A bolsa e o monitoramento do mercado de capitais

Resumo: Em meio às negociações de títulos, mercadorias e contratos, estão os intermediários do mercado, bancos, corretoras, sociedades distribuidoras, agentes autônomos. Este mercado vem sendo desenvolvido gradativamente no Brasil, e de maneira evolutiva, temos visto crescer um processo de popularização e democratização das operações com valores mobiliários que vem ganhando maior número de adeptos. Ofertas públicas de ações, aumento dos investimentos em ações e demais derivativos são sinais desta tendência. Acompanhando a evolução do mercado, a BM&FBovespa S.A realizou sua transformação jurídica e passou pela segregação de suas atividades a fim de prover a autorregulação do mercado de capitais. Constituindo-se como entidade autorreguladora e diante da concentração do conhecimento do mercado e da influencia sobre todos os participantes, cabe um estudo sobre o exercício do poder de supervisão de mercado exercido pela bolsa de valores.

Palavras-chave: bolsa, mercado, autorregulação

Abstract:This market has gradually been developed in Brazil, and in an evolutionary way, we have seen a process of growing popularization and democratization of transactions with securities that is gaining more adherents. Public offerings, increased investments in shares and other derivatives are signs of this trend. Following the evolution of the market, BM&FBovespa S.A. has held its legal transformation and passed by the segregation of its activities in order to provide self-regulation of the capital market, given the concentration of market knowledge and influence on all participants, so it is the study on such regulatory and fiscalisation function.
Keyword: BM&FBovespa, market self-regulation

Sumário: Introdução. 1. Autorregulação. 2. O sistema brasileiro de regulação. 3. O poder regulatório da bolsa de valores. Considerações finais.

INTRODUÇÃO

O mercado de capitais se dirige à poupança interna e externa do setor produtivo, permitindo a realocação dos riscos e a captação de recursos junto ao público por meio do sistema de distribuição de valores mobiliários, o qual envolve corretoras, bancos, distribuidoras, e as Bolsas de Valores, estas com a função precípua de manutenção de um ambiente regulado de negociação das operações.

A gestão da economia pode se dar pela intervenção direta do Estado ou de modo acidental, por força de associações econômicas que atuam para a proteção de uma atividade específica através da autorregulação. 

Por certo não existe uma definição absoluta de autorregulação, mas para a base deste resumo pode-se entendê-la como uma forma de normatização e a fiscalização do mercado pelos próprios participantes deste, que implica na criação de mecanismos de defesa para o combate às pressões que levam ao desequilíbrio, seja de forma preventiva ou repressiva.

Dentre suas funções, as bolsas de valores atuam ativamente na supervisão do mercado através da autorregulação, sendo que, os limites jurídicos de tal competência regulatória variam conforme a do controle das atividades no mercado mobiliário.

1. AUTORREGULAÇÃO

A autorregulação é típico efeito das relações jurídicas decorrentes do exercício da autonomia privada e se utiliza de mecanismos próprios para conforma-las aos modelos pré-estabelecidos do mercado sob a ameaça de aplicação de sanções.

A regulação do mercado deve buscar a inibição de possíveis imperfeições do sistema, neste cenário são estabelecidos os objetivos da regulação do mercado, tais como a eficiência na determinação do valor dos ativos a serem negociados, garantia da publicidade da informação mediante regras de disclosure, eficiência nas transferências dos ativos a baixos custos, equidade nas relações entre investidor e corretoras, confiança do público, freios à concentração do poder econômico.

Pelo sistema de supervisão estatal, o mercado pode ser regulado e fiscalizado por uma entidade estatal independente e autônoma, responsável pelo controle dos ativos, das bolsas, além da vigilância das empresas listadas, dos investidores e todos os demais envolvidos. No caso brasileiro, a supervisão estatal se dá de forma cooperativa, através de um sistema misto, que garante ampla responsabilidade à bolsa, porém subordinada a agência estatal, no caso, a  Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Desta forma se permite que o governo aja como superintendente do mercado, com autoridade de supervisão, por meio de propostas de regulação ou por imposição de regulamentos que se considerem justificados.

Tal modelo seguiu o exemplo da SEC – Securities Exchange Comission, entidade reguladora norte americana, que dentre outras atribuições, supervisiona as bolsas americanas seja no aspecto ético (como por exemplo na coibição de fraudes) seja pelo aspecto jurídico-econômico (incentivo a competição no mercado), de forma a proteger os investidores e o interesse público.[1] Cabe esclarecer que no mercado americano, as bolsas praticam a segregação de funções negocial e a regulatória, criando-se para o exercício desta última, pessoas jurídicas autônomas cujo capital é subsidiado pela bolsa, nomeando-as de Organization Self Regulation- SRO.

2. O SISTEMA BRASILEIRO DE REGULAÇÃO

Após o golpe militar de 1964, economistas foram investidos no poder público e traçaram uma tendência liberalista do sistema de mercado nacional na tentativa de canalização da poupança para atividades produtivas de instrumento de mercado visando seu desenvolvimento a longo prazo.

Logo foi publicada a Lei 4.728/65, a qual trazia formas de incentivo para a abertura do capital de empresas nacionais, tendo por objetivo, o acesso do público ao mercado bursátil, a proteção de investidores, prevenção de fraudes e manipulações, e a promoção da equidade nas relações de negociação de títulos, delegando-se ao Conselho Monetário Nacional (CMN) e ao Banco Central (BACEN) poderes regulatórios sobre o mercado de capitais[2].

A mesma lei ainda assegurou autonomia administrativa, financeira e patrimonial às bolsas nacionais, as quais, em paralelo, estabeleciam regras de negociação, admissão de corretores e a cotação dos títulos.

Ao receber as atribuições de desenvolvimento do mercado de capitais, o BACEN sofreu com o acumulo de funções, e tal fato levou ao desprestígio da instituição, que, em meio à crise do petróleo, foi apontada como responsável pelos prejuízos das operações em bolsa devido a sua ineficiência, neste contexto, foi instituída a CVM, que assumiu o poder regulamentar, fiscal e punitivo do mercado[3].

As bolsas recebiam em contrapartida, poderes de controle do mercado, e sob a estrutura da época, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), passou a ter posição de destaque, superando em negócios as bolsas regionais então existentes atraindo para si atividades de harmonização de normas reguladoras do mercado.

Já na década de 80, detinha a bolsa verdadeiro poder de polícia tanto no que se refere à fiscalização de seus participantes quanto às operações nela realizadas, através do controle dos pregões, bem como do monitoramento das corretoras, dos investidores e das sociedades de capital aberto que dela participasse (COMPARATO, 1995 p. 326).

Em meio à crise, na década de 90, o Estado implantou os planos econômicos de recuperação e incentivos para aumento de investimentos externos, reformulando a estrutura da regulação do mercado, o que levou à Lei 10.303 de 2001 que transferiu do CMN à CVM a competência para editar normas de organização das bolsas, assegurando à autarquia poder mais amplo de atuação, o que segue até os dias atuais.

3. O PODER REGULATÓRIO DA BOLSA DE VALORES

A Instrução CVM 461/07 tratou especificamente da autorregulação outorgando às bolsas o poder de fiscalização das obrigações dos emissores de valores mobiliários, bem como de criação das regras de funcionamento e imposição de sanções em caso de infrações das normas traçadas pela própria bolsa.

Além da formal delegação de poderes, referida instrução reforçou a necessidade de segregação entre as atividades negociais e de monitoramento, diante desta abertura, as bolsas paulistanas passaram pela desmutualização e consequente fusão, dando origem a BM&FBovespa S.A, e esta, por conseguinte levou a criação da BM&FBovespa Supervisão de Mercados- BSM, com o fim precípuo de supervisão e monitoramento do mercado.

O poder de monitoramento delegado às bolsas basicamente é refletido em suas regras de negociação, no cumprimento de seus procedimentos e regulamentos, na coibição de manipulação e abusos, visando assegurar os elevados padrões éticos nas negociações realizadas em seus recintos em defesa da lisura de mercado. Sem contar ainda na possibilidade de restituição de prejuízos pelo Mecanismo de ressarcimento e prejuízos.

As bolsas detém verdadeiro poder de conhecimento do mercado o que fundamenta seu poder regulatório, Weber (WEBER, 2004. p. 55-57) tratava da autorregulação como uma regulação de modo voluntário, a qual decorre dos interesses dos agentes do mercado, que se baseavam no conhecimento como fundamento da influência no controle das operações.

Além disso, a bolsa é verdadeira fonte de dados do mercado e concentra o poder da informação da qual depende a decisão de investimento, conforme o princípio da “disclosurereside (EIZIRIK, 1986,  p. 21). O objeto do poder de conhecimento da bolsa não se restringe a uma questão econômica ou matemática, os números trazidos pela bolsa servem para medir a avaliação da prosperidade ou a decadência de ramos inteiros de produção (WEBER, 2004, p.32), daí a expressão de seu papel como braço do Estado na fiscalização e monitoramento do mercado de capitais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O alcance do papel da bolsa no monitoramento do mercado de capitais como entidade autorreguladora trata, além das questões operacionais, a condução de investigações e imposição de penalidades aos participantes do mercado em caso de condutas abusivas,  fraudulentas ou irregulares, servindo ainda de instrumento para ressarcimento de prejuízos de investidores.

Ou seja, dentro do sistema de supervisão, a bolsa trabalha ativamente junto da CVM, por meio de auditorias, atendimento ao investidor, inclusive agindo de forma a sancionar os participantes que atuem em inconformidade com o regulamento.

A evolução histórica nos permite notar a transformação da regulação da bolsa no Brasil, no início tinha ela um papel quase público e de extrema vinculação estatal, porém, da década de 60 em diante, a regulação do mercado foi amenizada e da intervenção direta passamos a supervisão estatal.

A supervisão do estado deve levar em conta a proteção do interesse público de forma a agir com a devida independência de forma a desempenhar as suas funções eficazmente para evitar danos à reputação até mesmo da própria bolsa[4].

Devemos evitar a sobreposição de normas e a duplicação de esforços do regulador e do autorregulador, distribuindo-se os esforços de forma harmônica.

 

Referências
EIZIRIK, Nelson. O papel do Estado na regulação do mercado de capitais. Rio de Janeiro: IBMEC, 1977.
EIZIRIK, Nelson e WALD, Arnold.  O Regime jurídico das bolsas de valores e sua autonomia frente ao Estado. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, n. 61, p. 5, 1986.
WEBER, Max. A bolsa (Die burse). Lisboa: RelógioD´água, 2004.
Notas:
[1] Section 6 SEC/1934: Determination by Commission requisite to registration of applicant as a national securities exchange.
[2] BRASIL. Lei 4595 de 1964. Dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. D.O.U. Diário Oficial da União de 31 janeiro de 1965. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L4595.htm>
[3];BRASIL. Lei 6385 de 1976. Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. D.O.U. Diário Oficial da União de 09 de dezembro de 1976. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6385.htm>
[4] Os E.U.A. No mercado futuro, o National Futures Association executa esta função para várias Bolsas de Valores.

Informações Sobre o Autor

Andirá Cristina Cassoli Zabin Bonini

Mestre em Direito e Politico Economico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, professora convidada do curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Foi professora orientadora do curso Pós-Graduação Lato Sensu da Universidade Anhanguera – UNIDERP, professora titular de direito empresarial da Universidade Edmundo Udson de Araras – SP e da Faculdade Zumbi dos Palmares. Coordenadora Jurídica do Banco Bradesco S.A.


Equipe Âmbito Jurídico

Recent Posts

TDAH tem direito ao LOAS? Entenda os critérios e como funciona o benefício

O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…

15 horas ago

Benefício por incapacidade: entenda como funciona e seus aspectos legais

O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…

15 horas ago

Auxílio reclusão: direitos, requisitos e aspectos jurídicos

O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…

15 horas ago

Simulação da aposentadoria: um guia completo sobre direitos e ferramentas

A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…

15 horas ago

Paridade: conceito, aplicação jurídica e impacto nos direitos previdenciários

A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…

15 horas ago

Aposentadoria por idade rural

A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…

15 horas ago