Resumo: A previdência social é um instituto garantido pela Constituição Federal que integra a seguridade social juntamente com a saúde e assistência social, tendo como diferença básica a necessidade de contribuição, de cunho obrigatório a todos aqueles que exercem atividade remunerada, sendo ela compulsória aos empregados e trabalhadores, o que custeia a necessidade de outros beneficiários, assim como lhe será feito quando de sua necessidade do contribuinte. Ante a isso, para evitar as fraudes no sistema previdenciário, são instituídos crimes para aqueles que tentam burlar tal sistema ou mesmo tirar vantagens do mesmo. Dentre os titulados crimes contra a previdência social temos o de apropriação indébita previdenciária. Tal crime apresenta-se com vários delineamentos, que emanam de sua natureza peculiar, justificando, portanto, seu exame mais acurado.
Palavras-chave: Seguridade Social; Previdência Social; Crimes contra a Previdência Social; Apropriação Indébita Previdenciária.
Sumário: Introdução; 1. Da seguridade social; 1.1. Da saúde; 1.2. Da assistência social; 1.3. Da previdência social; 2. Do conceito de previdência social; 3. Dos crimes contra a previdência social; 4. Apropriação indébita previdenciária; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como escopo apresentar algumas reflexões sobre os crimes contra a previdência social, notadamente quanto ao crime de apropriação indébita previdenciária.
Busca-se com tal abordagem, apresentar os aspectos jurídicos relevantes que cotejam o delito de apropriação indébita previdenciária. Além disso, evidenciar um aspecto pouco notado, quando se trata de tais crimes, qual seja, a ausência de reprovação social, visto que os sonegadores são considerados, pela sociedade, em geral, como vítimas de um sistema tributário mal organizado e predatório.
No entanto, os crimes contra a previdência social, e particularmente a apropriação indébita previdenciária, tem como objetivo jurídico a proteção do patrimônio do sistema de previdência social, viabilizando sua liquidez para o pagamento das futuras aposentadorias, a partir da tutela penal.
Desse modo, desenvolve-se neste estudo a sua caracterização e figura delitiva.
1. DA SEGURIDADE SOCIAL
A seguridade social é garantida a todos os cidadãos que necessitem de amparo para a sua sobrevivência digna, sendo que se estabelece com três segmentos, a saber: a assistência social, a saúde e a previdência social. Todas com previsão constitucional.
Portanto, a seguridade social tem sua base de sustentação, por tudo o que se ponderou, na evolução do perfil dos direitos humanos, agregados ao epíteto de direitos fundamentais, plasmados nos vários textos constitucionais, ao longo do século XX.
Desse ponto de vista, associado à evolução do paradigma estatal, vicejou a noção de responsabilidade social sob as agruras que pudessem irromper sobre seus cidadãos. Daí, o Estado abarcar sob suas atenções, a prevenção e superação do risco social, já inaugurando, em um panorama mais avançado, a noção de segurança social.
Desse modo, ocorre, junto à Sociedade, a redistribuição dos vários riscos sociais, através do equacionamento da economia coletiva, seja em uma acepção horizontal, representada pelos grupos profissionais diversos; ou em uma acepção vertical, ou seja, entre gerações.
Essa noção de responsabilidade social é esmiuçada por Daniel Machado da Rocha e José Paula Baltazar Júnior[1] que explicam que:
“Segundo tal teoria, cabe à sociedade assegurar seu sustento ao indivíduo vitimado por uma incapacidade laborativa, já que toda a coletividade deve prestar solidariedade aos desafortunados, sendo tal responsabilidade de cunho objetivo – não se cogitando, sequer, de culpa do vitimado. Se a proteção dos infortúnios decorrentes de acidente do trabalho, por exemplo, vier a ser feita somente por intermédio de seguros privados, desaparece o conceito de risco social, ficando a encargo do tomador de serviços, exclusivamente, a obrigação de reparar o dano à capacidade de trabalho.”
Nesse jaez, o artigo 194, da Constituição Federal de 1988, conceitua seguridade social do seguinte modo: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. Ainda, a partir do enunciado no artigo 193 da Constituição Federal, tem como objetivos: “o bem-estar e a justiça social”.
Essa se constitui, portanto, em um instrumento de bem-estar, uma vez que garante os mínimos necessários à subsistência do indivíduo; e, desse modo, reduz as desigualdades advindas da ausência de ingressos financeiros, conduzindo, dessa forma, à justiça social.
Nesse sentido, Jediael Galvão Miranda[2] explica que:
“Os objetivos, propósitos ou valores primários da seguridade social propriamente ditos são, isto sim, extraídos do comando do art. 193 da Constituição Federal, e em certa medida se confundem com os próprios fins de cada área de abrangência da seguridade social (previdência, assistência social e saúde). A seguridade social, como direito social que é, tem por objetivos promover e assegurar o bem-estar e justiças sociais, propiciando meios de subsistência ao desvalido e ao trabalhador atingido por determinadas contingências sociais, a todos garantido os meios disponíveis para promoção, proteção e recuperação da saúde.”
Assim, com base na solidariedade institucionalizada, a sociedade alia-se ao Estado, garantindo o mínimo necessário à sobrevivência àqueles que nada dispõem. Concebem, portanto, a Seguridade Social, construída a partir de um sistema que engloba três subsistemas: a saúde, a previdência e a assistência social.
Por sua vez, são estabelecidos constitucionalmente como seus princípios informadores os seguintes: i) a universalidade da cobertura e do atendimento; ii) a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; iv) a seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; v) a irredutibilidade do valor dos benefícios; vi) a equidade na forma de participação no custeio; vii) a diversidade da base de financiamento e o caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.
1.1. Da Saúde
O artigo 196 da Constituição Federal[3] estabeleceu a saúde como sendo um direito de todos e dever do Estado. Assim firmou-se essa como sendo um segmento autônomo da Seguridade Social, uma vez que deve atingir a todos de forma igualitária e sem qualquer restrição a seus usuários ou mesmo exigência de contribuição (de forma gratuita).
Ante a tal preceito é que se criou o Sistema Único de Saúde (SUS) para que os serviços destinados à saúde fossem disponibilizados a todos; regulamentados, por sua vez, pelas Leis de nº 8.080/90 e 8.142/90, com atuação de órgãos federais, estaduais e municipais.
1.2. Da Assistência Social
O segundo instituto integrante da Seguridade Social trata-se da Assistência Social, a qual também é destinada a todos que dela necessitarem, na forma estabelecida pelo art. 203 da Constituição Federal[4].
A mesma presta-se a auxiliar os desamparados, independentemente de contrapartida. Nesse sentido, pondera-se que a prestação da assistência social à pessoa que dela necessitar considera-se um direito inerente à sua condição humana; sendo exigível do Estado, dentro das condições legais.
Tem-se, dessa forma, que a assistência social, como via de proteção caracteriza-se pela assistência aos indivíduos integrantes de segmentos estigmatizados, como as crianças, os idosos, os mendigos, os desempregados, os quais, por não se enquadrarem nos padrões sociais estabelecidos e se inserirem em um contexto, ficavam à margem da sociedade.
1.3. Da Previdência Social
Assim como a saúde e a assistência social, a previdência social também se trata de um instituto autônomo da seguridade social, porém tem como diferença fundamental o caráter contributivo de seus beneficiários, uma vez que se volta tão somente para aqueles que trabalharam, a ela contribuíram e dela necessitam em um dado momento para a sua subsistência, bem como de seus dependentes.
Nesse sentido, pondera José Ernesto Aragonés Vianna[5]:
“A previdência social constitui forma de seguro social contra os riscos a que estão submetidos os trabalhadores, visto que esses são seus segurados. É um esquema de segurado, onde participam os trabalhadores, empregadores e o Estado, visto que instituído em favor de todos esses.”
A previdência social tem sua previsão também da Constituição Federal no artigo 201, observe:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: […]”
Assim, tem-se que esta segue um regramento diferenciado das demais citadas, haja vista o caráter contributivo e a filiação obrigatória aos trabalhadores.
A previdência social só beneficia aqueles que contribuem para o custeio e dá cobertura às necessidades decorrentes das contingências determinadas pela Constituição, conforme enumeração disposta no artigo 201[6] daquele diploma legal. Assim, só quem contribui tem cobertura, dando, portanto, à previdência social um caráter de seguro social.
2. DO CONCEITO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
Cabe ao trabalhador contribuir para a previdência social, para que tenha tal beneficio a seu dispor quando dele necessitar, no caso de uma eventualidade. Pode-se fazer uma analogia desta como sendo uma “poupança forçada” ao cidadão, para o caso deste perder sua qualidade de trabalhador ou mesmo capacidade laboral e tenha meios de continuar a manter sua subsistência, bem como de seus dependentes de forma digna em meio a sociedade.
Neste ponto cabe traçar a diferença fundamental entre a previdência social e a assistência social, uma vez que a primeira requer a contribuição para que ocorra vinculação entre aquela e o beneficiário. Já a assistência social não exige contribuição, de forma a atender todos aqueles que dela necessitem, a partir das hipóteses delineadas no art. 203 da Constituição Federal.
Ressalta-se que tal contribuição é de cunho obrigatório, visto que possui caráter tributário, conforme se pode depreender dos arts. 149[7] c.c. 195[8] da Constituição Federal. Desse modo, é adstrita a todos aqueles que exerçam atividade remunerada, sendo ela compulsória aos empregados e trabalhadores.
Assim, os segurados da previdência social contribuintes da seguridade social, a partir de suas contribuições à previdência social estão custeando os riscos sociais inerentes a toda sociedade, e daí a necessidade de outros beneficiários, assim como lhe será feito quando de sua necessidade, por exemplo, na velhice para uma aposentadoria.
Tal acepção é apresentada por Fábio Zambite Ibrahim[9], o qual explica que:
“No Brasil, qualquer pessoa, nacional ou não, que venha a exercer atividade remunerada em território brasileiro filia-se, automaticamente, ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS, sendo obrigada a efetuar recolhimentos ao sistema previdenciário (somente se excluem desta regra as pessoas já vinculadas a regimes próprios de previdência.”
Por tal razão, ou seja, por se adotar um preceito de solidarização a nortear a gestão do fundo previdenciário geral, todos aqueles que possuem atividade remunerada, ou de natureza econômica, devem contribuir para a previdência, exceto os já vinculados a regimes próprios de seguridade social.
3. DOS CRIMES CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL
Apesar da importância da previdência social para toda a sociedade, os crimes praticados contra essa não encontram uma reprovação social análoga aos demais crimes tradicionais.
Ao revés, ante a ineficiência e a corrupção que comumente é associada ao Estado, para muitos é plenamente justificável o não pagamento de tributos. E mais, tais criminosos são vistos como vítimas de sanções injustas, advindas de um sistema tributário equivocado.
Nesse sentido, explica Jefferson Aparecido Dias[10] ao pontuar que:
“[…] deixar de pagar tributos é algo aceitável e até mesmo correto para grande parte da sociedade, que reconhece tal conduta como a única reação possível contra um Estado que, ano a ano, aumenta a carga tributária sobre os seus cidadãos. […] Assim, um réu acusado de ter cometido um crime fiscal não se sente culpado por sua conduta e não é recriminado pela sociedade, que o considera apenas mais uma vítima do injusto sistema de tributação vigente no País.”
Entretanto, a repressão criminal a tais condutas se justifica, ante a importância social dos tributos, notadamente das contribuições sociais, adstritas ao custeio do sistema de previdência social.
A tolerância a tais comportamentos, já assaz comuns, certamente poderá levar a uma ruptura do sistema, visto que “há muito se notou que o direito penal, apesar de suas limitações, é importante para garantir o pagamento de tributos sem os quais não seria possível sequer a existência do Estado”[11][12].
Portanto, a discussão sobre os crimes contra a previdência social é extremamente atual e necessária, de forma a que se possa despertar, de modo geral, para a importância de vigilância social constante das verbas públicas adstritas ao custeio da seguridade social como um todo e da previdência social em particular, tendo-se especial percepção para a figura do sonegador, enquanto infrator, e nunca como pretensa vitima do Estado inoperante e corrupto; o que, aliás, somente contribui, em nossa visão, para perpetrar esse estado de coisas.
3.1. DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA
A apropriação indébita previdenciária está prevista no art. 168-A do Código Penal, no qual se observa como ação delituosa deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional, ou seja deixar de efetuar o devido recolhimento aos cofres da União.
Assim, tem-se que:
“Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 2o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 3o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)”
Tutela-se o patrimônio da sociedade, uma vez que o art. 195 da Constituição Federal[13] bem dispõe que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, e de forma direta e indireta a esta tais valores (não repassados) pertencem.
Neste delito desconta-se do contribuinte e deixa-se de recolher à União[14]. Desse modo, o sujeito ativo deste crime é próprio, podendo ser, por exemplo, tão somente aquele indivíduo que tinha a obrigação de repassar o valor à União e não o fez.
Nesse sentido, explica Frederico Amado[15] que:
“Destaque-se que se cuida de crime próprio, pois apenas poderá ser cometido pelos representantes legais das empresas e entidades equiparadas, bem como pelos agentes das instituições financeiras responsáveis pelo repasse ao Erário das contribuições previdenciárias arrecadadas.”
No entanto, há posicionamentos divergentes, anote-se, por exemplo, o magistério de José Paulo Baltazar Júnior ao pontuar que se trata de crime comum, podendo, portanto, ser praticado por qualquer pessoa, e, admitindo, inclusive, a participação[16].
De outra parte, não existe forma culposa para a sua caracterização, sendo imprescindível que haja conduta omissiva dolosa (bastando, no entanto, o dolo genérico[17]).
Nesse sentido, a denúncia deverá descrever os fatos delituosos, não sendo suficiente que se restrinja a imputar a autoria à pessoa física por ser essa gestora ou sócia da pessoa jurídica.
Tal é o posicionamento do STF. Assim, tem-se que:
“EMENTA: INQUÉRITO. CRIME COMUM. DEPUTADO FEDERAL. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EXAME DA ADMISSIBILIDADE DA DENÚNCIA. INICIAL ACUSATÓRIA QUE ATENDE AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. DELITO DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. AUSÊNCIA DE CAUSAS IMPEDITIVAS OU SUSPENSIVAS DA PUNIBILIDADE. DENÚNCIA RECEBIDA. 1. Em matéria de alegada inépcia da denúncia ou de sua esqualidez por qualquer outro motivo, dois são os parâmetros objetivos que orientam o exame de seu recebimento: os artigos 41 e 395 do Código de Processo Penal. No artigo 41, o CPP indica um necessário conteúdo positivo para a denúncia, que deve conter a exposição do fato criminoso, ou em tese criminoso, com todas as suas circunstâncias, de par com a qualificação do acusado, ou, de todo modo, veicular esclarecimentos que viabilizem a ampla defesa do acusado. Já o artigo 395 do Código de Processo Penal, este impõe à peça de acusação um conteúdo negativo. Noutro falar: se, no primeiro (art. 41), há uma obrigação de fazer por parte do Ministério Público, no segundo (art. 395) há uma obrigação de não fazer; ou seja, a denúncia não pode incorrer nas impropriedades do art. 395 do Diploma adjetivo. 2. No caso, a dívida inscrita no Lançamento de Débito Confessado não foi integralmente quitada. E o fato é que, para o efeito da extinção da punibilidade, é de se levar em conta o pagamento integral do débito (que inclui juros e multas, além do valor que não foi repassado no prazo legal para o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS). 3. Não há que se falar em abolitio criminis, decorrente da revogação do artigo 95 da Lei nº 8.212/91 (vigente na data do primeiro período de fatos). É que a abolitio criminis, causa de extinção da punibilidade que é, constitui uma das hipóteses de retroatividade da lei penal mais benéfica. É dizer: a abolição do crime significa a manifestação legítima do Estado pela descriminalização de determinada conduta. Noutro dizer, o detentor do jus puniendi renuncia ao poder de intervir na liberdade dos indivíduos responsáveis pela conduta antes qualificada como delituosa. E o certo é que a revogação do artigo 95 da Lei nº 8.212/91 pela Lei nº 9.983/2000 não implicou a descriminalização da falta de repasse à previdência social das contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional. 4. Não há como acolher a tese defensiva de extinção da punibilidade, por força do § 2º do art. 168-A do Código Penal. Extinção da punibilidade que, nos exatos termos da regra mencionada, está a depender: a) de declaração e confissão da dívida; b) de prestação de informações à Seguridade Social; c) do pagamento integral da dívida antes do início da ação fiscal. Elementos, esses, que, ao menos neste exame prefacial da acusação, não estão presentes na concreta situação dos autos. 5. É de ser recebida a denúncia que atende aos requisitos constantes do art. 41 do Código de Processo Penal, sem incidir nas hipóteses de rejeição do art. 395 do mesmo diploma, principalmente quando a inicial acusatória aponta com precisão o momento da ação criminosa e individualiza, no tempo, a responsabilidade dos sócios quanto à gestão da empresa. A jurisprudência do STF é de que não se tolera peça de acusação totalmente genérica, mas se admite denúncia mais ou menos genérica, porque, em se tratando de delitos societários, se faz extremamente difícil individualizar condutas que são concebidas e quase sempre executadas a portas fechadas. 6. Denúncia recebida”. (Inq 2584, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 07/05/2009, DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL-02363-02 PP-00240)
Quanto ao sujeito passivo, explica Carlos Alberto de Castro e João Batista Lazzari[18] que o sujeito passivo deste delito é o contribuinte. Por sua vez, outros doutrinadores inferem ser o sujeito passivo a Previdência Social (INSS – Instituto Nacional do Seguro Nacional)[19], que representa o Estado por meio da União.
Conforme entendimento do STF, o crime em comento trata-se de um crime omissivo material, visto que demanda um resultado naturalístico para sua consumação; sendo o tema polêmico, já que o STJ tem entendimento tradicional no sentido de que se trata de delito omissivo próprio[20].
Interessante, ainda, de outra ponta, notar que a “circunstância de a empresa possuir contabilidade regular e não opor obstáculo à fiscalização poderá ser considerada como circunstância judicial favorável”[21]; no entanto, não afasta o delito, visto que a fraude não é elementar do mesmo, “que se consuma independentemente da utilização de qualquer subterfúgio para dificultar a apuração do fato pela fiscalização”[22]. Portanto, a par da ressalva já feita, não tem maior relevância o fato da empresa apresentar contabilidade em ordem.
Quanto à aplicação do princípio da insignificância a tal delito, apesar do STJ apresentar posicionamento no sentido de aplicá-lo no crime praticado até o valor de R$ 1000,00, com argumento da existência de autorização legal para a extinção da execução fiscal[23], não se verifica a mesma boa vontade, por parte do STF[24].
Outro aspecto que merece consideração trata-se da existência de crise financeira da empresa como causa supralegal de extinção da punibilidade. Tal tese, como se pode ler na doutrina[25] é admissível. No entanto, deve ser analisada no caso concreto.
Na jurisprudência do STJ também tal tese encontra acolhida. Nesse sentido, tem-se que:
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. AUSÊNCIA DE PROVAS PARA CONDENAÇÃO NO MONTANTE AUFERIDO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DOLO GENÉRICO. ALEGAÇÃO DE DIFICULDADES FINANCEIRAS. ÔNUS PROBATÓRIO DA DEFESA. CONTINUIDADE DELITIVA. AUMENTO JUSTIFICADO PELO NÚMERO DE INFRAÇÕES COMETIDAS. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Não existe violação ao art. 619 do CPP quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão. 2. A alegação de ausência de prova para a condenação no montante de R$ 46.582,72 exige a incursão no contexto fático-probatório dos autos, defesa em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. 3. O crime de apropriação indébita previdenciária tem sido entendido como crime omissivo próprio (ou omissivo puro), isto é, aquele em que não se exige necessariamente nenhum resultado naturalístico, esgotando-se o tipo subjetivo apenas na transgressão da norma incriminadora, no dolo genérico, sem necessidade de comprovação do fim especial de agir, ou dolo específico, consistente na vontade livre e consciente de ter a coisa para si (animus rem sibi habendi). 4. A impossibilidade de repasse das contribuições previdenciárias em decorrência de crise financeira da empresa constitui, em tese, causa supralegal de exclusão da culpabilidade – inexigibilidade de conduta diversa –, e, para que reste configurada, é necessário que o julgador verifique a sua plausibilidade, de acordo com os fatos concretos revelados nos autos, não bastando para tal a referência a meros indícios de insolvência da sociedade. 5. No crime continuado é indispensável que o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratique duas ou mais condutas delituosas da mesma espécie, nas mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. O aumento da pena pela continuidade delitiva se faz, basicamente, quanto ao art. 71, caput do Código Penal, por força do número de infrações praticadas. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e improvido.” (REsp 1113735/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe 29/03/2010)
Finalmente, também não constitui elementar a apropriação do dinheiro, podendo, entretanto, como pontua José Paulo Baltazar Júnior[26], tal circunstância ser considerada como desfavorável na primeira fase da aplicação da pena.
CONCLUSÃO
A seguridade social constitui-se em garantida de todos os cidadãos que necessitem de amparo para a sua sobrevivência digna, constituindo-se em três segmentos, como visto correspondentes à assistência social, a saúde e a previdência social.
A previdência social, por seu turno, é subsidiada pelas contribuições sociais, visto que se constitui em um fundo social, financiado pelo esforço comum de vários grupos sociais e do Estado.
A tutela da previdência social é o escopo dos crimes contra a previdência social, e a apropriação indébita previdenciária, nesse particular, busca punir a conduta de se apropriar das contribuições sociais inerentes a tal mister.
Observa-se, desse modo, um esforço por parte do legislador de criar meios de inibir os prejuízos da sociedade, evitando os ilícitos previdenciários, de modo a desestimular os sonegadores e partícipes de tais ações criminosas.
Conclui-se, desse modo, que é urgente a necessidade de se combater as chamadas “sangria dos cofres da Seguridade Social”, reduzindo-se o déficit previdenciário. Visto que, em se cruzando os braços, tamanho prejuízo financeiro à previdência social, pode trazer graves consequências à sociedade que contribui para a garantia de uma vida digna no futuro, levando à ruptura do regime geral de previdência social.
O Crime de Apropriação Indébita Previdenciária, portanto, apresenta conformação penal adstrita a tal paradigma, na medida em que tem como tipicidade material a apropriação das contribuições sociais necessárias ao custeio do sistema de previdência nacional.
Referências
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Notas:
[1] ROCHA, Daniel Machado da; JUNIOR, José Paulo Baltazar. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 10ª. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 57.
[2] MIRANDA, Jediael Galvão. Direito da Seguridade Social. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 23.
[3] Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
[4] Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
[5] VIANNA, José Ernesto Aragonês. Curso de Direito Previdenciário. 2ª ed. São Paulo: Ltr, 2007, p. 33.
[6] Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II – proteção à maternidade, especialmente à gestante; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
§ 2º Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 3º Todos os salários de contribuição considerados para o cálculo de benefício serão devidamente atualizados, na forma da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 5º É vedada a filiação ao regime geral de previdência social, na qualidade de segurado facultativo, de pessoa participante de regime próprio de previdência. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 6º A gratificação natalina dos aposentados e pensionistas terá por base o valor dos proventos do mês de dezembro de cada ano. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
I – trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II – sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 8º Os requisitos a que se refere o inciso I do parágrafo anterior serão reduzidos em cinco anos, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei. (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado. (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei. (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 12. Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
§ 13. O sistema especial de inclusão previdenciária de que trata o § 12 deste artigo terá alíquotas e carências inferiores às vigentes para os demais segurados do regime geral de previdência social. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005.
[7] Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
[8] Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
III – sobre a receita de concursos de prognósticos.
IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
[9] IBRAHIM, Fábio Zambite. Resumo de Direito Previdenciário, 4ª ed., Niterói: Impetus, 2005, p. 21.
[10] DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de Apropriação Indébita Previdenciária. Curitiba: Juruá, 2005, pp. 21 e 22.
[11] [11] DIAS, Jefferson Aparecido. Crime de Apropriação Indébita Previdenciária. Curitiba: Juruá, 2005, pp. 21 e 22.
[12] EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. NÃO REPASSE À PREVIDÊNCIA SOCIAL DO VALOR DE R$ 7.767,59 (SETE MIL SETECENTOS E SESSENTA E SETE REAIS E CINQUENTA E NOVE CENTAVOS). INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: ALTO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA E OFENSA AO BEM JURÍDICO PENALMENTE TUTELADO. ORDEM DENEGADA. 1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de lesão grave e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal, tornando atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. 3. Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. 4. Não repassar à Previdência Social R$ 7.767,59 (sete mil, setecentos e sessenta e sete reais e cinquenta e nove centavos), além de ser reprovável, não é minimamente ofensivo. 5. Habeas corpus denegado.(HC 110124, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 14/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-055 DIVULG 15-03-2012 PUBLIC 16-03-2012)
[13] Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
III – sobre a receita de concursos de prognósticos.
IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
§ 1º – As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União.
§ 2º – A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos.
§ 3º – A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
§ 4º – A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.
§ 5º – Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
§ 6º – As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b".
§ 7º – São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.
§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-deobra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
§ 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei complementar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
§ 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
[14] Explica Frederico Amado que: “[…] o tipo engloba as condutas dos responsáveis tributários que fazem o desconto das contribuições previdenciárias dos segurados que lhe são vinculados, mas não repassa os valores à Previdência Social ou o faz sem observar o prazo legal, a exemplo do empregador que desconta a contribuição previdenciária do seu empregado, mas não transfere a quantia à União, até o dia 20 do mês subsequente ao da competência, além de outras hipóteses similares previstas nos artigos 30, I da Lei 8212/91”. (AMADO, Frederico.
Direito e Processo Previdenciário Sistematizado. 4ª ed. Salvador: Editora Juspodium, 2013, p. 1120).
[15] AMADO, Frederico.
Direito e Processo Previdenciário Sistematizado. 4ª ed. Salvador: Editora Juspodium, 2013, p. 1121.
[16] JÚNIOR, José Paulo Baltazar. Crimes Federais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 21.
[17] AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (INCISO I DO § 1º DO ART. 168-A E INCISO III DO ART. 337-A, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). CONTINUIDADE DELITIVA E CONCURSO MATERIAL. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DOLO ESPECÍFICO. NÃO-EXIGÊNCIA PARA AMBAS AS FIGURAS TÍPICAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS EM RELAÇÃO AO CO-RÉU DETENTOR DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. PRECÁRIA CONDIÇÃO FINANCEIRA DA EMPRESA. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. NÃO-COMPROVAÇÃO. INAPLICABILIDADE AO DELITO DE SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO. ABSOLVIÇÃO DA CO-RÉ . INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. PENA DE 3 (TRÊS) ANOS E 6 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO E 30 (TRINTA) DIAS-MULTA, PARA CADA DELITO, TOTALIZANDO 7 (SETE) ANOS DE RECLUSÃO E 60 (SESSENTA) DIAS-MULTA, FIXADOS EM ½ (UM MEIO) SALÁRIO MÍNIMO. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. SEMI-ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SURSIS. DESCABIMENTO. 1. O acusado, detentor do foro por prerrogativa de função, na condição de sócio-gerente da empresa Curtume Progresso Indústria e Comércio Ltda., deixou de repassar ao INSS, no prazo legal, no período de janeiro de 1995 a agosto de 2002, valores arrecadados pela empresa a título de contribuições incidentes sobre a remuneração de empregados, relacionados em folha de pagamento mensal e rescisões de contrato de trabalho. Além disso, no período de maio de 1999 a agosto de 2002, omitiu fatos geradores de contribuições previdenciárias nas Guias de Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social – GFIP referentes a remunerações pagas a segurados empregados e contribuintes individuais e à diferença de remuneração paga a segurados empregados. Valores consolidados em 14 de março de 2003, respectivamente, em R$ 259.574,72 (duzentos e cinqüenta e nove mil, quinhentos de setenta e quatro reais e setenta e dois centavos) e R$ 618.587,06 (seiscentos e dezoito mil, quinhentos e oitenta e sete reais e seis centavos). 2. A materialidade delitiva ressai do procedimento fiscal já encerrado, acompanhado de farta de documentação, que resultou nos valores indevidamente apropriados e sonegados, detalhados nas notificações fiscais de lançamento de débito lavradas pela autoridade fazendária e não impugnadas na esfera administrativa. 3. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, para a configuração do crime de apropriação indébita previdenciária, basta a demonstração do dolo genérico, sendo dispensável um especial fim de agir, conhecido como animus rem sibi habendi (a intenção de ter a coisa para si). Assim como ocorre quanto ao delito de apropriação indébita previdenciária, o elemento subjetivo animador da conduta típica do crime de sonegação de contribuição previdenciária é o dolo genérico, consistente na intenção de concretizar a evasão tributária. 4. Não se presta para a suspensão da pretensão punitiva estatal, nos moldes do art. 9º da Lei 10.684/2003, a juntada de “Recibo de Pedido de Parcelamento da Lei 11.941, de 27 de maio de 2009”, cuja primeira prestação não foi paga no prazo previsto no referido documento, porque não comprova a efetiva obtenção do parcelamento administrativo do débito fiscal. 5. A mera participação no quadro societário como sócio-gerente não pode significar a automática, ou mecânica, responsabilização criminal, porquanto não se pode presumir a responsabilidade criminal daquele que se acha no contrato social como sócio-gerente, devido apenas a essa condição, pois tal increpação mecânica ou linear acarretaria a aplicação de inadmissível figura de responsabilidade penal objetiva. 6. Os elementos probatórios confrontados com as diferentes versões externadas pela defesa no curso da persecução penal, bem como a juntada de alteração contratual com registro falso da junta comercial excluindo o acusado da sociedade permitem chegar à conclusão da responsabilidade penal deste. No procedimento fiscal, ganha destaque e corrobora inequivocamente a condição contratual de sócio-gerente do acusado o instrumento procuratório por ele outorgado, representando a empresa, em que concede poderes a mandatário para os atos relacionados à ação fiscal. Mandatário que efetivamente assinou todas as notificações fiscais de lançamento de débito e os atos com ela relacionados. A transmissão de poderes, típicos de administração societária, confere certeza do grau de envolvimento do acusado com a administração da empresa. De outra parte, a concessão de procuração pelo acusado a terceiro, com outorga de poderes de gerência da empresa, não conferiu exclusividade de poderes ao outorgado, preservando os poderes de gestão do acusado. 7. A prova testemunhal produzida durante a instrução criminal não infirma a condição do acusado de responsável pela administração da sociedade, se nenhuma das pessoas ouvidas mantinha contato direto ou tinha vínculo com a empresa. Se não mantiveram contato com o dia-a-dia da empresa, não há de se atribuir ao depoimento de empregados de pessoas jurídicas outras – ainda que de empresas de um mesmo grupo familiar – a força de afastar do acusado a condição de responsável pela administração da sua empresa. 8. No âmbito dos crimes contra a ordem tributária, tem-se admitido, tanto em sede doutrinária quanto jurisprudencial, como causa supralegal de exclusão de culpabilidade a precária condição financeira da empresa, extrema ao ponto de não restar alternativa socialmente menos danosa que não a falta do não-recolhimento do tributo devido. Configuração a ser aferida pelo julgador, conforme um critério valorativo de razoabilidade, de acordo com os fatos concretos revelados nos autos, cabendo a quem alega tal condição o ônus da prova, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. Deve o julgador, também, sob outro aspecto, aferir o elemento subjetivo do comportamento, pois a boa-fé é requisito indispensável para que se confira conteúdo ético a tal comportamento. 9. Não é possível a aplicação da referida excludente de culpabilidade ao delito do art. 337-A do Código Penal, porque a supressão ou redução da contribuição social e quaisquer acessórios são implementadas por meio de condutas fraudulentas – incompatíveis com a boa-fé – instrumentais à evasão, descritas nos incisos do caput da norma incriminadora. 10. Hipótese em que o conjunto probatório não revela, em absoluto, a precária condição financeira da empresa. Nítida é a deficiência da prova de tal condição, não havendo nos autos um só documento que permita concluir por modo diverso. De mais a mais, a posterior autuação da empresa, referente ao período de setembro de 2002 a abril 2004, demonstra a plena continuidade dos seus negócios, de maneira a patentear que os elementos de convicção constantes dos autos caminham em sentido contrário à tese defensiva. 11. A continuidade delitiva se configura pela sucessão de crimes autônomos de idêntica espécie – praticados nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução – e que se considera um só crime por fictio iuris (ficção de direito). 12. Não há nos autos prova ou evidência de que a co-ré detivesse poder de mando, ou houvesse exercido qualquer atividade na empresa. O que afasta, por completo, a sua responsabilidade penal pelos crimes cometidos. 13. Réu condenado à pena-base de 3 (três) anos de reclusão e 30 (trinta) dias-multa, para cada delito, que, na ausência de circunstâncias atenuantes e agravantes e aumentada de 1/6 (um sexto) ante a continuidade delitiva, foi tornada definitiva em 3 (três) anos e 6 (seis) meses e 30 (trinta) dias-multa. Pena que, somada, devido ao concurso material, totalizou 7 (sete) anos de reclusão e 60 (sessenta) dias-multa, fixados no valor unitário de ½ (um meio) salário mínimo, vigente em agosto de 2002 (término da continuidade delitiva), atualizados monetariamente desde então. Fixação do regime semi-aberto para o início do cumprimento da pena, seguido do reconhecimento da impossibilidade de conversão das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos ou da falta de direito ao sursis da pena. 14. Co-ré absolvida por insuficiência de provas, nos termos do inciso V do art. 386 do Código de Processo Penal.
(AP 516, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 27/09/2010, DJe-235 DIVULG 03-12-2010 PUBLIC 06-12-2010 REPUBLICAÇÃO: DJe-180 DIVULG 19-09-2011 PUBLIC 20-09-2011 EMENT VOL-02590-01 PP-00001)
[18] CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 9º ed. São Paulo: Ltr, 2008,
passim. [19] Como explica, por exemplo, José Paulo Baltazar Júnior (JÚNIOR, José Paulo Baltazar. Crimes Federais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 26).
[20] Tais apontamentos são apresentados por Frederico Amado em sua obra, apontando os seguintes precedentes; quanto ao STF: Agravo Regimental no Inquérito 2.537, de 12.06.2008; quanto ao STJ: REsp: 1.113.735, de 02.03.2010. Ainda, aponta precedente da 5ª turma do STJ, onde se pode notar mudança de posicionamento, no sentido de se admitir a concepção adotada pelo STF, trata-se do HC 102.596, de 09.03.2010 (AMADO, Frederico. Direito e Processo Previdenciário Sistematizado. 4ª ed. Salvador: Editora Juspodium, 2013, pp. 1122 e 1123).
[21] JÚNIOR, José Paulo Baltazar.
Crimes Federais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 31.
[22] JÚNIOR,
Ibid., p. 31.
[23] CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. VALOR SUPERIOR ÀQUELE PREVISTO NO ART. 1.º, § 1.º, DA LEI N.º 9.441/97.
1. Não é possível utilizar o art. 4.º da Portaria n.º 4.943/99, com redação dada pela Portaria n.º 1.103/2003, ambas do Ministério da Previdência e Assistência Social como parâmetro para aplicar o princípio da insignificância, já que o mencionado dispositivo se refere ao não-ajuizamento de ação de execução, e não de causa de extinção de crédito.
2. O melhor parâmetro para afastar a relevância penal da conduta é justamente aquele utilizado para extinguir todo e qualquer débito oriundo de contribuições sociais junto ao Instituto Nacional de Seguro Social, consoante dispõe o art. 1.º, § 1.º, da Lei n.º 9.441/97, que determina o cancelamento da dívida igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais). Precedentes.
3. Recurso provido.
(REsp 1068911/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/06/2009, DJe 03/08/2009)
[24] DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União, em favor de Alvori Benvenhu. Nestes autos, a defesa questiona acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que conheceu e deu provimento ao Recurso Especial n. 1.134.388/RS. O paciente foi condenado pela prática do delito descrito no art. 168-A, § 1º, I, c/c 71, ambos do CP, à pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos. Segundo a denúncia, o acusado, na condição de responsável legal pela empresa Benvenhu & Dias Ltda., teria deixado de recolher aos cofres do INSS importâncias descontadas dos salários de seus funcionários, a título de contribuições previdenciárias, nos períodos compreendidos entre novembro/2000 e fevereiro/2001, dezembro/2001 e dezembro/2003, e nos meses de fevereiro e março/2004, gerando Lançamento de Débito Confessado n. 35.686.359-0, no valor de R$ 19.712,56. Irresignada, a defesa interpôs apelação perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sustentando: a) ausência de tipicidade (princípio da insignificância); b) extinção da punibilidade ou suspensão do processo pelo parcelamento da dívida; e c) excludente de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa em decorrência das dificuldades financeiras experimentadas pela sociedade). O TRF da 4ª Região deu provimento ao recurso para absolver o paciente pela aplicação do princípio da insignificância. Eis a ementa desse julgado: "PENAL E PROCESSUAL. ANULAÇÃO. JULGAMENTO. FALTA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO RÉU ACERCA DO DECRETO CONDENATÓRIO DE PRIMEIRO GRAU. ARTIGO 168-A, § 1º, INCISO I, DO CP. QUITAÇÃO DE PARTE DO DÉBITO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. REMANESCENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. PARÂMETRO. ARTIGO 20 DA LEI N.º 10.522/02. DISPENSA DE EXECUÇÃO FISCAL NA ESFERA ADMINISTRATIVA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. 1. A ausência de intimação do réu acerca da sentença condenatória constitui causa de nulidade. Precedentes. 2. Renovados os atos processuais posteriores, procedendo-se a novo julgamento do feito. 3. Tendo sido possível identificar as competências liquidadas pelo pagamento de parte do débito, extingue-se a punibilidade dessas parcelas, nos termos do § 2º do art. 9º da Lei n. 10.684/2003. 4. Mantida a persecução penal apenas quanto ao período remanescente. 5. Tendo em conta a Lei n. 11.457/2007 que considera também como dívida ativa da União os débitos decorrentes das contribuições previdenciárias (art. 17) – dando, portanto, tratamento igualitário aos créditos tributários – bem como recente entendimento das Cortes Superiores e deste Regional, aplica-se ao delito em questão o princípio da insignificância jurídica quando o valor do tributo não recolhido for igual ou inferior ao estabelecido administrativamente como sendo o mínimo para o ajuizamento de execuções fiscais (R$ 10.000,00 – art. 20 da Lei 10.522/02). Conseqüentemente, a conduta imputada é atípica”. O Ministério Público, então, interpôs recurso especial perante o STJ. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça afastou o princípio da bagatela ao argumento de que superaria o limite legal: “constatando-se que a importância que deixou de ser recolhida aos cofres do INSS é superior ao patamar estabelecido no dispositivo legal que determinou a extinção dos créditos oriundos de contribuições sociais, deve ser afastada a aplicação do Princípio da Insignificância”. No presente writ, a Defensoria Pública afirma: “o valor restante, ou seja, a inadimplência de R$ 7.589,06 (sete mil quinhentos e oitenta e nove reais e seis centavos) é abaixo dos R$ 10.000 (dez mil reais) estabelecidos para os débitos tributários em geral”. Afirma, ainda: “a autoridade coatora, embora tenha reconhecido a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, alegou que o limite para o crime previdenciário seria de apenas de R$ 1.000,00 (hum mil reais), para o caso de contribuições sociais, e não de 10.000 (dez mil reais), critério dos crimes tributários”. Liminarmente, requer a suspensão dos efeitos do acórdão proferido nos autos do Recurso Especial n. 1.134.388/RS até decisão final deste HC. No mérito, requer a concessão da ordem pela aplicação do princípio da insignificância (por bagatela própria ou imprópria). Passo a decidir tão somente o pedido de medida liminar. No caso concreto, discute-se a possibilidade da aplicação, ou não, do princípio da insignificância em virtude da prática de apropriação indébita previdenciária, sendo que o valor das contribuições previdenciárias não recolhidas ao INSS apurado foi de R$ 7.589,06 (sete mil quinhentos e oitenta e nove reais e seis centavos). Não reconheço plausibilidade à tese sustentada pela impetrante. A propósito, menciono o seguinte precedente: “ PENAL. HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DÉBITO QUE SUPERA O VALOR FIXADO NO ART. 1º, I, DA LEI 9.441/97. ORDEM DENEGADA. 1. A impetrante pretende a aplicação do princípio da insignificância alegando que a quantia não repassada à Previdência Social pelo paciente é inferior ao valor mínimo fixado na Portaria MPAS 4.943/99, para o ajuizamento de ação de execução. 2. O art. 4º da Portaria MPAS 4.943/99 determina somente o não-ajuizamento da execução, quando o débito inscrito como Dívida Ativa do INSS for igual ou inferior a R$ 10.000,00 (valor modificado pela Portaria MPAS 1.105/02), sem, entretanto, que haja extinção do crédito. 3. Não se pode invocar tal dispositivo legal para fazer incidir o princípio da insignificância, visto que, nesses casos, não há extinção do crédito tributário, mas mera autorização para o não-ajuizamento de execução, que, no entanto, poderá ser ajuizada, quando o valor do débito ultrapassar o limite indicado. 4. A extinção do crédito fiscal está prevista no art. 1º, I, da Lei 9.441/97 e atinge, apenas, os débitos inscritos em Dívida Ativa que não ultrapassarem o montante de R$ 1.000,00 (mil reais). 5. Foi apurado pelo INSS um crédito previdenciário no valor total de R$ 13.884,71 (treze mil oitocentos e oitenta e quatro reais e setenta e um centavos), decorrente do não-recolhimento de contribuições pelo paciente. 6. Habeas corpus denegado” – (HC 100.004/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, maioria, Dje 26.11.2009). Dessarte – ressalvado melhor juízo por ocasião da apreciação de mérito –, dos documentos acostados aos autos pela impetração, não constato a existência dos requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada (fumus boni juris e periculum in mora). Nesses termos, indefiro o pedido de medida liminar. Estando os autos devidamente instruídos, abra-se vista ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192). Publique-se. Brasília, 11 de março de 2011. Ministro GILMAR MENDES Relator Documento assinado digitalmente. (HC 107331 MC, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 11/03/2011, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-054 DIVULG 22/03/2011 PUBLIC 23/03/2011)
[25] JÚNIOR, José Paulo Baltazar. Crimes Federais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 37.
[26] JÚNIOR
, Ibid.., p. 31.
Acadêmica de Direito pela Associação Educacional do Vale do Jurumirim (EDUVALE AVARÉ)
Mestrando em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (UNIVEM). Pós-graduado, com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC). Direito Constitucional (UNISUL). Direito Constitucional (FAESO). Direito Civil e Processo Civil (FACULDADE MARECHAL RONDON). Direito Tributário (UNAMA). graduado em Direito (ITE-BAURU. Analista Judiciário Federal – TRF3. Professor de graduação de Direito na Associação Educacional do Vale do Jurumirim (EDUVALE AVARÉ). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Instituto Palatino. Membro do Conselho Editorial da Revista Acadêmica de Ciências Jurídicas da Faculdade Eduvale Avaré. – Ethos Jus. Co-autor da obra “Ativismo Judicial – Paradigmas Atuais” (2011) Letras Jurídicas. Co-Organizador da obra “Ensaios Sobre a História e a Teoria do Direito Social” (2012) Letras Jurídicas