiando-se, na primeira fase da dosimetria, pelos oito fatores indicativos relacionados no caput do art. 59 do Código Penal, bem como o art. 42 da Lei de Drogas, indicando, especificamente, dentro destes parâmetros, os motivos concretos pelos quais as considera favoráveis ou desfavoráveis, pois é justamente a motivação da decisão que oferece garantia contra os excessos e eventuais erros na aplicação da resposta penal. Além disso, não se admite a adoção de um critério puramente matemático, baseado apenas na quantidade de circunstâncias judiciais desfavoráveis, até porque de acordo com as especificidades de cada delito e também com as condições pessoais do agente, uma dada circunstância judicial desfavorável poderá e deverá possuir maior relevância (valor) do que outra no momento da fixação da pena-base, em obediência aos princípios da individualização da pena e da própria proporcionalidade, como ocorreu no caso. Confira-se: HC n. 387.992/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 15/5/2017; AgInt no HC n. 377.446/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 20/4/2017; e AgRg no AREsp n. 759.277/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 1º/8/2016.
III – Portanto, não há nenhuma ilegalidade, haja vista que as instâncias ordinárias levaram em conta a expressiva quantidade de droga apreendida – 250 porções de maconha; 637 porções de cocaína; 2.901 porções de crack; 456 porções de lança-perfume – para majorar a pena-base.
IV – Pedido de incidência da causa de diminuição de pena prevista no § 4° do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do Código Penal e outras que gravitarem em torno do caso, podem ser utilizadas para impedir a incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
V – In casu, houve fundamentação concreta para o afastamento do tráfico privilegiado. A grande quantidade de droga fracionada e preparada para a venda e o consumo – 4.000 (quatro mil) unidades – evidencia a dedicação do agente ao comércio espúrio de drogas.
Assim, a Corte originária se convenceu de que o paciente se dedicava, efetivamente, às atividades criminosas, porque não se tratava de traficante ocasional. Ademais, rever o entendimento das instâncias ordinárias para fazer incidir a causa especial de diminuição demandaria, necessariamente, amplo revolvimento da matéria fático-probatória, procedimento que, a toda evidência, é incompatível com a estreita via do mandamus. Nessa linha: HC n. 479.453/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 23/05/2019; AgRg no HC n. 457.335/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 1°/03/2019; e HC n. 372.973/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 23/2/2017.
VI – Intento de abrandar o regime inicial. A quantidade e a natureza do entorpecente – 250 porções de maconha; 637 porções de cocaína;
2.901 porções de crack; e 456 porções de lança-perfume – são elementos aptos a ensejar a aplicação do regime fechado, o que está em consonância com o entendimento desta Corte, ex vi do art. 33, § 2º, “a”, e § 3º, do Código Penal, e art. 42, da Lei n. 11.343/2006.
Confira-se: HC n. 488.679/SP, Quinta Turma Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 11/06/2019; e AgRg no HC n. 380.021/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 22/3/2017.
VII – Mantido o quantum de pena, o pedido de substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos encontra óbice no art. 44, I, do Código Penal.
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC 701.853/SP, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), QUINTA TURMA, julgado em 14/12/2021, DJe 16/12/2021)
(grifo nosso)
No Acórdão acima, o item II enaltece a importância da análise das minucias que envolvem o caso concreto quando o (a) juiz (a) der início à dosimetria da pena depois de verificar a presença (ou a ausência) dos elementos apontados no artigo 59, caput, do CP. Assim, as circunstâncias judiciais têm de existir, no âmago do fato, para que o (a) magistrada (o) as cite e fundamente sem restar dúvida.
Pelo conteúdo da ementa, nota-se que os antecedentes criminais da pessoa que impetrou o habeas corpus (HC) em questão influenciaram na atribuição da pena-base, consoante o trecho destacado: “[…] a Corte originária se convenceu de que o paciente se dedicava, efetivamente, às atividades criminosas, porque não se tratava de traficante ocasional”.
Em suma, devido às condutas ilícitas reiteradas no tráfico de drogas, é notório que a Quinta Turma do STJ firmou posicionamento de que o paciente do HC apresentou maus antecedentes. Isso e mais a culpabilidade demarcada pela quantidade exorbitante de drogas indicada no item III (“250 porções de maconha; 637 porções de cocaína; 2.901 porções de crack; 456 porções de lança-perfume”) se tornaram aspectos basilares para que a pena-base fosse aumentada.
O que é ʽCertidão de Antecedentes Criminaisʼ?
A Certidão de Antecedentes Criminais atesta se existe demanda penal contra um (a) cidadão (ã). Qualquer pessoa maior de 18 anos pode requerê-la. Dentre as motivações mais comuns para requisição da mesma estão: obter visto, tomar posse de cargo público ou, ainda, fechar contrato de trabalho na esfera privada.
Quanto ao alvará de folha corrida: o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) diz que é um documento que comprova que, até a data de sua emissão, o cidadão não possui condenações criminais transitadas em julgado cujo cumprimento ainda esteja em andamento.
Onde e como requisitar uma Certidão de Antecedentes Criminais?
Conforme a finalidade a que se destina, a Certidão de Antecedentes Criminais[5] pode ser obtida on-line[6] e gratuitamente junto à Polícia Civil, à Polícia Federal, aos Tribunais de Justiça Estaduais e aos Tribunais de Justiça Federais. A validade do documento é de 90 dias.
Solicitações feitas no endereço eletrônico da Polícia Federal: para as pessoas que não puderem acessar a Certidão de Antecedentes Criminais, em função de nomes homônimos, a orientação do Ministério da Justiça e Segurança Pública, é que, “nesses casos, o sistema gerará um número de protocolo que deverá ser levado pelo cidadão (ou por um procurador) a uma unidade descentralizada da Polícia Federal”, o qual deverá estar na posse dos “documentos originais” que “quer que constem na certidão. Depois disso, a certidão levará até 15 dias para ficar pronta”.
Sobre o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4): desde o dia 3 de dezembro, o TRF4 atua de modo unificado e expede certidões criminais após consulta ao seu próprio banco de dados e aos de outros órgãos do judiciário da 1ª e da 2ª instância do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Para isso, basta o (a) cidadão (ã) ingressar no site e informar um número de CPF (para pessoa física) ou CNPJ (para pessoa jurídica), tal qual consta na base da Receita Federal.
É permitido, ao empregador, impor a apresentação de Certidão de Antecedentes Criminais como condição para contratar um (a) empregado (a)?
A resposta à pergunta do título desta seção é: em certas profissões, sim.
Em 2017, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), através do Incidente de Recurso de Revista Repetitivo – Tema n° 1 (IRRR – Tema nº 1), item II, elencou sete cargos que autorizam os empregadores a consultar os antecedentes criminais de um (a) candidato (a):
“[…] empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos ou deficientes (em creches, asilos ou intuições afins), motoristas rodoviários de carga, empregados que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas, trabalhadores que atuam com informações sigilosas”.
Salienta-se que, em nenhum outro ramo de atividade além dos descritos antes, o empregador tem amparo legal para pedir a apresentação dos antecedentes criminais e a insistência no ato “caracteriza dano moral in re ipsa, passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido”[7].
Isso porque, em síntese, segundo a compreensão do TST no IRRR – Tema nº 1, item I, a exigência do documento se converte em ilegítima “[…] quando traduzir tratamento discriminatório ou não se justificar em razão de previsão de lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido”.
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[1] DELMANTO, Celso. et al. Código Penal comentado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
[5] Na Polícia Civil do Rio Grande Sul, a denominação é ʽCertidão de Antecedentes Policiaisʼ e na de São Paulo (assim como em Santa Catarina), ʽAtestado de Antecedentesʼ.
[6] Alguns estados do Brasil, no entanto, fornecem a certidão apenas de maneira presencial.
[7] Dano moral in re ipsa quer dizer que é um dano previsto em virtude de uma ação específica realizada. Para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), “nestes casos, basta que o autor prove a prática do ato ilícito, que o dano está configurado, não sendo necessário comprovar a violação dos direitos da personalidade, que seria uma lesão à sua imagem, honra subjetiva ou privacidade”.
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