Quando os Estados Unidos decidiram invadir o Iraque certamente o poder
da opinião pública internacional foi subestimado. Eles não imaginaram que
milhões de pessoas em todo o planeta se organizariam para protestar diariamente
contra essa guerra, na maior mobilização em favor da paz de toda a história. A
internet se firmou como um eficaz meio de divulgação de mensagens
anti-belicistas e, nas principais cidades do mundo, as passeatas e atos
simbólicos pacifistas a cada dia ganham mais corpo. A despeito de tudo isso,
não há como acreditar que os americanos agiram sem que de todo essas reações
não tivessem sido previstas.
O valor representativo imbuído na guerra do Iraque é muito forte, maior
talvez que a questão simplesmente econômica ou petrolífera envolvida. Em plena
era da imagem seria pouco provável que os Estados Unidos não planejassem, ou
pelo menos avaliassem, a repercussão de uma investida desse tipo. Ao iniciar a
invasão os americanos na verdade quiseram enviar ao mundo uma mensagem a
respeito do papel político que pretendem de agora em diante desempenhar de uma
maneira explícita. A tentativa de desmoralização da ONU e o direito
internacional, por exemplo, não podem em hipótese alguma ter sido uma atitude
improvisada.
Em 1990 o lingüista e filósofo Noam Chomsky já alertava para uma
possível ameaça americana. No livro “Contendo a Democracia” ele comenta que com
o final da Guerra Fria os Estados Unidos deixaram de exercer a liderança
absoluta na ordem econômica devido ao crescimento da Alemanha e do Japão. Contudo,
na ordem militar o processo foi exatamente o oposto por causa da derrocada da
antiga URSS, tendo a partir de então os americanos se tornado a única
verdadeira potência bélica global. Infelizmente o medo revelado por Chomsky de
que esse desmedido poderio militar se transformasse em um modo de subjugar os
outros países e de impor os seus interesses a qualquer custo está se mostrando
profético. A forçada e desnecessária invasão ao Iraque ressalta tal
entendimento.
Em resposta à declaração de Kofi Annan, secretário da ONU, no sentido de
que ao povo do Iraque cabe decidir o que fazer de seu país, o secretário de
Estado americano Collin Powell afirmou que os Estados Unidos é que decidirão o
que será feito das riquezas e do governo iraquiano. Essa confessada intenção de
pilhagem serve para demonstrar que os americanos não estão dispostos a
respeitar qualquer limite ao seu imperialismo. Isso significa que o mundo está
se tornando refém de um regime totalitário em escala internacional patrocinado
pela milícia azul e vermelha, pois se o objetivo deles se resumisse à área
iraquiana não teria sido necessário passar por cima da opinião pública
internacional e de tantos países e instituições. Assim, às nações que ousarem
discordar da política externa americana pairará de imediato o temor de uma
invasão ou de um bloqueio econômico.
É certo que existe quem defenda que esse alerta é um exagero, quando não
um disparate. Porém, o que está acontecendo atualmente dentro dos Estados
Unidos demonstra que há de fato inúmeros motivos para preocupação. O professor
Paul Krugman demonstrou que lá os meios de comunicação americanos estão sendo
censurados e manipulados, que as correspondências virtuais ou não estão sendo
violadas e que a patrulha ideológica em cima dos artistas e intelectuais é
muito forte. Inclusive, recentemente o jornalista Peter Arnett foi demitido da
NBC por criticar a estratégia de guerra americana. Inúmeras pessoas têm sido
presas sem sequer saberem o porquê e permanecem assim por tempo indefinido,
além de não terem direito a um advogado. Desse modo, pode-se dizer que a
democracia americana é uma balela, já que a liberdade de imprensa e de
expressão e o devido processo legal estão seriamente comprometidos.
No cenário global essa política de arbitrariedades segue um mote ainda
mais atemorizante em diversos aspectos. A afronta ao meio ambiente e aos
direitos humanos, por exemplo, parece fazer parte da estratégia ianque, que
estão boicotando o Protocolo de Kyoto e se negaram a flexibilizar a legislação
internacional sobre patentes e medicamentos impedindo que países pobres
pudessem atenuar os seus gravíssimos problemas de saúde. As convenções
internacionais sobre tratamento de presos de guerra estão sendo ignoradas e a
tortura já se tornou uma praxe para o exército americano. Faz pouco tempo os
americanos se recusaram a fazer parte do Tribunal Penal Internacional deixando
claro que os seus crimes de guerra não seriam julgados, posto que se julgam
acima de qualquer norma legal ou convenção internacional.
Diante desse triste
desenho, é imprescindível que a ONU seja reformulada e fortalecida e que o
direito internacional e os direitos humanos passem a ser respeitados, já que ao
ordenar a invasão ao Iraque George Bush usurpou a tranqüilidade e a dignidade
de todos os povos. É urgente que as pessoas se conscientizem de que essa ameaça
de um fascismo em escala global paira sobre o mundo, e que o melhor momento de
lutar contra isso é agora. Por isso é relevante que as manifestações populares
continuem aqui e nos outros países, visto se tratar da melhor maneira de
pressionar os governos a não se dobrarem ao poderio econômico e bélico dos
Estados Unidos. O boicote ao consumo de produtos de países envolvidos na
guerra, especialmente aos americanos, é um eficaz repúdio a esse crime contra a
humanidade. Não se pode esquecer que o Brasil, na condição de detentor da maior
reserva de água potável e da mais rica biodiversidade do mundo, é um sério
candidato a sofrer tais agressões no futuro.
Advogado militante, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco e em Gestão e Controle Ambiental pela Universidade Estadual de Pernambuco e mestrando em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba
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