Resumo: O presente estudo tem por objetivo analisar o instituto da antecipação de tutela, apontando as principais características e requisitos para sua concessão, bem como a sua aplicabilidade no processo tributário, tendo em vista que o Código Tributário Nacional não dispõe acerca deste instituto. Neste sentido, importante ressaltar que a tutela antecipada foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro com base no princípio constitucional da efetividade, antecipando, de plano, ou no curso da ação, os efeitos da sentença de mérito. Tal instituto tem amparo legal nos artigos 273 e 461 §3º do Código de Processo Civil. É aplicável ao processo tributário, por força do art. 151, V, do Código Tributário Nacional. Assim, o presente estudo demonstrará ser possível a concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, não só pelos motivos acima elencados, mas também demonstrará que muitas das vedações impostas pela jurisprudência não prosperam, haja vista não haver amparo legal para tanto, exceto as vedações impostas pela Lei nº 9.494/97.[1]
Palavras-chave: Antecipação de tutela- Fazenda Pública – Processo Tributário.
Abstract: This work has de objective to analyze de institute of legal protection, poited the main characteristics and requirements for their concession, as your application in tributary legal process, in view of the Tributary national code don’t provides about this institute. In this direction, is important highlight that the legal protection has introduced in legal order based in constitutional principle of effectiveness, anticipating, of p0lan, or in the course of the process, the effects of sentence. This institute has legal support in articles 273 e 461 §3º of Civil Process Code. Is applicable in tributary process by the Article 151, V, of National Tributary Code. Then, this study will show been possible the concession of legal protection against the State, not only for the reasons listed above, but also will show that many of seals imposed by the cases of law do nor prosper, considering doesn’t exist legal support, except the seals imposed by the Law nº 9.494/97
Keywords: legal protection – State – tributary legal process
Sumário: introdução. 1. A antecipação de tutela, prevista nos artigos 273 e 461 § 3º, CPC, Código de Processo Civil. 1.1 a inserção do instituto da antecipação de tutela no ordenamento jurídico brasileiro. 1.2. Conceito. 1.3. Dos pressupostos para a concessão da antecipação de tutela. 1.3.1. Da exigência legal de requerimento da parte e momento processual para tal requerimento. 1.3.2. Das formas para a concessão da tutela antecipada. 1.4. Dos requisitos necessários para a concessão da tutela antecipada. 1.4.1. Da existência de prova inequívoca. 1.4.2. Da verossimilhança das alegações. 1.4.3. Da possibilidade de reversão da medida concedida. 1.4.4. Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. 1.4.5. Do abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. 1.5. Tutela antecipada em face de pedido incontroverso. 1.6. Da decisão e recurso cabível. 1.7. Da tutela antecipada específica, prevista no § 3º do artigo 461 do código de processo civil. 1.7.1. Requisitos para a concessão da tutela antecipada específica e a subsidiariedade com os requisitos da tutela antecipada genérica. 1.8. Da dicotomia entre os institutos da antecipação de tutela e das medidas cautelares. 2. Da antecipação de tutela contra a fazenda pública no processo tributário. 2.1. Breves considerações acerca da aplicação do instituto da antecipação de tutela, prevista nos artigos 273 e 461 § 3º do Código de Processo Civil, ao processo tributário. 2.2. Da fazenda pública em juízo. 2.3. Das vedações à concessão de tutela antecipada contra a fazenda pública prevista nas leis nº 8.437/92 e 9.494/97. 2.3.1. Suspensão dos efeitos executivos da tutela antecipada em face da Fazenda Pública, prevista no art. 4º da Lei nº 8.437/92. 2.4. Da antecipação de tutela contra a fazenda pública e o reexame necessário, previsto no artigo 475 do código de processo civil. 2.5. Da antecipação de tutela contra a fazenda pública e o regime dos precatórios, previsto no artigo 100 da constituição federal. 2.6. Da possibilidade de concessão de tutela antecipada contra a fazenda pública para a suspensão do crédito tributário. 2.6.1. Da possibilidade de concessão de tutela antecipada específica no processo tributário. Considerações finais. Referências bibliográficas
INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda a temática da possibilidade de concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública no processo tributário.
Com o advento da reforma processual de 1994, consagrada pela Lei nº 8.952, foi dada pelo legislador uma nova redação aos art. 273 e 461 do Código de Processo Civil. Nesta nova redação, o legislador permitiu que, desde que presentes os requisitos estabelecidos no referido artigo, em qualquer processo, há a possibilidade de antecipar os efeitos da sentença definitiva de mérito, seja ela de natureza condenatória, declaratória, constitutiva ou mandamental.
Posteriormente, com a inovação trazida pela Lei nº 10.444/02, foi introduzida, através do art. 461-A do Código de Processo Civil, a tutela específica para as obrigações de entregar coisa certa, consagrando a última natureza de sentença – de acordo com a teoria adotada pela doutrina- a executiva lato sensu.
A abordagem se voltará à possibilidade de concessão destas espécies de tutela antecipada, acima elencadas, contra a Fazenda Pública, tendo em vista que esta possui diversas prerrogativas processuais.
Para tanto, a pesquisa se divide em dois capítulos.
No primeiro, capitulo, a proposta é resgatar, brevemente, as principais características e etapas da evolução histórica do instituto da antecipação de tutela no processo civil brasileiro.
Destaca-se a análise sistemática dos artigos 273 e 461 § 3º do Código de Processo Civil, apontando o surgimento destes institutos, qual o conceito de ambos, os requisitos para a concessão da tutela antecipada, os pressupostos, a decisão que julga tal medida, bem como o recurso cabível e sua execução.
Também nesta primeira parte, avalia-se a introdução do instituto da antecipação de tutela à luz de princípios constitucionais.
Seguindo o estudo, o segundo capítulo, faz uma abordagem acerca da Fazenda Pública, explicando o significado desta nomenclatura e as prerrogativas do Erário em juízo. São abordadas também as vedações à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, bem como o advento da Lei Complementar nº 104/01, que consagrou o instituto da antecipação da tutela no Código Tributário Nacional, através do artigo 151, V. Por fim, serão aventadas as causas em que é possível a utilização de tal medida no processo tributário.
A metodologia utilizada para realização deste trabalho será a pesquisa científica, utilizando aporte doutrinário, jurisprudencial, legal e constitucional para o desenvolvimento do estudo.
A idéia, nesta pesquisa, pois, é visar demonstrar claramente que é possível a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, mormente no processo tributário, haja vista que, além de haver previsão legal para tanto, muitas das vedações que são impostas para o indeferimento da medida não tem aporte legal, nem jurisprudencial, e, minoritariamente, doutrinário.
1. A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, PREVISTA NOS ARTIGOS 273 E 461 § 3º, CPC, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
1.1. A INSERÇÃO DO INSTITUTO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA GENÉRICA (ARTIGO 273 DO CPC) NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Primeiramente, cumpre esclarecer que, segundo ZAVASKI, o instituto da antecipação de tutela passou a figurar no ordenamento jurídico brasileiro em razão de uma ampla discussão que foi travada acerca da extensão da eficácia das medidas cautelares, tendo em vista que diversos magistrados passaram a antecipar os efeitos da tutela pretendida sem ter o devido cuidado com a reversibilidade ocasionada pela sentença de mérito. Ou seja, as medidas cautelares passaram a ter interpretação extensiva, limitando, ou por vezes até mesmo extinguindo, a eficácia do provimento final.[2]
Ao passo que surgia esse novo caráter atribuído as ações cautelares, MARINONI versa em sua obra, que uma nova nomenclatura também foi criada, denominada de ações cautelares satisfativas, o que era completamente errado, haja vista que acautelar, como já diz o próprio nome, é assegurar o direito até a decisão definitiva de mérito, conquanto, os magistrados, a usavam para satisfazer, mesmo que provisoriamente, a tutela pretendida. Em razão da confusão causada pela doutrina e a jurisprudência, sobreveio o precedente para que passassem a existir ações de cognição exauriente[3] com liminar. Ainda, passou a ser aceita a ação cautelar em substituição ao mandado de segurança, quando decorria o seu prazo decadencial, transformando o direito liquido e certo na fumaça do bom direito, tudo isto em razão de não haver a possibilidade de concessão de liminares nas ações de rito ordinário.[4]
Desta forma, ZAVASKI diz que passaram a ser travadas intermináveis discussões acerca da antecipação dos efeitos da tutela, bem como o seu alcance e a sua reversibilidade e perecimento, e que o Estado também vinha sendo onerosamente prejudicado com tais decisões. Para conter este prejuízo, o legislador tentou resguardar os efeitos dos atos do Poder Público criando a Lei nº 8.437/92, a qual restringia a concessão de liminares contra a Administração Pública, fato este que só serviu para demonstrar que, ao impor tal restrição, o legislador passa a admitir, mesmo que remotamente, que é possível a concessão de liminares em qualquer processo cautelar.[5]
Tais pedidos passaram a ser admitidos, segundo GONÇALVES, em razão de que, antes mesmo da reforma processual de 1994, em algumas ações como: embargos de terceiro, ação possessória, ação popular, ação civil pública, mandado de segurança, ação expropriatória, ação direta de inconstitucionalidade, ação locatícia, liminares nas ações de alimentos de rito especial e em algumas demandas com fundamento no Código de Defesa do Consumidor, já era possível a figura da antecipação da tutela. Ainda nos dias atuais, a doutrina ainda diverge quanto ao marco inicial da antecipação de tutela no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que, mesmo não tendo a nomenclatura atual, tais medidas com este escopo, segundo estes doutrinadores, já eram concedidas. Neste sentido, importante esclarecer que a tutela antecipada só era concedida em algumas ações com o rito especial, obviamente, desde que abrangessem os requisitos da previsão legal da época.[6]
Ainda, segundo GONÇALVES, com abrigo nesta teoria, resta claro que, com a reforma processual, buscou-se generalizar a possibilidade da concessão da antecipação da tutela, passando esta a figurar em qualquer processo de conhecimento, deixando de ser um privilégio restrito apenas as ações de rito especial, nas quais houvesse a possibilidade de concessão de tutela antecipada específica.[7]
Deste modo, e não tendo mais como conter o fenômeno de decisões provendo a concessão das medidas antecipatórias, e precisando regulá-las, foi instaurada uma reforma no Código Processual Civil para que tal lacuna fosse amplamente preenchida, com os devidos requisitos e limites para a concessão da tutela antecipada, fazendo que esta tivesse regramento próprio possibilitando a sua concessão dentro dos próprios autos do processo principal.[8]
Assim, ZAVASKI explica que, com o advento da reforma processual de 1994, consagrada pela Lei nº 8.952, foi dada pelo legislador uma nova redação ao artigo 273 do Código de Processo Civil[9]. Nesta nova redação, o legislador permitiu que, desde que presentes os requisitos estabelecidos no referido artigo, em qualquer processo, há a possibilidade de antecipar os efeitos da sentença definitiva de mérito.[10]
Entretanto, segundo o mesmo autor, desta vez o legislador teve o cuidado de disciplinar de forma procedimental própria e diversa das medidas cautelares, a fim de que fossem dizimadas todas e quaisquer dúvidas ocasionadas pela anterior discussão acerca dos dois institutos, e, com efeito, quando proferida a sentença, passou a garantir a reversibilidade da decisão que antecipou os efeitos da tutela pretendida. Nesta senda, passaram a tornar-se claras as características principais, e que apontam a dicotomia entre os institutos da antecipação de tutela e das medidas cautelares, quais sejam: o caráter satisfativo da tutela na primeira, e o assecuratório do direito na segunda.[11]
1.2. CONCEITO
Ao fazer uma breve análise da conceituação da antecipação de tutela, prevista no art. 273 do Código de Processo Civil, MAUX chega à conclusão que este instituto define-se como a concessão de um provimento liminar, através de decisão interlocutória, que, em caráter provisório, visa permitir ao requerente a fruição ao bem da vida perquirido. Ou seja, entrega, total ou parcialmente, a pretensão deduzida em juízo ou seus efeitos. Por esta razão, se torna uma tutela satisfativa no plano dos fatos. É também, direito subjetivo da parte, tendo em vista não se tratar de simples faculdade ou parcela do poder discricionário do juiz, não podendo ser deferida de ofício pelo mesmo, devendo julgador limitar-se ao deferimento ou não apenas do conteúdo do pedido.[12]
Assim, SILVA aduz que a conceituação de antecipação de tutela não pode limitar-se a afirmar que este instituto trata-se de decisão jurídica de natureza mandamental, portanto, que não faz coisa julgada material. Para a autora, as medidas antecipatórias tratam-se de decisões de mérito, com fundamento em novos conceitos de mérito e de jurisdição, alegando ainda que, com fulcro no art. 162, §1º c/c art. 269, I, do CPC, a decisão que antecipa os efeitos da tutela pretendida trata-se de sentença, tendo em vista que, ao analisarmos o conceito de sentença com fulcro no art. 162, bem como a definição do que é resolução de mérito, com fulcro no art. 269, I, chega-se à conclusão que o deferimento da antecipação de tutela, resolve um dos pedidos requeridos pelo autor, logo, parte do mérito da demanda.[13]
1.3. DOS PRESSUPOSTOS PARA A CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA
1.3.1. Da exigência legal de requerimento da parte e momento processual para tal requerimento.
Segundo HAAG, para que a tutela antecipada seja concedida, o requisito preliminar, devidamente incluído no rol do art. 273, do Código de Processo Civil, é o requerimento da parte. Tal pedido deve ser formulado essencialmente pelo autor, pois o pólo passivo da demanda não deve pedir a tutela jurisdicional, somente resistir à pretensão do autor. Neste sentido, cumpre salientar que, nas ações de natureza dúplice, como a reconvenção, por exemplo, é permitida a concessão da antecipação de tutela, muito embora o requerente seja o réu da ação principal. Tal fato é permitido em razão de que, na reconvenção, ele tem a oportunidade de postulação, ou seja, é ele quem terá a sua pretensão resistida. [14]
De outra banda, na visão de WAMBIER, podem propor a antecipação de tutela o assistente e o Ministério Público. No entanto, a antecipação dos efeitos da sentença atingirá somente as partes em lide, uma vez o assistente e o Ministério Público não são partes, e sim terceiros.[15]
Sendo assim, finaliza o doutrinador afirmando que, muito embora haja a hipótese do requerimento da antecipação de tutela ser formulado pelo assistente técnico e o Ministério Público, cumpre ressaltar que o requerimento do autor se mostra um pressuposto primordial para a concessão da tutela antecipada, haja vista que sem a provocação do autor, que é quem formula a pretensão, quem traça os limites e determina os contornos da lide, não há que se falar em antecipação dos efeitos da sentença.[16]
Já quanto ao momento processual em que deve ser feito o requerimento exigido pelo caput do art. 273 do Código de Processo Civil, ZAVASKI leciona que pode ser tanto através de pedido formulado na petição inicial ou no curso do processo (por simples petição). O pedido também pode ser requerido até mesmo na esfera recursal, “através de pedido de antecipação direcionado ao tribunal, a ser apreciado pelo órgão competente para o julgamento do recurso, ou ao relator, conforme dispuser o regimento interno”. Também restará o tribunal como responsável pelo julgamento do pedido de antecipação de tutela, nos casos em que a antecipação se fizer necessária após o julgamento da sentença, mas antes da remessa dos autos ao tribunal, conforme dispõe o art. 296 do Código de Processo Civil. [17]
Nesta senda, BAPTISTA DA SILVA leciona que a antecipação de tutela pode ser requerida após ser proferida a sentença de mérito, mesmo sendo esta desafiada por recurso de apelação, senão vejamos: “sendo em regra recebida a apelação no duplo efeito, pode muito bem ser antecipada a execução provisória”.[18]
Em casos excepcionais, como da execução de sentença e a execução de título extrajudicial, ZAVASKI entende que pode admitir-se a concessão da antecipação de tutela, tendo em vista que, em caso de oposição de embargos ou a apresentação de impugnação, os atos executórios ficarão suspensos, e pode surgir algum fato que venha a ensejar no pedido de antecipação de tutela, desde que preenchidos os requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil.[19]
1.3.2. Das formas de concessão da tutela antecipada
SILVA aponta em sua obra, que a tutela antecipada poderá ser concedida de três formas, quando no curso do procedimento: “a) inaldita altera parte; b) mediante audiência de justificação prévia; c) mediante a ouvida da parte contrária”.[20]
Desta forma, a mesma doutrinadora explica que a tutela antecipada inaldita altera parte é aquela concedida quando o réu sequer é ouvido, ou seja, antes da sua citação. Neste caso, o convencimento do juiz deverá levar em conta apenas os fatos alegados e a contundência das provas juntadas pelo autor, e que venham a convencer o juízo da veracidade de tais alegações, bem como quando houver risco de perecimento do direito, em razão da demora.[21]
A respeito do princípio da efetividade, principal fundamento para a concessão de antecipação de tutela inaldita altera parte, segue a lição de BAPTISTA DA SILVA:[22]
“Se supríssemos de um determinado ordenamento jurídico a tutela de aparência, impondo ao julgador o dever de julgar somente depois de ouvir ambas as partes, permitindo-lhes a produção de todas as provas que cada uma delas fosse capaz de trazer ao processo, certamente correríamos o risco de obter, no final da demanda, uma sentença primorosa no aspecto formal e assentada num juízo de veracidade do mais elevado grau, que, no entanto, poderia ser inútil, sob o ponto de vista da efetividade do direito reclamado pelo autor vitorioso”.
De outra banda, SILVA aponta que, em caso de dúvida do julgador quanto à prova produzida pelo autor ou até mesmo a verossimilhança das alegações que venham a trazer o risco de dano, pode ser designada uma audiência de justificação prévia. Nela o autor, através de prova testemunhal, deverá convencer o julgador que o risco de dano é iminente, razão pela qual deve ser concedida a medida requerida. Nada impede que o réu, tendo ciência da demanda, participe do procedimento. Todavia, a doutrinadora entende que o réu poderá apenas inquirir as testemunhas do autor e contradita-las, não podendo este arrolar testemunhas, bem como ser tomado seu depoimento pessoal, tendo em vista que objeto da audiência é apenas o deferimento da medida requerida pelo autor, não a instrução do processo, que se dará posteriormente.[23]
Por fim, ao lecionar sobre a ouvida da parte contrária, SILVA prossegue neste sentido:[24]
“Esta terceira hipótese não apresenta maiores problemas em razão do contraditório que se apresenta. Entretanto, a mesma só será concedida deste modo, se for possível aguardar – ou seja, se o tempo não comprometer a eficácia da medida – e, a ouvida do réu não comprometer o resultado útil do processo”.
1.4. DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA
1.4.1. Da existência de prova inequívoca
Conforme o entendimento de MAGADAN, antes do advento da Lei 8.952/94, que deu nova redação ao art. 273 do Código de Processo Civil, a antecipação de tutela era deferida de acordo com o regime estabelecido para as medidas cautelares, sendo que, o requisito eu podemos aplicar por analogia ao da prova inequívoca, era o da exposição sumária do direito ameaçado. Ainda, de acordo com o autor, antes da introdução da antecipação de tutela no ordenamento jurídico brasileiro, não havia exigência legal de alguma prova inequívoca para a concessão da medida cautelar, e, por óbvio, da tutela antecipada, quando ainda era regida pelo regramento das medidas cautelares. Sendo assim, uma vez preenchido o requisito da verossimilhança das alegações, dificilmente a medida era indeferida.[25]
MAGADAN prossegue, afirmando, contudo, que de acordo com a legislação vigente, a prova inequívoca tornou-se um requisito essencial para a concessão da tutela antecipada, na medida em que, para que o juiz se convença das alegações do autor, a prova apresentada deve ser robusta, revestida de verossimilhança, sendo esta extremamente necessária para o convencimento do julgador no momento processual em que a medida for a julgamento[26].
THEODORO JR., acerca da matéria, versa o seguinte: “Por prova inequívoca deve entender-se a que, por sua clareza e precisão, autorizaria, desde logo, um julgamento de acolhida do pedido formulado pelo autor (mérito), se o litígio, hipoteticamente, devesse ser julgado naquele instante”[27]
Todavia, para MANENTE, a prova inequívoca, como requisito para a concessão da antecipação de tutela, tem essa nomenclatura em razão do momento processual em que é apresentada, tendo em vista que após a instrução do processo a medida concedida pode ser revertida, inclusive com outras provas apresentadas pelo réu. Do contrário, se tal prova fosse suficiente para o julgamento da demanda, a decisão que anteciparia os efeitos da tutela pretendida seria um julgamento antecipado da lide.[28]
Nesta esteira, leciona CALMON DE PASSOS:[29]
“O que se deve entender por prova inequívoca? A prova, em si mesma, não tem qualificativos com conteúdo valorativo. Ela é a prova documental, testemunhal, pericial, etc. A força do convencimento nela existente é algo que menos nela se situa que no ‘pensar’ do magistrado a seu respeito, analisá-la. Assim, entendo que prova inequívoca é aquela que possibilita uma fundamentação convincente do magistrado. Ela é convincente, inequívoca, isto é, prova que não permite engano, quando a fundamentação que nela assenta é dessa natureza.”
Por fim, MARINONI ressalta que, nos casos em que a tutela antecipada é concedida antes da instrução da demanda, nada obsta que a prova que, naquele momento processual, é revestida de provável verdade, venha a ser impugnada posteriormente pelo réu e até mesmo desconsiderada na sentença, tendo em vista que podem sobrevir provas constituídas pelo réu que tenham maior presunção de verdade que as provas juntadas pelo autor.[30]
1.4.2. Verossimilhança das alegações
Segundo MARINONI, o requisito da verossimilhança é uma autorização dada ao julgador para decidir a concessão da antecipação de tutela com fundamento numa convicção calcada em uma aparência de verdade. No entanto, esta verdade aparente não pode se confundir com a certeza absoluta aceita ao final do procedimento em alguns casos de direito material. [31]
Neste sentido, o mesmo doutrinador entende o seguinte:[32]
“(..) a convicção de verossimilhança não decorre das necessidades do direito material e do caso concreto, mas sim de uma regra processual que parte da premissa de que ao juiz basta, para conceder a tutela antecipatória, a convicção de verossimilhança. Diante do art. 273 do Código de Processo Civil, portanto, o juiz está autorizado a decidir com base na convicção de verossimilhança preponderante. Decidir com base na verossimilhança preponderante, quando da tutela antecipatória, significa sacrificar o improvável em benefício do provável. E nem poderia ser diferente, mesmo que não houvesse tal expressa autorização, pois não há racionalidade em negar tutela a um direito que corre o risco de ser lesado sob o argumento de que não há convicção de verdade.”
Ainda, segue o mesmo autor:[33]
“(…) considerando o perigo na demora, que legitima a própria tutela antecipada fundada no art. 273, seria impossível exigir do juiz uma convicção de verdade neste caso, pois a fase de instrução sequer começou, cabendo ao réu comprovar posteriormente que a veracidade dos fatos alegados não é absoluta, forçando que o juiz, ao julgar o mérito, busque a certeza.”
Desta forma, entende-se que o legislador, no art. 273 do Código de Processo Civil, passou a autorizar o julgador a tutelar o direito tendo como um dos fundamentos para tal concessão, a verossimilhança, que nada mais é que uma verdade aparente no momento processual em que é definida a concessão da tutela antecipada.
1.4.3. Da possibilidade de reversão da medida concedida
Primeiramente, cumpre salientar que, segundo ZAVASKI, no tocante à reversibilidade da decisão que antecipa os efeitos da tutela pretendida, assim reza o § 2º do art. 273: “Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”. Neste caso, se demonstra claramente o caráter provisório da tutela antecipada, na medida em que, uma vez sendo irreversível a decisão que antecipa os efeitos da tutela, esta decisão também acarretaria na procedência da ação antes mesmo da sentença, tendo em vista que o provimento final se tornaria inócuo, e ainda, não seria respeitado principio da salvaguarda do núcleo essencial[34], bem como o mérito da demanda seria julgado antecipadamente sem oportunizar o contraditório ao réu.[35]
Com efeito, prossegue o autor afirmando que, muitas vezes, o conflito entre a segurança e a efetividade é grande. Neste caso, apenas um deles deve ser levado em consideração, tendo em vista que no caso de uma mercadoria perecível que está em um depósito alfandegário, por exemplo, a sua não-comercialização acarretaria em um enorme prejuízo ao autor. No entanto, uma vez comercializada, deixa de ser inspecionada. E mais, uma vez indeferida a antecipação de tutela neste caso, o perecimento do produto traria consigo a ineficácia do provimento final.[36]
De outra banda, importante esclarecer que o réu pode ser prejudicado, haja vista que o deferimento de plano da antecipação de tutela sem que o réu ofereça o contraditório, é fundado somente na verossimilhança dos fatos alegados pelo autor e o seu receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Neste caso, posteriormente, BAPTISTA DA SILVA alerta que poderá ser constatado que a verossimilhança de ambas as partes venha a ser equivalente. Todavia, se uma das partes apresentarem alguma alegação que tenha maior relevância para o ordenamento jurídico, será este o fundamento necessário para concessão ou não da medida, estando autorizado o julgador a sacrificar o interesse menos relevante.[37]
Repisando os argumentos supramencionados, LEITE se posiciona da seguinte maneira:[38]
“(…)ao escolher o direito do autor em detrimento ao direito do réu, ele estará prejudicando irreversivelmente o réu, para garantir a proteção de um direito apenas provável do autor, dado que a cognição probatória do processo não fora exauriente. Por isso, reiteramos a necessidade do juiz proceder com extrema cautela nesse tipo de antecipação de tutela, uma escolha sem grande cuidado poderá prejudicar um direito que de acordo com o princípio da proporcionalidade deveria ser tido como o mais relevante em prejuízo de outro secundário.”
Deste modo, MAGADAN conclui ao afirmar que: “ao juiz, é preferível evitar um prejuízo irreparável a um direito evidente do que proteger de um prejuízo irreparável a um direito que pareça improvável.” Ainda, importante esclarecer que a reversão versada aqui é apenas no plano dos fatos, não havendo que se falar na reversão da decisão mediante o recurso cabível. [39]
1.4.4. Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação
Mais um dos requisitos para a concessão da antecipação de tutela, é a existência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Ao citar Humberto Theodoro Junior em sua obra, SILVA explica que:[40]
“(…) simples inconvenientes da demora processual, dentro do sistema do contraditório e da ampla defesa, não podem, só por si, justificar a antecipação de tutela. É indispensável a ocorrência de risco de dano anormal, cuja consumação possa comprometer, substancialmente, a satisfação do direito subjetivo da parte”.
Neste sentido, MAGADAN assevera que o dano deve ser fundado no temor do autor em não ter a satisfação da tutela pretendida após o tempo em que esta levaria para se consumar com a demora do processo. Tal risco deve ser atual, iminente e objetivo, não restando espaço para eventual subjetividade do proponente ao demonstrar o dano que lhe foi causado.[41]
O mesmo doutrinador, ao exemplificar as duas situações que podem resultar em dano irreparável ou de difícil reparação, as demonstra da seguinte forma:[42]
“Na primeira, o prejuízo do credor não está no tempo que terá que aguardar para satisfazer seu crédito, mas na atitude do devedor em se desfazer dos bens que constituem a garantia, frustrando o futuro pagamento; na segunda, o perigo não está em eventual atitude do devedor em frustrar a satisfação futura do direito, mas na própria demora na satisfação do direito. No primeiro caso, o credor necessita de um instrumento que, sem antecipar a satisfação, garanta a satisfação futura; no segundo, o credor não necessita de um instrumento que garanta a satisfação, mas satisfaça imediatamente o direito.
Desta forma, na primeira situação, o perigo vem de um fato objetivo, ou seja, o não cumprimento da fatura sentença de procedência; na segunda, o perigo decorre de uma situação subjetiva, isto é, a sentença irá se cumprir em algum momento, mas em determinada situação particular do requerente exige que o cumprimento seja antecipado.”
GONÇALVES, ao versar sobre este leciona que “não basta um temor subjetivo da parte. É preciso que haja elementos subjetivos que levem ao conhecimento de que o dano ocorrerá ou se agravará. Se a tutela não for concedida.”.[43] Desta forma, não basta apenas que seja provada a verossimilhança da alegação, é necessário também que a demora na prestação jurisdicional venha a trazer um dano irreparável ao autor, com fundamento em elementos que tornem esse dano claro e iminente.
1.4.5. Abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.
Na hipótese do inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil, o juiz, convencendo-se da verossimilhança do direito do autor, ante a prova que o réu abusa do direito de defesa ou comporta-se com manifesto propósito protelatório, poderá antecipar os efeitos da tutela pretendida.[44]
Partindo da definição supra, SILVA afirma que a demora do processo só vem a prejudicar o autor, tendo em vista que o longo inadimplemento só vem a beneficiar o réu, que utiliza de todos os meios de defesa em direito admitidos para protelar o cumprimento da obrigação que o comando sentencial venha a lhe determinar. Em razão disto, o legislador buscou resguardar o autor para que este não reste prejudicado pela eventual demora na prestação jurisdicional ocasionada por atos protelatórios do réu ou abuso do seu direito de defesa.[45]
Assim, prossegue a autora, citando o inciso II, do art. 273 do Código de Processo Civil, e afirmando que tal dispositivo tem como escopo ser um instrumento que venha a corrigir eventual uso indevido do direito de postulação das partes. Todavia, o direito do réu ao contraditório não é tolido, tão somente são concedidos os efeitos da tutela pretendida ao autor em face da demora do processo ocasionada pelo réu. Neste caso, no entendimento do julgador, muito embora o réu apresente sua tese de defesa, tem uma menor probabilidade de êxito na demanda.[46]
Já ALMEIDA, leciona o seguinte[47]:
“Manifesto propósito protelatório do réu: embora esta modalidade de comportamento processual reprovável do demandado caracteriza, em geral, alguma forma de “abuso do direito de defesa”, o conceito de conduta protelatória é mais amplo, v.g., o advogado do réu, tendo produzido defesa pertinente, sem abusar do direito de defesa, posto que, defendendo-se legitimamente, evitou postular provas manifestamente desnecessárias ou inúteis, ou incidentes incabíveis, e, mesmo assim, procure reiteradamente evitar que as intimações se consumem ou retenha os autos em seu poder por tempo excessivamente prolongado. Nesta hipótese, não seria abuso do direito de defesa, mas, sim, propósito protelatório. Compondo-se os pressupostos do caput do artigo, estaria o juiz autorizado a antecipar os efeitos da tutela.”
Um exemplo, segundo a lição de SOUZA, é quando o réu requer a produção de prova pericial. Se neste caso, devidamente intimado para o pagamento dos honorários periciais, o réu silenciar por meses, sem efetuar o pagamento, pode o autor ter o requerimento de antecipação dos efeitos da tutela deferido, pois o réu está claramente retardando o andamento do feito. Outro exemplo clássico é o contínuo pelo ajuizamento de incidentes despropositados, reconvenção, impugnações, dentre outros.[48]
Com efeito, BAPTISTA DA SILVA leciona que o intuito do legislador ao incluir o inc. II, do artigo 273 do Código de Processo Civil, não foi punir a litigância temerária do réu, mas sim que o autor tem um grau de verossimilhança tão flagrante que se aproxima da certeza. Se o juiz já estava inclinado a atribuir certeza a essa verossimilhança do autor, a conduta protelatória ou abuso do direito de defesa do réu só virão a corroborar com o convencimento do julgador em assistir razão ao autor, tendo em vista que o réu não apresentou nenhuma contestação plausível. Assim, entende o autor que é daí que decorre a legitimidade da antecipação da tutela.[49]
Com o intuito de sanear quaisquer dúvidas, ALVIM afirma que a finalidade do presente requisito é a prestação jurisdicional efetiva, que visa coibir o réu de utilizar meios procrastinatórios, ou que use indevidamente o contraditório para protelar o bem da vida requerido pelo autor da demanda.[50]
1.5. Tutela antecipada de pedido incontroverso
Uma inovação ao procedimento da tutela antecipada trazido pela Lei nº 10.444/02, foi a antecipação de tutela de parcela incontroversa, prevista no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil, in verbis: “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.”[51]
ZAVASKI disserta brilhante sobre este tema ao afirmar que a esta antecipação de tutela dá-se nos casos que há, no curso da demanda, um pedido (ou uma parte) controverso e outro incontroverso é permitida a antecipação de tutela da parte incontroversa, não podendo a tutela antecipada ser controvertida pelas partes, verossímil para o magistrado, e não estando vinculado a qualquer questão prejudicial. Para o doutrinador, tal antecipação visa consagrar o princípio da efetividade[52], salvaguardado pela Carta Magna, considerando-se, em caso de cumulação de pedidos a antecipação dos efeitos somente daqueles, ou parcela destes, que restar incontroversa. Sendo o pedido alternativo, o devedor quem deverá escolher qual prestação será incontroversa, expressamente, ou tacitamente, quando não oferecer defesa. O que não acontece quando os pedidos são sucessivos, pois nestes serão antecipados apenas os efeitos do pedido principal, sendo este controverso, os do pedido acessório. Conclui o doutrinador, no que tange à efetivação da medida, que esta dar se á através da execução provisória (previstos nos artigos 461, 461-A e 475-O do Código de Processo Civil), não esquecendo que, por tratar-se de tutela antecipada de pedido incontroverso, a eventual reversibilidade da medida deve ser garantida através de caução idônea.[53]
Quanto aos requisitos, MAGADAN afirma que a tutela antecipada de pedido incontroverso, ao contrário das demais – tutela antecipada por risco de dano irreparável ou difícil reparação e tutela antecipada por abuso de direito ou manifesto propósito protelatório do réu – não necessita, para sua concessão, do perigo de dano. A doutrinadora chega a este entendimento, pelo fato de que, se fosse este o caso, a tutela antecipada seria concedida com fulcro no art. 273, I, do Código de Processo Civil. Todavia, necessita de requerimento, decisão fundamentada e possui idêntico caráter provisório, a ser definitivo ou revogado através da sentença de mérito. Desta maneira, ela aponta como requisitos para a concessão da tutela antecipada fundada no § 6º do art. 273, “a verossimilhança, gerada pela prova inequívoca, e a reversibilidade da medida.”[54]
1.6. Da Decisão e recurso cabível
Ao julgar o pedido de antecipação de tutela, ZAVASKI entende que o juiz estará (ou poderá estar) limitando o direito à segurança jurídica ou à efetividade da jurisdição. Prossegue ainda, aduzindo que tais motivos já seriam necessários para que o julgador, ao deferir a antecipação dos efeitos da tutela, deve demonstrar de modo claro e preciso, em decisão fundamentada, as razões do seu convencimento, com fulcro no § 1º do art. 273, do Código de Processo Civil. Contudo, alerta que os julgadores devem ter a mesma atenção quando indeferirem a concessão da medida, tendo em vista que a fundamentação da decisão é imperativo constitucional, com fulcro no art. 93, IX, da Constituição Federal.[55]
Na maioria dos casos, WAMBIER aponta que a natureza da decisão que defere ou não os efeitos da tutela antecipada é a decisão interlocutória. Ou seja, é através de decisão no curso do processo, que é decidido o incidente em questão. Prossegue o doutrinador, afirmando que o recurso cabível para a reversão da decisão que antecipa ou não os efeitos da tutela pretendida é o agravo de instrumento, pois, mesmo a regra sendo o agravo na forma retida, o art. 522 do Código de Processo Civil tem como uma das hipóteses em que é permitida a interposição de agravo de instrumento, os casos em que houver lesão de grave ou difícil reparação. Outrossim, não há que se falar em agravo retido para a concessão de tutela antecipada indeferida pelo juízo a quo, na medida em que este não tem em seu bojo um dos elementos essenciais do pedido de antecipação de tutela, que é a urgência, em razão do recurso em questão aguardar, desde a sua interposição, o julgamento do recurso de apelação, na forma do art. 523, do Código de Processo Civil. [56]
1.7. DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA ESPECÍFICA, PREVISTA NO § 3º DO ARTIGO 461 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Segundo GUERRA, igualmente com o advento da Lei nº 8.952/94, assim como o art. 273, foi introduzido ao ordenamento jurídico o artigo 461 do Código de Processo Civil, que prevê a tutela específica nas obrigações de fazer e não fazer. Prossegue o doutrinador, lecionando que, com a inovação trazida pela Lei nº 10.444/02, foi introduzida também, através do art. 461-A do Código de Processo Civil, a tutela específica para as obrigações de entregar coisa certa.[57]
Neste sentido, SPADONI, ao esclarecer a natureza jurídica do art. 461, assevera o seguinte:[58]
“A tutela inibitória vem da necessidade de dar efetividade aos valores e direitos fundamentais elencados na Constituição Federal, em grande parte de cunho não patrimonial, relacionados à dignidade da pessoa humana, como por exemplo, os direitos da personalidade, o direito ao meio ambiente e o direito do consumidor, quase sempre vinculados a obrigações de fazer ou não fazer, e aos quais a sanção indenizatória é absolutamente impertinente.”
Para ALVIM, com a edição da Lei nº 8.952/94, havia uma lacuna na disciplina do art. 461 do Código de Processo Civil e a disciplina da execução das obrigações de fazer ou não fazer, que por sua vez foi corrigida com a edição da Lei nº 10.444/02, através dos §§ 4º e 5º do referido artigo. A fim de elucidar mais ainda o procedimento executivo deste tipo de demanda, foi a Lei 11.232/05 que introduziu o art. 475-I do Código de Processo Civil, que dispõe que “o cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A desta lei”. [59]
Para NERY JR. E NERY, das hipóteses previstas no art. 461 do Código de Processo Civil surge um provimento de eficácia executivo-mandamental[60], que abre a possibilidade de requerimento de antecipação de tutela, e, por conseqüência, também autoriza a expedição de mandado para execução específica e provisória da tutela de mérito ou um de seus efeitos.[61]
Ainda, há de ressaltar que a tutela antecipada genérica, prevista no art. 273 do Código de Processo Civil, contempla apenas três cargas eficaciais de sentença: condenatória, constitutiva e declaratória[62]. No entanto, de acordo com o entendimento vigente proposto há muito tempo através da teoria quinária de PONTES DE MIRANDA[63] aduz que há cinco cargas eficaciais de sentença. Portanto, restam à antecipação de tutela específica às ações mandamentais e executiva lato sensu[64]. Ainda, a tutela específica pode ser requerida através do rito sumário ou ordinário, posto que a natureza da sentença não se modifica em razão do rito adotado. Outro detalhe é que a tutela específica introduziu as medidas coercitivas previstas nos §§ 4º e 5º do art. 461. Ademais, tal ação sobreveio como uma exceção ao princípio da congruência ou adstração[65].
Assim, BAPTISTA DA SILVA leciona sobre esta outra espécie de antecipação de tutela no ordenamento jurídico brasileiro, a específica, prevista no § 3º do art. 461 do Código de Processo Civil. No entanto o doutrinador afirma que esta não é nenhuma novidade, tendo em vista que já havia previsão legal ipsis litteris no art. 84, §3º do Código de Defesa do Consumidor, dispositivo este que, por seu turno, era fundado nas demandas coletivas consumeristas. Há que se ressaltar ainda, que a tutela antecipada específica aplica-se tanto às obrigações de fazer ou de não fazer, quanto à obrigação de entregar coisa[66].[67]
1.7.1. Requisitos para a concessão da tutela antecipada específica e a subsidiariedade com os requisitos da tutela antecipada genérica
Segundo SILVA, os requisitos para a concessão da tutela antecipada específica, prevista no § 3º do art. 461 do Código de Processo Civil são apenas dois: o risco de ineficácia do provimento final e o relevante fundamento da demanda.[68]
Desta forma, leciona a doutrinadora supra da seguinte maneira acerca dos dois requisitos:[69]
“A relevância dos fundamentos da demanda nada mais é do que a probabilidade do direito estar ao lado daquele que pretende o provimento antecipatório. Já o risco de ineficácia do provimento final está relacionado com o perigo da demora e não com o perigo de dano, pois, a tutela antecipada específica não é uma tutela destinada à prevenção de um dano, mas sim de um ilícito. Não é demasiado referir, que o termo prevenção pode ser utilizado com duas acepções: evitar que o ilícito ocorra ou cessar com o ilícito.”
Nesta esteira, THEODORO JR. leciona que não há uma dicotomia tão grande entre as hipóteses de antecipação de tutela prevista nos arts. 461 §3º e 273 do Código de Processo Civil, na medida em que o art. 273 exige que o autor apresente prova inequívoca que leve o julgador a interpretar que haja verossimilhança nos fatos alegados, bem como comprove que há perigo de dano de difícil reparação, sendo tais efeitos antecipáveis plenamente reversíveis. Ao passo que o § 3º do art. 461, traz como requisitos para a concessão da tutela antecipada, a relevância do fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento final. Para o doutrinador falar em relevância do fundamento não é outra coisa que “exigir-se a verossimilhança de tudo o que arrola o autor para pretender a tutela jurisdicional. Não há, portanto, diferença profunda, no aspecto do fumus boni iuris, entre o art. 273 e o art. 461”. Quanto ao risco de dano grave e de difícil reparação, previsto no art. 273 é justamente o fundado temor de que o provimento final se torne ineficaz, caso a medida do §3º do art. 461 não seja antecipada.[70]
Com efeito, SILVA busca em sua obra fazer alguns questionamentos acerca da aplicação subsidiária ao art. 273 aos artigos 461 e 461-A, bem como quais os requisitos seriam válidos para a antecipação de tutela – os do § 3º do artigo 461 ou os do art. 273 – caso todos os referidos artigos fossem aplicados subsidiariamente. Neste sentido, asseverou:[71]
“Em sendo o artigo 461-A mais amplo, parece evidente aplicar subsidiariamente ao artigo 273 todo o artigo 461, nos pontos com ele compatíveis. Assim os requisitos específicos para a concessão da tutela antecipada (prova inequívoca, verossimilhança, perigo de dano irreparável, manifesto propósito protelatório do réu) devem ser observados, com a necessária flexibilização que a eles necessita se dar. Todavia, o magistrado dispõe de todas as medidas coercitivas previstas no § 5º deste dispositivo legal, podendo inclusive impor medida que implique no resultado prático equivalente ao pleiteado em juízo Também parece inequívoca a possibilidade, neste caso, da modificação da multa pecuniária fixada por dia de atraso (aplicação subsidiária do § 6º). Se o artigo 461 aplica-se subsidiariamente ao art. 273 é evidente que o legislador vislumbrou uma correlação muito grande entre os mesmos, que realmente existe, tendo em vista que ambos os dispositivos legais tratam de antecipação de tutela. Se todos os dispositivos tratam de antecipação de tutela, obviamente os requisitos para a sua concessão devem ser os mesmos, não devendo haver variação. Não há porque tratar-se diferenciadamente a antecipação de tutela para casos que são similares, até porque o art. 273 é norma de caráter genérico e os artigos 461 e 461-A são específicos. Logo deverão ser os últimos (461 e 461-A) que devem estar em consonância com o primeiro.”
Ademais, importante destacar que a tutela antecipada específica detém a aplicação de medidas coercitivas para que se exija o cumprimento da obrigação[72]. ALVIM leciona que o escopo do legislador foi possibilitar a execução específica da obrigação de fazer e não fazer, bem como a de entregar coisa, razão pela qual autorizou a imposição de multa[73], bem como ainda a imposição de medidas sub-rogatórias[74], ambas de ofício se necessário, para que seja obtida a tutela antecipada específica deferida. Desta forma, tais provimentos levam o conhecimento e execução na mesma relação processual, o que por muitos doutrinadores é denominada de ação sincrética.[75]
Por fim, imperioso salientar o entendimento de ZAVASKI, ao aduzir que, à antecipação de tutela de obrigação de fazer e não fazer, aplicam-se, subsidiariamente ao art. 461 do Código de Processo Civil, as normas que regulam a tutela antecipada genérica. E, por sua vez, ao regime do art. 461-A – “no que se refere aos amplos meios executivos postos à disposição do juiz para a efetivação da medida antecipatória e da sentença final” – submete-se a tutela específica de entregar coisa, prevista no art. 461-A, tendo em vista que possui natureza executiva lato sensu.[76]
1.8.DICOTOMIA ENTRE OS INSTITUTOS DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA E DAS MEDIDAS CAUTELARES
Ao analisar os institutos da antecipação de tutela e das medidas cautelares, ALVIM entende que é de suma importância ressaltar que, embora as tutelas de urgência tenham procedimentos distintos, tem o mesmo fundamento constitucional. Ou seja, além de ambas objetivarem uma garantia de prestação jurisdicional eficaz, são tutelas de urgência que tem como arrimo o risco de ineficácia do provimento final, e que visam a dar efetividade aos princípios constitucionais do acesso à justiça[77], e em contrapartida, o do devido processo legal[78].[79]
Para ALVIM, a tutela cautelar e a antecipação de tutela, sempre que fundada no inciso I do art. 273, do Código de Processo Civil, são as denominadas tutelas de urgência. O que há de semelhante nos dois institutos é que o julgador, com fundamento na cognição sumária da lide, prolata uma decisão que tem o condão de buscar a efetividade da demanda, sendo que ambas tem como características principais, respectivamente, a provisoriedade e temporariedade[80]. Sendo assim, resta claro que as tutelas de urgência serão sempre fundadas em uma cognição não exauriente, tendo em vista que, ao adotar tal procedimento, o julgador visa impedir que a relativa demora na duração demanda venha a prejudicar a sua efetividade. Ou seja, em ambos os institutos, as decisões deverão observar a possibilidade de reversibilidade da medida concedida[81].
No entendimento de ZAVASKI, muito embora hajam similitudes entre ambos os institutos, especialmente quanto à sua forma e função constitucional, eles são distintos tecnicamente, pois o procedimento adotado pelo legislador faz com que não restem dúvidas quanto à finalidade de cada um.[82]
ZAVASKI prossegue, afirmando que as situações de risco a prestação da tutela definitiva, no caso das medidas cautelares, se darão nos seguintes casos:
“(…) há casos em que apenas a certificação do direito está em perigo, sem que sua satisfação seja urgente, ou que sua execução esteja sob risco; há casos em que o perigo ronda a execução do direito certificado, sem que sua certificação esteja ameaçada ou que sua satisfação seja urgente. Em qualquer de tais hipóteses, garante-se o direito sem satisfazê-lo.”
No entanto, no caso da antecipação de tutela genérica, ZAVASKI aponta, com propriedade, que nem a certificação nem a execução estão em perigo, todavia, a demora do processo até o seu provimento final é o principal fundamento para a o deferimento da medida, uma vez que o perigo da demora se torna o elemento principal que dará legitimidade ao pedido.[83]
Vistos os casos que desencadeiam no requerimento e que dão legitimidade ao pedido das tutelas de urgência, é pertinente que se faça uma distinção clara entre ambas, e que aponte a dicotomia trazida pela inovação proposta pela reforma processual, através da Lei 8.252/94, que modificou a redação do art. 273 do Código de Processo Civil, distinguindo a antecipação de tutela genérica, das já existentes medidas cautelares.
Com efeito, a fim de elucidar esta diferença, SILVA, ao comparar as medidas cautelares com a tutela antecipada, aponta que, a primeira, possui as seguintes características:[84]
“a) autonomia procedimental; b) assegura direitos sem jamais satisfazer; c) temporariedade; d) segurança da execução; e) risco de dano iminente. Já quanto à antecipação de tutela a doutrinadora aponta as seguintes características: a) não possui autonomia procedimental; b) antecipa os efeitos da sentença final; c) provisoriedade; d) execução para segurança e) perigo de dano irreparável.”
Desta maneira, WAMBIER aponta que a distinção entre as tutelas de urgência, após a nova redação dada ao art. 273 do Código de Processo Civil, restou clara, pois esta dicotomia dá-se na medida em que as cautelares têm o condão de evitar, ou até mesmo minimizar, o risco de ineficácia do provimento final, e a medida cautelar é objeto de ação separada, que pode ser ajuizada antes da ação principal ou no seu curso. Ao passo que a tutela antecipada busca, desde logo, demonstrar, forçando decisão interlocutória dentro da ação principal, que o direito é flagrante, razão pela qual o mesmo deve ser concedido o quanto antes e tutelado de forma especial pelo sistema, e, não menos importante, com o objetivo de assegurar também a eficácia do provimento final.[85]
Por fim, outro critério utilizado por WAMBIER para distinguir as tutelas de urgência é o da providência urgente. Através deste critério presume-se que, com a antecipação de tutela, há a antecipação total ou parcial da providência que seria tomada através do provimento final. Já na medida cautelar, é deferida a concessão de uma providência com o escopo de preservar uma determinada situação até que seja proferida a sentença, e a referida providência, não se confunde com aquela que será outorgada pelo provimento final. Daí decorre o entendimento que a medida cautelar será aquela na qual é concedida determinada providência necessária para assegurar a eficácia do processo principal ou da sentença deste processo. [86]
2 – DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO
2.1. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO INSTITUTO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, PREVISTA NOS ARTIGOS 273 e 461 § 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AO PROCESSO TRIBUTÁRIO.
Inicialmente, cumpre mencionar a lição de MACHADO, que assevera que “como não temos leis processuais específicas para a solução dos conflitos entre o fisco e o contribuinte, o processo judicial tributário regula-se pelo Código de Processo Civil, salvo no que diz respeito à execução fiscal e à cautelar fiscal”. [87]
Quanto às ações tributárias em que é possível a antecipação de tutela, JUNIOR entende que a medida pode ser concedida nas ações em que se discuta “a nulidade da constituição do crédito tributário, o direito à compensação de valores antecipados no regime de substituição tributária progressiva (art. 150 § 7º da Carta Magna) e a declaração de inexistência de relações jurídico-tributárias.” [88]
Sendo assim, JUNIOR entende que, desde que não haja nenhum impedimento previsto na Lei nº 9.949/97, é possível a concessão de antecipação de tutela prevista nos arts. 273 e 461 § 3º contra a Fazenda Pública, desde que presentes os requisitos para a sua concessão. Ou seja, desde que haja prova inequívoca ou que seja relevante o fundamento da demanda, que haja verossimilhança da alegação, fundado receio de dano ou risco de ineficácia do provimento final, atos procrastinatórios da Fazenda e não haja perigo de irreversibilidade da decisão, a antecipação de tutela pode ser deferida.[89]
2.2. DA FAZENDA PÚBLICA EM JUÍZO
CUNHA aponta que Fazenda Publica é o conjunto de órgãos da Administração Pública destinados à arrecadação e à fiscalização de tributos, bem como à guarda dos recursos financeiros e títulos representativos de ativo e de direitos do Estado. É responsável também pela fixação e implementação de políticas econômicas. “Em outras palavras, Fazenda Pública é expressão que se relaciona com as finanças estatais, estando imbricada com o termo Erário, representando o aspecto financeiro do ente público”.[90]
Prossegue o doutrinador conceituando a Fazenda Pública, quando tal nomenclatura for atribuída em juízo. Senão vejamos:[91]
“O uso freqüente do termo Fazenda Pública fez com que se passasse a adotá-lo num sentido mais lato, traduzindo a atuação do Estado em juízo; em Direito Processual, a expressão Fazenda Pública contém o significado de Estado em juízo. Daí por que, quando se alude à Fazenda Pública em juízo, a expressão apresenta-se como sinônimo do Estado em juízo ou do ente público em juízo, ou, ainda, da pessoa jurídica de direito público em juízo.
Na verdade, a expressão Fazenda Pública representa a personificação do Estado, abrangendo as pessoas jurídicas de direito público. No processo em que haja a presença de uma pessoa jurídica de direito público, esta pode ser designada, genericamente, de Fazenda Pública.(…)
Quando a legislação processual utiliza-se do termo Fazenda Pública está a referir-se à União, aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e a suas respectivas autarquias e fundações.”
Conforme demonstra ALVIM, a Fazenda Pública desfruta de diversas prerrogativas processuais na legislação, dentre elas destacam-se:[92]
“a) Art. 188 do Código de Processo Civil concede prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública;
b) Art. 475 do Código de Processo Civil em cujo inciso I se dispõe que as sentenças proferidas contra a Fazenda Pública e autarquias respectivas, bem como as fundações de direito público, ficarão sujeitas ao reexame necessário;[93]
c) Art. 730 do Código de Processo Civil que disciplina de forma específica e diferenciada a execução por quantia certa contra a Fazenda Pública. Este último preceito dá efetividade no plano infraconstitucional ao artigo 100 da Constituição Federal.”
Nesta senda, ZAVASKI ainda aponta ainda mais algumas prerrogativas, tais como: o arbitramento dos honorários sucumbenciais, que deverão ser calculados por critério próprio, fulcro no § 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil; o procedimento especial da ação de execução por quantia certa, na forma do art. 730 do Código de Processo Civil; o procedimento da ação de execução fiscal movida pelo erário para haver seus créditos, na forma da Lei nº 6.830/80, bem como na ação de arresto, quando estiverem no pólo ativo, podem mover medida liminar mesmo sem justificação prévia, com fundamento no art. 816, I, do Código de Processo Civil.[94]
Muito se questionou acerca da constitucionalidade das normas supramencionadas, tendo em vista que haveria uma quebra ao princípio constitucional da isonomia, previsto no caput do artigo 5º da Carta Magna[95]. No entanto, MANENTE[96] discorda deste entendimento Senão vejamos:
“No direito atual, prerrogativas e privilégios só podem admitir-se, por exceção, em razão da diversidade de posições subjetivas assumidas no ordenamento jurídico. Exceções que são ao regime comum, as prerrogativas e privilégios se distinguem, porquanto estes são instituídos visando à proteção de interesses pessoais, e aqueles decorrem do interesse público. Resulta daí a prerrogativa irrenunciável”.
Ainda, MANENTE assevera que, atualmente, há uma grande insuficiência de procuradores públicos, aliada a falta de servidores, bem como a burocracia entre os meios de comunicações externos. Todos estes fatores acabam sendo preponderantes para que a Fazenda Pública, por vezes, leve dias para cumprir os seus prazos processuais. Por esta razão, decorre a necessidade dos prazos com decurso maior para a prática dos atos processuais em sua defesa, sem que, por seu turno, seja ferido o princípio da isonomia, tendo em vista que a isonomia é o real objetivo destas prerrogativas processuais. Imperioso ressaltar que o legislador deve observar que, esta igualdade material proposta, deve sempre respeitar os princípios da racionalidade e razoabilidade.[97]
Por fim, MORAES entende que o fato da Fazenda Pública tutelar o interesse da coletividade, já é motivo suficiente para que ela ostente esta condição diferenciada das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. O doutrinador assevera ainda, que quando a Fazenda Pública está em juízo, ela está defendendo o erário, ou seja, é a contribuição de toda a sociedade que está sob responsabilidade da Fazenda Pública. Desta maneira, quando a Fazenda Pública é condenada, o que estará sendo protegido é o erário. É em razão disto, para proteger o montante arrecadado, é que advém o interesse da coletividade, razão pela qual é necessário o tratamento diferenciado à Fazenda Pública em nome do interesse de todos. Como muitos dizem, e é errado, não há que se falar em privilégios a Fazenda Pública e sim prerrogativas processuais conferidas aos entes públicos em razão da aplicação do princípio da isonomia.[98]
2.3. DAS VEDAÇÕES À CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA PREVISTAS NAS LEIS Nº 8.437/92 E 9.494/97.
Uma vez que é possível a antecipação de tutela entre particulares, não haveria que se falar em óbice de tal medida em face da Fazenda Pública, dentre outros motivos, em razão dos direitos à efetividade e tempestividade da tutela jurisdicional. Nesta seara, segue o notável ensinamento de MARINONI:[99]
“De qualquer forma, é oportuno voltar a ressaltar que o direito à efetividade e à tempestividade da tutela jurisdicional é constitucionalmente garantido. O direito de acesso à justiça, albergado no art. 5º, XXXV, Da Constituição Federal, não quer dizer apenas que todos têm o direito a recorrer ao Poder Judiciário, mas também quer significar todos têm direito à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva.
Ora, se o legislador infraconstitucional está obrigado, em nome do direito à tutela jurisdicional efetiva, a prever tutelas que, atuando internamente no procedimento, permitam uma efetiva e tempestiva tutela jurisdicional, ele não pode decidir, em contradição ao próprio princípio da efetividade, que o cidadão somente tem direito à tutela efetiva e tempestiva contra o particular.”
Entretanto, ALVIM leciona que, com a utilização das ditas cautelares satisfativas para a concessão de tutela antecipada, uma vez que na época tal medida não possuía regramento próprio, foi introduzida no ordenamento a Lei nº 8.437/92, a qual tinha o escopo de vedar a antecipação de tutela através das medidas cautelares. Todavia, com o advento da Lei nº 8.952/94, a norma de vedação imposta pela Lei nº 8.437/92 passou a não ter eficácia plena, haja vista que a antecipação de tutela passou a ter regramento próprio diverso das medidas cautelares.[100]
Diante do acima exposto, e com o intuito de frear as concessões de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, MARINONI aponta que sobreveio a Lei nº 9.494/97, a qual estabeleceu em seu artigo 1º que “aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil, o disposto nos arts. 5º e seu § único e 7º da Lei 4.348/64[101], no art. 1º e seu § 4º da Lei 5.021/66[102], e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei 8.437/92[103]”.[104][105]
Sendo assim, o artigo 1º da Lei nº 9.494/97 tornou-se o regramento que apontará as diretrizes e esclarecerá em quais situações será possível a concessão da tutela antecipada em face da Fazenda Pública. Neste sentido, em breves palavras, CUNHA – ao aponta claramente quais são as situações em que se faz valer o conteúdo restritivo do art. 1º da Lei nº 9.494/97, quais sejam:[106]
“O exame dos diplomas legislativos mencionados no preceito em questão evidencia que o Judiciário, em tema de antecipação de tutela contra o Poder Público, somente não pode deferi-la nas hipóteses que importem em: (a) reclassificação ou equiparação de servidores públicos; (b) concessão de aumento ou extensão de vantagens pecuniárias; (c) outorga ou acréscimo de vencimentos; (d) pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público ou (e) esgotamento, total ou parcial, do objeto da ação, desde que tal ação diga respeito, exclusivamente, a qualquer das matérias acima referidas”
Assim, CUNHA assevera – ao citar o voto do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, proferido na Reclamação n.º 1.514-9 – que, uma vez esclarecidos os casos em que é não é possível a concessão de tutela antecipada previstos na Lei nº 9.494/97, não há que se falar em óbice à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública no processo tributário por força da lei supramencionada, obviamente, desde que preenchidos os requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil.[107]
2.3.1. Suspensão dos efeitos executivos da tutela antecipada em face da Fazenda Pública, prevista no art. 4º da Lei nº 8.437/92.
Conforme já mencionado nos tópicos anteriores, por força do artigo 1º da Lei nº 9.494/97, aplica-se a tutela antecipada o art. 4º da Lei nº 8.437/92. Tal artigo dispõe o seguinte:
“Art. 4º Compete ao presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, poderá suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e a economia pública.”
Da lição de ZAVASKI extrai-se o entendimento que, a exemplo das liminares proferidas em mandado de segurança e em ações cautelares contra o Poder Público, o pedido de suspensão não tem natureza recursal, uma vez que através dele não é requerida a reforma nem a anulação do ato judicial. Desta forma, o pedido é uma medida excepcional que terá apenas o condão de suspender a execução da tutela antecipada em matéria tributária, com fundamento em interesses superiores de altos valores albergados pela norma, devendo “ser aplicado com parcimônia e à base de interpretação estrita, dada essa sua peculiar natureza”.[108]
JUNIOR, ratificando o entendimento supramencionado, prossegue, afirmando que o presidente do tribunal não deverá remeter-se a decisão que deferiu a antecipação de tutela, permanecendo esta inalterada, intacta. A exceção a esta regra pode dar-se quando houver uma flagrante ilegitimidade de ordem formal. O despacho acerca do pedido de suspensão da execução da medida deverá sempre ser fundamentado com o escopo de demonstrar o manifesto interesse público, bem como a probabilidade de grave lesão à economia pública. Esta decisão de suspensão terá eficácia até o trânsito em julgado da decisão de mérito da ação principal, conforme preconiza o § 9º do art. 4º da Lei nº 8.437/92.[109]
Diante de tais fatos, MANENTE entende que: “Infelizmente, prevalecendo tal posicionamento, inclusive por força de lei, estamos diante de uma distorção de tal monta, que tem o condão de desvirtuar a tutela antecipada, tornando-a imprestável para atingir a efetividade que se pretende”.[110]
2.4. DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA E O REEXAME NECESSÁRIO, PREVISTO NO ARTIGO 475 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Um dos questionamentos quanto à possibilidade de concessão de tutela antecipada em face da Fazenda Pública se dá em razão de ser o reexame necessário uma das prerrogativas do erário em juízo. Entretanto, a previsão legal do reexame necessário[111], aponta que tal hipótese será aplicada apenas quando a decisão tratar-se de sentença de mérito.
Por seu turno, WELSCH assevera que, em razão do regime da tutela antecipada permitir sua concessão no curso do processo, ou seja, através de decisão interlocutória, não há que se falar em indeferimento em razão da necessidade do duplo grau de jurisdição, tendo em vista que um dos requisitos da concessão da antecipação de tutela é a reversibilidade da decisão, podendo esta ser revogada a qualquer tempo, conforme previsão legal dos artigos 273 §§ 2º e 4º, e 461 § 3º do Código de Processo Civil. Ademais, imperioso salientar que o que está sujeita ao duplo grau de jurisdição é a sentença de mérito, não as decisões interlocutórias. Para a doutrinadora, os magistrados que entendem ser o reexame necessário um óbice à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, estão fazendo uma interpretação extensiva e equivocada do art. 475 do Código de Processo Civil, quando por eles deveria ser feita uma interpretação sistemática, com a devida observância ao princípio da efetividade.[112]
Nesta esteira, leciona ALVIM:[113]
“Por outras palavras, afigura-se-nos perfeitamente possível compatibilizar a idéia de reexame necessário com a efetivação imediata da antecipação de tutela via decisão interlocutória ou concedida na sentença. Deveras, seja no caso de antecipação de tutela concedida por decisão interlocutória e ulterior sentença de procedência, seja no caso de a antecipação dar-se na própria sentença, o certo é que a tutela poderá ser implementada, pois nem a apelação voluntária da Fazenda, tampouco a remessa necessária, terão o condão de impedir que isso ocorra”.
Compartilhando deste entendimento, importante ressaltar a lição de CARNEIRO:[114]
“Poder-se-á superar tal argumento pela consideração de que a imposição do duplo grau de jurisdição refere-se apenas às sentenças porque apenas estas possuem aptidão, exatamente pela prévia cognição exauriente, de adquirir o selo da imutabilidade pelo trânsito material em julgado (art. 467); destarte, constitui valiosa garantia para o erário que esta peculiar eficácia somente seja adquirida após a apreciação da causa não só no juízo monocrático, como também no juízo colegiado. (…)
Já a antecipação de tutela, esta é concedida através de decisão interlocutória, de caráter provisório, modificável ou revogável pelo juiz que a proferiu, e cuja eficácia pode ser igualmente suspensa pelo presidente do tribunal, concorrendo com as circunstâncias previstas no art. 4º da Lei 8.437, de 30.06.1992 (cuja incidência foi tornada explícita pelo art. 1º da Lei 9.494, de 30.06.1997).”
Nesta esteira, ALVIM cita um exemplo aplicável ao processo tributário. Senão vejamos:[115]
“Figuremos, por exemplo, a hipótese de uma ação anulatória de débito fiscal. A conseqüência que emergirá da procedência da ação será a extinção do crédito tributário (CTN, art. 156, inc. X). Se o contribuinte, na pendência da ação, tiver pedido e obtido decisão antecipatória de tutela para o fim de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, inc. V), essa situação – suspensão da exigibilidade – perdura, em caso de procedência da ação, até o julgamento da apelação pelo tribunal ad quem. Vale dizer, enquanto pende a apelação (ou mesmo a simples remessa ex officio), não há falar-se em extinção, mas a exigibilidade permanece suspensa, obstando a deflagração de execução fiscal.”
Desta feita, muito embora haja sentença de mérito confirmando a tutela antecipada, ou até mesmo haja deferimento de tal medida no bojo do comando sentencial, entende ALVIM que o reexame necessário não será um fato impeditivo, pois, uma vez que é permitida a concessão da tutela antecipada quando é atribuído efeito suspensivo à apelação, resta claro que o reexame necessário não seria entrave para a concessão da medida. Além disto, a decisão interlocutória não está prevista no art. 475 do Código de Processo Civil, portanto, não está sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório.[116]
2.5. DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA E O REGIME DOS PRECATÓRIOS, COM FULCRO NO ARTIGO 100, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Para ALVIM, não será cabível a antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, sempre que houver condenação em dinheiro. Tal impossibilidade, na visão do doutrinador, tem abrigo na exigência constitucional de que todos os pagamentos efetuados pelo Poder Público devem ser realizados mediante precatório[117], em ordem cronológica, com fulcro no art. 100 da Constituição Federal de 1988[118]. Prossegue ainda, afirmando que não será possível a concessão de antecipação de tutela na ação de repetição de indébito tributário, por exemplo.[119]
No entanto, MANENTE, ao citar Marcelo Salles Annunziata, assevera que nas ações em que envolvam pagamento de valores por parte da Fazenda Pública, “nada impede que seja concedida a tutela antecipatória, e que já se inicie a execução provisória, com a correspondente expedição de precatório e depósito, à disposição do Juízo, do valor eventualmente devido pelo Poder Público.”[120]
Todavia, o que extrai-se de ambos entendimentos é que o regime de precatórios é uma medida lenta e inadequada para a efetivação de tutela antecipada, tendo em vista que, sendo possível a concessão de tal medida, ela perde o escopo, em face da demora do Poder Público para efetuar o pagamento. Ainda, se possível a antecipação de tutela, tal deferimento burlaria a ordem de pagamento dos precatórios, o que de fato é inconstitucional, uma vez que a ordem de pagamento encontra-se positivada na Carta Magna. Para que seja efetivada a antecipação de tutela através de precatório, BARROS propõe que o precatório seja emitido tão logo seja concedida a medida antecipatória. Caso o precatório estiver disponível para pagamento antes do trânsito em julgado, o valor ficará à disposição do Juízo aguardando a decisão de mérito. Por seu turno, se a decisão já tiver transitado em julgado, o valor será imediatamente liberado.[121]
Por fim, MANENTE conclui que a antecipação de tutela pode ser deferida nos casos de ação de repetição de indébito tributário, desde que estejam presentes os requisitos para a concessão da medida, deve ser analisado pelo julgador o bem da vida perquirido, bem como risco de lesão a ambas as partes sopesando com razoabilidade e proporcionalidade, visando aplicar a melhor solução ao caso concreto.[122]
2.6. DA POSSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADACONTRA A FAZENDA PÚBLICA PARA A SUSPENSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIONA FORMA DO ARTIGO 151, V, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
Inicialmente, MARINS afirma que, antes mesmo que houvesse norma permitindo a sua concessão, já era possível antecipar os efeitos da tutela pretendida. Isto porque, na visão do doutrinador, os magistrados concediam diversas tutelas antecipadas, seja em sede de mandado de segurança ou de ação cautelar (conforme explicado no item 1.1, com as cautelares satisfativas). Demonstra MARINS, como exemplo, hipóteses em que o mandado de segurança era impetrado com o escopo de suspender a exigibilidade de tributo aduzido como inconstitucional. Neste caso, urge a necessidade de que seja provido o pedido do autor, dada a aplicação de norma tributária maculada pela inconstitucionalidade.[123]
ZAVASKI corrobora o entendimento supramencionado, afirmando que as liminares em mandado de segurança, têm semelhante natureza antecipatória àquela prevista no art. 273, I, do Código de Processo Civil, dado o conteúdo dos pressupostos para admissibilidade de ambos os procedimentos. Para o doutrinador, a relevância do fundamento da demanda e risco de ineficácia da medida se assemelham com a verossimilhança da alegação e receio de dano irreparável. Prossegue ainda, afirmando ser possível a concessão de liminar em mandado de segurança, nos casos do inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil, o que só demonstra, ainda mais, a semelhança entre ambos os institutos.[124]
Diante de tal panorama, inúmeras foram as decisões que passaram a deferir a antecipação de tutela para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. O argumento utilizado para a concessão de tal medida, haja vista que não fazia parte do rol do art. 151 do Código Tributário Nacional, era que, por ter a mesma natureza jurídica das demais tutelas de urgência, e não havendo nenhum óbice para a sua concessão, é perfeitamente cabível a concessão de tutela antecipada com este escopo. Neste sentido, segue o julgamento do Recurso Especial nº 260085, da lavra da Ministra Eliana Calmon, senão vejamos:[125]
“PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DE (ART.151 DO CTN) – TUTELA ANTECIPADA (ART. 273 DO CPC).1. A tutela antecipada pode ser aplicada contra o poder público, quando presentes os pressupostos para a sua outorga. 2. Se a tutela antecipada do art. 273 do CPC tem natureza jurídica idêntica a de liminares previstas em ações especiais, não se tem dificuldade em inseri-la, por extensão, ao elenco do art. 151 do CTN. 3. Interpretação sistemática compatível com a índole do direito público. 4. Recurso especial não conhecido.” (Recurso Especial nº 260085/RS, Recurso Especial, Superior Tribunal de Justiça, 2º Turma, Ministra Eliana Calmon, julgado em 08 abr 2002)
Tendo em vista que o panorama doutrinário e jurisprudencial da época apontava para o sentido de que era cabível a antecipação de tutela para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, o legislador, através da Lei Complementar nº 104/01, introduziu esta possibilidade ao Código Tributário Nacional, através do art. 151, V, in verbis:[126]
“Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
I – moratória;
II – o depósito do seu montante integral;
III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;
IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança.
V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial.
VI – o parcelamento.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes.”
Desta forma, em tese, não haveria que se falar em impossibilidade de concessão de antecipação de tutela para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. No entanto, com a introdução de tal medida no art. 151 do Código Tributário Nacional, diversos julgadores passaram a exigir o depósito do montante integral, previsto no inciso II, para a concessão da tutela antecipada, muito embora não haja nenhuma regulamentação específica neste sentido. Tal entendimento passou a ser freqüente nos tribunais, por entenderem os julgadores que sem o depósito do montante integral não há verossimilhança nas alegações. Neste sentido:[127]
“Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. ARGUMENTOS QUE NÃO INFIRMAM OS FUNDAMENTOS DECISÓRIOS. Não tendo as razões de agravo infirmado os fundamentos decisórios merece mantida, na íntegra, a decisão agravada, sintetizada na ementa a seguir transcrita: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO DE ICMS. ARTIGO 151, II, III E V, CTN. PEDIDO PRINCIPAL VISANDO À COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO DO ESTADO COM PRECATÓRIO OBJETO DE CESSÃO DEVIDO PELO IPERGS. IMPOSSIBILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/09. DECRETO ESTADUAL Nº 47.063/10. DEPÓSITO DO MONTANTE INTEGRAL DO CRÉDITO. NECESSIDADE DE QUE SEJA EM DINHEIRO. PEDIDO ADMINISTRATIVO E DECISÃO DEFINITIVA. AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA. ARTIGO 273, CAPUT, CPC. É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, assim como deste Tribunal, quanto à inadmissibilidade da compensação de crédito do Estado com precatório objeto de cessão devido pelo IPERGS, quer pela inexistência de lei estadual que a tanto autorize, como exige o artigo 170, CTN, quer pela ausência de créditos e débitos recíprocos. Aliás, com a vigência da EC nº 62/09, tendo o Estado do Rio Grande do Sul adotado o regime do artigo 97, § 1º, I, ADCT, os precatórios somente terão poder liberatório se e quando deixar de ser procedido o respectivo depósito, a par de se definir a possibilidade de abatimento compensatório em relação à entidade devedora (art. 100, § 9º, CF/88). Quanto à suspensão da exigibilidade do crédito tributário, forte no artigo 151, II e III, CTN, o depósito do montante integral deve ser em dinheiro e o pedido administrativo deve estar pendente de julgamento, respectivamente, contexto diante do qual resta afastada a verossimilhança das alegações, inviabilizando, pois, a concessão da tutela antecipada pleiteada, assim como raciocínio em termos do disposto no artigo 151, V, CTN.” (Agravo Nº 70045137767, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 28/09/2011)
Todavia, segundo CUNHA, este entendimento é inteiramente equivocado, pois os requisitos para suspensão da exigibilidade do crédito tributário não são concorrentes. Ademais, exigir verossimilhança através do depósito do montante integral é extremamente temeroso, na medida em que se o débito for de altíssimo valor e o contribuinte não dispor de tal quantia em dinheiro, terá que aguardar até o trânsito em julgado da ação para, pelo menos, deixar de ter seu nome inscrito em dívida ativa. Ou mais, caso tenha a quantia para que consiga ter seu pedido de antecipação de tutela deferido, tal valor despendido pode vir a comprometer o seu negócio, em se tratando de pessoa jurídica.[128]
Obviamente, tais hipóteses presumem que o contribuinte, ao requerer a antecipação de tutela, formulou pedido fundamento nos devidos requisitos legais para a sua concessão. É baseado nestes casos, bem como os casos do parágrafo anterior é que o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento da seguinte maneira, in verbis:[129]
“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TUTELA ANTECIPADA. CABIMENTO. ART. 151, V, DO CTN. REDAÇÃO DADA PELA LC 104/2001. PRECEDENTES DO STJ. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que é possível o cabimento de liminar em ação cautelar para suspender a exigibilidade do crédito tributário independentemente da realização do depósito do montante integral do débito, circunstância esta que não importa em ofensa ao disposto no art. 151 do Código Tributário Nacional. 2. A Lei Complementar n. 104, de 10 de janeiro de 2001, ao acrescentar o inciso V ao artigo 151 do CTN, indicando como causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada em outras espécies de ação judicial, apenas ratificou o entendimento já adotado pela doutrina e pela jurisprudência pátrias. 3. “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quanto a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida” Súmula n. 83/STJ. 4. Recurso especial não-provido.” (Recurso Especial nº261902/RS, Recurso Especial, Superior Tribunal de Justiça, 2º Turma, Ministro João Otávio de Noronha, julgado em 06 dez 2005)
Pelas razões acima elencadas, fundadas na jurisprudência, bem como nos princípios da proporcionalidade (na medida em que se torna desproporcional a exigência do depósito do montante integral, em dinheiro, principalmente se for uma quantia elevada, para que seja suspensa a exigibilidade do débito fiscal, uma vez que existe a possibilidade de ser requerida a tutela antecipada, caso preenchidos os requisitos legais), nos princípios da efetividade e acesso à justiça, que são os basilares da antecipação de tutela, bem como no princípio da isonomia – tendo em vista que a Fazenda Pública, como parte legítima para figurar no pólo passivo do processo tributário, pode ter tutela antecipada em seu desfavor – é que CUNHA entende ser possível a concessão de antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, inclusive sem o depósito do montante integral.[130]
2.6.1. Da possibilidade de concessão de tutela antecipada específica contra a Fazenda Pública no Processo Tributário.
Conforme já trabalhado no item 1.7 do presente trabalho, a tutela antecipada específica está prevista no art. 461 § 3º do Código de Processo Civil. Tal medida visa dar efetividade, forçando o cumprimento específico das obrigações de fazer e não fazer, e de entregar coisa, previstas, respectivamente nos artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil. Ademais, cumpre esclarecer que este instituto, quando utilizado contra a Fazenda Pública, submete-se as mesmas vedações impostas a tutela antecipada genérica prevista no art. 273 do Código de Processo Civil.
Na seara do direito tributário, CAIS exemplifica que a tutela específica pode vir a ser utilizada pelo contribuinte para requerer a expedição de certidão negativa de débitos ou de certidão positiva com efeito de negativa na forma dos artigos 205 e 206 do Código Tributário Nacional[131], tendo em vista que tais certidões são de suma importância para a atividade empresarial de uma pessoa jurídica, desde que reste comprovado que o contribuinte não possui débito tributário, ou, caso o possua, que o débito não tenha vencido, esteja em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa, na forma do art. 206 do Código Tributário Nacional.[132]
A fim de elucidar o que fora abordado no parágrafo anterior, MANENTE cria um questionamento acerca da responsabilidade do servidor público e da Fazenda Pública pelo pagamento das astreintes em caso de descumprimento da obrigação de fazer, quando o primeiro, por motivo injustificado, nega-se a fornecer a certidão negativa ao contribuinte. Ainda, assevera que, caso fosse a Fazenda Pública a responsabilizada por tal ato, o objetivo da medida coercitiva (multa por atraso) se tornaria inócuo, pois o objetivo de tal medida é inibir o inadimplente para que este cumpra a obrigação. No entanto, caso fosse responsabilizado o servidor público pelo pagamento das astreintes, poderia estar sendo cometida uma grande injustiça, devido ao fato que, muitas das vezes, o servidor tem que se limitar à legislação e a burocracia do Estado. Neste caso, prosperou o entendimento que “as astreintes podem ser fixadas pelo juiz, de ofício, mesmo sendo contra pessoa jurídica de direito público, que ficará obrigada a suportá-las caso não cumpra a obrigação de fazer no prazo estipulado”. No entanto, vale lembrar que, mesmo que a execução da antecipação de tutela específica siga o rito da execução provisória (475-O do Código de Processo Civil), o pagamento das astreintes deverá obedecer o regime dos precatórios, previsto no art. 100 da Constituição Federal[133]
CONCLUSÃO
Inicialmente, cumpre salientar a importância do instituto da antecipação de tutela. Tal instituto, muito embora exista há 17 anos, é extremamente inovador no atual panorama jurídico, pois alterou os rumos ideológicos do processo civil. Com o advento da tutela antecipada, cognição e execução puderam ser desenvolvidas juntas, tanto no âmbito do processo de conhecimento quanto na esfera recursal, bem como no curso da execução, embargos ou impugnação, com efeito suspensivo.
Ademais, o seu escopo é genial, na medida em que não pode o autor aguardar o perecimento do bem da vida ao qual aguarda a tutela, em razão da ocorrência de fatores alheios à sua vontade. Todavia, se comprovado pelo réu que a tutela não deve ser antecipada ao autor, a medida é revogada imediatamente, o que dá mais credibilidade ainda para o instituto, pois visa satisfazer a urgência do autor, sem afrontar os princípios constitucionais da isonomia, da ampla defesa e contraditório, etc.
Ainda há de ressaltar a tutela antecipada específica, que traz em sua previsão legal medidas coercitivas que coagem o devedor a cumprir a obrigação no prazo determinado pelo juiz, sem que tenha o autor ingressar desde logo com a ação de perdas e danos.
Já quanto a Fazenda Pública, o estudo demonstrou que ela possui inúmeras prerrogativas, inclusive quanto à tutela antecipada. No entanto, tal prerrogativa não impede a concessão de tutela antecipada no processo tributário, mesmo que os legisladores tenham tentado inúmeras vezes vedar tal medida. Primeiramente, vedando as cautelares satisfativas através da Lei nº 8.437/92, e após, através da Lei nº 9.494/97, tentaram vedar a concessão de tutela antecipada.
Quanto às demais vedações impostas pela jurisprudência, e parte minoritária da doutrina, através do presente estudo pode-se perceber que elas não prosperam, pois muito embora, principalmente a jurisprudência, tente aplicar uma interpretação extensiva a algumas normas, a antecipação de tutela é fundada em princípios constitucionais que dão guarida a sua concessão, na medida em que a situação de urgência sempre deve ser observada.
Por fim, restou amplamente claro, por tudo o que foi estudado, que exceto o regime dos precatórios, salvo convencimento do juiz quanto à urgência da tutela do autor, as demais vedações propostas pela doutrina e a jurisprudência não podem limitar a concessão de tutela antecipada no âmbito do processo tributário, pois após a introdução da Lei Complementar nº 104/01, não há que se falar nessa impossibilidade, tendo em vista que o artigo 151, V, consagrou tal instituto no Código Tributário Nacional.
Neste sentido, outro ponto importante trabalhado é a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, pois grande parte da jurisprudência vem condicionando a concessão da antecipação de tutela ao depósito do montante integral do débito fiscal. Aí mais uma vez, busca-se fazer uma interpretação extensiva de um preceito legal com o intuito de favorecer o Erário. No entanto, o que se percebe é que o rol do artigo 151 do CTN não é concorrente, isto quer dizer que qualquer uma das hipóteses previstas na norma supramencionada pode vir a suspender o a exigibilidade do débito tributário.
Acadêmico de Direito
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