ADOPTION OF THE INSTITUTES OF CRIMINAL AND CUSTODY HEARING AS LEGAL SECURITY INSTRUMENTS AND PROMOTION OF RIGHTS UNDER THE CHILDHOOD AND YOUTH
Jamile Gonçalves Serra Azul – Especialista em Ciências Criminais, Defensora Pública do Estado de Mato Grosso do Sul, ex Defensora Pública do Estado do Amazonas
Resumo: A insegurança jurídica que vigora no atual sistema socioeducativo brasileiro coloca em reflexão a necessidade de utilizar instrumentos do direito penal para a infância e juventude. Somado a isso, tem-se a inauguração no sistema jurídico brasileiro das audiências de custódia sem fazer qualquer menção acerca da sua aplicação para os adolescentes apreendidos. A aplicação extensiva dos instrumentos penais e da audiência de custódia na infância e juventude denota, não somente a importância de se regulamentar expressamente a excepcionalíssima autorização constitucional concernente à privação de liberdade ao sujeito ativo do ato infracional, mas também informa e conscientiza a população em geral que o sistema penal, em diversos aspectos, é muito mais benéfico para o réu preso do que para o adolescente privado de liberdade.
Palavras- chaves: internação provisória; direito penal; audiência de custódia; infância e juventude.
Abstract: The legal uncertainty that prevails in the current Brazilian social and educational system places on reflection the need to use instruments of criminal law for children and youth. Added to this , there is the opening of the Brazilian legal system of custody hearings without making any mention of their implementation for teens seized. The extensive application of criminal instruments and custody hearing in childhood and youth as well as showing the importance of expressly regulate the deprivation of liberty , regardless of doacusado age, serves to educate and inform the general public that the criminal justice system in many aspects , is much more beneficial to the convicted defendant than to the adolescent deprived of freedom
Keywords: provisional admission ; criminal law; custody hearing ; Childhood and youth.
SUMÁRIO: Introdução. 1.Internação Provisória. 1.1 Os magistrados em conflito com a lei. 2. Os Institutos Penais como mecanismos de ressocialização. 3. A aplicação das audiências de custódia na infância e juventude Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O Estatuto da Criança e do Adolescente é grande avanço na legislação brasileira que deixa a visão disposta no Código de Menores, que se propunha a regulamentar a situação das crianças e adolescentes que estivessem em situação irregular (Doutrina da Situação Irregular), para adotar o pensamento dos estatutistas e instituir novos e amplos direitos às crianças e aos adolescentes, que passaram a ser sujeito de direitos e a contar com uma Política de Proteção Integral.
O ECA entrou em vigor em 13 de julho de 1990 e desde 1993 a redução da maioridade penal para 16 anos vem sendo discutida através de projetos de Emenda à Constituição. A primeira Proposta de Emenda (PEC) foi a de nº171 feita por Benedito Domingos do partido progressista do DF e que já foi aprovada pela Câmara dos Deputados. Hoje temos 29 propostas na Câmara dos Deputados e 11 propostas no Senado Federal, sendo que das 40 PECs, 24 falam apenas sobre a redução para 16 anos as outras falam da redução apenas em crimes específicos, como crime hediondo ou quando houver reincidência do crime, entre outros.[1]
Tudo isso demonstra o quanto o Estatuto da Criança incomoda a classe político-institucional conservadora brasileira que deseja diminuir o seu público alvo, pois confunde garantia de direitos com impunidade. O que de fato se pode observar, é que apesar do Estatuto manter-se incólume quanto aos direitos e garantias historicamente pleiteadas e asseguradas na redação original, o poder judiciário tem, corriqueiramente, protagonizado uma prática de transgressões daquelas, o que leva a afirmar, sem risco do exagero, que a redução da maioridade já é algo real quando se verifica que o rigor dado ao adolescente, rotineiramente, é maior do que o dos adultos.
A internação provisória é medida cautelar e excepcional prevista no art. 108 do Estatuto da Criança e do Adolescente devendo ser aplicada nas hipóteses em que há indícios suficientes de autoria e materialidade de cometimento de ato infracional e necessidade imperiosa da medida, devidamente demonstrada na decisão ( parágrafo único, art. 108, ECA). Tendo em vista a sua gravidade, já que significa privar um adolescente de liberdade antes de sentença condenatória definitiva, o art. 183 do mesmo Estatuto prevê que a internação provisória só poderá perdurar IMPRORROGAVELMENTE por quarenta e cinco dias.
O Conselho Nacional de Justiça reafirmando o quanto dito pelo art. 183 do ECA, editou a Resolução 165 ( BRASIL, 2012) que em seu art. 16 dispõe:
“Art. 16. No caso de internação provisória, o juízo responsável pela unidade deverá zelar pela estrita observância do prazo máximo de privação da liberdade de 45 (quarenta e cinco) dias.
Percebe-se, portanto, que não há legalmente qualquer espaço/brechas para descumprimento do prazo de internação provisória. O artigo 235 do ECA, ainda, é claro ao prevê pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos para quem descumprir injustificadamente os prazos do Estatuto em face de adolescente privado de liberdade, como é o caso da internação provisória.
Todos estes dispositivos legais, entretanto, não têm sido suficiente para conter as autoridades judiciárias brasileiras em determinar a prorrogação dos 45 (quarenta e cinco) dias sob a justificativa da periculosidade em abstrata dos atos infracionais imputados pelo adolescente.
Em caso paradigmático que ocorreu na comarca de Frei Paulo, Sergipe, processo de nº 201468090053, a juíza de primeiro grau prorrogou a internação provisória do adolescente por mais 45 ( quarenta e cinco) dias, sob alegação da alta periculosidade do adolescente, o Tribunal de Justiça Sergipano manteve a prorrogação ( Habeas Corpus 201400318207), o Superior Tribunal de Justiça também ( Habeas Corpus 304200) e, por fim, o Supremo Tribunal Federal ( Habeas Corpus 124.813), sendo que quando os autos foram para o Relator no STF, o adolescente já tinha mais de 120 (cento e vinte) dias internado provisoriamente, mas mesmo assim, sob a justificativa de que o processo já estava na sua fase final, o ministro Relator não caracterizou o constrangimento ilegal no caso e manteve a privação do adolescente. Ressalve-se também, que até mesmo a própria juíza descumprira sua decisão de prorrogação, pois passados os 90 ( noventa) dias que havia determinado, sequer se deu ao trabalho de renovar a decisão.
1.1 Os magistrados em conflito com a lei
Teoricamente, viver em um Estado Democrático de Direito significa viver em um Estado em que nenhum dos seus poderes é ilimitado e que todos se submetem a normas previamente dispostas e elaboradas por aqueles que são os representantes do povo[2]. Teoricamente.
É sabido, entretanto, que as normas abertas, com palavras evasivas, como “dignidade da pessoa humana”, “interesse público”, entre outros, aos quais denominamos de princípios, são passíveis de serem sopesadas em sua aplicação na vida prática, já que somente o caso concreto irá moldar a sua efetivação. Em contrapartida, as regras, conforme ensinamento de Robert Alexy (2008, pág.669), são muito claras, diretas e se aplicam ou não se aplicam. Não se aplicam “mais ou menos”.
Ao observarmos situações que se enquadram perfeitamente na aplicação de regras e, em especial, garantias, previamente dispostas, a certeza de sua aplicação deveria ser irrefutável. Não obstante, o contexto social e econômico são essenciais ao definir a aplicação da regra, como a criminologia crítica sempre costuma enfatizar. Devedores de pensão alimentícia, por exemplo, dificilmente ficam mais de 60 ou 90 dias presos (há divergência na aplicação do prazo), afinal, ricos, classe média, também devem pensão alimentícia. E tudo isso dá uma sensação de segurança jurídica, de saber o que pode e o que não pode fazer e a quem recorrer.
Ao dispor acerca da internação provisória o Estatuto da Criança e do Adolescente ( ECA, 1990) é claro:
“Artigo 108. A internação antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias.”
“O artigo 183. O prazo máximo e improrrogável para conclusão do procedimento, estando o adolescente internado provisoriamente, será de quarenta e cinco dias.”
E gera a certeza que se trata de uma regra irrefutável, clara e jamais passível de ser OFICIALMENTE mitigada. Destaca-se o “oficialmente” porque é de conhecimento de todos os não raros casos de adolescentes que são esquecidos nas unidades de internação provisória, seja por falta de uma defesa técnica eficiente, seja pelo descaso e desinteresse da direção dos estabelecimentos em comunicar o excesso de prazo à autoridade judiciária.
Entretanto, a experiência prática, em especial no atendimento dos mais vulneráveis e hipossuficientes, demonstra quão frágeis e relativizáveis são os conceitos de segurança jurídica, Estado Democrático de Direito, aos quais uma minoria (mais poderosa) pode sempre se socorrer. A maioria, por sua vez, onde se inserem os pobres, marginalizados e invisíveis sociais, entre eles o ADOLESCENTE em conflito com a lei, simplesmente acessam estes conceitos e garantias.
É neste contexto que se tem decisões, como a da Exma. Juíza de Direito da Comarca de Frei Paulo, do Estado de Sergipe, citando precedentes do Tribunal de Sergipe, PRORROGANDO o prazo de 45 (quarenta e cinco dias) de internação provisória. Ignorando o ECA, a proteção integral do adolescente, a segurança jurídica e o Estado Democrático de Direito e ainda cita precedentes que fundamentam a prorrogação da internação provisória na “proteção do menor”.
O que inicialmente pareceu ser uma conduta isolada da magistrada de pronto foi refutada com a impetração de um “Habeas Corpus” (SERGIPE, 2014) que teve a sua liminar negada sob o seguinte fundamento:
“Por outro lado, ressalto que, embora o ECA preveja o prazo de 45 dias como limite para a internação provisória do menor infrator anterior à sentença, destaque-se que a jurisprudência já vem admitindo a possibilidade de se alongar o prazo previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente para a internação provisória, conforme se colhe dos seguintes julgados:
HABEAS CORPUS. ECA. ATO INFRACIONAL GRAVE. ROUBO. POSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO DO PRAZO.
Pode ser flexibilizado o prazo de internação previsto no artigo 108 do ECA quando, constatada a gravidade da conduta do menor infrator, estiver ameaçada a sua segurança pessoal ou a manutenção da ordem pública. ORDEM DENEGADA. (SEGREDO DE JUSTIÇA)
(Habeas Corpus Nº 70021923131, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 29/11/2007).
HABEAS CORPUS. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. LIBERAÇÃO. DESCABIMENTO. PROCESSO QUE APENAS AGUARDA A APRESENTAÇÃO DE MEMORIAIS PELA DEFESA DO ADOLESCENTE.
Descabe liberar adolescente que está internado de forma provisória, quando a internação se mostra rigorosamente necessária diante da gravidade do ato infracional, evidenciando profundo desajuste pessoal e grande periculosidade social, ainda que extrapolado o prazo legal, pois a instrução foi concluída dentro do prazo legal e a defesa contribuiu para o atraso . Ordem denegada. (SEGREDO DE JUSTIÇA)
(Habeas Corpus Nº 70021613120, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 10/10/2007).
Ademais, consultando o Sistema de Informações processuais, contatamos que o processo a que responde o paciente no 1º grau já se encontra com audiência designada para o próximo dia 28 de agosto, quando poderá ser concluída a instrução criminal e tão logo oferecidas as razões finais pelas partes será prolatada a sentença, razão pela qual deve-se dizer razoável qualquer mínimo e eventual atraso no processo.
Como se não bastasse, aqui é importante frisar que estamos diante de caso em que o menor praticou crime de tentativa de homicídio, por meio de arma de fogo, roubo qualificado, receptação e desobediência. Segundo consta das peças acostadas aos autos, o menor, após roubar o aparelho celular e outros pertences da vítima, ameaçando-a com arma de fogo, foi perseguido por policiais, tentando contra a vida de um deles, mediante disparos de arma de fogo, e resistindo à prisão, demonstrando a sua audácia e periculosidade, o que revela a necessidade da manutenção da sua internação para garantir a ordem pública. (grifos nossos)”
Regras, leis, de que servem? Justiça? Para quem? O adolescente ou o judiciário está em conflito com a lei? Como se depreende da leitura dos trechos grifados acima, há uma clara violação ao princípio da presunção de inocência e imparcialidade do julgador. Os defensores de direitos humanos e do Estatuto são clamados a refutar e negar a possibilidade de reduzir a menoridade penal e temos muitos argumentos para isso, em especial, que pessoas em situações diferentes, adolescente e adulto, não podem receber o mesmo tratamento, devendo aquele ter sanção menos gravosa e voltada à socioeducação, já que se trata de um ser em formação. O caminho para isto, entretanto, tem se mostrado obscuro.
A realidade tem mostrado que este mesmo argumento de “proteção ao menor” (sic), “ segurança pessoal” tem sido utilizado para submeter os adolescentes a situações muito mais gravosas que os adultos, restando aos defensores de direitos humanos, lutar para que sejam aplicados às medidas socioeducativas certos instrumentos penais a fim de evitar esta inversão do sistema: princípios criados com fulcro na proteção da criança e adolescente serem utilizados para violar os seus direitos.
Isso não se mostra dificultoso, até porque, em que pese as matérias da infância e juventude não serem de competência criminal, mas cível, aplicando-se inclusive o Código de Processo Civil subsidiariamente ( artigo 198, ECA) o próprio sistema judicial insiste em classificar como uma ação criminal. No Tribunal de Justiça de Sergipe, por exemplo, no sistema de peticionamento eletrônico sequer constava a possibilidade de “Habeas Corpus” contra medida socioeducativa até janeiro de 2015, restando ao profissional do direito selecionar HC contra “ Prisão em flagrante”. Os autos, por sua vez, na Vara de Frei Paulo tem como natureza da ação ” Procedimento investigatório criminal”, mas na hora de respeitar os prazos, volta a ser medida socioeducativa, porque MUITO DIFICILMENTE no sistema penal prazos peremptórios como da prisão temporária (5 dias) são prorrogáveis em decorrência da “periculosidade do agente” ou “ ordem pública”.
Talvez a possibilidade do adolescente ficar internado por até 3 (três) anos ( salvo se existir uma Unidade de Saúde Experimental como a de São Paulo, que tem pessoas que entraram quando adolescentes e estão lá por mais de 9 anos[3]) ou até 21 ( vinte um) anos, faz com que os seus familiares procurem menos a defesa técnica particular (em Sergipe, mais de 90% dos adolescentes são atendidos pela Defensoria Pública do Estado, sendo que esta só está presente em 9 comarca dos 75 municípios sergipanos), ou denunciem menos os abusos, não sei.
O que talvez não saibam estes familiares, a comunidade e os magistrados ( estes talvez nem queiram ou se interessem em saber) é que, segundos estudiosos, o tempo para o adolescente se apresenta de maneira diferenciada para o adulto, se apresentando cerca de 8 vezes mais lenta. Assim, 3 ( três) anos correspondem a cerca de 24 ( vinte quatro) anos, próximo ao limite máximo de pena do código penal 30 (trinta) anos. Estes 3 ( três) anos também, ocorrem em uma fase peculiar do ser humano, em que sua personalidade está em formação e que as experiências vividas serão essenciais para o seu futuro. Não custa lembrar ainda, que segundo informações do Ministério Público de Sergipe, dos cerca de 74 (setenta e quatro) internos no ano de 2014, somente 29 (vinte e nove) frequentam a sala de aula e os demais sequer possuem autorização para atividade escolar externa. Ou seja, isto pode significar 3 ( três) anos de completa ociosidade, em uma plena fase de desenvolvimento.
Agrava-se a isso, o fato de que sob a justificativa de ser um ser em desenvolvimento, os magistrados têm ampla autonomia para decidirem acerca da progressão da medida, diferentemente do processo criminal que o réu primário progride após 1/6, 2/5 (o reincidente) ou 3/5 (se praticar crime hediondo), do cumprimento da pena. Assim, considerando o prazo máximo de internação, no mínimo, com 06 (seis) meses de cumprimento de medida o adolescente, no sistema penal, faria jus à progressão do regime. No Estatuto, o relatório avaliativo deve ser enviado no prazo máximo de 06 meses ( art. 121, §2º), mas o bom comportamento do adolescente neste período não gera certeza de sua progressão, tendo em vista que a gravidade do ato infracional, a reiteração, o clamor social podem ser fundamentos, como têm sido, para manter a internação.
O réu adulto também, se tiver a sua pena igual ou superior a 2 (dois) anos, poderá se beneficiar do instituto do livramento condicional (art. 83, CP) após o cumprimento de 1/3, ½ ou 2/3 da pena, a depender se for primário, reincidente ou praticar crime hediondo ou equiparado, o que significaria no ECA, considerando o prazo máximo de internação, 12 (doze) meses, 18 (dezoito) meses ou 24 ( vinte e quatro meses). No livramento condicional o réu fica livre, mas se submete a algumas restrições como obter ocupação lícita, comunicar sua ocupação periodicamente ao magistrado, entre outros. Não há no ECA qualquer garantia para os adolescentes de que após o cumprimentos destes prazos poderão ter acesso a estes benefícios.
Nesse mesmo sentido acontece com o SURSIS ( suspensão condicional da pena), previsto no artigo 77 do CP, que possibilita a suspensão da pena privativa, não superior a 2 (dois) anos ou a 4 (quatro) anos, no caso do sursis etário ou humanitário, desde que o condenado não seja reincidente nem caiba a pena restritiva de direito.
Podemos continuar elencando uma série de benefícios e características do sistema penal, como a diferenciação na pena do autor e do partícipe, a análise da culpa e do dolo, entre outros institutos processuais penais, como o interrogatório ser último ato do processo penal, que não são aproveitados pelo ECA, com base em seus princípios basilares, mas que têm causado inúmeros gravames aos adolescentes, tendo em vista, que os princípios que deveriam servir para proteger aqueles estão sendo usados para violar as próprias regras peremptórias do Estatuto, como o prazo máximo de 45( quarenta e cinco) dias de internação provisória, até então, improrrogável. Isto, inclusive, vai de encontro à proibição constante no artigo 35, I da lei 12.394/2012[4]:
Artigo 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios:
I – legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto;
A audiência de custódia, que passou a ser realizada em 2015 em quase todas as capitais brasileiras, é prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH, 1969), que ficou conhecida como “Pacto de San Jose da Costa Rica”, promulgada no Brasil pelo Decreto 678/92. O artigo 7º, item 5, da Convenção:
Artigo 7º – Direito à liberdade pessoal
(…)
Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (…)
Para o STF, os tratados internacionais de direitos humanos que o Brasil foi signatário incorporam-se em nosso ordenamento jurídico com status de norma jurídica supralegal (RE 349.703/RS, DJe de 5/6/2009). Desse modo, na visão do STF, a Convenção Americana de Direitos Humanos é norma jurídica no Brasil, hierarquicamente acima de qualquer lei ordinária ou complementar, só estando abaixo, portanto, das normas constitucionais.
A expressão “audiência de custódia”, apesar de ter sido consagrada no Brasil, não é utilizado expressamente pela CADH, sendo essa nomenclatura uma criação doutrinária. Durante os debates no STF a respeito da ADI 5240/SP ( interposta pela Associação dos Delegados do Brasil), o Min. Luiz Fux defendeu que essa audiência passe a se chamar “audiência de apresentação”.
Entretanto, a audiência de custódia em nada, ou quase nada, se parece com a audiência informal de apresentação prevista no art. 179 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta audiência é realizada pelo membro do Ministério Público a fim de ouvir o adolescente acusado da prática de ato infracional, seus pais e/ou responsáveis legais, testemunhas, quando possível, e decidir pelo arquivamento, concessão de remissão ou representação dos autos.
Ou seja, como se depreende da leitura do próprio texto legal, não há qualquer menção a presença da Defesa e muito menos do magistrado nesta audiência informal, o que por muito tempo colocou em xeque a sua constitucionalidade, dirimida pela sua interpretação à luz do art. 5º LV da CRFB e da própria previsão do art. 111 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ainda, não há qualquer preocupação específica acerca da ocorrência de tortura e violência policial em face do adolescente no momento da sua apreensão, como ocorre na audiência de custódia, nos termos do art. 8º, VI da Resolução 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça.
Além do mais, é salutar destacar que a Convenção Americana de Direitos Humanos em art. 7º, item 5, fala que toda “pessoa presa” deve ser apresentada a autoridade judiciária, portanto, em que pese tecnicamente o termo para adolescentes seja apreensão, na prática, nenhuma diferença há, já que se trata apenas de uma nomenclatura para abordar a privação da liberdade dos menores de 18 (dezoito) anos em cometimento de ato infracional.
Por tudo isso exposto, e do já mencionado art. 35, I da lei 12.594/2012 que proíbe tratamento mais gravoso aos adolescentes do que os adultos, além dos princípios da prioridade absoluta e proteção integral, é que se deve também ser incluída a vara da infância e juventude nas audiências de custódia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste atual cenário de insegurança jurídica e magistrados atuando em conflito com a lei, resta à sociedade civil organizada, ao Sistema de Garantia de Direitos, aos Conselhos da Criança e do Adolescente, divulgar para toda a sociedade o quanto o sistema da infância e juventude é iníquo e por vezes, injustificadamente mais repressivo que o próprio sistema penal. É preciso também, que todo aquele magistrado que descumpra VOLUNTARIAMENTE as regras do ECA, como aquela prevista no art. 118, tenha a sua atuação questionada sob pena de, paradoxalmente, ante a banalização da ilegalidade estrita, instaurar-se uma espécie de Estado de Exceção Judiciário na vigência de um (suposto) Estado de Democrático de Direito.
Portanto, diante desta inversão de valores regrar todo o sistema socioeducativo, utilizando os instituto previstos nas legislações penais, além de diminuir a insegurança jurídica e a discricionariedade do magistrado, faria, talvez, com que a sociedade percebesse o quão bom seria se os adolescentes tivessem os benefícios do sistema penal e não o inverso.
Destaca-se ainda, que apesar da Convenção Americana de Direitos Humanos falar que todas as “pessoas presas” devem ser apresentadas a autoridade judiciária, nada ou quase nada se fala acerca da aplicação destas audiências de custódia aos adolescentes apreendidos, o que é possível se verificar pela omissão na do CNJ na resolução que aborda o assunto, deixando patente, mais uma vez, o tratamento mais gravoso ao adolescente acusado da prática de ato infracional.
Desta forma, já que se tem tratado o adolescente como um adulto no momento de aplicar a sanção, desta mesma forma deve trata-lo para conceder os benefícios despenalizadores e ter os seus direitos subjetivos respeitados, como aquele descrito no art. 118 do ECA.
Referências
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. 669 p
ALFRADIQUE, Milena. Redução da maioridade penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.promenino.org.br/direitosdainfancia/reducao-da-maioridade-penal-e-o-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente . Acesso em: 24 de fev. de 2016.
AMERICANOS, Organização dos Estados. PACTO DE SAN JOSÉ DE COSTA RICA. San José: Organização dos Estados Americanos, 1969 http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3059
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm> Acesso em: 24 de fev 2016
BRASIL. Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm> Acesso em: 24 de fev. de 2016
BRASIL. CNJ. Resolução n. 165, de 16 de novembro de 2012. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2517> Acesso em: 24 de fev de 2016
BRASIL. Conselho Nacional de Política Criminal. Ementa: Entende como ilegal a prática do Estado de São Paulo de manutenção de pessoas internadas em estabelecimento de caráter penitenciário, denominado Unidade Experimental de Saúde, mesmo após os 21 anos e cumprida a sanção estabelecida no ECA, com a agravante de que essas pessoas são mantidas no mesmo local em que estão menores ainda sujeitos à medida sócio-educativa do ECA, em violação ao inciso XLVIII do art. 5ºda Constituição Federal. Parecer no Processo nº08037.00219/2009-40. Relator: Luis Carlos Valois. Disponível em: http://renade.org/administracao/files/files/Conselheiro%20Lu%C3%ADs%20Carlos%20Valois(1).pdf. Acesso em: 26 de fevereiro de 2015.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 31 ed., São Paulo: Atlas, 2015
SERGIPE. Tribunal de Justiça de Sergipe. Habeas Corpus 0010467-80.2014.8.25.0000. Jamile Gonçalves Serra Azul, Cláudio Santana e Juízo Único da Comarca de Frei Paulo. Relator Luis Antonio Araújo Mendonça. Data 14/08/2014. Liminar Negada e Mérito Prejudicado. DJE 26 de agosto de 2014
[1]ALFRADIQUE, Milena. Redução da maioridade penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.promenino.org.br/direitosdainfancia/reducao-da-maioridade-penal-e-o-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente . Acesso em: 24 de fev. de 2016.
[2]“ O Estado Democrático de Direito, que significa a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais, proclamado no caput do artigo, adotou, igualmente o parágrafo único, o denominado princípio democrático, ao afirmar que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (Moraes, p.17)
[3] BRASIL. Conselho Nacional de Política Criminal. Ementa: Entende como ilegal a prática do Estado de São Paulo de manutenção de pessoas internadas em estabelecimento de caráter penitenciário, denominado Unidade Experimental de Saúde, mesmo após os 21 anos e cumprida a sanção estabelecida no ECA, com a agravante de que essas pessoas são mantidas no mesmo local em que estão menores ainda sujeitos à medida sócio-educativa do ECA, em violação ao inciso XLVIII do art. 5ºda Constituição Federal. Parecer no Processo nº08037.00219/2009-40. Relator: Luis Carlos Valois. Disponível em: http://renade.org/administracao/files/files/Conselheiro%20Lu%C3%ADs%20Carlos%20Valois(1).pdf. Acesso em: 26 de fevereiro de 2015.
[4] BRASIL. Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm> Acesso em: 24 de fev. de 2016
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