Resumo: O objetivo principal deste estudo é discutir, sociologicamente, o problema existente ao acesso das crianças institucionalizadas a uma convivência familiar. Não temos a pretensão de concluir que todos deveriam adotar negros ou deficientes, o pretendido é chamar atenção para uma escolha baseada no afeto, no convívio, no relacionamento social, na interação entre adotando e adotante, em detrimento de uma escolha estética. Demonstrar, também, que o problema da discriminação em um todo, se dá muito mais por uma questão social do que propriamente pela ‘cor da pele’, por uma ‘deficiência’ ou pela idade.
Palavras-chaves: Adoção – Criança ideal – Exclusão – Constituição Federal – Família – construção social.
Abstract: The main objective of this study is to discuss, sociologically, the existing Access of children to a family life institutionalized problem. We do not claim to conclude that everyone should adoptblack ordisabled, the target is to call attention toa choice basedon affection, when living, social relationships, the interaction between adoptingandadoptive, rather thanan aesthetic choice. Showalso that the problem of discrimination in a whole, it gives much more of asocial question of what exactly the'skin color', a 'deficiency' or age.
Keywords: Adoption –Dream Child–Exclusion–Federal Constitution–Family – social construction.
1. A ADOÇÃO E SEUS ASPECTOS GERAIS
Quando falamos em adoção, notamos que se trata de uma prática muito antiga. Exemplificando, podemos citar a história de Moisés – grande personagem bíblico – responsável por conduzir todo um povo do Egito até a terra prometida. Moisés, antes de completar dois anos de idade, em um ato de coragem e amor de sua mãe foi posto para adoção. Não nos mesmos moldes de hoje, como podemos extrair de Êxodo, segundo livro da Bíblia que, entre outros relatos, descreve a saída de um povo da terra do Egito, liderado por este mesmo Moisés. A Bíblia, em várias de suas passagens, narra episódios de adoção, entre eles o de Moisés, um homem escolhido por Deus para libertar os hebreus das mãos do Faraó.
Aproximadamente no ano de 1250 a.C., o Faraó determinou que todos os meninos israelitas que nascessem deveriam ser mortos. No entanto, às meninas, era dado o direito à vida[1]. Diante deste cenário, a mãe de um pequeno hebreu decidiu colocá-lo dentro de um cesto, preparado por ela, no intuito de impermeabilizá-lo e assim resistir às águas do rio Nilo, local onde foi deixado, esperando que se salvasse. A filha do Faraó, que ordenou a matança, encontrou o cesto quando se banhava nas águas do rio, pediu para uma de suas criadas o pegarem e decidiu criar o bebê como seu próprio filho. O menino ganhou o nome de Moisés, ou Moschê, “o filho das águas”[2] Foi desta forma que Moisés viveu anos como membro da corte, status adquirido através da adoção.
2. O INSTITUTO ADOÇÃO
Muitas são as definições existentes para a palavra adoção. Para Pedro Nunes, “[…] a adoção é ato ou efeito de alguém aceitar, legalmente, como filho, um filho de outrem”. (NUNES, 1993: 48) Pontes de Miranda conceitua adoção como “[…] o ato solene pelo qual se cria relação de paternidade e filiação entre o adotante e o adotando”. (MIRANDA, 2000: 8) Para Clóvis Beviláqua, a adoção é “[…] o ato civil pelo qual alguém aceita um estranho na qualidade de filho”. (BEVILÁQUA, 1956: 31)
Em outra perspectiva, Carvalho Santos descreve como sendo um “[…] ato jurídico que estabelece entre duas pessoas relações civil de paternidade e de filiação”.(SANTOS, 1976: 53) Sílvio Rodrigues refere ao instituto como sendo “[…] o ato do adotante, que traz para sua família e na condição de filho, pessoa que lhe é estranha”.(RODRIGUES, 1991: 38)
Para a professora Maria Helena Diniz, a adoção é “[…] o ato jurídico solene pelo qual alguém estabelece independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa geralmente que lhe é estranha”. (DINIZ, 1996: 18)
De fato, são todos conceitos válidos, no entanto, a adoção deve ter como objetivo principal o melhor interesse da criança, sempre buscando tutelar o bem estar da criança ou adolescente. Conforme preceitua nossa Constituição Federal no artigo 227:
“É dever da família da sociedade e do estado assegurar à criança ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito a vida, à saúde a alimentação, a educação, ao lazer, a profissionalização, a cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.[3] (BRASIL, 2013:74).
No mesmo sentido, assevera a lei 8069 de Julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente. (ECA):
“Art. 3.º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, espiritual e social em condições de liberdade e de dignidade. Art. 4.º – É dever da família da comunidade da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, a saúde, a alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) Primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) Precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) Preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) Destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude”. (BRASIL, 2013:1043).
É sabido que o processo de adoção no Brasil é lento e burocrático, tais aspectos dificultam muito os trâmites. Entretanto, essas razões não são as únicas responsáveis no atraso e adiamento para que, as crianças em condições de serem adotadas, permaneçam nos orfanatos. E, por muitas vezes, não consigam ter uma família, o que é direito constitucional e dever da sociedade como descrito acima.
Ocorre que, a chamada preferência pela “criança ideal”, prejudica ainda mais o processo. Nesse sentido, cabe ao Estado e à sociedade buscarem mecanismos para análise e implementação de projetos capazes de realizar a desconstrução de um pensamento retrógrado, embutido na sociedade, principalmente, a ideia de um perfil preconcebido não representado pelas crianças para adoção, como nas palavras de Silvana da Silva Rufino:
“[…] destacamos o trabalho que os Grupos Estudos e Apoio à Adoção vêm desenvolvendo em todo Brasil, que tem ganhado força e visibilidade, no sentido de incentivar e facilitar as adoções necessárias. Esses grupos têm procurado desmistificar a idéia, de que somente as adoções de bebês recém-nascidos, saudáveis e com características semelhantes às do casal adotante têm chance de sucesso e de que somente junto às famílias tradicionalmente organizadas é possível o desenvolvimento saudável e satisfatório de crianças e adolescentes”. (RUFINO, 2003:163)
Essa exclusão de crianças “indesejáveis” enseja a marginalização e fomenta a segregação humana, descartando-as do acesso social, em detrimento da pessoa e do cidadão em sua plenitude conforme expõe Eunice Ferreira Rodrigues Granato: “[…] entre os brasileiros dispostos a adotar, poucos se encontram que desejam fazê-lo em relação a pretos, pardos, deficientes físicos ou mentais e as crianças de mais idade ou adolescentes […]”. (GRANATO, 2008: 124)
No mesmo sentido, completa, Artur Marques da Silva Filho: “[…] mais de três quartos dos pretendentes à adoção, no Brasil, buscam crianças com menos de três anos de idade e que pelo menos a metade dos pretendentes não adotaria crianças com mais de dois anos de idade”. (SILVA FILHO, 2009: 296)
Considerando a condição destas crianças, vítimas de exclusão social, importante seria o Estado, através de projetos sociais em interação com a sociedade, esclarecer e incentivar a população sobre a adoção, com o objetivo de realizar a inclusão social da criança e do adolescente, efetivando seu acesso aos direitos e garantias fundamentais, conforme expõe Flávia Piovesan:
“Os direitos especiais reconhecidos às crianças e aos adolescentes decorrem de sua peculiar condição de ser humano em desenvolvimento. Como consequência, o Estado e a sociedade devem assegurar, por meio de leis ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o pleno desenvolvimento das capacidades físicas, mentais, morais, espirituais e sociais, cuidando para que isso se dê em condições de liberdade e de dignidade” (PIOVESAN, 2008: 285)
Todavia, mais importante que a discussão travada neste artigo de conclusão de curso e o cumprimento desta tarefa acadêmica, como requisito de uma formação, é necessário fomentar recursos capazes de incentivarem as pessoas em busca de soluções reais para o problema daqueles que passam, às vezes, toda a sua infância, ou até mesmo a juventude, à espera de uma família e de um lar, em situação de manifesta exclusão social. A reflexão e a produção do pensamento trazem pouco impacto sobre o mundo real e sedimentado, produzem pouco efeito prático para alterar o mundo e o nosso contexto social indesejável. Betty Millan, ao comentar sua leitura de Foucault reflete:
“[…] um dos meus livros de cabeceira era História da loucura, de Michel Foucault, e eu imaginava que, depois de tal livro, os Juqueris do mundo desapereceriam. Não sabia que as ideias raramente têm impacto imediato sobre a realidade e podem demorar para intervir nela. Não bastava Foucault ter escrito que a função do hospital psiquiátrico era sobretudo excluir o doente para que o hospital deixasse de existir”.[4] (MILLAN, 2013: 36)
Mas, trazer em pauta uma discussão sobre adoção com grandes estatísticas, apresentando vários motivos para a indesejabilidade destas crianças é, sobretudo, uma possibilidade de encontrar caminhos e repensar o cenário atual da adoção no país. No mesmo sentido, ensina a Professora Maria Berenice Dias quando diz:
“Agilizar a busca de um lar aos que querem alguém para chamar de pai e de mãe deveria ser a preocupação maior do Estado, pois não há solução mais triste do que manter crianças, adolescentes e jovens praticamente depositados em abrigos.” (DIAS, 2010:2)
Dentre os trabalhos pesquisados, no sentido de colaborar para a adoção destas crianças fora do padrão social, destacamos o Projeto Padrinho, implantado por uma juíza na cidade de Campo Grande/MS, com objetivo de, solidariamente, apoiar a sociedade em busca de caminhos capazes de proporcionar uma vida melhor para crianças e adolescentes institucionalizadas, conforme pode ser verificado no trabalho de Rogéria Fonseca da Victória. Passamos, então, a expor o que verificamos.
No ano de 2000, a então juíza da vara da infância e juventude, Maria Isabel de Matos Rocha, na cidade de Campo Grande /MS, implantava o Projeto Padrinho[5], como um programa de solidariedade e apoio da sociedade civil às crianças e adolescentes abrigados.
O projeto não está ligado ao processo de adoção, seu papel é colaborar e fazer com que os adotantes vejam as crianças com outros olhos, partindo do convívio. Tanto que, desde o seu início, no mínimo 50 crianças foram adotadas de forma definitiva pelos seus padrinhos. Na época, a cidade de Campo Grande possuía mais de 150 crianças e adolescentes tutelados pelo Estado, vivendo em casas de abrigos por não terem famílias. Apesar do número, não são todas que estão aptas à adoção e, enquanto aguardam decisões judiciais ou um pai/mãe que os adote, passam o tempo todo nos abrigos
O Projeto Padrinho deu oportunidades a estas crianças de passarem os finais de semana em casas de famílias dispostas a proporcionar momentos de lazer e boa convivência.
O apadrinhamento visa dar opção para que as crianças, resguardadas em abrigos, tenham um pouco de apoio familiar e uma contribuição de desenvolvimento.
Para que a criança passe uns dias com o padrinho, é necessária a autorização de um juiz, que analisa a situação das famílias antes de declará-las aptas.
Este projeto não se resume ao afetivo, existe ainda o apadrinhamento financeiro. O padrinho pode auxiliar com uma quantia mensal em dinheiro, assim como o padrinho prestador de serviço, que ajuda no desenvolvimento de outras habilidades ou, até mesmo, desenvolvendo possíveis profissões. Por último, existe a presença da família acolhedora. Esta recebe criança em sua casa e fica com ela por um certo período, até que o caso seja decidido pela justiça.
O número de crianças nos abrigos é grande, porém, destas crianças, apenas 10% estão liberadas pela justiça para serem adotadas, às vezes, por terem sido entregues pelos próprios pais para adoção ou pela perda do poder familiar. O importante é que, a grande maioria das crianças abrigadas pode ter um padrinho mesmo sendo, no futuro, adotadas por outra pessoa ou voltando para seus pais biológicos.
O processo de adoção não tem relação direta com as atividades executadas pelo Projeto Padrinho, o padrinho será um apoio durante um determinado tempo. Já na adoção, o adulto torna-se pai da criança. No entanto, o mais benéfico é que, na aproximação direta pelo apadrinhamento – talvez intenção seja esta – pode surgir a ideia e a intenção de adoção, pois, estabelecido o afeto, ocorrerá uma desconstrução de paradigmas e preconceito. Mas, para que a adoção aconteça, outros requisitos são necessários, assim como um processo judicial próprio, para que o padrinho ingresse no cadastro de adoção.
Podemos verificar do projeto que muitos padrinhos acabaram realizando guardas ou adoções daquelas crianças tidas como indesejáveis, especialmente pelo afeto construído através do convívio com o apadrinhado. Em agosto de 2007, o Projeto Padrinho conquistou um prêmio nacional.[6]
O direito à convivência familiar é garantido constitucionalmente e deveria ser proporcionado pelo Estado, principalmente, no caso de crianças. No entanto, muitas crianças, por motivos diversos, são privadas destes direitos ainda dentro do seio familiar biológico.
Variados são os motivos para que as crianças sejam lançadas em instituições ou abrigos, entre eles a perda do poder familiar e o abandono. A adoção então surge como uma saída, como uma redenção para estas crianças institucionalizadas. Ou seja, por esse meio, as expectativas delas de terem um lar, bem como garantir o efetivo direito a uma família, podem ser concretizadas. Assim dispõe Maria Berenice Dias:
“Diz a Constituição, em seu artigo 227, que é dever do Estado assegurar acrianças e adolescentes, com absoluta prioridade, o direito à convivência familiar. Este direito nem sempre consegue ser exercido junto à família biológica. Daí a adoção, como uma saída para dar efetividade ao princípio da proteção integral”. (DIAS, 2009: 1)
A adoção, que se pode classificar como sendo aceitar legal e voluntariamente como filho, um alheio no seu meio familiar, beneficia ambas as partes e de várias maneiras. Seja em proporcionar artificialmente a filiação àqueles que não têm a possibilidade natural de gerar filhos, devido à falta de condições biológicas, seja pela busca em dar e receber carinho, amor, afeto, assim como dar condição, ao adotado, de ter uma família.
A sociedade sempre conviveu com a exclusão e o descaso de crianças seja pela rejeição ou por qualquer outro motivo. Situações que, por falta de atenção da sociedade e do poder público, geram as frias instituições para o abrigo destas crianças, conforme descreve Maria Berenice Dias: “[…] o instituto da adoção é um dos mais antigos de que se tem notícia. Afinal sempre existiram filhos que os pais não querem ou que são afastados do poder familiar”. (DIAS, 2010: 496)
O instituto da adoção, ao longo dos tempos, vem passando por algumas reformas. A adoção, a princípio, era chamada simples e consistia na adoção tanto de maiores como de menores. Contudo, existiam algumas condições para a adoção e conseqüente possibilidade de dar a esta criança um lar. Ou seja, só poderia ser adotante quem ainda não tivesse filhos, além de o adotado se tornar, em detrimento dele e do restante da família, parente só do adotante. Esclarece Maria Berenice Dias: “O código civil de 1916 chamava simples a adoção tanto de maiores como de menores. Só podia adotar quem não tivesse filhos”. (DIAS, 2010: 496)
A adoção era levada a efeito por escritura pública e o vínculo de parentesco estabelecia-se somente entre adotante e adotado. Podemos citar, também, a lei 4.655/65 voltada para legitimação adotiva, que dependia de decisão judicial. Não se podia revogar e era extinto o vínculo de parentesco com a família biológica.
Algum tempo depois, com o surgimento da lei 6.697/79, o chamado código de menores estendeu à família dos adotantes o vínculo de parentesco, permitindo, inclusive, que o nome dos avós constasse do registro de nascimento do adotado.
Com o advento da Constituição Federal Brasileira de 1988, as distinções, tais como adoção e filiação, caíram por terra, sendo proibidas quaisquer designações discriminatórias, como explica Graziella Ferreira Alves:
“O instituto da adoção tem evoluído na legislação brasileira, sobretudo após a Constituição Federal de 1988 (artigos 226 e 227), e também com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069/90), com a Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto 99.710/90), com o Código Civil de 2002 (Lei 10.406/02) e mais recentemente com a Lei 12.010/09, a qual teve como objeto principal a adoção. Todavia, até o presente momento a legislação vigente não foi capaz de resolver a problemática daqueles que passam grande parte da infância e juventude à espera de um lar, em situação de manifesta afronta à dignidade da pessoa humana e exclusão social”. (ALVES, 2010: 2)
O referido diploma trouxe, para os dias de hoje, um fomento à igualdade nos mais diversos tipos de relações, principalmente nas relações humanas.
A adoção proporciona ao adotante a escolha da paternidade, baseada no desejo de dar e receber carinho e, principalmente, no afeto. Esta escolha gera uma relação parental que não se baseia na condição biológica, mas tem sua raiz na relação social. Não precisamos de estudos aprofundados para percebermos o relacionamento, o convívio, e o dia a dia, como estimuladores do sentimento necessário para que as pessoas, propensas a adotarem, não queiram escolher um tipo ‘ideal’ de criança, mas possam escolher aprimoradas no amor que certamente adquirirão ao longo da convivência, acima do modelo, padrão europeu construído e imposto pela sociedade.
No que tange a imposição das segmentações e gostos sociais, em rápida análise, poderemos verificar nos estabelecimentos comerciais ou outro ramo mercantil, em sua maioria, o fator aparência como granjeador de clientes. Verificaremos que as preferências, não raro, são pelas mulheres com traços europeus e, nesses casos, há um débito com as minorias– negros, deficientes, nordestinos, etc. Sem falar nos comerciais de televisão, nos manequins e em muitos outros elementos expositores. Hoje vivemos o período do ‘politicamente correto’ e há, neste ínterim, uma obrigatoriedade velada, em quase todos os seguimentos, para que sejam destinadas vagas aos negros e deficientes.
O momento vivido atualmente valoriza em demasia o consumo. O ter determina a divisão das classes, os objetivos são outros, devido ao que vamos chamar de “construção social”. Onde pessoas são convencidas, principalmente pela mídia, a desenvolver relacionamentos abalizados na condição econômica. O interessante, o admirável é se aproximar de quem tem mais, é ter amigos influentes, buscando o reconhecimento por este modelo social, como explicado pelos professores Hugo Garcez Duarte e Alessandro da Silva Leite:
“O ideal atribui, sobretudo, ao perfil e à posse dos bens, acima delineados, o caminho para reconhecimento e sucesso; o pré-requisito por melhores empregos, muito dinheiro, glamour, grandes amigos, tratamento cordial e convites para os mais importantes, famosos e badalados eventos; a conquista de viagens inacreditáveis e momentos inesquecíveis, além de uma vida amorosa e sexual digna dos filmes de Hollywood. Enfim, que com esses atributos tudo se torna mais fácil, alcançando-se a felicidade plena por meio do possuir, o qual proporcionará tudo o que há de melhor.” (DUARTE; LEITE, 2014: 8)
Em contrapartida, existe a parcela da sociedade desfavorecida economicamente e, por consequência, alijada da construção social ideal. A Condição menos atraente é encarada como inferior. A sociedade se acostumou a conviver com essa divisão, a todo o momento pessoas são desmerecidas por não usarem o sapato da moda ou o telefone de última geração. De acordo com Hugo Garcez Duarte e Alessandro da Silva Leite,
“O mundo dos fatos demonstra, realmente, que o capitalismo prega a busca pela mansão, pelo carrão caro e potente, pelo telefone celular que faz de tudo, pela maior e mais fina televisão na versão 3D, pelos melhores ultrabooks, notebooks, ipod’s, iphone’s, iped’s, tablet’s, pelas roupas de grife com preços astronômicos e inacreditáveis etc”.[7](DUARTE, LEITE, 2014: 8)
Sabe-se que as diferenças existem, sempre existirão e teremos que conviver com elas. O que não se deve consentir é que seres humanos vivam no ostracismo por não estarem inseridos neste modelo social. Como as crianças maiores de 2 anos, que geralmente são preteridas no momento da adoção, os deficientes físicos – que no máximo despertam a piedade das pessoas – e, não mais importante porém objeto deste estudo, as crianças negras que carregam na pele a causa da rejeição. Para Maria Luiza Tucci Carneiro,
“A origem do racismo não é científica, e o homem não nasce com preconceito. É política social ou econômica, sendo usados pelos indivíduos para justificar seus interesses, exploração econômica ou como pretexto para a dominação política. Tanto na antiguidade como na idade média os homens, em vários momentos, se utilizaram da existência de diferenças físicas e de desacordos de caráter religioso como motivo para justificar suas lutas pelo poder e pela ganância econômica”. (CARNEIRO, 1988: 27)
Uma pesquisa, realizada com crianças brancas e negras nos Estados Unidos[8], demonstrou como a questão social é capaz de criar estereótipos e inferiorizar pessoas, levando-as a acreditarem que realmente são menos interessantes, bonitas e capazes.
A pesquisa consistiu em apresentar para as crianças, bonecas que representavam pessoas negras e bonecas que representavam pessoas brancas. As duas bonecas eram colocadas lado a lado, em cima de uma mesa e, em seguida, o pesquisador fazia perguntas do tipo: ‘qual boneca é bonita?’ A reação era instantânea, sem titubeios, no sentido de apontar para a boneca branca, demonstrando o cotidiano normal da sociedade. E, assim, todos os elogios eram atribuídos às bonecas brancas.
Em contrapartida, as bonecas negras eram reconhecidas como más e feias, até mesmo pelas crianças negras. Em determinado momento, quando as crianças já estavam bastante envolvidas, o pesquisador começa associar as crianças às bonecas. Quando ele pergunta, para a criança negra, com quem ela se parece – depois de ter atribuído os piores adjetivos às bonecas negras – ela, totalmente constrangida, aponta vagarosamente o dedo para a boneca negra. Ou seja, o constrangimento se deu por não estar a criança inserida no modelo social europeu produzido pela sociedade. Aquela criança não fazia parte desta construção ‘ideal’, do perfeito, idealizada e proclamada por uma parcela da sociedade.
3. A ADOÇÃO E O CONSTRUCTO DO AFETO
O presente trabalho abordou a questão da preferência por um ‘ideal’ de criança no momento da adoção. Como se um determinado tipo de criança, aquelas inseridas em um padrão de beleza, idade cor, estilo de cabelo, fosse capaz de trazer a felicidade.
Intrinsecamente, o trabalho buscou demonstrar uma prática disseminada pela sociedade: a questão da preferência em geral, é uma construção do homem, da sociedade, seja ela qual sociedade for, guardada suas peculiaridades. O homem não nasce preconceituoso, ele adquire esta condição ao longo da vida, condição determinada pelo meio em que está inserido.
Através de uma compreensão mais profunda do processo de adoção das crianças, que no trabalho denominamos indesejáveis, ou seja, fora do perfil europeu exigido pela sociedade, assim como maiores de dois anos de idade, podemos concluir que a convivência, o contato, o carinho, a troca de experiência, proporcionada pela convivência de um lar, pela interação com outras crianças, que não estejam na mesma condição de institucionalizadas, são fatores de transformação.
Do mesmo modo, a vivência com aquelas que estarão no papel de irmãos neste relacionamento, assim como pela atenção dispensada pelos padrinhos, que no caso estarão exercendo a função de pais, serão experiências afetivas benéficas. Essa experiência, de uma vida em família, gera ternura e é capaz de influenciar no momento da escolha da criança.
A família não é formada unicamente por filhos biológicos, mas por sentimentos ligados ao afeto. Ela vai além da realização do sonho de gerar um filho, de montar um quartinho cor de rosa ou azul. Não podemos crer que o filho ideal para adoção seja o recém-nascido branco e de olhos azuis.
Em suma, este trabalho tentou, de maneira sucinta, refletir os benefícios de uma adoção baseada em laços de afeto e na convivência do dia a dia. Ele reflete, também, a necessidade de políticas públicas, bem como ações sociais, no sentido de contribuir para transformação deste pensamento de uma busca pela adoção ‘ideal’.
É indiscutível afirmar que o vínculo, o convívio na vivência de um lar, o calor da relação, entre adotante e adotado, é imprescindível para repensar a ideia de um perfil ideal de criança.
Referências
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Notas:
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