Recentemente, ao tomar conhecimento da
realização de um concurso de monografias, patrocinado pelo Instituto Rui
Barbosa e outras instituições, não conseguia pensar em melhor título e tema do
que a “A Atualidade de Rui Barbosa”. Realmente, qualquer pessoa que tenha
a felicidade de folhear seus escritos, encontrará textos que parecem se referir
a fatos hodiernos – e concordará comigo que minha
idéia há pouco referida peca pela falta de originalidade.
No entanto, em mais um desses momentos
de crise que assalta o cidadão brasileiro médio (há quem entenda que esse não
mais existe), ao nos depararmos com os mandos e desmandos desse Brasil, pude
reafirmar meu modesto credo – Rui Barbosa, em 18 de maio de 1911, em Discurso
no Instituto dos Advogados, com seu brilho invulgar, escrevia as palavras
exatas, justas para nosso momento atual.
Não foi opção, mas necessidade.
Tive que recorrer a Rui Barbosa, especialmente após a leitura do Informativo nº 174 do S.T.F. – mais
especificamente, das transcrições das decisões do Habeas
Corpus sob o nº 79.812-8-S.P.
e do Mandado de Segurança sob o nº 23.576-D.F., ambos
sob a relatoria do Ministro Celso de Mello, nos quais
foram decididos, respectivamente, no sentido da impossibilidade de o Poder
Público impor medidas restritivas a quem exerce, regularmente, a prerrogativa
contra a auto-incriminação e, do direito do advogado, em comissão parlamentar
de inquérito, assistindo seu cliente, ver respeitadas as prerrogativas de ordem
profissional instituídas pela Lei nº 8.906/94.
Nestas, destaque-se os diversos trechos
transcritos do mandado de segurança pelo Ministro Celso de Mello, em sua
decisão, nos quais a parte impetrante relatava os alegados abusos cometidos
pela CPI/Narcotráfico – como o da expulsão da sessão, a determinação de que
permanecessem calados, sentados e imóveis, dentre outros. É no mínimo o
relato de um espetáculo digno de regimes de exceção, não apropriado para ter
como personagens os representantes eleitos pelo povo em um sistema que se
afirma democrático. Ou se é de fato, pela prática e exercício cotidiano
da democracia, ou não. E se não é, trata-se de mero engodo. “Não se
deve afirmar o que se é”, já dizia a sabedoria popular.
Pretende-se aqui, na verdade, utilizar
os fatos ocorridos como desculpa para trazer o referido “Discurso” de Rui
Barbosa. A CPI/Narcotráfico e o eventual desrespeito flagrante
à Constituição Federal, leis infraconstitucionais e princípios muito maiores e
mais elementares do que nosso caro ordenamento jurídico não serão analisados
aqui. Acreditamos que a população e comunidade jurídica, nela
inserta, estão a desencadear a reação devida.
O trecho abaixo, “Discurso no Instituto
dos Advogados em 18 de maio de 1911”,
foi extraído da obra “O Pensamento Vivo de Rui Barbosa”, apresentado por Américo
Jacobina Lacombe (in “Biblioteca
do Pensamento Vivo, vol. 13, Livraria Martins Editora, São Paulo, pág. 112/119):
“1914 – As preocupações dos nossos
mestraços em sabedoria política, gente de cujo valor temos
a cópia de sua grande obra, o estado atual do país, se fôssem
porventura sinceras, teriam de se filiar na doutrina francesa, no sistema
ultramarino da inferioridade ou subordinação do Poder Judiciário aos atos do
Poder Legislativo, constitucionais, ou inconstitucionais. Êsse o princípio geral das constituições, que se não
categorizam entre as descendentes dos Estados Unidos. A supremacia,
contra a qual aqui se estão levantando agora os interêsses
políticos, a supremacia da justiça na solução das questões de
constitucionalidade, é a grande característica do regime e a sua garantia
suprema.
Ainda entre os melhores publicistas europeus, dentre os quais, falando
nos mais modernos, bastaria citarmos o nome de BOUTMY, essa posição
constitucional da Justiça dos Estados Unidos se considera como “uma das
invenções mais originais, inesperadas e admiráveis, que na história do direito
público se encontram”. TOUQUEVILLE, com a sua imensa autoridade a
encarecia como “uma das mais poderosas barreiras, que nunca se elevaram contra
a tirania das assembléias políticas”.
Essa tirania era a que, nos Estados
Unidos, mais inquietara os patriarcas do regime, e, entre êsses,
ainda os que mais se distinguiam pelo radicalismo da sua democracia.
“Combatido temos”, dizia JEFFERSON, o maior dêles,
“temos combatido, não para estabelecer um despotismo eletivo, mas para fundar
um gôverno livre… Ora, certo é que a opressão
coletiva de muitos déspotas pesaria com tanto pêso
quanto a de um só. Pouco faz ao caso que com os nossos sufrágios os
elejamos”.
Essa idéia tem-se propagado hoje no
próprio continente europeu, havendo até em França, uma notável corrente de
opinião, entre publicistas, e jurisconsultos,
estadistas e magistrados, cujos trabalhos reivindicam para a justiça êsse poder, que a Constituição dos Estados lhe reconheceu,
e uma conjuração de interêsses na política
brasileira, hoje quer subtrair arrojadamente.
Na Constituição brasileira essa
aspiração triunfou em declarações categóricas: e é contra êsse triunfo, o maior do nosso direito público, da nossa
história constitucional, que se debatem agora o liberalismo e o obscurantismo
da política brasileira, empenhada em voltar à onipotência legislativa, em
recolocar o legislador acima da Constituição.
Recusando execução aos atos do
Congresso Nacional viciados claramente de inconstitucionalidade, a justiça
federal não usa tão-sòmente do seu direito. Êste direito lhe resulta da competência, que para tal lhe
foi conferida. Mas, essa competência, formulada, peremptòriamente nos arts. 59 e 60 da Constituição brasileira, não exprime uma faculdade: traduz um dever, estrito e
imperioso, o dever capital dessa magistratura num regime de poderes limitados,
a sua missão específica no regime federativo, onde, entre a União e os Estados,
entre a soberania daquela e a autonomia dêstes, era
mister um árbitro com alçada inapelável nos conflitos constitucionais.
Erguida entre potestados
tamanhas como barreira insuperável às demasias de parte a parte, a suprema
justiça federal não poderia escapar sempre ao embate das irritações políticas,
contraídas, ora de um lado, ora de outro, pelo arbitramento dessa
magistratura. De vez em quando uma lufada da mais violenta se levanta
contra êle. Por vêzes
o clamor político, ora dos Governos, ora das maiorias, ora das classes
contraídas, lhe sopra derredor com a rijeza dos vendavais. Mas, a grande
instituição, a mais liberal e, ao mesmo tempo, a mais conservadora do regime,
vai atravessando, com serenidade, essas inclemências passageiras.
(…)
Mas, a justiça não pode ser êsse dique sério, que se quer opor
às exorbitâncias dos outros dois poderes, às suas correrias no território da
inviolabilidade assegurado pela carta do regime, aos direitos nela declarados,
se êsses dois poderes se não considerarem na
obrigação mais estrita de ceder e recuar ante a justiça, quando promulgadas as
suas supremas sentenças. Aqui não há meio têrmo.
Ou tudo, ou nada. Ou a tal não se acham adstritos êsses
dois poderes; e então um e outro são soberanos na discrição de se
excederem. Ou, se o limite aos seus excessos reside eficazmente na
justiça, as sentenças finais desta impõem-se infringìvelmente aos outros dois
poderes.
Da essência da oposição do Supremo
Tribunal Federal entre as demais instituições americanas é, portanto, que êsse tribunal seja o juiz supremo e irrecorrível da sua
competência assim como da dos outros poderes do Estado. Quando êle se pronuncia, a sua decisão constitui, definitivamente,
lei e a mais alta lei do país the highest
law in the land, e não se pode devogar senão
mediante reforma da Constituição.
A outra doutrina, a que pretendesse
conciliar com amissão, confiada à justiça, de árbitra
suprema nas questões de constitucionalidade, o jus, reservado ao Govêrno e ao Congresso, de se não submeterem aos seus
julgados, nessas controvérsias, essa doutrina atribuiria àquela sôbre quem se outorga a jurisdição privativa, o direito de
anular a competência daquele, a quem a jurisdição foi privativamente
outorgada. Contradição nos têrmos.
Absurdo palpável. Inversão manifesta. Disparate rematado.
Nessas matérias os outros poderes
julgam ùnicamente em primeira instância. Quando o Govêrno
ou o Congresso praticam um ato, é que o reputam constitucional, e,
praticando-o, lhe conhecem, até aí, da constitucionalidade. Mas, em
intervindo na espécie o julgador supremo, se o seu julgamento nega a
constitucionalidade a êsse ato, cessou a lide, e a
autoridade neste ponto sujeita a recurso, cede à
outra, de cuja decisão nenhum recurso pode haver. A Segunda instância
reforma as decisões da primeira. Esta, seja o Presidente da República,
seja o Congresso Nacional, não pode, constitucionalmente, resistir ao
julgamento do supremo.
O Supremo Tribunal Federal, logo, sendo
o juiz supremo e sem apêlo na questão de saber se
qualquer dos outros dois poderes excedeu à sua competência,
é o último juiz, o juiz sem recurso, na questão de saber se é, ou não, político
o caso controverso. Porque a Segunda questão outra coisa não vem a ser
que a primeira. Políticos se chamam os assuntos privativos à competência
do Executivo ou do Congresso. Portanto, se da competência do Executivo e
do Congresso o árbitro final e o tribunal supremo, na questão de ser político,
ou não, o ato discutido o tribunal supremo é o árbitro final.”
Advogada no Rio de Janeiro, Pós-Graduada em Direito Público pela UNIFLU e Pós-Graduada em Direito Administrativo em Direito pela Universidade Gama Filho
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