A ação penal popular no ordenamento jurídico brasileiro

O presente estudo trata da discussão
acerca da possibilidade, ou não, de existência, em nosso ordenamento jurídico,
da ação penal popular.

A ação penal popular é um instituto
existente no ordenamento jurídico espanhol e anglo-americano e, historicamente,
entende-se como o direito de qualquer pessoa do povo denunciar crime visando
punição do autor do delito.

É do conhecimento dos estudiosos do
direito que a legislação brasileira contempla, de forma expressa, a ação penal
pública (incondicionada e condicionada) e a ação penal privada. No entanto,
parte da doutrina propugna pela existência de uma terceira espécie de ação
penal, a ação penal popular. É o que preleciona René Doti,
segundo o qual,

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“existem três tipos de ação penal em
nosso sistema processual: a ação penal pública; a ação penal privada e a ação
penal popular. A primeira, indicada no art. 129, I da Constituição Federal, é regulada pelo art. 100, parágrafo 1º. do CP e art. 24 e
seguintes do Código de Processo Penal. A segunda é referida no art. 100,
parágrafos 2º a 4º do CP e 30 e seguintes do CPP. E a terceira, é prevista na
Lei 1.079 de 10.4.1950, que define os crimes de responsabilidade e cuida do
respectivo processo e julgamento. O art. 14 desse diploma estabelece que é
permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou ministros
de Estado, por crimes de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados. Este
tipo de ação foi recepcionado pela Constituição de 1988, que dispõe sobre os
crimes de responsabilidade do Presidente da República (arts.
85 e 86). Artigo publicado no jornal “O Estado do Paraná”, caderno “Direito e
Justiça”, de 13.02.05 (Apud Donizetti, 2008)”.

A corrente doutrinária que admite a
ação penal popular no direito brasileiro baseia-se na Lei 1.079/50, cujo artigo
14, trata da denúncia levada a efeito por qualquer cidadão. 

“Art. 14. É
permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de
Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados.”

Na realidade, esta norma apenas afirma
uma prerrogativa democrática, tendo como pressuposto que os crimes de
responsabilidade praticados pelo Presidente da República, ou quaisquer outros
administradores da res
pública, representam flagrante ilegalidade constitucional e atentam contra
o interesse público, uma vez que preservação dos interesses da coletividade é
máxima a ser observada pelo gestor público. Em suma, a objetividade jurídica da
norma é defender o normal funcionamento da Administração.

A previsão legal (artigo 14 da lei
1.079/50), tem por finalidade a comunicação formal de
fato para eventual apuração da responsabilidade penal do Presidente da
República, sendo dirigida à autoridade competente, no caso, a Câmara dos
Deputados, a quem cabe a titularidade da ação penal contra o Chefe do Executivo
Federal.

Os crimes de responsabilidade são
infrações político administrativas, se cometidas no desempenho da função,
definidas na legislação federal e em conformidade com o artigo 85 da
Constituição da República,

“Art. 85.
São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem
contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I – a existência da União;

II – o livre
exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e
dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III – o
exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV – a
segurança interna do País;

V – a
probidade na administração;

VI – a lei
orçamentária;

VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.”

Em seguida, o parágrafo único do referido
artigo, preleciona que:

“Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas
de processo e julgamento”.

O artigo 85 da Constituição Federal
apresenta um rol meramente exemplificativo dos crimes de responsabilidade, pois
o Presidente poderá ser responsabilizado por todos os atos atentatórios à
Constituição Federal, passíveis de enquadramento idêntico ao referido no rol,
desde que haja previsão em lei federal, pois o brocardo nullum
crimen sine typo  
tem
aplicação a todos os delitos, e obviamente aos delitos político
administrativos.

A Lei 1.079/50, é
a lei especial, que regula os crimes de responsabilidade do Presidente da
República, e conforme o dispõe o seu artigo 2º, são passíveis de sanção
política, ainda quando simplesmente tentados.

Entendo que a autoridade atribuída pela
Lei 1.079/50, a qualquer do povo para dar início a
ação penal nos crimes de responsabilidade do Presidente da República, o termo “denúncia”
deve ser interpretado como tendo natureza jurídica de direito a delatio criminis,
mesmo porque, sequer é condição de procedibilidade da ação penal a ser movida
pela Câmara do Deputados, conforme se depreende da leitura do artigo 51 da
Carta Magna:

“Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:

I – autorizar, por dois terços de
seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente
da República e os Ministros de Estado;”

Para
Guilherme de Souza Nucci,

“Realmente, se qualquer pessoa do povo denunciar o Presidente da República, por
crime de responsabilidade, somente se os órgãos internos da Câmara dos
Deputados derem prosseguimento à delação feita instaurar-se-á processo para
apurar o delito apontado. São inúmeros os casos de denúncia apresentada, que não são processados por questões
políticas, razão pela qual não se pode deduzir a existência de ação penal
popular. Aliás, no caso da ação civil popular, não há como deixar de apreciar o
pedido do autor, o que inexiste no caso da Lei 1.079/50”.

De tal sorte, a regra constante no
artigo 16, p. ex., da Lei 1.079/50, segundo a qual:

“Art. 16. A
denúncia assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida,
deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de
impossibilidade de apresentá-los, com a indicação do local onde possam ser
encontrados, nos crimes de que haja prova testemunhal, a denúncia deverá conter
o rol das testemunhas, em número de cinco no mínimo.”

É letra morta, visto que foi aplicada
em situações no passado, mais precisamente no Direito Imperial e nos primeiros
tempos da República, não mais encontrando espaço a se adequar às regras e
princípios constitucionais, de onde se depreende que a titularidade da ação
penal pertence ao Ministério Público e ao ofendido, nos casos expressamente
previstos em lei.

Cabe
salientar, ainda, que segundo o artigo 86 da Constituição Federal

“Admitida a acusação contra o
Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados,  (grifei) será ele submetido a julgamento perante o
Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado
Federal, nos crimes de responsabilidade”.

Do que foi dito, conclui-se não ser
possível em nosso direito a ação penal popular, mormente no seu sentido
histórico, além de não ter sido recepcionado pela nova ordem constitucional o
artigo 14 da Lei 1.079/50, entendido em seus termos como forma de denúncia
propriamente dita e sim, espécie de notitia criminis.

 

Bibliografia

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil –
Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei 1.079 de 10 de abril de 1950. Define os
crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento.

DONIZETTI, Elpídio. Para
passar em concursos públicos. 4ª. ed
– Rio de Janeiro : Editora Lumens, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e
execução penal. 5. ed – São
Paulo :  Editora Revista dos Tribunais,
2008.

VADE MECUM – 6. Ed – São Paulo :
Saraiva, 2009.


Informações Sobre o Autor

Liduina Araújo Batista

Advogada – Professora – Servidora Pública.


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Equipe Âmbito Jurídico

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