PINTO, Carolina Martins.
RESUMO: O presente artigo visa analisar os pressupostos que norteiam os atos administrativos e os casos que levam ao desfazimento dos mesmos, quando ausente um de seus requisitos, o motivo. Nesse contexto, será averiguada a competência do Poder Judiciário para anular tais atos, sob a ótica do direito público e da Lei nº 13.655/2018,. A título de exemplificação, será analisada uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Alagoas contra a Administração Pública do Município de Maceió, questionando a legalidade de instalação de alguns equipamentos de fiscalização eletrônica. Tanto em sede de liminar, quanto na sentença, o MM. Juízo determinou a anulação do ato administrativo de instalação dos radares em questão, sob o fundamento da existência de vícios no referido ato. Serão pontuadas, por fim, as consequências práticas e administrativas da anulação de um ato, observando-as quando da determinação judicial no caso em questão, sob o respaldo da segurança jurídica na criação e aplicação do direito.
Palavras-chave: Ato administrativo; Elementos do ato; Legalidade; Controle judicial; Anulação do ato administrativo.
ABSTRACT: The present article aims to analyze the assumptions that govern the administrative acts and the cases that lead to the dismissal of the same, when absent one of its requirements, the reason. In this context, the jurisdiction of the Judiciary will be investigated to annul such acts, from the point of view of public law and Law nº 13,655/2018. As an example, a Public Civil Action filed by the Public Prosecution Office of the State of Alagoas against the Public Administration of the Municipality of Maceió will be analyzed, questioning the legality of the installation of some electronic surveillance equipment. Both in the injunction and in the sentence, the MM. Judgment ordered the annulment of the administrative act of installation of the radars in question, on the grounds of the existence of defects in said act. The practical and administrative consequences of the annulment of an act shall be punctuated by reference to the judicial determination in the case in question, supported by legal certainty in the establishment and application of the law.
Keywords: Administrative act; Elements of the act; Legality; Judicial control; Annulment of the administrative act.
Sumário: Introdução. 1. Ato Administrativo. 1.1. Aspectos (elementos) do Ato Administrativo. 1.1.1. O Motivo do Ato. 1.1.2. Teoria dos Motivos Determinantes 2. Possibilidade de anulação do ato administrativo. 2.1. Anulação do ato pela via judicial. 3. Estudo de caso: Ação Civil Pública contra a instalação de radares de fiscalização eletrônica na cidade de Maceió-AL. 4. Extensão do desfazimento do ato administrativo: consequências práticas, administrativas e jurídicas. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O exercício da função precípua da Administração Pública se consagra através de um ato administrativo que, como espécie de um ato jurídico, nada mais é que a manifestação unilateral humana voluntária com uma finalidade imediata, no caso a finalidade pública.
Por ser criado para atender tal finalidade, o ato administrativo é executado com prerrogativas do regime-jurídico administrativo e do direito público, devendo preencher requisitos e pautar sua fundamentação para atender a previsão legal e constitucional que, quando não observados, acabam por macular os atos com vícios que se desabarem na ilegalidade, poderão ser anulados pela via administrativa – em razão do poder de a administração rever seus próprios atos – ou pela via judicial, quando do controle de legalidade típico do poder judiciário.
É o que afirma Celso Antônio Bandeira de Mello[1], quando dispõe que tanto a Administração quanto o Poder Judiciário podem ser sujeitos ativos da invalidação do ato administrativo quando do exercício do controle de legalidade.
Ao ser declarada a nulidade de um ato administrativo, tal decisão terá efeitos ex tunc, ou seja, retroagirá e atingirá o ato desde o seu surgimento, ficando nulos também os atos deles decorrentes.
Como forma de exemplificação do fato, trouxemos a baila a Ação Civil Pública nº 0850315-72.2017.8.02.0001[2], proposta pelo Ministério Público do Estado de Alagoas em face do Departamento Estadual de Trânsito de Alagoas (DETRAN/AL) e da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito do Município de Maceió –AL, objetivando a declaração de nulidade na instalação dos equipamentos de fiscalização eletrônica no referido município sob o fundamento do descumprimento dos requisitos previstos na Resolução nº 396/2011 do CONTRAN[3].
Nesse processo será observada a decisão judicial[4] que declarou a nulidade do ato administrativo de instalação dos “pardais” e, por consequência, das multas aplicadas pelos radares, demonstrando uma situação do caso concreto em que os atos produzidos pela administração pública devem ser pautados de legalidade e, ainda, que se a fundamentação empregada para a prática de tal ato não for observada na realidade, este estará eivado de vícios que autorizam a sua invalidação, pelo que se conclui da Teoria dos Motivos Determinantes para a prática de um ato pela Administração Pública.
Para tratar da definição de ato administrativo apresentaremos os conceitos de renomados doutrinadores. Na concepção do ilustre professor José dos Santos Carvalho Filho, ato administrativo é visto como a “exteriorização da vontade de agentes da administração Pública pu de seus delegatários, nessas condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público”[5].
Maria Sylvia Zanella Di Pietro pondera que “pode-se definir ato administrativo como a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeito ao controle pelo Poder Judiciário”[6]. Já para Helly Lopes Meirelles o ato administrativo é tido como toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar,m transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou à si própria.[7]
Por fim, Celso Antônio Bandeira de Mello considera o ato administrativo como uma declaração do Estado (ou de quem lha faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgãos jurisdicionais.[8]
Como se pode ver, apesar de alguns pontos divergentes, o conceito sempre vai convergir na manifestação da vontade da Administração Pública, em razão do exercício do poder público, tendo como finalidade o interesse público, estando tais atos regidos pelo regime do direito público.
Em conformidade com as doutrinações do professor Carvalho Filho[9], existem três pontos fundamentais para a caracterização de um ato em administrativo:
Deve-se acrescentar, ainda, que por serem atos emanados no exercício do interesse público, eles se sujeitam à lei e são passíveis de controle, tanto pela Administração, quanto pelo Poder Judiciário.
Aspectos (Marçal Justen Filho[10]), elementos (Di Pietro, Diogo Moreira Neto[11]), ou requisitos de validade (Helly Lopes Meirelles[12]). Esses são os diferentes termos sucitados pelos doutrinadores para tratar dos pressupostos de validade do ato administrativo.
Na verdade, sob a ótica do que avalia Carvalho Filho, nenhum dos termos ora mencionados parecem ser satisfatórios:
Elemento significa algo que integra uma determinada estrutura, ou seja, faz parte do ‘ser’ e se apresenta como pre suposto de existência. Requisito de validade, ao revés, anuncia a exigência de pressupostos de validade, o que só ocorre depois de verificada a existência. Ocorre que, entre os cinco clássicos pressupostos de validade do ato administrativo, alguns se qualificam como elementos (v.g., a forma), ao passo que outros têm a natureza efetiva de requisitos de validade (v.g., a competência).[13]
Ao que se pese é que, independente da terminologia adotada para denominar os aspectos principais de um ato administrativo, o que se consigna é que tais elementos são os pressupostos necessários e essenciais para a validade do ato. Por consequência, caso este seja praticado sem a observância de quaisquer um dos cinco elementos principais que o compõe, quais sejam competência, forma, objeto, motivo e finalidade, estará ele viciado.
Vale acrescentar que para a ilegalidade do ato basta que apenas um desses pressupostos não sejam observados quando da criação ou prática do mesmo.
Avançando sobre a classificação dos elementos do ato, será utilizada a definição colacionada no artigo 2º, da Lei da Ação Popular[14]. Senão vejamos:
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
Assim, de forma sucinta, podemos definir competência (sujeito) como o poder legal conferido ao agente para o desempenho de suas atribuições; finalidade do ato é voltada ao interesse público, segundo o que está previsto especificamente na lei que o ato se fundamenta; forma é o modo de exteriorização do ato; objeto (conteúdo) é aquilo que o ato determina, o efeito que ele desejar causar.
Por fim o motivo, sobre o qual nos debruçaremos com mais atenção, é a situação e fato ou de direito que gera a vontade do agente em praticar o ato, ou seja, são a causa e os requisitos previstos na norma que autorizam a sua criação.
1.1.1 O motivo do ato
Pontua o professor Mateus Carvalho que, para a prática do ato administrativo, deve haver uma coincidência entre a situação prevista em lei como necessária à precipitação da conduta estatal e a circunstância fática. Para alguns doutrinadores, a congruência entre os motivos que deram ensejo à prática do ato e seu resultado recebe o nome de causa do ato administrativo, configurando-se pressuposto de validade da conduta[15].
Dedução lógica se faz é que o motivo deve ser correlato com aquilo que se prevê em lei (ou vinculado a lei) ou dentro dos limites de discricionariedade por ela impostos. Carvalho Filho subdivide o elemento motivo em motivo de fato – a própria situação que ocorreu no mundo dos fatos, que não tem descrição na norma legal – e motivo de direito – a situação prevista em lei que motiva a vontade da administração[16].
Destaca-se ainda que o motivo do ato difere da motivação. O primeiro é o pressuposto de validade do ato, o seu elemento constitutivo. Já a motivação representa tão somente a exposição dos motivos do ato, ou seja, a formalização desse. Para melhor visualização da diferença tem-se, por exemplo, a situação em que a lei diz que o motivo para aplicação da multa é estacionar em local proibido, o agente de trânsito pode multar apenas referindo-se ao artigo legal, mas, se além dessa referência, fundamentar o ato, escrevendo no boletim de ocorrência o motivo da aplicação da multa, estará motivando o ato.
Alguns ponderam ainda que a motivação se faz obrigatória pelo disposto no artigo 50, da Lei nº 9.784/99 – “os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos”. Ou seja, a motivação nada mais seria que a forma de explicar o motivo de um ato, isto é, a razão pela qual a Administração pretende praticá-lo. E, nesse sentido, segue a jurisprudência, a exemplo tem-se a súmula 684, do STF ao dispor que “é inconstitucional o veto não motivado à participação de candidato a concurso público”.
Sobre a motivação do ato é o que fundamenta o mencionado artigo da Lei de Procedimento Administrativo:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
[…]
Ademais, há o que a doutrina chama de motivação aliunde, sendo definida como situações em que a motivação do ato não precisa estar necessariamente expressa no texto que autoriza e fundamenta a sua prática. Nesse caso, o ordenamento jurídico brasileiro autoriza o administrador público ou o particular que ao agir com essas prerrogativas, remeter a motivação aos fundamentos apresentados em um ato administrativo anteriormente praticado com o mesmo objeto.
Por fim, o que se deve destacar é que o motivo, enquanto pressuposto essencial do ato administrativo, é, realmente, obrigatório. Sem ele o ato é ilegal e nulo. E isso se dá exatamente porque é impossi´vel aceitar a existência de uma ato administrativo que tenha sido elaborado sem preocupar-se em tracejar a situação de fato que o motivou.
Veja que o caráter essencial visto no motivo não é preponderante quando se trata do elemento motivação:
Já vimos ser afirmado que o ato é invalido porque deveria ter motivação e que, apesar disso, não se teria encontrado a justificativa. Ora, a motivação não significa a falta de justificativa, mas a falta desta dentro do texto do ato. A simples falta de justificativa ofenderia a legalidade por falta de motivo, o que pe coisa diversa, até porque o motivo pode ser encontrado fora do ato (como, por exemplo, quando a justificativa está dentro do processo administrativo). entendemos mesmo que, por amor à precisão e para evitar tanta controvérsia, deveria ser abandonada a distinção, de caráter meramente formal, para considerar-se como indispensável a justificativa do ato, seja qual for a denominação que se empregue.[17]
1.1.2. Teoria Dos Motivos Determinantes
A teoria dos motivos determinantes, como uma das vertentes do motivos para a prática do ato administrativo, determina que a validade deste depende da veracidade dos motivos expressos para a sua realização. Assim, quando o ato for motivado, a sua validade dependerá da veracidade da situação demonstrada na motivação.
Dessa forma, se uma pessoa for removida alegando-se o aumento do volume de trabalho em outra unidade administrativa, mas for comprovado que não ocorreu esse aumento de volume de trabalho, o ato de remoção poderá ser invalidado.
Tal raciocínio corrobora o posicionamento do professor Mateus Carvalho ao dispor que a Teoria dos Motivos Determinantes define que os motivos apresentados como justificadores da prática do ato administrativo vinculam este ato e, caso os motivos apresentados sejam viciados, o ato será ilegal.
Ora, se o fundamento dado para a prática do ato estiver viciado, será determinada a sua ilegalidade, estando este passível de anulação, pelo que veremos a seguir.
Na formação de um ato administrativo pode acontecer que algum de seus elementos contenha vícios. Por exemplo, o vício de competência (sujeito) se dá quando o ato foi praticado por uma autoridade incompetente; o vício de finalidade ocorre quando o ato é praticado com finalidade diversa daquela prevista juridicamente para ele.
Já o vício de objeto se dá quando se realiza o ato com conteúdo diverso daquele previsto em lei; e o vício de forma se concretiza no momento em que um ato é praticado com omissão ou inobservância das formalidades indispensáveis para a sua formação, por exemplo, a aplicação de um processo administrativo sem a observância do contraditório ou a concessão do direito de defesa.
Cumpre salientar que, quando da ausência de motivação para a prática do ato, ocorrerá um vício de forma, já que, nesse caso, o ponto em específico não está nos motivos em si, mas na não apresentação destes, ou seja, na falta de motivação, o que prejudica o elemento forma do ato.
Por fim, o vício de motivo se implementa quando um ato é praticado com base em um motivo que é ilegítimo para dar causa àquele ato, ou ainda quando o motivo alegado é inexistente.
Nesses casos, por decorrência de vícios no ato administrativo, este será passível de anulação, também chamada de invalidação, caracteriza-se pelo desfazimento do ato administrativo em virtude da ilegalidade ocasionada em decorrência do ato viciado.
2.1. A anulação do ato pela via judicial
A anulação dos atos eivados de vícios é um poder-dever da Administração Pública que os elaborou e poderá ser feito de forma direta – sob o fundamento do seu poder de autotutela, qual seja o de revisar os atos por ela emitidos, podendo revogá-los (conveniência e oportunidade) ou anulá-los (em razão da ilegalidade) -, conforme consagram as súmulas 346 e 473 do STF. Senão vejamos:
Súmula 346. A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.
[…]
Súmula 473. A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a pareciação judicial.
Via de regra, a anulação é um dever da Administração, mas também pode ser realizada pelo Poder judiciário, por meio de uma ação judicial com essa finalidade. Quando judicializadas tais questões, serão analisados se os requisitos legais do ato foram cumpridos, ou seja, a análise judicial vincula-se apenas à previsão legal, se esta foi respeitada ou não.
A anulação de um ato administrativo pelo poder judiciário só se dá pelas razões de ilegalidade e não por critérios de conveniência e oportunidade (possibilidade concedida à Administração Pública).
Como forma de demonstrar a presença dos vícios de motivo dos atos dentro da realidade administrativa, bem como o procedimento a ser tomado quando averiguada a existência dos mesmos, é que se passará a analisar o caso a seguir .
O Ministério Público de Alagoas, por meio da 66ª Promotoria de Justiça da Capital, na defesa de interesse da coletividade, propôs um Ação Civil Pública com pedido de tutela provisória de urgência[18] contra o Departamento Estadual de Trânsito de Alagoas (DETRAN/AL) e a Superintendência Municipal de Trânsitos e Transportes de Maceió-AL, com o objetivo de declarar a nulidade da instalação de equipamentos de fiscalização eletrônica (“pardais”) na capital alagoana, sob o fundamento de que a municipalidade não cumpriu os requisitos previstos na Resolução 396/2011 do CONTRAN[19], concernentes à imprescindibilidade de realização de estudos técnicos que fundamentassem a instalação dos mesmos.
Aqui não adentraremos nos meandros processuais, concentrado o estudo na liminar deferida pelo MM. Juiz Manoel Cavalcante de Lima Neto, que declarou a nulidade de todos os atos administrativos que autorizaram as instalações de radares eletrônicos na capital (equipamentos nº 5271 a 5310), bem como a retirada imediata dos mesmos.
No processo judicial, garantido o contraditório, foram apresentados os estudos técnicos conforme exigência prescrita na Resolução do CONTRAN. No entanto, segundo dispõe a sentença de deferimento da liminar, verificou-se que a instalação dos radares de fiscalização eletrônica (“pardais”) de números 5271 a 5310 foi eivada de vícios, “tendo em vista que, em realidade, restou comprovado que não existiam os estudos necessários anteriormente à sua implantação.”
Dispõe o MM juízo da Fazenda Pública Estadual de Alagoas que:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRATIVO. INSTALAÇÃO DE RADARES DE FISCALIZAÇÃO ELETRÔNICA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE ESTUDOS TÉCNICOS PRÉVIOS, CONFORMA RESOLUÇÃO Nº 396/2011 DO CONTRAN, JUSTIFICANDO A INSTALAÇÃO DOS EQUIPAMENTOS. COMPROVAÇÃO DE INVALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVOS, ANTE O NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DE FORMA E MOTIVO. INVALIDADE DO CONTRATO ADMINISTRATIVO A PARTIR DA DECISÃO QUE CONCEDEU A LIMINAR. SENTENÇA QUE TEVE COMO FUNDAMENTOS AS INOVAÇÕES LEGISLATIVAS TRAZIDAS PELA LEI Nº 13.655/2018. IMPOSIÇÃO DAS MEDIDAS DE INVALIDAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO E DO CONTRATO.
[…]
Dessa forma, o motivo dado pela municipalidade para a instalação dos “pardais”, seria, precipuamente, que os radares eletrônicos serviriam para controle da velocidade dos automóveis e consequente redução de acidentes na vias instaladas.
Em termos, o que aconteceu na presente situação é que a Administração determinou a instalação dos “pardais” à tentaiva de redução de acidentes no local, mas não trouxe nenhum estudo técnico que comprovasse que os locais de instalação dos radares eram pontos de acidentes de trânsito.
O que se nota é que o presente caso revela um vício do ato administrativo ligado não apenas à forma, mas, principalmente, ao motivo que determinou tanto o ato administrativo de contratação com as empresas que fornecem os radares, quanto a tudo que desse ato decorre, posto que se não houve uma fundamentação técnica necessária para a realização do ato, o motivo que o determina não existe, restando um vício de legalidade passível de controle pelo judiciário e, portanto, passível de anulação.
A anulação de um ato administrativo eivado de vícios que comprometem a sua legalidade tem efeitos ex tunc, ou seja, efeitos retroativos que atingem todos os demais atos dele decorrentes.
Segundo se acolhe da decisão judicial ao deferir a liminar em sede da Ação Civil Pública, declarando-se a invalidade do ato de instalação dos radares, decorrente do reconhecimento da nulidade dos estudos técnicos, deve-se precisar se o contrato de prestação de serviço também é inválido. Tendo em vista que o contrato se originou da suposta necessidade de instalação dos equipamentos e verificando que a motivação do ato estava viciada, infere-se que o contrato também possuía vícios em sua origem.
É o que se colaciona da decisão[21]:
Quanto ao contrato, houve vício de motivo, que se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido. Se o motivo que ensejou na contratação foi justamente a necessidade de instalação dos equipamentos, que deveria ter sido comprovada por meio dos estudo técnicos, e se esses estudos foram nulos, o contrato também foi enviado de vícios.
Superando a invalidade dos atos em questão, posto que vastamente fundamentados, passaremos a definir o alcance dessa decisão, que conforme dissemos no início desse item, será retroativo, atingindo o ato desde o seu surgimento.
No caso em tela, o efeito prático da extensão da anulação dos atos administrativos será a seguinte:
[…] todas as infrações de trânsito que tiverem sido impostas em decorrência dos referidos radares são também consideradas nulas e, portanto, os valores eventualmente pagos deverão ser ressarcidos administrativamente, desde que comprovada a autuação e o respectivo pagamento; os pontos nas CNHs decorrentes de tais multas são nulos, razão pela qual não podem ser contabilizados nas carteiras dos alegados infratores.
Veja que da decisão de anulação de um ato administrativo quando eivado de vício de legalidade acaba por se estender a todos os atos dele decorrentes, que também serão anulados, considerandos, aqui a proporcionalidade e os direitos dos cidadãos que agiram de boa-fé.
CONCLUSÃO
O ato administrativo deve preencher, essencialmente, todos os requisitos impostos na lei, ou dentro dos parâmetros legalmente previstos, só sendo válido se possuir os seguintes pressupostos: competência (sujeito) da autoridade, forma, objeto, motivo e finalidade.
Na medida em que aflora a pretensão de observância de requisitos específicos, em contrapartida se reforça a necessidade de convincente demonstração pautada por método o mais claro e objetivo possível quepermita o seu controle tanto admnistrativo (legalidade; conveniência e oportunidade) e judicial (legalidade).
No que tange o motivo do ato administrativo importante se faz as seguintes pontuações: motivos são os fundamentos que dão razão ao ato, ou seja, os fundamentos em que o ato administativo se baseia. Compreende os pressupostos fáticos e jurídicos que concretizam o ato administrativo na ralidade. O motivo pode ser considerado o impulso que condiciona a formação do ato administrativo. Em outros termos, é o evento que faz nascer a obrigação de o Estado, agindo por meio da prática de um ato jurídico.
Já a motivação nada mais é do que a forma de explicitação dos motivos, ou seja, é o método utilizado para exetirorizar o porquê se pratica ou se deixa de praticar determinado ato, pode ser reputada como sendo a justificação do ato.
O que se infere é que a motivação pode ser tida como uma manifestação de motivos, a formalização desses. Assim, quando ausentes algum desses elementos, aqui priorizando o motivo, tanto a Administração quanto o Poder Judiciário pode ser sujeitos de direito para provomer a anulação (desfazimento) do ato eivado de vícios, do ato ilegal.
No caso apresentado, o controle judicial de legalidade foi acionado através de uma Açaõ Civil Pública, onde, em sede de liminar, restou comprovado que o ato que determinava a instalação de certos equipamentos de fiscalização eletrônica na capital alagoana não preencheu todos os seus requisitos para sua validação – no caso o elemento motivo -, levando a declaração de nulidade do ato de instalação dos “pardais” e, por consequência dos efeitos retroativos dessa decisão, a consequente nulidade das multas e dos pontos registrados nas CNHs dos multados.
O que se infere do caso estudado é que Poder Judiciário pode controlar os atos expedidos pela Administração Pública e decidir pela anulação destes quando pautados de ilegalidade, tendo tal decisão efeito ex tunc (retroativo).
Impende destacar, ainda, que os direitos dos admnistrados, em razão do ato ser praticado em razão do interesse público, devem ser sempre resguardados e deve ser aplicado o juízo de valor quando da anulação de um ato. Ou seja, deve ser avaliado se a anulação do ato gerará mais prejuízos ou benefícios aos cidadãos por ele atingidos, diante da retroatividade da decisão de desfazimento do mesmo.
Voltando-se para a Ação Civil Pública apresentada a título de exemplificação, a anulação dos atos del decorrentes trouxe, por óbvio, benefícios à população.
Faz-se necessário ressaltar que a decisão proferida pelo MM juízo não impede a implementação de outros radares eletrônicos no município de Maceió. Até porque, a sentença permite a retirada de apenas alguns equipamentos, pelo fato de não ter sido realizado o prévio estudo técnico que motivasse a instalação dos mesmos.
Ora, se o ato estiver devidamente motivado e todos os requisitos preenchidos, em conformidade com os ditames legais, vinculados ou na margem de discricionariedade permitida, não há razão para que estes recaiam em ilegalidade. É o que corrobora a doutrina e vastas decisões judicais, além da Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018, que incluiu à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro disposições sobre segurança jurídica e eficiência para pautar a atividade de criação e aplicação do direito público, nas esferas administrativa, controladora e judicial.
Portanto, um ato pode ser anulado quando falta alguns dos seus elementos, pelo que resguarda a legalidade e segurança jurídicas. No entanto, essa anulação não impede que o outro ato, quando preenchido todos os seus requisitos, seja elaborado, levando-se em consideração, para tal “refazimento”, as consequências e os efeitos da decisão que anulou o ato anterior.
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[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 31º ed., Ver. E atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2014, p. 470.
[2] Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, 17ª Vara Cível da Capital/ Fazenda Estadual – Foro de Maceió, Ação Civil Pública nº 0850315-72.2007.8.02.0001, de 12/12/2017. Disponível em: <http://www2.tjal.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=01000N9570000&processo.foro=1&uuidCaptcha=sajcaptcha_153f8062a3fc437983e5a5411718b88a>.
[3] A resolução CONTRAN nº 396, de 13/12/2011, dispõe sobre requisitos técnicos mínimos para a fiscalização da velocidade de veículos automotores, reboques e semirreboques, conforme o Código de Trânsito Brasileiro.
[4]. Disponível em: <https://www2.tjal.jus.br/pastadigital/abrirDocumentoEdt.do?nuProcesso=0850315-72.2017.8.02.0001&cdProcesso=01000N9570000&cdForo=1&baseIndice=INDDS&nmAlias=PG5DS&tpOrigem=2&flOrigem=P&cdServico=190101&ticket=8RiA%2Bz%2FEP5fuKjAH4YgWmorMHyeTp53dH3y5AiFyBRJhJMNYn9X5haJP66PNo3ov9kvbiA3binmOkq8Kwd9bGuOiCmnwD082Bhwt7VI69S0T8FCDNQSuE5AZS9csN2wZiets%2Br1nT%2BC6a0SLvqhY22hGduFPbWGof0b9jlOTMuRn5W8RKWq%2BEU1QvIoj%2FpoWAe6uIoj5uNLN1hybOoawtlcIVisW%2Fj4bgIQobbtr0x6WFl%2Fw%2ByiewK%2F%2BoBOXKrTdM191WSN79AG%2F4TNzS8e55g%3D%3D>.
[5] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27º ed., São Paulo, Editora Atlas, 2014, p. 101.
[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed., São Paulo: Atlas, 2014.
[7] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 43ª ed., Malheiros Editores, 2018.
[8] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. Malheiros Editores, 31º ed., 2014, p. 389.
[9] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27º ed., São Paulo, Editora Atlas, 2014, p. 106.
[10] FILHO, Marçal Justen. Curso de Direito Administrativo. 8ª ed., Editora Fórum, 2012.
[11] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed., São Paulo: Atlas, 2014, p. 154. e NETO, Diogo de Figueirado Moreira. Curso de Direito Administrativo. 16ª ed., Saraiva, 2014, p. 106.
[12] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 43ª ed., Malheiros Editores, 2018, p. 134.
[13] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27º ed., São Paulo, Editora Atlas, 2014, p. 106.
[14] Lei Nº 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4717.htm>. Acesso em 05 jun. 2018.
[15] CARVALHO, Mateus. Manual de Direito Administrativo. 5ª ed., Editora Juspodium, 2017.
[16] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27º ed., São Paulo, Editora Atlas, 2014, p. 114.
[17] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27º ed., São Paulo, Editora Atlas, 2014, p. 115.
[18] Processo proposto na 17ª Vara Cível da Comarca de Maceió – AL, Fazenda Pública Estadual, sob o número 0850315-72.2017.8.02.0001.
[19] A Resolução nº 396/2011 do CONTRAN determina que, para que sejam instalados os medidores de velocidade do tipo fixo, é imprescindível a realização de estudo técnico prévio que contemple, no mínimo, as variáveis do modelo constante no item A do Anexo I da Esolução, que venham a comprovar, portanto, a necessidade de controle ou redução deo limite de velocidade no local.
[20] Disponível em: <https://www2.tjal.jus.br/pastadigital/abrirDocumentoEdt.do?nuProcesso=0850315-72.2017.8.02.0001&cdProcesso=01000N9570000&cdForo=1&baseIndice=INDDS&nmAlias=PG5DS&tpOrigem=2&flOrigem=P&cdServico=190101&ticket=8RiA%2Bz%2FEP5fuKjAH4YgWmorMHyeTp53dH3y5AiFyBRJhJMNYn9X5haJP66PNo3ov9kvbiA3binmOkq8Kwd9bGuOiCmnwD082Bhwt7VI69S0T8FCDNQSuE5AZS9csN2wZiets%2Br1nT%2BC6a0SLvqhY22hGduFPbWGof0b9jlOTMuRn5W8RKWq%2BEU1QvIoj%2FpoWAe6uIoj5uNLN1hybOoawtlcIVisW%2Fj4bgIQobbtr0x6WFl%2Fw%2ByiewK%2F%2BoBOXKrTdM191WSN79AG%2F4TNzS8e55g%3D%3D>.
[21] Disponível em: <https://www2.tjal.jus.br/pastadigital/abrirDocumentoEdt.do?nuProcesso=0850315-72.2017.8.02.0001&cdProcesso=01000N9570000&cdForo=1&baseIndice=INDDS&nmAlias=PG5DS&tpOrigem=2&flOrigem=P&cdServico=190101&ticket=8RiA%2Bz%2FEP5fuKjAH4YgWmorMHyeTp53dH3y5AiFyBRJhJMNYn9X5haJP66PNo3ov9kvbiA3binmOkq8Kwd9bGuOiCmnwD082Bhwt7VI69S0T8FCDNQSuE5AZS9csN2wZiets%2Br1nT%2BC6a0SLvqhY22hGduFPbWGof0b9jlOTMuRn5W8RKWq%2BEU1QvIoj%2FpoWAe6uIoj5uNLN1hybOoawtlcIVisW%2Fj4bgIQobbtr0x6WFl%2Fw%2ByiewK%2F%2BoBOXKrTdM191WSN79AG%2F4TNzS8e55g%3D%3D>.
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