Resumo: O presente artigo procura demonstrar que, ante a omissão da legislação brasileira em regulamentar a união entre pessoas do mesmo sexo, de acordo com os conceitos de união estável estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002, é possível aplicar este instituto do Direito de Família nas uniões homoafetivas, sem a necessidade de qualquer alteração legislativa.
Palavras chave: união; família; homoafetividade; afeto; homossexual
Abstract: This article pretends to show that the concept of common-law marriage established by the 1988 Federal Constitution and the 2002 Civil Code can be applied by the Family Law to the homosexual couples, without any legislative change.
Keywords: Family; afect; homosexual; common-law; marriage
A homossexualidade é um fato social, que, independentemente de explicações sociológicas, antropológicas ou biológicas, possui relevância jurídica, não podendo ser ignorada pelo direito em razão de um juízo valorativo baseado na moral coletiva ou individual, sendo necessária uma abordagem técnica e jurídica do relacionamento íntimo entre pessoas do mesmo sexo.[1]
A Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002, bem como o restante da legislação infraconstitucional brasileira, são omissos em relação às uniões entre pessoas do mesmo sexo. São reconhecidas pela legislação como entidades familiares apenas o casamento e a união estável entre homem e mulher e a família monoparental.
Para uma parcela da doutrina, a omissão legal e constitucional é uma afronta aos direitos fundamentais da igualdade e da liberdade, bem como ao princípio supremo da dignidade da pessoa humana.
No entendimento de Maria Berenice Dias, para garantir aos relacionamentos homoafetivos (que não encontram previsão no ordenamento jurídico) os mesmos direitos e tratamentos resguardados pela Constituição às relações heteroafetivas, necessário se faz suprir a lacuna deixada pelo legislador pátrio. Para a autora, o perdurar esta situação de desídia da legislação brasileira no que tange as relações entre pessoas do mesmo sexo, não seriam garantidos a esses indivíduos direitos e deveres previstos aos demais seres humanos, sem poder, inclusive, buscar a tutela do Poder Judiciário, por ausência de previsão legal.
“Assim como a sociedade não é estática e está em constante transformação, o direito não pode ficar estático à espera da lei. O Direito deve acompanhar o momento social. Como sempre, em uma perspectiva histórica, o fato social antecipa-se ao jurídico, e a jurisprudência antecede a lei. Mesmo que não se aceite a existência de uma família homossexual, mesmo que não se queira ver uma entidade familiar para se lhe aplicar a legislação a ela referente, imperioso reconhecer um interesse merecedor de proteção. A omissão do legislador não deve servir de obstáculo à outorga de direitos e imposição de obrigações às relações de parceiros do mesmo sexo”.[2]
A fim de solucionar as omissões legislativas, estabelece a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 4º, que o defeito no sistema deve ser solucionado pelo próprio aplicador do direito, mediante a aplicação dos costumes, da analogia e dos princípios gerais do direito, conforme a lição das juristas Maria Berenice Dias[3] e Maria Helena Diniz:
“Quando, ao solucionar um caso, o magistrado não encontra norma que lhe seja aplicável, não podendo subsumir o fato a nenhum preceito, porque há falta de conhecimento sobre um status jurídico de certo comportamento, devido a um defeito do sistema que pode consistir numa ausência de norma, na presença de disposição legal injusta ou ineficaz socialmente, estamos diante do problema da lacuna, que pode ser, respectivamente, normativa, axiológica ou ontológica. Imprescindível será um desenvolvimento aberto do direito dirigido metodicamente. Essa permissão de desenvolver o direito compete aos aplicadores sempre que se apresentar uma lacuna, pois devem integrá-la, criando uma norma individual, dentro dos limites estabelecidos pelo direito (LICC, arts. 4º e 5º). Os meios de preenchimento da lacuna são os indicados pela própria lei sub examine; assim, para a integração jurídica, o juiz poderá fazer uso da analogia, do costume e dos princípios gerais de direito”.[4]
O magistrado, ao observar a existência de lacuna ou omissão legal, deve, precipuamente, recorrer-se à analogia, “consistente em aplicar, a um caso não contemplado de modo direto ou específico por uma norma jurídica, uma lei que prevê uma hipótese distinta, mas semelhante ao fato não previsto” [5].
Logo, é dever do magistrado, sempre que se deparar com a ausência de uma legislação diretamente aplicável ao caso concreto, buscar a melhor solução dentro da própria lei vigente, mediante a aplicação de norma aplicável a situação, ainda que distinta, semelhante aos fatos, a chamada analogia, cuja aplicação fundamenta-se na “igualdade jurídica e similitude dos fatos” [6], de modo a revelar normas implícitas do ordenamento jurídico pátrio.
A partir dessa interpretação do artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, caso se entenda pela omissão constitucional e infraconstitucional no que tange os relacionamentos homoafetivos, a mesma deverá ser suprida mediante a aplicação de outro institutos, desde que guardem semelhança e igualdade jurídica.
Enquanto os juristas mais tradicionais e a maior parte da Jurisprudência pátria suprem a referida omissão mediante a equiparação das uniões homoafetivas às sociedades de fato do Código Civil, a doutrina mais recente entende que a aplicação do Direito das Obrigações não solucionaria a questão das relações homoafetivas vez que, ainda que se supra a lacuna legal, não se leva em consideração o ente formador das uniões homoafetivas, que não está presente nas relações de caráter patrimonial das sociedades de fato: o afeto.
Para esses juristas, esta solução – equiparar às sociedades de fato – exclui as uniões homoafetivas da apreciação e proteção do Direito de Família, como se tratassem de mera sociedade comercial, impedindo a aquisição de direitos e obrigações por parte dos conviventes do mesmo gênero.
De acordo com esse entendimento, defendido por Maria Berenice Dias e Paulo Lôbo, entre outros, todo relacionamento entre duas pessoas, com a união de economias e esforços, de forma pública, constante e duradoura, que têm o afeto como causa, devem ser reconhecidos como entidades familiares, haja vista ser o afeto o principal fundamento da família e o que a diferencia das demais sociedades de natureza civil.
A igualdade jurídica entre as relações homo e heteroafetivas é objeto de estudo pela doutrina pátria contemporânea, haja vista a semelhança existente entre tais relações, tanto em sua origem, baseada afetividade, quanto em suas características, nada mais justo seria a igualdade jurídica entre seus efeitos, sejam eles entre os componentes da relação, seja perante terceiros.
Dessa forma, de acordo com o entendimento de Maria Berenice Dias, nenhuma diferença existe nas relações homossexuais ou heterossexuais, a não ser o gênero dos conviventes, existindo entre eles uma semelhança essencial: o vínculo pelo afeto.
“Ambos são vínculos que têm sua origem no afeto, havendo identidade de propósitos, qual seria a concretização do ideal de felicidade de cada um. A lacuna legal é de ser colmatada por meio da legislação que regulamenta os relacionamentos interpessoais com idênticas características, isto é, com os institutos que regulam as relações familiares, sem que se esteja afrontando a norma constitucional que tutela as relações de pessoas de sexos opostos”.[7]
Conforme exposto anteriormente, “o centro de gravidade das relações de família situa-se, coetaneamente, na mútua assistência afetiva (affectio maritalis), sendo perfeitamente possível encontrar tal núcleo nos parceiros homossexuais”[8]. Essa affectio maritalis consiste na convivência consensual estabelecida entre duas pessoas, isto é, o afeto recíproco entre os companheiros.[9]
Assim, conforme parcela da doutrina, a solução para a lacuna legal relativa às uniões homoafetivas encontra-se onde guarda semelhança: na família, reconhecida e protegida pela Constituição Federal, constituída pelo casamento, pela união estável e pela família monoparental.[10]
No magistério de Érika Harumi Fugie, em razão de sua formalidade e características próprias, equiparar, por meio da analogia, a união homoafetiva à instituição do casamento não seria a melhor solução para a omissão legal. Para a autora, não seria cabível aplicar o instituto do casamento, conforme transcrito a seguir:
“(…) não se pretende permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O casamento permanece intacto, reservado a pessoas de sexo distinto. Não se tenciona arruinar o que durante séculos o sistema jurídico absorveu das estruturas socioreligiosas, nem extirpar a união estável, que é senão menos que um espelho do casamento, tendo este emprestado àquela o status de entidade familiar”.[11]
Paulo Lôbo afirma que, uma vez que não existe lei própria que trate das uniões homoafetivas, aplicando-se a analogia, nos termos do artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, o instituto que melhor guarda similitude e igualdade às uniões entre pessoas do mesmo sexo é o da união estável, restringido pela Constituição Federal e pelo Código Civil às uniões entre homem e mulher. Nesse sentido, assim escreve o autor:
“As uniões homossexuais são constitucionalmente protegidas enquanto tais, com sua natureza própria. Como a legislação ainda não disciplinou seus efeitos jurídicos, como fez com a união estável, as regras desta podem ser aplicáveis àquelas, por analogia (art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil), em virtude de ser a entidade familiar com maior aproximação de estrutura, nomeadamente quanto às relações pessoais, de lealdade, respeito e assistência, alimentos, filhos, adoção, regime de bens e impedimentos”.[12]
Exatamente no requisito da diversidade de sexos se encontra a única diferença entre às uniões heteroafetivas, reconhecidas pela legislação, e as uniões homoafetivas, ignoradas pelo texto constitucional, requisito este que, conforme exposto anteriormente, vai de encontro aos direitos fundamentais da igualdade e da liberdade e ao princípio maior desta República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido:
“Sob a perspectiva desse enfoque, verificamos que as convivências homossexuais e as convivências heterossexuais se distinguem apenas quanto ao fato de o relacionamento ser perpetrado por pessoas do mesmo sexo ou por pessoas de sexo distinto, vez que do ponto de vista relacional não há dessemelhança alguma possível de ser sedimentada”.[13]
Enquanto o legislador não supre a lacuna legal, em razão de sua similitude e igualdade jurídica, em especial, a solução proposta pelos juristas supra citados seria aplicar às uniões entre pessoas do mesmo gênero, através da analogia, o que se refere às uniões estáveis, bastando, para isso, que estejam presentes os requisitos desta última – excepcionando-se o requisito da diversidade de sexos, reconhecendo-se, dessa forma, a união homoafetiva enquanto entidade familiar.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem colecionando diversos acórdãos no sentido de estender a homens e mulheres, independentemente de sua orientação sexual, o direito de constituir família, através da aplicação do instituto da união estável. Transcreve-se, a seguir, alguns desses recentes julgados:
“APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. SEPARAÇÃO DE FATO DO CONVIVENTE CASADO. PARTILHA DE BENS. ALIMENTOS. União homossexual: lacuna do Direito. O ordenamento jurídico brasileiro não disciplina expressamente a respeito da relação afetiva estável entre pessoas do mesmo sexo. Da mesma forma, a lei brasileira não proíbe a relação entre duas pessoas do mesmo sexo. Logo, está-se diante de lacuna do direito. Na colmatação da lacuna , cumpre recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito, em cumprimento ao art. 126 do CPC e art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil. Na busca da melhor analogia, o instituto jurídico, não é a sociedade de fato. A melhor analogia, no caso, é a com a união estável. O par homossexual não se une por razões econômicas. Tanto nos companheiros heterossexuais como no par homossexual se encontra, como dado fundamental da união, uma relação que se funda no amor, sendo ambas relações de índole emotiva, sentimental e afetiva. Na aplicação dos princípios gerais do direito a uniões homossexuais se vê protegida, pelo primado da dignidade da pessoa humana e do direito de cada um exercer com plenitude aquilo que é próprio de sua condição. Somente dessa forma se cumprirá à risca, o comando constitucional da não discriminação por sexo. A análise dos costumes não pode discrepar do projeto de uma sociedade que se pretende democrática, pluralista e que repudia a intolerância e o preconceito. Pouco importa se a relação é hétero ou homossexual. Importa que a troca ou o compartilhamento de afeto, de sentimento, de carinho e de ternura entre duas pessoas humanas são valores sociais positivos e merecem proteção jurídica. Reconhecimento de que a união de pessoas do mesmo sexo geram as mesmas conseqüências previstas na união estável. Negar esse direito às pessoas por causa da condição e orientação homossexual é limitar em dignidade a pessoa que são. A união homossexual no caso concreto. Uma vez presentes os pressupostos constitutivos da união estável (art. 1.723 do CC) e demonstrada a separação de fato do convivente casado, de rigor o reconhecimento da união estável homossexual, em face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser humano. Via de conseqüência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual, tal como a partilha dos bens, em face do princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união heterossexual”.[14]
“HOMOSSEXUAIS. UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto a união homossexual. E é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo , com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade cientifica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. Sentença desconstituída para que seja instruído o feito. Apelação provida”.[15]
“UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO PATRIMÔNIO. MEAÇÃO PARADIGMA. Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homo afetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem conseqüências semelhantes as que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevado sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio havido na constância do relacionamento deve ser partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor hermenêutica. Apelação provida, em parte, por maioria, para assegurar a divisão do acervo entre os parceiros.”[16]
No mesmo sentido, a Procuradoria Geral da República propôs recentemente a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 178, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal:
“(…) com o propósito de levar a Suprema Corte brasileira a declarar que é obrigatório o reconhecimento, no Brasil, da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher. Pede, também, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis sejam estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.”[17]
A Procuradoria Geral da República argumenta se tratar de realidade fática inegável e que os homossexuais merecem o mesmo respeito e consideração que os demais cidadãos. Sustenta, ainda, que a ausência de regulamentação legal compromete e acesso aos homossexuais aos direitos fundamentais, devendo a equiparação ser concedida “independentemente de qualquer mediação legislativa”.[18]
Ainda que a Constituição Federal não tenha reconhecido expressamente a união entre pessoas do mesmo sexo, o rol apresentado pelo artigo 226, §3º não é taxativo, podendo ser interpretado de forma integrada aos direitos fundamentais e aos princípios constitucionais, bem como a princípio da afetividade, inerente a todas as entidades familiares, protegido, implicitamente, pela Lei Maior[19]. Assim, garantidos os direitos à liberdade sexual, à igualdade e a uma existência digna, o rol de entidades familiares deve ser interpretado extensivamente, de modo a abarcar todas as relações formadas pelo afeto e pela intimidade.
Corroborando esse entendimento está o magistério do Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, para quem a Constituição Federal:
“(…) na ausência da proibição expressa ou de previsão positiva, postula-se a interpretação da Constituição de acordo com o cânone hermenêutico da “unidade da Constituição”, segundo o qual uma interpretação adequada do texto exige a consideração das demais normas, de modo que sejam evitadas conclusões contraditórias, pois sob o ponto de vista do direito de família a norma do §3º, do art. 226 da CF/88 não exclui a união estável entre homossexuais.”[20]
Dessa forma, em síntese, uma vez que a Constituição Federal não veda as relações homoafetivas, as mesmas são permitidas pelo ordenamento jurídico, bem como é permitido o seu reconhecimento enquanto entidade familiar, haja vista a ausência de proibição expressa no artigo 226, §3º da Carta Maior.
Conforme estudado anteriormente, inúmeros juristas e magistrados entendem que, a fim de suprir essa omissão constitucional e garantir aos homossexuais os mesmos direitos dos quais os heterossexuais são detentores, faz-se necessário a aplicação da Lei de Introdução ao Código Civil, que em seu artigo 4º determina a aplicação da analogia a norma semelhante; para esse entendimento, o instituto que mais se assemelha às uniões homoafetivas é a união estável, precipuamente limitada às relações heteroafetivas.
No entanto, não apenas esta exigência à diversidade de sexos para a configuração da união estável ofende os direitos à igualdade, à liberdade e a uma existência digna, como é o único elemento da união estável que difere das relações homoafetivas, vez que ambas são formadas a partir do afeto entre os conviventes, possuem características comuns, como a partilha da intimidade, da economia, de objetivos, bem como o trato público, continuo e constante e a presença do affectio maritalis.
Logo, a mera diferença nestes institutos em relação à orientação sexual dos conviventes não é motivo para impedir a aplicação do instituto da união estável para as uniões homoafetivas, com o intuito de suprir a lacuna legal, haja vista guardarem inúmeras semelhanças e, dessa forma, garantir às uniões entre pessoas do mesmo sexo o caráter familiar e seu reconhecimento jurídico.
Em voto do Desembargador Alfredo Guilherme Englert, na relatoria de Apelação Cível no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o magistrado demonstra de forma clara e concisa a perfeita aplicabilidade da analogia entre a união estável e a união homoafetiva, a partir do magistério de Maria Helena Diniz, in verbis:
“Convém que se diga logo, a solução para a hipótese de união homossexual seguirá, pela via analógica, as mesmas conseqüências das previsões legais a respeito das uniões estáveis, como a desnecessidade da prova da colaboração. O processo analógico obedece a requisitos de aplicação, tal como alinhados por MARIA HELENA DINIZ (p. 162). O primeiro requisito é o vazio legislativo. Ou seja, que o caso não tenha previsão na norma jurídica. Este requisito está plenamente preenchido. Não parece haver dúvida, apesar de muitas tentativas, o legislador brasileiro, ainda não se encorajou a colocar no repertório legislativo brasileiro, a disciplina legal para as uniões homossexuais. O segundo requisito exige que o caso não contemplado em lei (a união homossexual) tenha com o previsto (união estável), pelo menos, uma relação de semelhança. As semelhanças são evidentes. Ao primeiro, ambos os institutos são relações de afeto não formalizadas por celebrações oficiais, tais como ocorrem com o casamento. Em um e outro caso, as pessoas se unem pelo afeto e pela comunhão, pouco a pouco vão num crescendo de harmonia, a ponto de viverem como se casados fossem. Por fim, o terceiro elemento analógico exige que haja identidade essencial ou de fato que levou o legislador a elaborar o dispositivo que estabelece a situação a qual se quer comparar a não contemplada. Este é o requisito que BOBBIO (p. 152) chama de semelhança relevante. Ou seja, terá que haver uma verdadeira e real semelhança e a mesma razão entre ambas as situações. Ora, induvidosamente, a semelhança relevante de ambos os casos é o afeto informal. Os dois institutos centram-se em relações interpessoais de amor comum entre os parceiros (…).”[21]
Assim, não pode o Poder Judiciário, inclusive os magistrados que atuam nas Varas de Família, deixar de conhecer dos processos que tratem das uniões homoafetivas, através da afirmação que tais institutos não existem no ordenamento jurídico brasileiro, nem mesmo reconhecê-los enquanto sociedade de fato. Ainda que a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional sejam omissas a respeito das relações entre pessoas do mesmo sexo, é dever dos magistrados aplicar a analogia entre a união homoafetiva e uma norma semelhante, no caso, a união estável (e não a sociedade de fato), haja vista ambas serem motivadas pelo princípio maior do Direito de Família: o afeto.
Advogado criminal de Piracicaba/SP; graduado em Direito pela UNIMEP – Universidade Metodista de Piracicaba; associado ao escritório Pedroso Advogados Associados
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