1. O Controle de Constitucionalidade
À Suprema Corte cumpre orientar e interpretar de forma “definitiva” a ordem jurídica. A ela compete o exercício do controle de constitucionalidade concentrado em um único órgão judiciário, funcionando como uma espécie de “legislador negativo”.
Assim, o exame de constitucionalidade via controle concentrado é dado através: (i) da ação direta de inconstitucionalidade – ADI (por ação ou omissão); (ii) da ação declaratória de constitucionalidade – ADC, ambas regulamentadas pela Lei nº 9.868/1999; (iii) da representação interventiva e (iv) da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Trata-se, portanto, do controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade, realizado por via de ação.
Por outro lado, a Constituição Federal ainda prevê que qualquer juiz ou órgão judicial pode julgar um caso concreto quanto à sua constitucionalidade ou não. Há ainda a competência do STF em julgar em última instância, por meio de Recurso Extraordinário, decisões de outros Tribunais que decidirem sobre questões constitucionais. Todas essas situações referem-se ao controle difuso, concreto ou incidental de constitucionalidade, realizado por via de exceção.
2. Os Efeitos das Decisões em Controle de Constitucionalidade
Distinguem-se os dois sistemas de controle – difuso e concentrado – pela eficácia de suas decisões. Em controle difuso a declaração de inconstitucionalidade tem efeitos inter partes e eficácia predominantemente “ex tunc”[1]. Excepcionalmente, há a aplicação de efeitos “ex nunc”[2], decorrente de uma tendência à relativização da norma inconstitucional.
Em controle concentrado, a declaração de inconstitucionalidade tem efeito vinculante[3] e eficácia erga omnes[4].
Há ainda a possibilidade de aplicação dos chamados “efeitos prospectivos” – pro futuro, ou ainda, a modulação dos efeitos das decisões, na qual se estabelece uma data específica para que determinada decisão passe a surtir efeito.
O art. 27, da Lei nº 9.868/99, prevê a possibilidade de aplicação de efeitos prospectivos pelo Supremo, por maioria de dois terços de seus membros, embasada na segurança jurídica ou de excepcional interesse social, nas ações diretas de inconstitucionalidade. No mesmo sentido, as súmulas vinculantes, por decisão de 2/3 dos seus membros, podem ter a sua eficácia modulada, de acordo com o art. 4º, da Lei 11.417/2006.
O art. 11, da Lei 9.882/99, que dispõe sobre o processo e julgamento de argüição de descumprimento de preceito fundamental, também prevê a possibilidade de modulação de efeitos das decisões. Porém, é válido ressaltar que todas essas previsões legais se referem ao controle concentrado de constitucionalidade.
De forma clara e precisa a professora Gisela Bester pondera sobre a Lei 9.868/99:
“Pensamos que a reflexão a ser feita, porque está por trás de toda esta novidade de flexibilização da nulidade, é a seguinte: no conflito entre o princípio da segurança jurídica e da supremacia da Constituição, deve prevalecer o primeiro?
Logo, uma das novidades mais negativas nos parece ser sem dúvida o fato de não se fixar nenhum prazo limite para que o STF manobre a fixação do início dos efeitos diferidos de que trata o art. 27.
(…) postergar o início dos efeitos não é uma novidade no Direito comparado, mas desde que seja feito com limite de tempo.(…) diferentemente do STF, que recebeu do legislador a autorização para modular os efeitos de uma decisão que efetivamente declara uma norma inconstitucional.”[5]
A própria constitucionalidade do artigo 27, da Lei 9.868/99, que dispõe sobre a aplicabilidade de efeitos prospectivos em controle concentrado de constitucionalidade, foi questionada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, através da ADIn[6] nº 2258-0. A referida ADIn, ajuizada em 2000, ainda está em trâmite e pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal. A argüição da OAB é fundamentada na preservação da supremacia da Constituição, tendo em vista a concepção de nulidade da norma inconstitucional.
3. Do Efeito Prospectivo e sua aplicação em controle difuso de constitucionalidade
Cabe destacar, entretanto, que de forma “autêntica” e polêmica, o Supremo Tribunal Federal passou, recentemente, a modular os efeitos das decisões que lhe são submetidas em sede de controle difuso de constitucionalidade. Para isso, os fundamentos utilizados são (i) a necessidade de garantir a segurança jurídica diante de mutações jurisprudenciais drásticas dos Tribunais – requisito fundamental para aplicação destes efeitos; (ii) as previsões infraconstitucionais para modulação dos efeitos temporais em controle concentrado, aplicadas por analogia em decisões judiciais em sede de controle difuso (como, por exemplo, o artigo 27, da Lei 9.868/1999, que regula as Ações Diretas de Inconstitucionalidade, já citado), ou, ainda, (iii) argumentos como a redução dos impactos econômicos e sociais que estas decisões teriam se a elas fosse aplicado o efeito retroativo.
A primeira decisão com repercussão em que a modulação de efeitos foi utilizada em controle difuso de constitucionalidade foi o caso da redução do número de vereadores nas câmaras municipais, no qual declarada a inconstitucionalidade, foram aplicados efeitos prospectivos ou pro futuro, preservando, neste caso concreto, o interesse público. A questão foi discutida no Recurso Extraordinário nº 197.917, conforme ementa abaixo:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL.
(…) 8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte provido.” (RE nº 197.917. Min. Maurício Corrêa. Tribunal Pleno. DJ 07/05/2004)
Recentemente, a título exemplificativo, a modulação temporal dos efeitos das decisões foi debatida no STF no que se refere à fidelidade partidária. Restou decidido pelo STF que os mandatos pertencem aos partidos, logo a questão da fidelidade partidária passou a ser constitucional. No voto do Ministro Celso de Melo destaca-se: (i) o fato de ter sido considerado como referência uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e (ii) a aplicação da modulação temporal, atribuindo efeitos prospectivos à decisão, tendo em vista a ruptura de paradigma referente à tese nos Tribunais. Ambos os apontamentos evidenciam um novo perfil das decisões do Supremo, cuja ênfase política salienta-se da pura e simples aplicação da norma jurídica.
Outro exemplo que ilustra a questão é no caso da cobrança da COFINS das sociedades de advogados. A isenção da Cofins, além de ser concedida pelo art. 6º da Lei Complementar nº 70/91, desde 2003 tem como escopo a súmula 276, do STJ, que garante a isenção das sociedades de uniprofissionais, irrelevante o regime jurídico adotado. A matéria foi levada ao Supremo e, em março deste ano, oito votos foram proferidos pelo STF em sentido contrário ao entendimento tradicional do STJ. Nesta ocasião, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil foi quem pediu a aplicação de efeitos prospectivos, caso permanecesse declarada inconstitucional a referida isenção.
4. Da Segurança Jurídica
É nítido que a sociedade brasileira é carente de previsibilidade diante do Judiciário e, consequentemente, da estabilidade necessária às relações jurídico-sociais nela instauradas. Desta forma, suas expectativas depositadas em demandas judiciais aguardam (com muita paciência) decisões que reflitam o paradigma constitucional da consolidação de um Estado Democrático de Direito, baseado na segurança jurídica.
Soa como uma utopia. Desta forma, destaca-se que a solidificação da jurisprudência dos Tribunais é notadamente necessária, haja vista a ânsia pela consolidação do ordenamento jurídico brasileiro, pela estabilidade das orientações jurisprudenciais e pela efetivação da segurança jurídica – não como um valor autônomo, mas relacionado com princípios estruturantes como o da legalidade, da anterioridade e da irretroatividade da lei.[7]
O Supremo Tribunal Federal, cuja função institucional é de guarda da Constituição Federal[8], tem por fim a garantia da estabilidade institucional e da segurança jurídica, reservando a supremacia constitucional. Para Paulo de Barros Carvalho, a segurança jurídica é um sobreprincípio, no qual as relações intersubjetivas se pautam, tendo em vista o planejamento de suas intenções judiciais, diante da certeza no modo de aplicação das normas jurídicas, que decorre de uma expectativa de conduta do Poder Público[9].
Oportuno ressaltar que, na própria Constituição Federal, a segurança jurídica se trata de bem jurídico fundamental[10]. Porém, só se completa com a certeza jurídica que, para Paulo de Barros Carvalho, encontra-se no campo do dever-ser, sublinhando ainda seu caráter implícito enquanto princípio constitucional do qual decorre a efetivação da segurança jurídica[11].
5. O efeito prospectivo e a insegurança jurisdicional
Não obstante, caberia enfatizar, em que pese à modulação de efeitos das decisões, que a aplicação de efeitos prospectivos, brevemente considerada acima, reflete um nítido descompasso entre o Poder Judiciário e a segurança jurídica já tratada.
Tendo em vista a preservação da supremacia constitucional, o STF acaba por instaurar um poder político-jurídico que nos salta aos olhos em recentes decisões. Trata-se, segundo Gilmar Ferreira Mendes, da chamada “dimensão política da jurisdição constitucional”[12], pairando sobre a reflexão quanto ao método das decisões proferidas pelo Supremo, ao serem utilizadas reiteradamente prerrogativas essencialmente políticas.
Considerando que a jurisprudência antes era utilizada como meio pacificador de conflitos; atualmente, através delas são levantadas novas controvérsias, levadas ao Supremo para decisão “definitiva”, gerando a incerteza jurídica nas condutas sociais.
Diante do quadro apresentado nos resta concluir que, se de um lado a Suprema Corte busca a segurança jurídica, assim fundamentando decisões para aplicação de efeitos prospectivos no controle da constitucionalidade, seja em controle difuso ou concentrado; de outro lado, resta à sociedade à insegurança jurisdicional, alimentada (ora, pois) pelo próprio Supremo Tribunal Federal.
Acadêmica do curso de Direito da UniCuritiba
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