A aderência das normas coletivas ao contrato de trabalho

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Resumo: O presente artigo visa traça as bases na legislação e na jurisprudência do TST da possibilidade das normas coletivas aderirem ao contrato de trabalho, neste sentido a Constituição Federal de 1988 ao realçar os direitos humanos, coletivos e difusos, acabou por redimensionar o próprio Direito Coletivo do Trabalho, promovendo uma acentuada valorização da organização sindical, da negociação coletiva de trabalho, e propiciando o amplo exercício do direito de greve, dentre outras garantias na seara trabalhista ambiente democrático.


Palavras – chave: Normas Coletivas; Contrato de Trabalho; Constituição Federal de 1988.


Abstract: This article aims to lay the foundation in law and jurisprudence of the TST of the possibility of collective norms to adhere to the employment contract, in this sense the Constitution of 1988 to enhance human rights, collective and diffuse, eventually resize the law itself Collective work, promoting a sharp appreciation of the trade union organization, collective bargaining, labor, and providing the broad exercise of the right to strike, among other guarantees harvest labor in a democratic environment.


Keywords: Collective Standards, Employment Contract, the Federal Constitution of 1988.


Introdução


Na sociedade brasileira, os conflitos se acentuam a cada dia, como conseqüência do agravamento das questões sociais, da crescente concentração de renda, da desigualdade de distribuição de riquezas e dos problemas econômicos e sociais que afligem a todos.


Ora, como se sabe, tais fatores levam ao aumento do desemprego, às precárias condições de trabalho e conseqüentemente, à elevação do número de demandas individuais perante a Justiça do Trabalho, em que os Reclamantes só procuram os seus direitos depois de demitidos e, mesmo assim, quando não há outras maneiras de sobreviver.


Há de fato a aderência das normas coletivas aos contratos de trabalho?


A Constituição da República consagrou o princípio da autonomia privada coletiva, consistente no poder de auto-regulamentação das relações de trabalho que conferiu, através dos sindicatos, a empregados e empregadores para defesa de seus interesses. Esse poder auto-regulamentador concretiza-se através da negociação coletiva que, atualmente, tem um papel fundamental na nova ordem democrática brasileira, na perspectiva de que patrões e empregadores contribuam como parceiros no desenvolvimento econômico do país.


É grande a importância que a Constituição Brasileira de 1988 deu à negociação coletiva. Tanto é verdade que os incisos VI, XIII e XIV do artigo 7º prevêem de forma expressa a mitigação dos direitos ali constantes por acordos coletivo. São justamente estes três incisos, ligados diretamente ao valor do salário e duração do trabalho que podem ser “flexibilizados”, desde que respeitadas às regras constantes da CLT quanto à negociação coletiva. É importante frisar que estes incisos são sustentáculos do direito do trabalho, salário e jornada, itens ligados diretamente à alienação pelo trabalho, passíveis de negociação coletiva, o que demonstra a real importância deste instituto de direito coletivo do trabalho.


Para HINS (2005), a própria Constituição, no artigo 8º, VI, condiciona a participação sindical quando da elaboração das normas coletivas. É bom que se registre, também, que o artigo 7º, XXVI, da Constituição brasileira de 1988 reconhece de forma expressa a validade dos acertos coletivos, inclusive como direito fundamental subjetivo dos trabalhadores. Em nível internacional, a Organização Internacional do trabalho, reunida em Genebra na Suíça, em 1951, estabeleceu normas diretivas para as negociações coletivas de condições de trabalho.


Através do procedimento da negociação coletiva, as classes patronais e laborais, representadas pelos seus respectivos sindicatos, irão compor os seus conflitos, fixando condições de trabalho aplicáveis a toda a categoria em questão. A negociação coletiva implica, então, a delimitação de preceitos que culminarão em normas coletivas, que, por sua vez, regerão os contratos individuais de trabalho.


Segundo Amauri Mascaro (1999), a negociação coletiva é:


“Uma forma de desenvolvimento do poder normativo dos grupos sociais segundo uma concepção pluralista que no reduz a formação do direito positivo à elaboração do Estado. É a negociação destinada à formação consensual de nomes e condições de trabalho que serão aplicados a um grupo de trabalhadores e empregadores.”


As normas originadas da negociação coletiva tem prazo de vigência, determinado pelas partes ou pela Lei, neste caso, o prazo é de 02 (dois) anos, conforme se extrai da CLT, em seu art. 614, § 3°. Porém aquelas já estão incorporadas ao contrato individual de trabalho. Oportuno explicitar que existe na doutrina e na jurisprudência uma discussão nada pacífica a respeito da ultra-atividade das normas trabalhistas. Em outras palavras, discute-se se as normas advindas do processo de negociação coletiva se incorporam ou não aos contratos individuais de trabalho após a expiração do prazo de vigência legal – 02 (dois) anos – ou o estabelecido pelas partes.


Há quem entenda (teoria irrestrita) que os direitos decorrentes das normas coletivas aderem de forma irrestrita ao contrato de trabalho, em analogia ao art. 468 da CLT. Esta posição perdeu prestígio quando da superveniência da Constituição de 1988, a qual conferiu amplos poderes aos sindicatos para a produção de normas jurídicas, conferindo, portanto, amplo poder normativo às partes.


Em sentido oposto, há quem sustente, e tal vertente possui ressonância majoritária na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, que o prazo de vigência da norma coletiva prevista no art. 614, § 3° é inderrogável, e os efeitos normativos no contrato de trabalho a ele se limitam. Aplicam, por analogia, a Súmula n° 277 do TST. Mesmo com o advento da Súmula 277 do TST, há vozes que ainda se voltam contra o seu conteúdo, entendendo que as cláusulas normativas benéficas aderem de forma definitiva ao contrato de trabalho. Da mesma forma quanto à aplicação dos critérios de dissolução dos conflitos entre as fontes autônomas do direito do trabalho. Preceitua o artigo 620 da CLT: “As condições estabelecidas em Convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em acordo”.


Por fim, a corrente mista, que prevê a aderência limitada por revogação, ou seja, os efeitos teriam pleno vigor até que novo diploma negocial os revogasse, tácita ou expressamente. Sustenta este posicionamento Maurício Godinho Delgado, entendendo que tal posição, por ser mais harmônica, atenderia aos objetivos do Direito Coletivo do Trabalho, a buscar a paz social e que a provisoriedade conspira contra tais objetivos. Diz-se que seria aplicável, pois não poderia ter sido o antes citado parágrafo revogado pela Medida Provisória 1.053/95, convertida na Lei 10.192/01, porque a citada derrogação fere ao princípio do não-retrocesso social. O não-retrocesso social diz respeito aos avanços do estado democrático em matéria  de direitos sociais. Não há falar em democracia, hoje, sem a proteção e a garantia dos direitos sociais, entre eles os dos trabalhadores. Uma vez que a sociedade, através de seus representantes, avança em matéria social, este avanço não mais pode ser suprimido, pois que os direitos sociais, assim como os de liberdades e garantias, são direitos fundamentais, ligados, de forma íntima, à dignidade da pessoa humana.


As cláusulas de convenções ou acordos coletivos, resultado da negociação entre empregadores e empregados, não aderem definitivamente ao contrato de emprego. A constatação da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho resultou no indeferimento de recurso de revista a um eletricitário sul-matogrossense, que pretendia a incorporação ao seu salário de vantagem prevista em acordo coletivo.  A decisão unânime do TST teve como relator o ministro Lelio Bentes Corrêa. 


No mesmo sentido aduz Sayão Romita (2001), que diz que não há como interpretar  que as cláusulas normativas das convenções coletivas se incorporam de forma definitiva aos contratos individuais de trabalho, primeiro por força do disposto no  inciso IV do artigo 613 da CLT e depois por força do parágrafo segundo do artigo 114 da CF/88, pois que, no primeiro caso, a norma legal prevê expressamente que as normas coletivas regerão os contratos de trabalho durante a sua vigência e, no segundo, porque a Justiça do  Trabalho pode estabelecer normas e condições, “respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho: deve entender-se que as disposições convencionais a serem respeitadas são aquelas que se acham em  vigor, pois não faria sentido respeitar  disposições contidas em convenções ou acordos cuja vigência já se findou”. Merece, ainda, atenção, até porque é a posição adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho, o texto da Súmula 277 que preceitua:  


“SENTENÇA NORMATIVA. VIGÊNCIA. REPERCUSSÃO NOS CONTRATOS DE TRABALHO. As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram no prazo assinalado, não integrando, de forma definitiva, os contratos” (Res. 10/88, DJ 1.3.1988).


Apenas para não deixar de referir, o Tribunal Superior do Trabalho, em 20 de abril de 2005, pela Resolução 129/05, alterou e atualizou seus antigos Enunciados, os transformando em Súmulas, mantendo, entretanto, em vigor o de número 277.   Isso, contudo, não mais vigora, pois que a negociação coletiva não pode ferir o princípio do não-retrocesso e dignidade da pessoa humana e demais ligados aos direitos fundamentais e fundamentos da República.


É salutar que se registre que o Tribunal Superior do Trabalho, em recente decisão, através da Seção de Dissídios Individuais nº 2, entendeu que em  havendo cláusula normativa cujo texto  expresse incorporação definitiva do  benefício ao contrato de emprego, esta incorporação não mais pode ser suprimida  do contrato de emprego do trabalhador, mesmo que não-renovada por norma coletiva seguinte.


 E demais decisões desta Corte:


COMPLEMENTAÇÃO DO AUXÍLIO-DOENÇA. NORMA REGULAMENTAR E NORMA COLETIVA. LIMITAÇÃO TEMPORAL. Considerando a natureza benéfica da vantagem prevista no Regulamento de Pessoal do Banco-reclamado, forçoso concluir pela sua incorporação ao contrato individual de trabalho, sem qualquer limitação temporal, nos termos do art. 468 da CLT e da Súmula 51 do TST. Recurso de Revista não conhecido. (RR – 96/2003-006-02-00 PUBLICAÇÃO: DEJT – 11/09/2009 – Rel. Min. José Simpliciano).


COMPLEMENTAÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, DA CESTA-ALIMENTAÇÃO E DO VALE-REFEIÇÃO Demonstrada possível contrariedade ao item I da Súmula n.º 51 do TST, o agravo de instrumento deve ser provido. Agravo de instrumento conhecido e provido. 2 – RECURSO DE REVISTA -COMPLEMENTAÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, DO AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO E DA CESTA-ALIMENTAÇÃO Não pode o empregador suspender o pagamento de vantagens complementação de benéfico previdenciário, auxílio-alimentação e cesta-alimentação que, por força de norma regulamentar, já estavam incorporadas ao patrimônio jurídico da empregada. Não prevalece a tese de que as normas coletivas posteriores trouxeram limitação temporal às vantagens, vez que as condições benéficas, previstas em regulamento empresarial, aderiram ao contrato de trabalho da empregada, não podendo ser alteradas em prejuízo desta, sob pena de infringência ao art. 468 da CLT e contrariedade à inteligência da Súmula n.º 51, I, do TST. Ademais, consignado no acórdão recorrido que os benefícios vindicados pela trabalhadora foram concedidos além do prazo fixado nas normas coletivas, por descuido ou mera liberalidade do empregador, tem-se que a liberalidade patronal traz como consequência a incorporação das vantagens concedidas ao contrato de trabalho da empregada”. (RR – 2860/2002-030-02-40, 3ªT, Rel. Juiz Convocado Douglas Alencar Rodrigues, DJ de 29/8/2009).


O fenômeno da ultra-atividade das normas coletivas alude aos efeitos das normas coletivas sobre os contratos individuais de trabalho. É uma tese defendida pela maior parte da doutrina trabalhista sobre a incorporação das cláusulas coletivas das convenções ou acordos coletivos aos contratos individuais de trabalho.


A teoria da ultra-atividade das normas coletivas tem como premissa a aderência das cláusulas coletivas originadas do processo de negociação coletiva aos contratos individuais de trabalho a partir da data de sua vigência. Ou seja, se a razão de existir do processo negocial é o equilíbrio entre a capacidade do empregador e a necessidade de empregados, ela tem como principal objetivo regular contratos individuais de trabalho.


Vale elucidar, entretanto, que embora exista entendimento firme e pacífico no Tribunal Superior do Trabalho, consubstanciado na súmula nº 277, afirmando que “as condições alcançadas por sentença normativa vigoram no prazo assinado, não integrando de forma definitiva os contratos”, a incorporação das cláusulas normativas oriundas de uma negociação coletiva é assunto bastante discutido na doutrina.


Os que negam a ultra-atividade consolidam este entendimento afirmando que a própria lei estabelece como requisito de validade dos instrumentos normativos a determinação do prazo de vigência.


Para a corrente que defende a incorporação, as cláusulas estabelecidas numa convenção coletiva permanecem, ainda que não renovadas, uma vez que se inserem automaticamente aos contratos individuais de trabalho e este passam a ser fonte de direito e não mais a norma coletiva.


Os direitos individuais e coletivos agasalhados no texto constitucional correspondem aos direitos diretamente ligados ao conceito de pessoa humana e de sua própria personalidade, como, por exemplo: vida, dignidade, honra, liberdade. Já os direitos sociais caracterizam-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando a concretização da igualdade social, que configura um dos fundamentos de nosso Estado Democrático, conforme preleciona o art. 1º, IV, CF/88.


Considerações finais


A discussão proposta neste estudo é ampla e está longe do consenso. O objetivo destas linhas foi trazer mais luz ao debate e procurar dar uma visão constitucional e social ao problema da incorporação das normas coletivas benéficas ao contrato de emprego.  É sabido, por força da Súmula 277 do TST, que o Tribunal Superior do Trabalho tem entendimento formado a respeito e que uma proposta como a que por ora se apresenta é difícil.  Contudo, não é por isso que o debate deve deixar de existir. Antes pelo contrário, estimulados quem sabe pela rigidez jurisprudencial é que os juristas e aplicadores do direito devem buscar novos horizontes, teses e temas para debate, além de visualizar o que já está dado com outros olhos.


Olhar o novo com olhos do novo e não do que passou. Olhar os direitos sociais trabalhistas com olhos também na Constituição brasileira de 1988 e não apenas nos moldes liberais tão em voga no presente. Conclui-se, desta forma, que as normas coletivas, assim como qualquer relação entre privados, devem-se ater aos parâmetros traçados pela Carta de 1988 quando trata dos direitos fundamentais. E não se diga que não há aplicar direitos fundamentais em relações interprivadas.



Referências:
BRASIL. CLT, legislação trabalhista e previdenciária, Constituição Federal. Organizador Nelson Mannrich; obra coletiva de autoria da Revista dos Tribunais – 7 Ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 26ª ed. São Paulo: Saraiva 2001.

HINS, Henrique Macedo. Direito coletivo do trabalho. – São Paulo: Saraiva, 2005, p. 85.

GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro. 13a Edição, Editora Forense, 1994;

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito processual do trabalho. 19.ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

___________ . Limites da negociação coletiva na perspectiva do projeto de flexibilização  da CLT. Revista LTr, são Paulo: ltr, ano 65, n. 12, dez. 2001.

Organização Internacional do Trabalho. Negociações Coletivas (trad. valle, sandra). São Paulo: ltr, 1994.

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 3a Ed. (ampl. e atual.) – Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 444.

ROMITA, Arion Sayão.  As cláusulas normativas da convenção coletiva integram os contratos individuais de trabalho? In Revista de Direito do Trabalho n. 103, ano 27, julho-setembro de 2001, Coordenação Nelson Mannrich. Editora Revista dos Tribunais, 2001.

RUSSOMANO, Mozart Victor.  Princípios gerais de direito sindical. 2a Ed. (ampliada e atualizada) – Rio de Janeiro: Forense, 1998.

Informações Sobre o Autor

Eder de Oliveira Moreira

É advogado inscrito na OAP/AP, atuante no contencioso administrativista, exerceu vários cargos na administração direita e indireta do Estado do Amapá, professor acadêmico


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
Equipe Âmbito Jurídico

Recent Posts

Salário substituição e o artigo 450 da CLT

O salário substituição é um tema relevante no direito do trabalho, especialmente quando se trata…

2 horas ago

Diferença entre audiência de justificação e audiência de custódia

A audiência de justificação é um procedimento processual utilizado para permitir que uma parte demonstre,…

6 horas ago

Audiência de justificação

A audiência de justificação é um procedimento processual utilizado para permitir que uma parte demonstre,…

6 horas ago

Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV)

O trânsito brasileiro é um dos mais desafiadores do mundo, com altos índices de acidentes…

9 horas ago

Nova resolução do Contran sobre retrovisores

O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) implementou uma nova resolução que regula as especificações dos…

9 horas ago

Exame obrigatório para renovação da CNH: novas regras para 2025

A partir de janeiro de 2025, uma importante mudança entrará em vigor para todos os…

9 horas ago