Felipe de Macedo Teixeira (autor): Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Rio Grande – FURG
Pedro Idevan Cozza Barboza (autor): Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Rio Grande – FURG
Renato Duro Dias (orientador): Professor de Direito na Universidade Federal do Rio Grande – FURG
Resumo: O conceito de cidadania consiste no conjunto de direitos e deveres que o cidadão tem com o meio em que vive. A cidadania no Brasil ainda não se tornou um status genérico diante de todos, visto que está associada a critérios socioeconômicos. Esse fato se evidencia na estratificação social, quando a lei prevê pessoas legalmente iguais. Com isso, a assistência judiciária apresenta-se como um instituto base para garantir não só acesso à justiça igualitária, mas como uma ferramenta de consolidação da cidadania no âmbito social. Sendo a justiça uma das bases da formação do conceito de cidadania, é de suma importância que essa seja viabilizada de forma gratuita, permitindo que o texto da lei não permaneça apenas nas entrelinhas, mas que seja aplicada e efetivada na realidade social brasileira. Neste trabalho serão apresentados os conceitos base dos termos cidadania e assistência judiciária, e como estas foram consolidadas no cenário mundial e brasileiro no decorrer dos séculos. Além disso, será explicitado as vias que a assistência judiciária utiliza como forma de garantir a cidadania e consolidar seus princípios entre as populações de acesso restrito à justiça.
Palavras-chave: assistência jurídica universitária; assistência judiciária; cidadania; acesso à justiça.
Abstract: The concept of citizenship consists of the set of rights and duties that the citizen has with the environment in which he lives. Citizenship in Brazil has not yet become a generic status before all, since it is associated with socioeconomic criteria. This fact is evident in social stratification, when the law provides for persons legally equal. With this, the legal assistance is presented as a base institute to guarantee not only access to equal justice, but as a tool of consolidation of the citizenship in the social scope. Since justice is one of the bases for the formation of the concept of citizenship, it is of the utmost importance that it be made available for free, allowing the text of the law not to remain only between the lines, but to be applied and made effective in the Brazilian social reality. This paper will present the basic concepts of the terms citizenship and legal aid, and how they have been consolidated in the world and Brazilian scenario over the centuries. In addition, the ways in which judicial assistance is used as a means of guaranteeing citizenship and consolidating its principles among the populations with restricted access to justice will be made explicit.
Keywords: university legal assistance; judicial assistance; citizenship; access to justice.
Sumário: Introdução. 1. Cidadania: conceito e histórico. 2. Cidadania e o acesso à justiça. 3. O Acesso à Justiça dentro do Estado Democrático de Direito brasileiro. Conclusão. Referências
Introdução
Após séculos de evolução e trabalho, o conceito de cidadania chegou à Constituição brasileira vigente como um direito de todos. Garantida pelo artigo 5º, a cidadania tornou-se um meio de o cidadão exigir que seus direitos fundamentais de existência na sociedade sejam aplicados. Sendo um deles o acesso à justiça, a assistência judiciária surge após diversas experiências de outros países na tentativa de garantir a justiça àqueles considerados “à margem da sociedade”.
Considerada a maneira mais eficaz de trazer a justiça a todos meios sociais, a assistência jurídica foi efetivamente garantida pela lei nº 1060/50, em que, segundo texto legal
“Os poderes públicos federal e estadual, independente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil, – OAB, concederão assistência judiciária aos necessitados nos termos da presente Lei.”
Com isso, o presente trabalho terá foco no serviço de assistência judiciária brasileira e como, através do serviço gratuito aos necessitados, ele efetiva os termos do artigo 5º, inciso LXXIV, na busca de trazer a cidadania em seus diversos aspectos a toda sociedade brasileira.
O conceito de cidadania consiste nos direitos e deveres que o cidadão tem com o meio em que vive. A cidadania no Brasil ainda não se tornou um status genérico diante a todos, visto que está associada a critérios socioeconômicos. Esse fato se evidencia na estratificação social, quando a lei prevê pessoas legalmente iguais, entretanto, alguns direitos não são garantidos a pessoas das baixas camadas, e alguns deveres não são impostos a algumas pessoas das altas camadas, ou de alguma forma se escusam desses.
A noção de cidadania foi recuperada paulatinamente no século XX em detrimento de uma significativa quantidade de eventos sociais. As duas guerras mundiais trouxeram à tona a necessidade de assegurar os direitos da dignidade da pessoa, que logo fora transcrito para a Declaração Universal dos Direitos do Homem. A expansão do socialismo, a crise do capitalismo e os conflitos entre a burguesia e o proletariado são mais motivos que levam a revisão sobre a entidade Estado a sua relação com o indivíduo. Dessa forma, estabelece-se um pacto social pelo qual o Estado passa a prover serviços sociais. No quadro brasileiro, o conceito é ainda mais histórico, e o seu estudo necessita da análise do Estado brasileiro desde as Instituições Coloniais.
A evolução da cidadania permitiu que houvesse uma correlação com a democracia, sendo uma a base da outra. Essa correlação originou o termo cidadania democrática que tem como pontos fortes o controle do governados sobre os governantes com o intuito de garantir que as demandas da sociedade sejam compreendidas e erradicadas por políticas públicas, além da garantia de liberdade plena, igualdade de direitos e inclusão daqueles que permanecem à margem da sociedade, alienados de seus direitos e deveres. São nessas características que a cidadania democrática torna-se cada vez mais importante para assegurar o acesso à justiça a todos, cabendo à assistência jurídica propagar esse direito àqueles situados fora da garantia de direitos da Constituição Federal.
Nessa primeira etapa do desenvolvimento será feita uma breve abordagem histórico acerca da evolução da cidadania no âmbito mundial e sua consequente implementação no panorama brasileiro. Com isso, percebe-se que a maioria dos doutrinadores veem a cidadania no sentido etimológico como a condição daqueles que residem na cidade. Ao mesmo tempo, o termo se refere à situação de um ser humano como membro de um Estado, como indivíduo detentor de direitos e obrigações. O sentido da “cidadania” é plurifacetado: cidadania política, civil, econômica, social. Liga estas várias dimensões a ideia de que à “cidadania” traz consigo uma relação de direitos e de deveres entre o indivíduo e a comunidade política na qual ele se faz presente. Ao associar igualdade e cidadania, pretende-se aprofundar as várias perspectivas da cidadania, evidenciando que cada pessoa é responsável pela promoção da igualdade.
Como pôde ser observado no conceito acima, a ideia de cidadania é devidamente ligada às palavras “cidade” e “cidadão”, sendo elas a base para a atual constituição da palavra e suas resignações. É através dessa base que a cidadania garante o bom funcionamento da democracia, sendo em sentido utópico ou prático.
Sua ligação com a palavra “cidade” remete ao período da Idade Antiga e o Período Clássico, em que emergiam as gigantes e poderosas pólis, as cidades-estado da Grécia antiga. Extremamente autônomas e autossuficientes, as pólis surgiram como um aglomerado de tribos e evoluíram para organizações políticas destaques para a época. A mais glorificada, Atenas, originou-se em um sistema político de monarquia, avançou para a aristocracia, a tirania e, finalmente, a democracia. Vale ressaltar que existia uma concepção totalmente diferente de compreensão de participação social e de direitos. Com isso, na democracia da época o cidadão ateniense – os homens, nascidos na pólis e acima de vinte e um ano, excluindo as mulheres, que estavam às margens da vida pública, os estrangeiros e os escravos- tinham a permissão para participação na vida política, seja na Assembleia dos cidadãos, a ekklesia, ou no conselho, o Prytaneis, além de exigências de responsabilidade para com a comunidade, que era usualmente confundida pelo Estado. Conforme o orador grego Péricles afirma, “Aquele que não se interessa pela política nada tem a fazer aqui”. A partir desse momento em que o conceito de cidadania ganha valor e começa a se desenvolver.
Na Roma antiga, a cidadania foi usada para caracterizar uma situação política, um status que garante seus direitos de exercer papel na vida política da cidade. No período houve uma subdivisão do conceito em cidadania e cidadania ativa, sendo esta última assegurada aos patrícios e plebeus de maior destaque. Ela seria permitida apenas aqueles que pagavam impostos e detinham de propriedades, podendo assim, exercer seu papel político autoridade ou cidadão comum, sendo excluídos os escravos, crianças, mulheres e estrangeiros.
O desmembramento do Império Romano pelas invasões bárbaras inaugurou o período da Idade Média e alterou por completo as relações de poder no mundo europeu. Era destaque no momento as relações de servidão, suserania e vassalagem. O sistema político do feudalismo subordina todas as relações de poder à propriedade e à posse de terra, surgindo uma certa confusão entre o que é público e o que é privado. A praticamente imutável pirâmide hierárquica das camadas sociais acentuou as desigualdades de poder e status político, que era acentuada pela ausência de um código de direitos e deveres, uma instituição positivada para determinar a cidadania. A falta de mobilidade social mudou com o surgimento das primeiras cidades, os burgos, que eram sinônimo de liberdade por permitirem aos indivíduos afastar-se do feudo e todo o sistema abusivo que vigorava na época, uma garantia de cidadania. Em uma sociedade dividida praticamente entre senhores feudais, clérigos e servos, os poderes eram absolutos para as duas primeiras “camadas”, em um panorama em que a cidadania sofreu um processo de estagnação de valores, voltando a evoluir apenas no próximo período histórico.
Em uma visão exclusivamente histórica, a Idade Moderna é inaugurada pela tomada da cidade de Constantinopla pelos turcos otomanos. Porém, como o foco deste artigo é na cidadania, é válido dizer que os grandes destaques da época foram as revoltas, uma consequência do questionamento dos privilégios que poucas classes recebiam, caracterizando um dos principais períodos de evolução da cidadania, que não era mais relacionada apenas ao pertencimento às comunidades, mas sim ao exercício de direitos. Através de inúmeras revoluções que iniciaram-se nesse período, o conceito de cidadania ganhou maior valor e base, aproximando-se da visão hoje abordada. A independência dos EUA, a Revolução Inglesa e a Revolução Francesa foram o estopim para o nascimento dessa concepção moderna, que surgiu para eliminar os privilégios de determinadas camadas populares, sejam os impostos abusivos ingleses sobre as treze colônias americanas, ou os abusivos poderes absolutos de reis e clérigos na Inglaterra e na França. Com isso, três princípios foram postos como alicerces da cidadania: liberdade, fraternidade e igualdade.
É válido ressaltar, para evitar futuras e consequentes confusões, que o conceito de cidadania difere do conceito de direitos humanos em aspectos básicos para o entendimento do artigo. Enquanto a cidadania é dependente das leis positivadas pelo Estado, os direitos humanos, mesmo que por uma visão ocidental, são universais e independem dos valores pregados pelas nações. A cidadania, enquanto garantida pelo ordenamento jurídico, torna-se particularizada e adquire um status jurídico, exatamente o oposto dos direitos humanos.
Marshall (1967), em sua famosa obra “Cidadania, Classes social e Status” faz uma interligação da cidadania às lutas pela conquista dos direitos civis, sociais e políticos. As lutas por direitos civis garantiam a liberdade em seu sentido amplo de propriedade, política, expressão, individual, ir e vir, imprensa, pensamento e fé, além do acesso à justiça a todos, tema que será posteriormente abordado. As lutas por direitos sociais garantiram o bem-estar econômico, o direito à herança social e o padrão mínimo de vida, além do processo de institucionalização da educação com o intuito de formar cidadãos capazes de liderar e desenvolver a nação. E, finalmente, as lutas por direitos políticos garantiram o exercício do poder político a todos, sendo implementada em sua maioria no século XX.
Como pode ser observado, as lutas por direitos sociais, políticos e civis estão ainda presentes, em diversas nações tanto desenvolvidas, quando emergentes. A cidadania em seu sentido amplo ainda não está na realidade de muitas sociedades. Para Dallari (1998, p. 14), o conceito de cidadania está estreitamente ligado à garantia das condições básicas do exercício político. Seriam necessários direitos fundamentais, garantidos pela constituição, para que seja efetivada a participação do cidadão ativamente da vida e do governo de seu povo.
Touraine (1998, p. 93) afirmava que a responsabilidade do cidadão é alicerce para a democracia efetiva e consequente cidadania plena. A ideia de coletividade política como fator básico para a integração de uma sociedade seria permitida através de direitos e garantias que marcam a identidade do cidadão:
“Não há cidadania sem a consciência de filiação a uma coletividade política, na maior parte dos casos, a uma nação, assim como a um Município, a uma região, ou ainda a um conjunto federal. (…) Assim, o termo cidadania refere-se diretamente ao Estado Nacional”. (TOURAINE, 1998, p. 93)
Especificamente no caso do Brasil, o artigo 5º da Constituição Federal prevê a dignidade da pessoa humana e seus direitos fundamentais. O indivíduo uma vez reconhecido pelos direitos e deveres, incorpora status de cidadão; dessa forma o Estado brasileiro firma um pacto social que entende que nem todos os indivíduos estão aptos a almejar tais direitos, geralmente por motivos socioeconômicos. Ocorre então a intervenção por meio de políticas públicas, entre elas a assistência jurídica que vai ao encontro do indivíduo vulnerável, esclarecendo situações previstas pela lei, visando sempre garantir o acesso à justiça a todos cidadãos.
Nos assuntos concernentes ao acesso à justiça, uma série de obstáculos apresentam-se com empecilhos à concretização deste ideal. Em países onde existe um grande abismo relativo à concentração de renda e desigualdade social, como o Brasil, são costumeiros os casos de pessoas/famílias/grupos que perdem a oportunidade de reivindicar por seus direitos garantidos por lei devido às custas judiciais, principalmente na área que abrange aos honorários de advogados.
Como a maioria dos casos levantados pela população em geral são de pequenas causas, ocorre um processo econômico em que a relação de custos das ações cresce com a redução de valor da causa. Com isso, os custos adicionais relativos principalmente aos honorários, tornam-se um empecilho ao financiamento de profissionais competentes à causa. Os custos de causa permanecem elevados mesmo em países desenvolvidos como a Alemanha, em que, na média, casos pequenos de apenas uma instância costumam ter seus preços inflacionados em 50% do valor usual.
Em acréscimo às mazelas relacionadas com os custos de pequenas causas, o tempo em que essas causas permanecem sobre julgamento, ou aguardando pelo mesmo, tornou-se um dos, senão o principal obstáculo para financiamento particular. Em países como o Brasil, em que o processo burocrático, somado à quantidade de casos aguardando a oportunidade de serem julgados são de número elevadíssimo, é natural que muitas pessoas desistam de buscar por seus direitos, em que, sendo aproveitadas pela sua situação econômica frágil, aceitam acordos injustos, elevando a condição de desigualdade social.
No que concerne à possibilidade das partes, torna-se mais evidente do que nunca os contrastes sociais, onde os mais afortundados dispõe de recursos para litigiar e suportar as delongas desse litígio, sem ressaltar no referente aos gastos extras, considerados por muitos, o fator que mais eleva os custos de um caso. Nesse panorama, uma grande parcela da população fica às margens do poder, afastadas das oportunidades de ascensão e busca de realização pessoal/profissional que a justiça poderia garantir.
Além do abismo social que separa àqueles que podem bancar com àqueles não tem condições financeiras, está outro fator chave nos obstáculos de acesso à justiça: a aptidão de reconhecer o seu direito e propor uma ação de defesa. Esse fator talvez até possa atingir àqueles com melhores condições financeiras, visto que as complexidades dos direitos e deveres são uma barreira que apenas os profissionais jurídicos obtêm ferramentas para identificar por completo. Entretanto, as noções básicas de direito que abrangem a área da capacidade jurídica tornaram-se ligadas ao nível de educação da sociedade, do meio e dos status social de cada cidadão.
Além disso, somada e ligada à aptidão de reconhecer as injustiças está a mentalidade de senso comum que costuma “espantar” e assustar àqueles que não costumam frequentar e conviver com o ambiente jurídico e suas subdivisões. Nesse senso comum, é frequente o sentimento geral de desconfiança para com o advogado, visto por muitos como um manipulador prestes a tirar vantagens daqueles despreparados; os ambientes “intimidadores” de escritórios, tribunais e fóruns; os formalismos técnicos presentes nos textos e na oratória jurídica; os procedimentos legais e burocráticos julgados como complicadores; o sentimento de opressão ligada a profissões como juiz, promotor e defensor públicos, vistos com temor. Estes e mais outros fatores de senso comum caracterizam a difícil mobilização para o uso do sistema judiciário.
No que concerne aos problemas de ordem interna das populações mais vulneráveis a violação de direitos, as ações coletivas foram vistas por muitos especialistas como uma das principais vias para o acesso à justiça. Entretanto, surgiram uma série de barreiras relativas à organização, principalmente para reuniões, do grupo. Mesmo para casos que possam ser representados por ação coordenada, os interesses difusos de uma mesma parte surgem como um sério empecilho nas negociações e busca de um objetivo em comum, tornando esse tipo de ação coordenada como extremamente fraca e suscetível a deslignificação do grupo.
Nos países membros da União Europeia e nos EUA, visando reduzir a taxa de desigualdade social e garantir o acesso à justiça a todos, foram tomadas uma série de medidas alternativas visando obstruir os empecilhos das custas judiciais, das possibilidades das partes e dos interesses difusos. Ainda que muitas dessas medidas tiveram importantes resultados, muitas delas apresentam algumas consequências e formação de novas barreiras internas, sendo que nenhuma delas conseguiu superar até hoje a ideia de uma assistência jurídica, que será abordada posteriormente no trabalho.
Uma das soluções foi a adoção de um advogado remunerado pelo Estado para representar cidadãos de menor condição financeira. Nesse projeto, inicialmente adotado nos EUA, foram adotados escritórios em comunidades de situação socioeconômica vulnerável para que o contato advogado-cliente fosse de maior proximidade, eliminando os conceitos negativos construídos pelo senso comum em relação ao advogado e à justiça. Nessa ideia, o auxílio na reivindicação de direitos tornou-se muito mais prático, apesar da dificuldade de atender aos problemas individuais advindos de pequenas causas. No entanto, esse projeto tornou-se comum até hoje nos EUA, visto que a ação governamental tornou-se incapaz de defender os interesses difusos por inflexibilidade e lentidão de ação.
Outra medida nos países ocidentais desenvolvidos foi a criação de um procurador-geral privado, responsável por mobilizar e representar ações populares em contraponto a uma ação governamental, por exemplo. Essa alternativa é até hoje usualmente utilizada para casos de direito ambiental, protegendo a população local de possível consequência negativas de um projeto público, tornando-se uma saída de extrema eficácia para casos de interesses difusos, unificando-os em prol de um objetivo comum.
Por fim, outros dois modelos concorrem até hoje em termos de eficácia nos EUA. A adoção de um advogado particular do interesse público tornou-se um meio extremamente compensatório para pagamento de honorários. Esse sistema divide-se em duas etapas, começando pela organização de grupos para ação coletiva, procedida pelo fortalecimento de grupos privados em prol da defesa dos interesses difusos. Em concorrência, a ideia de assessoria pública garantiria a investigação, mobilização e subsídio de grupos injustiçados.
Com isso, algumas dessas medidas continuam eficazes nos sistemas jurídicos internacionais, todas elas servindo de base para a criação de uma ideia primitiva de assistência jurídica, o sistema Judicare. Nesse sistema, implantado em meados dos anos 1980 nos EUA, a justiça alcançaria toda a sociedade através do financiamento público de advogados privados, uma alternativa extremamente positiva nos obstáculos concernentes aos honorários de advogados. Entretanto, apesar do alto número de advogados disponíveis no mercado, é comum que a demanda ultrapasse a oferta, além do problema de dotação orçamentária, visto que esse sistema tem dificuldade no financiamento de pequenos casos.
Nesse cenário, surgem novas tendências nas medidas de acesso à justiça, como a reforma dos procedimentos judiciais, visando a eliminação da burocracia desnecessária e que torna os processos mais lentos; a proliferação de paraprofissionais jurídicos em centros de assessoria jurídica, buscando a formação de assistentes jurídicos com diversos graus de treinamento em pesquisa, entrevista, investigação e preparação de casos; a criação de planos de seguros/serviço jurídico em grupo, com a adoção de grandes advogados na representação de comunidades, tornando o pagamento gradual; e a criação de planos de seguro jurídico fechados, nova tendência norte-americana, em que é fornecida a prevenção e educação jurídica básica em prol da justiça social, uma das saídas mais eficientes nos cenários de desigualdade social e jurídica.
No Brasil o acesso à justiça é um dilema, por um lado o quadro de déficits socioeconômicos que parte da população se encontra dificulta a consciência de direitos fundamentais visto à falta de informação, escolaridade e educação. Em sequência, quando o indivíduo procura uma Assistência Jurídica Gratuita, o processo costuma ser tão burocratizado que parte das vezes o beneficiário desiste da ação.
O modelo de Estado Democrático, hoje, tem como fundamento básico a isonomia, sendo um dos alicerces que dão integridade e unidade ao Estado. A garantia de que os direitos de escolha religiosa, sexual, partidária, etc. será respeitada pela lei é uma conquista de importância inigualável em um mundo em constante transformação. Esse princípio da isonomia confere a todos também o acesso à justiça. Conferindo a todos o direito ao acesso à justiça, deve-se levar em consideração a proporcionalidade de possibilidades. No plano do direito material, todos devem ter a possibilidade de ser titulares dos direitos que o ordenamento jurídico lhe confere e de efetivamente exercê-los. Aos desiguais, deve haver tratamento formalmente desigual, para que a desigualdade fática possa ser compensada, atingindo-se a igualdade substancial. Tal direito é explicitamente garantido pela Constituição Federal no artigo 5º,
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, […]”
Entretanto, o sistema econômico vigente na atual sociedade tem como uma de suas consequências a exclusão de alguns, que, em diversas ocasiões, são totalmente/parcialmente privados de seus direitos garantidos pela Constituição Federal. Nesse panorama, cabe ao Estado o dever que tomar atitudes expressas em políticas públicas para retirar tais populações da margem da sociedade. Com isso, o chamado estado de bem-estar social, ganha relevância na luta pela isonomia plena. Surge assim, a necessidade de um Estado intervencionista na busca de neutralizar as diferenças, permitindo a todos o acesso a uma vida digna. A intervenção deve ser interpretada como um meio, nunca o fim.
O direito de acesso à justiça para Kazuo Wantabe (apud Tavares e Marcacini, 2001):
“- direito a informação e perfeito conhecimento do direito substancial e à organização de pesquisa permanente a cargo de especialistas e orientada àafeiração constante da adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômico do País.
– direito de acesso à justiça adequadamente organizada e formada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa.
– direito à preoordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a efetiva tutela de direitos.
– direito à remoção de todos os obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo à Justiça com tais características. (TAVARES e MARCACINI, 2001, p.21)”
Entretanto o acesso à justiça, mesmo que garantido pela lei, é de difícil alcance, caracterizando a ineficiência do sistema normativo de ser efetivado à realidade. Custos judiciais (não é compensatório o ingresso ao juízo, financeiramente inviável para pleitear em juízo), falta de recursos (necessidade da intervenção estatal para o financiamento) e de informação (barreiras culturais- necessidade de medidas evolutivas no nível sociocultural da população) como causas dessa ineficiência e acabam privando muitas populações de um direito básico e que pode sistematicamente aumentar seu nível de vida.
Junto às dificuldades que populações de menor renda para terem seu direito de justiça atendido, está a falta de cultura em relação aos direitos do cidadão, que leva muitos a envolver-se em conflitos, assumindo posição desconfortável. A desinformação em relação às facilidades providas pela Estado de assistência judiciária resulta em perdas e danos na propriedade material e imaterial do indivíduo, deixando-o em situação de desvantagem para com aqueles que provém de recursos abastados para vencer causas judiciais e obter vantagem econômico sobre os de menor condições. Muitas vezes o carente fica calado a leões aos seus direitos no dia a dia, buscando a assistência jurídica quando atinge uma situação limite. Situações recorrentes que privam o carente de seu acesso à justiça é a falta de entendimento em relação à legislação. Muitos erroneamente interpretam caráter “justo” e “oficial” dos carimbos, sendo enganados e perdendo oportunidades de crescimento social e econômico, por exemplo.
A Lei nº. 1060/50 conceitua explicitamente os direitos de assistência judiciária, que deve ser acessível a todos brasileiros natos ou estrangeiros residentes no país que necessitem recorrer à justiça penal, militar, civil ou do trabalho. É válido lembrar que o necessitado deve comprovar sua situação econômica insuficiente que o impeça de financiar uma ação na justiça através de seus documentos legais. Caso o financiamento estatal seja comprovado como desnecessário pelo financiado ter forjado sua situação econômica, a ação seguirá seu curso, porém o “carente” terá seu financiamento cessado e será processado paralelamente. O mau uso do dinheiro público é um crime grave e atinge diversos valores da cidadania.
A comprovação de insuficiência tem grande peso pois o carente será isento de pagar taxas judiciárias, despesas com as publicações indispensáveis no jornal, indenizações devidas às testemunhas, honorários do advogado e peritos, despesas com a realização de exames médicos necessários e os demais atos processuais recorrentes da ação. Ao final da ação, caso seja vencida pelo carente, deverá ser paga com prazos predeterminados ou o juiz poderá exigir que a parte contrária arque com as despesas cobertas pelo Estado.
É válido também conceituar termo que claramente são confundidos no âmbito do acesso à justiça:
Por esse motivo, trabalha-se no sentido de dinamizar a assistência social facilitando as ações, e por outro lado, ampliando o campo de atuação, oferecendo uma assistência de orientação familiar com profissionais capacitados a ajudar os conflitos e obstáculos do cidadão vulnerável. Nesse diapasão familiar, o objetivo é trabalhar com os pais auxiliando no encaminhamento dos filhos, e também, trabalhar com os próprios filhos no intuito de conquistar a escolaridade.
Conclusão
Mesmo que ainda em processo de evolução e lenta implantação, os programas de assistência jurídica no Brasil têm desempenhado um forte papel na divulgação de informações jurídicas básicas e auxílio na obtenção de advogados para comunidades em situação de carência e risco. Projetos têm sido desenvolvidos por diversas universidades, uma das principais fontes e vias no combate à desigualdade social, para criação de novos centros para assessorar àqueles à margem da sociedade, que em diversas ocasiões têm seus direitos privados ou obstruídos sem a possibilidade de lutar por justiça. Nesse sentido, os centros de assistência jurídica no país vêm como a principal saída na busca por uma sociedade mais igualitária.
Referências
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TAVARES, Augusto; MARCACINI, Rosa. Assistência Jurídica, Assistência Judiciária e Justiça Gratuita. 1 . ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2001. 146 p.
GONÇALVES, Cláudia Maria da Costa. Assistência Jurídica Pública: direitos humanos e políticas sociais. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2002. 110 p.
CHIAMULERA, Andressa. O acesso à justiça na perspectiva da Ética da Libertação: a atuação das assessorias jurídicas universitárias populares. 2007. 57 p.
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TOURAINE, Alain. Igualdade e Diversidade: o sujeito democrático. Tradução de Modesto Florenzano. São Paulo: EDUSC, 1998.
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