Resumo: Cuida-se de trabalho voltado para a discussão acerca da natureza jurídica do período de carência. Para tanto, o estudo será desenvolvido a fim de descrever as principais características do instituto, bem como suas hipóteses de aplicação ou de dispensa. De posse das definições, buscar-se-á enquadrá-la no bojo da relação jurídica previdenciária.
Palavras-chave: Carência. Tempo. Relação jurídica. Previdência Social.
Abstract: It’s a paper that treats about the legal nature of the waiting period. Therefore, the study will be developed to describe the main characteristics of the institute, as well as its application and dismissal hypothesis. With those definitions, we would try to frame them as a social security legal relationship.
Key words: Waiting period. Time. Legal relationship. Social security.
Sumário: Introdução. 1. Elemento temporal na relação jurídica previdenciária. 2. Definição legal do instituto. 3. Base doutrinária. 4. Escorço histórico e caso brasileiro. 5. Situações relevantes. 6. Direito Comparado. Conclusão. Referências.
Introdução
“Nas Confissões, ao interrogar-se sobre o que é o tempo, Agostinho sai-se com uma dúvida angustiante: não é o passado, porque o tempo que passou já não mais é. Não é o futuro, pois o tempo que virá não é ainda. E o presente não passa de um átimo, entre o passado e o futuro: É quando deixa de ser e então não é; mas quando deixa de ser já é, mas é o que ainda não é, e, então, não é. O passado (o tempo como passado) não é. O futuro (o tempo como futuro) não é. E o presente (o nunc stans), entre ambos, nada é.” (TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR)
O presente texto será desenvolvido com a finalidade de demonstrar a natureza jurídica do instituto da carência, prevista na legislação previdenciária brasileira.
Ademais, pretende-se delinear as suas características mais relevantes, bem como algumas peculiaridades, além dos fundamentos para sua previsão no caso concreto ou para a sua dispensa.
Ainda no intento de promover um maior esclarecimento acerca de um instituto jurídico que recebe da doutrina tradicional um tratamento tímido, uma vez que, sobre tal assunto, não são ocupadas nada mais do que poucas páginas de manuais de direito previdenciário, este espaço buscará desenvolver algum aprofundamento.
Com efeito, da própria doutrina, quer seja nacional ou estrangeira, retirar-se-ão os principais pontos aparentemente sonegados pela mesma, a fim de se construir um enquadramento jurídico adequado, de modo a se promover um tratamento além da verificação do transcurso de determinado lapso temporal, quer seja em dias, meses ou anos.
Para além dessas questões introdutórias, procurar-se-á destacar a trajetória histórica, traçada pelo instituto jurídico da carência, demonstrando-se se algo permaneceu imutável, assim como a sua evolução e o seu aperfeiçoamento.
O estudo terá sua continuação, quando serão fixadas as hipóteses de ocorrência do instituto em comento, fruto de uma constante atualização legislativa, dinâmica, assim como os fatos em que sua configuração encontra-se dispensada, passando-se a ressaltar situações peculiares, como o chamado congelamento de carência, a recuperação da carência e o período de espera.
Na sequência, utilizando-se do direito comparado, buscar-se-á salientar os institutos correlatos em ordenamentos jurídicos estrangeiros, como o da Alemanha, da Espanha, de Portugal e da Itália. Serão abordados os pontos de contato e eventuais novas configurações que poderiam ser realizadas por aqui.
Por fim, após uma incursão pelos caminhos acima traçados, chegar-se-á a um diagnóstico da situação atual da carência, bem como do seu prognóstico para o futuro.
1. Elemento temporal na relação jurídica previdenciária
O início deste trabalho situa-se no chamado elemento temporal da hipótese de incidência da norma jurídica previdenciária. As lições sobre a teoria da norma jurídica tem o seu aprofundamento necessário a partir da leitura dos ensinamentos do mestre Paulo de Barros Carvalho (2015, p. 132/152).
Decerto, como se sabe, a partir da caracterização do elemento material da hipótese de incidência prevista na norma jurídica previdenciária geral e abstrata, ou seja, quando da materialização do risco previsto, da sua ocorrência no mundo fenomênico, o quê, para alguns, pode ser chamado de contingência, configurado está o fato jurídico, o antecedente da norma individual e concreta, razão pela qual se mostra possível o seu consequente, a saber, a relação jurídica previdenciária. Essa materialização do risco social pode ser verificada quando da ocorrência do evento morte, em caso de benefício de pensão por morte, assim como da constatação da incapacidade total e permanente, para a aposentadoria por invalidez, do cumprimento de período de recolhimento, para a aposentadoria por tempo de contribuição, ou do implemento do requisito etário, para aposentadoria por idade.
Tal equação não se desenrola de maneira tão simples, haja vista a necessidade de que se tenha ocorrido, para além do elemento material, outras situações previstas na legislação, como o chamado elemento temporal, que será tratado de forma mais minuciosa neste espaço.
De fato, obviamente, o momento da ocorrência, no mundo dos fatos, do elemento material descrito no parágrafo anterior enquadra-se como integrante do chamado elemento temporal. Deveras, apenas a partir de sua exata ocorrência, é dizer, no preciso momento em que estiverem presentes todos os elementos previstos na hipótese de incidência, será possível falar-se em produção de efeitos no mundo do direito. Até então, pode-se falar, tão somente, em expectativa de direito.
O segundo momento, por sua vez, diz respeito ao tema central deste trabalho, ou seja, o período de carência. Trata-se de um requisito expressamente previsto para a maioria dos benefícios previdenciários em determinadas situações, previamente à ocorrência da contingência, visto que, segundo conhecido brocardo latino, tempus regit actum. Consequentemente, após o transcurso de um interstício especificado previamente na legislação, já se mostra possível postular-se pela cobertura legal. Contudo, alguns outros requisitos devem ser implementados para o exercício pleno da faculdade.
Outrossim, além das duas situações anteriores, o fator tempo também figura-se como relevante no chamado período impeditivo da percepção de prestação previdenciária, um lapso para que a prestação passe a ser exigível, hipótese em que se deve enquadrar no que alguns chamam de período de espera. Durante tal interstício, a Previdência Social não pode ser compelida a remunerar o segurado.
Percebe-se, por consequência, que o elemento temporal reveste-se de importância ímpar para a caracterização das situações delineadas nos textos normativos.
2. Definição legal do instituto
Como o próprio título deste ensaio delimita, a atenção estará voltada, tão somente, para o enquadramento do instituto da carência como elemento temporal, razão pela qual, os demais aspectos referentes ao fator tempo, influentes na relação jurídica previdenciária, não receberão o mesmo destaque.
Assim, convém salientar o quê o art. 24, caput da Lei 8.213/91 dispõe sobre a definição legal do período de carência, numa hipótese de interpretação autêntica, in verbis:
“Art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências”.
Verifica-se, então, em abordagem fulcral para a continuidade do vertente estudo, que o instituto em comento não se situa fora da hipótese de incidência, da previsão abstrata que elenca os requisitos para a aquisição do direito à prestação previdenciária. Não por outra razão, a doutrina mais abalizada esclarece que “durante o período de carência, o beneficiário não tem direito ainda à prestação previdenciária” (LAZZARI, 2016, p. 543).
A razão de ser da carência e suas nuances serão mais adiante abordadas, quando da tentativa de se fornecer base doutrinária para a mesma, sendo relevante aduzir que, no entender de Victor Mozart Russomano:
“Esse requisito não decorre do espírito da Previdência Social, ou seja, suas finalidades mais nobres e altas. É, sim, o resultado de uma necessidade prática, que obriga o legislador a vincular a concessão do benefício ou a prestação do serviço a determinado número de contribuições pagas pelo segurado e pelo empregador, pois destas contribuições advêm os recursos econômicos para a manutenção do sistema em pleno funcionamento” (1967, p. 112).
Tal conclusão merecerá maior detalhamento em comentários mais adiante colacionados, devendo-se antecipar, neste momento, sem adentrar nas exceções elencadas no decorrer do texto, que não se admite que esse período mínimo de tempo não seja respeitado ou possa ser antecipado:
“(…) a Lei de Custeio não permite a antecipação do recolhimento de contribuições para fins de ensejar mais rapidamente o direito ao benefício (§ 7º do art. 89 da Lei. 8.212/91)” (ROCHA, 2008, p. 120).
3. Base doutrinária
A partir da definição legal retratada no capítulo anterior, é possível inferir que o tema não foi tratado de maneira exauriente, de modo que se fazem necessários os apontamentos trazidos e as conclusões construídas pela doutrina de referência no tema.
Com efeito, em que pese, em sua maioria, os “previdenciaristas” não despendam muito espaço em suas obras para tratar do tema em apreço, após uma pesquisa mais minuciosa, os fundamentos doutrinários deste ensaio partirão dos autores em língua portuguesa que mais detidamente se debruçaram sobre o tema, a saber, Feijó Coimbra, Ilídio das Neves e Wagner Balera.
Iniciando-se pela perspectiva de Feijó Coimbra (1999, p. 144-151), constata-se que tal autor associa o elemento temporal com o material, para designar o momento em que se materializa o risco e desde quando o direito subjetivo à prestação previdenciária torna-se confirmado.
Além disso, o postulante deve estar vinculado ao sistema e atender aos prazos e condições para aquisição do direito. Quanto ao empregado, para sua vinculação, basta o exercício da atividade remunerada, ao passo em que, para o contribuinte individual, outrora enquadrado como autônomo, impende-se que ocorra, previamente, o primeiro pagamento de contribuições sem atraso.
Tal exigência, relacionada ao contribuinte individual, foi inserida pela Lei 5.890/73, com nova redação conferida ao artigo 64 da LOPS. Coimbra critica a regra, pois a mesma seria contrária à ideia de previdência social, em que há vinculação obrigatória e imediata, independentemente de manifestação de vontade. Para tanto, a solução quanto à inadimplência seria resolvida através de ação de fiscalização, eis que as contribuições são exigíveis desde o começo da atividade, devendo-se, por conseguinte, investigar quando teria ocorrido tal início. Do contrário, ou seja, valendo-se a exigência mencionada, poderia causar prejuízo, sobremodo, às famílias, que estariam descobertas em face à imprevisão do instituidor. Com a solução legal, todavia, vislumbra-se uma equiparação da previdência social a um simples contrato de seguro privado.
Feijó Coimbra sustenta, ainda, que o fundamento para a previsão de um período de carência seria a exigência de um interstício mínimo de vinculação, uma “natural cautela contra tentativa de fraude” (1999, p. 144). Caso assim não fosse, o segurado poderia tentar forjar uma filiação para obtenção de benefício indevido. Nessa esteira, é seguido por Russomano, o qual verbera que a previdência social transformar-se-ia “no abrigo de enfermos que só procuram quando atingidos pelo mal físico que os incapacita” (1967, p. 114).
Aqui, poderia ser empreendida uma crítica, no sentido de que deveria estar prevista a sua desnecessidade quando o segurado desconhecesse o diagnóstico da doença incapacitante, não havendo que se falar em má-fé, o que suscitaria necessidade de se afastar uma interpretação extremada. Contudo, não há fundamentação legal para tanto e somente são excepcionados os casos especialmente previstos de dispensa.
A propósito, Coimbra procura justificar os casos em que há dispensa, vale dizer, das prestações que independem de carência. A fundamentação para tanto decorreria da natureza do risco, de modo a se tornar dispensável a cautela contra fraude. Decerto, natural que assim ocorra, quando for o caso de doenças graves, de difícil cura e manifestação súbita. Essas doenças, em regra, determinam isenção de imposto de renda e a dispensa tem como base uma questão humanitária, de proteção à dignidade humana, eis que a possibilidade de sobrevivência é reduzida. Entrementes, a manifestação de tais patologias deve ocorrer após a vinculação, uma vez que se trata de previdência (e não de seguridade social lato sensu), cuja instituição busca proteger danos futuros (e incertos) e não de contingências que já ocorreram, é dizer, qualquer manifestação de necessidade.
Noutro giro, há que se falar nas lições do doutrinador lusitano Ilidio das Neves (1996, p. 299-309 e 440-493). O mesmo dispõe acerca da existência do que chama de relação jurídica de proteção ou prestacional. Essa seria uma relação central, fundamental, em relação à qual transitariam relações jurídicas secundárias.
Em verdade, a relação jurídica de proteção mostra-se complexa, composta por um vasto e diversificado conjunto de situações jurídicas dinâmicas, quais sejam, a de vinculação (que diz respeito à inscrição), a contributiva (que não demanda maiores explicações), a causal (quando há relevância na causa de origem, situação somente existente quando se discute benefício decorrente de incapacidade laboral), a contingencial (ocorrência de evento, de fato, que dá origem a uma eventualidade protegida) e a situação carencial, a mais importante, haja vista que constitui o tema central do presente estudo.
O fato jurídico prestacional, por sua vez, também complexo, é formado pelo fato principal, ou seja, pela contingência ou evento e por fatos secundários, nos quais é possível incluir o prazo de garantia, a verificação da incapacidade e o nível de rendimento.
No tocante à situação jurídica carencial, para o doutrinador português, o seu significado tem natureza puramente jurídico temporal, visto referir-se à necessidade de certo período de tempo para o exercício do direito. Na realidade, a legislação portuguesa denomina o correspondente ao período de carência como prazo de garantia, o qual significa o registro de remunerações referentes a um tempo mínimo para a concessão da prestação pretendida. Ilídio das Neves relaciona o instituo com certo tempo de ligação do beneficiário ao sistema.
Entretanto, não se exige, no sistema português, a situação jurídica carencial para todas as eventualidades, como excepcionado no caso de acidente de trabalho, prestações médicas e subsídio por morte.
Outra característica peculiar desse sistema tem pertinência no tocante à chamada interrupção da inscrição. De fato, após o período de 12 (doze) meses sem registro de contribuições (quando há perda da qualidade de segurado, no caso brasileiro), torna-se imprescindível a implementação integral de novo período, de novo “prazo de garantia”, e não apenas uma fração.
Demais disso, no período de espera, que será melhor explanado adiante, com relação ao subsídio de doença, os três primeiros dias de incapacidade não são pagos, salvo situações especificadas (como a internação hospitalar, doença por tuberculose, durante o período de atribuição do subsídio de maternidade).
A última doutrina de referência a ser utilizada neste espaço é do Professor e Livre-Docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Wagner Balera (2014, p. 114-125), para quem a carência tem como características mais relevantes, estar em conformidade com a técnica de seguro, levar em consideração projeções atuariais e estar em desconformidade com o ideário de seguridade social, isto é, com o princípio da universalidade.
Demais disso, acrescenta que o risco, como evento futuro e incerto, imprevisível, não deveria depender de carência, adicionando-se que se busca defender o sistema contra possíveis fraudes, bem como manter o mínimo de equilíbrio compensatório, ou seja, mínimo de lastro financeiro, sem deslembrar a importância para atender à chamada regra da contrapartida, com a constituição de recursos iniciais para pagamento das prestações.
Para se afastar a exigência em realce, o professor propõe outras fontes de custeio, destacando a dívida histórica da União com a Seguridade Social, o que garantiria o adimplemento de todas as prestações, independentemente de carência, além da má utilização da desvinculação de receitas, em que se procede a utilização dos recursos da Seguridade Social para outras finalidades. Destaca-se, no ponto, que o Poder Executivo Federal somente tem considerado, para fazer frente ao que se conhece como déficit da Previdência Social, as receitas decorrentes de contribuições próprias do empregador (folha de salários) e dos segurados, consoante previsto no art. 195, I, a e II da Constituição Federal e não as demais contribuições sociais, contrariando a própria previsão constitucional. Por tal razão, o que se chama de déficit, efetivamente, seria uma criação, uma deturpação da realidade.
O ilustre doutrinador salienta, além disso, que a carência não atende ao princípio da distributividade, tendo em vista que constitui fator de exclusão de cobertura dos que mais necessitam. Pontua, ainda, a questão do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, a partir da ideia de constituição de um fundo previdenciário público. Destaca, também, a provisoriedade do sistema, razão pela qual a exigência de carência pode ser eliminada, como ocorreu com a pensão por morte, mas que o indicado seria uma redução gradual dos prazos.
Complementa os seus ensinamentos, ao destacar que, mediante o implemento do período de carência, segundo hoje se encontra regulamentado, conclui-se o ciclo formativo da relação jurídica previdenciária.
4. Escorço histórico e o caso brasileiro
Para entender precisamente o estágio atual do instituto da carência, torna-se premente destacar a sua evolução histórica no ordenamento jurídico brasileiro.
Com efeito, a partir do Decreto n° 4.682, de 24 de janeiro de 1923 (Lei Eloi Chaves), ainda não se utilizava expressamente a locução “período de carência”, mas se exigia, para a concessão de aposentadoria por invalidez (art. 13) e pensão por morte (art. 26), um tempo mínimo de serviço de 10 (dez) anos.
Por outro lado, o Decreto n° 26.778, de 14 de junho de 1949 (Regulamento das Caixas de Aposentadoria e Pensão) constitui-se no primeiro diploma a utilizar a expressão “período de carência”, em seus artigos 17, 19 e 22, parágrafo único, em caso de aposentadoria por invalidez (12 meses, havendo dispensa de período de carência na hipótese de hanseníase).
Em seguida, o Decreto n° 32.667, de 1º de maio de 1953 (Regulamento do Instituto da Aposentadoria e Pensão dos Comerciários) instituiu como regra o prazo de 24 (vinte e quatro) meses para auxílio-doença, exceto em caso de tuberculose (12 meses), enquanto a Lei 3.807 (LOPS), de 26 de agosto de 1960, em relação ao benefício por incapacidade, pensão por morte e auxílio-natalidade, definiu o prazo de 12 (doze) meses. Ocorrendo o evento anteriormente, havia a obrigação de restituição em dobro das contribuições realizadas e juros de 4% (arts. 34 e 64, § 3º), sem desconsiderar a previsão do art. 64, § 2º, que dispunha acerca das doenças que independiam de carência, bem como da necessidade do autônomo no sentido do pagamento da primeira contribuição.
Em 14 de setembro de 1967, foi editada a Lei n° 5.316, a dispor sobre seguro de acidentes do trabalho no âmbito da Previdência Social, que previa, pela primeira vez, a desnecessidade cumprimento do período de carência para a concessão de benefício em decorrência de acidente de trabalho (art. 6º), ao passo em que, em 25 de maio de 1971 (PRORURAL), foi aprovada a Lei Complementar n° 71, que discorria sobre a manutenção do benefício pelo PRORURAL até o implemento de período de carência em outro regime (art. 14). Já a lei n° 6.435, de 15 de julho de 1977, que tratava das entidades de previdência privada, em seus artigos 21 e 42, fixou a necessidade de previsão de período de carência em planos de benefícios, propostas de inscrição e certificados de participantes.
Outrossim, com o Decreto nº 89.312, de 23 de janeiro de 1984 (Consolidação das Leis da Previdência Social), em seus artigos 18 e 19, há repetição das disposições da LOPS acerca da restituição em dobro de contribuições.
A casuística atual encontra previsão no art. 25 da Lei 8.213/91, no qual se exige 12 (doze) meses de carência para os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, assim como 180 (cento e oitenta) meses para as hipóteses de aposentadoria por idade, por tempo de serviço e especial, além de 10 (dez) contribuições mensais para salário-maternidade em favor da segurada especial, contribuinte individual e facultativa, havendo redução proporcional do número de meses, quando do parto antecipado.
De outra banda, o artigo 26 do mesmo diploma legal dispõe sobre as exceções, ou seja, os casos que independem de carência, mas apenas vinculação ao sistema. Peremptoriamente, não há mais que se falar em exigência do citado requisito quando benefício postulado cuidar-se de pensão por morte, auxílio-reclusão, salário família e auxílio-acidente, bem como o serviço social e a reabilitação profissional.
Noutro giro, o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez não exigirão carência, quando se tratar de acidente de qualquer natureza, doença profissional ou do trabalho, além das doenças elencadas em listas elaboradas pelo (outrora) Ministério da Saúde e da Previdência, sendo tal rol considerado como exemplificativo (LAZZARI, 2016, p. 550), ou seja, a dispensa pode ser verificada no caso concreto, ainda que a doença identificada não se encontre previamente elencada. Além disso, quanto ao salário-maternidade, sua dispensa opera-se quando a segurada for empregada, empregada doméstica ou avulsa.
Convém ressaltar, que o segurado especial (trabalhador rural ou pescador artesanal em regime de economia familiar) não está dispensado da carência, de modo que seus prazos são os mesmos daqueles previstos para o segurado empregado urbano para aposentadoria por idade e benefícios por incapacidade. Todavia, em determinada situação, não se exige o recolhimento de contribuições, de modo que a carência configura-se, tão somente, a partir do exercício da atividade rural.
5. Situações relevantes
Quanto à carência, ainda há que se destacar situações específicas, que merecem ser evidenciadas.
A primeira delas intitula-se de recuperação da carência, situação visualizada após a perda da qualidade de segurado, quando o segurado contar com um novo período, desta vez, correspondente a um terço do número de contribuições para o benefício, na previsão original do artigo 24, em seu parágrafo único, da Lei 8.213/91, hipótese revogada pela Medida Provisória nº 739, de 07 de julho de 2016, adequando-se a ordenamentos de outros países, como ocorre em Portugal. Segundo Exposição de Motivos, tal alteração justificar-se-ia, em relação aos benefícios de maior tempo, porquanto a carência teria perdido utilidade desde a Lei 10.666/2003, enquanto, para o auxílio-doença, buscaria fortalecer o trabalho médico-pericial, evitando-se, dessa forma, ação de oportunistas, pelo que se sugere a implementação de novo período integral de carência. É cediço sublinhar, no entanto, que tal modificação não foi convertida em lei, voltando a viger a regulamentação antiga, em que se possibilitava a recuperação do período carencial.
Ademais, discute-se acerca da possibilidade de se utilizar o lapso em gozo de benefício por incapacidade como carência e não apenas como tempo de contribuição. A jurisprudência consolidou-se no sentido de que isso somente ocorre quando intercalado por interstícios de atividade (REsp 1.334.467-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 05.06.2013), o que não se exige quando se tratar de acidente de trabalho.
Não menos importante situa-se a questão conhecida como congelamento de carência, construção conceitual aplicável ao benefício de aposentadoria por idade, em que se entende desnecessária a implementação simultânea dos requisitos idade e carência, isto é, utiliza-se a tabela progressiva da regra de transição prevista no artigo 142 da Lei 8.213/91, tendo como referência para a carência mínima o ano em que se atingiu a idade mínima, de modo que o implemento da situação jurídica carencial pode ser verificada em momento posterior, malgrado isso tenha ocorrido em ano com previsão de prazo diferente na mencionada tabela.
Por sua vez, o período de espera, já tratado quando discutido o sistema português, no direito brasileiro ocorre com relação ao segurado empregado, cuja responsabilidade pela manutenção, nos 15 (quinze) primeiros dias de afastamento após constatada a incapacidade, é do empregador, nos termos do artigo 60, § 3º da Lei Geral de Benefícios.
Por fim, há a novel previsão no que concerne à necessidade de recolhimento mínimo de 18 (dezoito) contribuições para pensão por morte, de acordo com o artigo 77, § 2º, V, b da lei em registro ou do transcurso de, ao menos, dois anos de união estável ou casamento, modificações essas incluídas pela Lei 13.135/2015. Se não houver ocorrido nenhuma das duas hipóteses, concede-se um benefício ao dependente, cônjuge ou companheiro(a), por apenas 04 (quatro) meses. A pergunta que se faz, após tal criação legislativa, que busca dificultar a concessão de pensão por morte, é no sentido da natureza jurídica desse prazo mínimo de 18 (dezoito) meses.
Decerto, não é correto classificá-lo como período de carência, uma vez que, mesmo sem o seu implemento, faz-se jus à concessão do benefício por 04 (quatro) meses ou por prazo maior, quando decorrer de união estável ou casamento com duração superior a dois anos. Desse modo, independentemente do nome que se dê ao citado prazo, pode-se dizer que se trata de elemento temporal, necessário para concessão de pensão por morte somente para gozo por interstício superior a 04 (quatro) meses, quando não decorrido prazo mínimo de relacionamento amoroso.
DIREITO COMPARADO
O estudo do direito comparado tende a ser relevante como um instrumento para aperfeiçoamento do direito interno.
Destarte, convém analisar os institutos congêneres de outros países, o que se começa a fazer, tendo como paradigma o ordenamento jurídico alemão. Deveras, o termo utilizado em paralelo por lá é Wartezeit, que, literalmente, poderia ser traduzido como tempo de espera.
Inicialmente, impende relacionar o Wartezeit com o Krankengeld, o qual pode ser considerado como uma espécie de auxílio-doença, nada obstante deva-se salientar que tal prestação encontra-se situada no campo de atuação do seguro saúde. Ademais, tal benefício somente será devido após 06 (seis) semanas de incapacidade laboral (Arbeitsunfähigkeit) e o correspondente da carência (Wartezeit) exigido é de 04 (quatro) meses. Porém, aparentemente, para tal benefício, caso não haja o prévio transcurso do chamada Wartezeit, não há impedimento para o recebimento do Krankengeld. Contudo, o empregador (Arbeitsgeber) somente se obriga a pagar a partir de 04 (quatro) semanas de trabalho e a Previdência (Krankenkasse) somente após 06 (seis) semanas de incapacidade está obrigada a pagar, como acima consignado.
De outro lado, quanto às aposentadorias e pensões (Rentenversicherungen) há uma carência específica (bestimmte Wartezeit), segundo previsto na legislação de regência, a saber, a Sozialgesetzbuch (SGB), VI, § 50, Abs 1. No tocante à generalidade dos casos, o prazo previsto é de 05 (cinco) anos. Já a aposentadoria por idade (Altersrente) e por desemprego (Arbeitslosigkeit), exige o decurso de 15 (quinze) anos, malgrado haja, ainda, hipóteses de 20, 25 e 35 anos, consoante a Sozialgesetzbuch (SGB), VI, § 50, Abs 2-4. Pontue-se, além disso, casos de antecipação (Vorzeitig), como em acidente de trabalho (Arbeitsunfall) e doença ocupacional (Berufskrankheit), dano em serviço militar (Wehrdienstbeschädigung), dano em serviço cívico (Zivildienstbeschädigung) e prisão (Gewahrsam).
No que diz respeito à previdência espanhola, faz-se mister atentar para o Real Decreto Legislativo 08, de 30 de outubro de 2015 (Ley general de la Seguridad Social), consoante o qual há necessidade de estar formalmente filiado (inscrito). Outrossim, o termo utilizado para se referir à carência é o período de cotización.
Assim, com relação à incapacidade temporária, os requisitos são previstos no sentido de estar em atividade e realizar cotizações de 180 (cento e oitenta) dias nos últimos 05 (cinco) anos em caso de patologias comuns, muito embora não se exija período de cotización para acidente de trabalho e enfermidade ocupacional, enquanto, para os trabalhadores em tempo parcial, requer-se um coeficiente global de cotização nos últimos 05 (cinco) anos.
É imperioso frisar que a prestação é exigível, quando se cuidar de enfermidade comum, a partir do 4º dia de afastamento e, em caso de acidente de trabalho, a partir do dia seguinte ao afastamento. Quanto à duração da prestação, por sua vez, tratando-se de enfermidade comum, o tempo máximo previsto é de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias, prorrogáveis por mais 180 (cento e oitenta) dias, enquanto, ocorrendo acidente de trabalho, o benefício deverá ser concedido por 06 (seis) meses, prorrogáveis por mais 06 (seis) meses.
No tocante à pensão por morte, de fato, o instituidor deve estar em atividade até o momento imediatamente anterior ao óbito e possuir um período de cotización mínimo de 500 (quinhentos) dias nos últimos 05 (cinco) anos anteriores ao falecimento, ao passo em que, para prestação de orfandade, suprime-se o período de cotización e, se não estava em atividade, o tempo mínimo de cotização será de 15 (quinze) anos.
Caso o benefício pretendido seja uma aposentadoria, a idade mínima exigida será de 67 (sessenta e sete) anos, a partir de 2027, com uma regra de transição, partindo de 65 (sessenta e cinco) anos e 01 (um) mês desde 2013, valendo-s de um período de cotização genérico mínimo de 15 (quinze) anos. Pode-se pleitear, também, a partir de uma idade reduzida, qual seja, de 65 (sessenta e cinco) anos, tendo como base tabela progressiva a partir de 2013, com 35 (trinta e cinco) anos e 03 (três) meses de contribuição, até 2027, quando o tempo de contribuição mínimo será de 38 (trinta e oito) anos e 06 (seis) meses. Em tal situação, há período de cotização específico, a saber, 02 (dois) anos nos últimos 15 (quinze) anos anteriores ao momento de aquisição do direito ou de quando cessou obrigação de contribuir.
Demais disso, como dito em linhas atrás, para o ordenamento português, não se fala em carência, mas em prazo de garantia, de acordo com a Lei n° 4, de 16 de janeiro de 2007, que fixou as bases gerais do Sistema de Segurança Social. Tal prazo de garantia, no subsídio de doença (incapacidade temporária), é de 06 (seis) meses e, da pensão por invalidez, pode ser de 05 (cinco) anos civis (invalidez relativa), 03 (três) anos civis (invalidez absoluta) ou de 72 (setenta e dois) meses (seguro social voluntário).
Por outro lado, cuidando-se de subsídio por morte, não há “prazo de garantia”, quando se falar regime geral ou tal prazo será de 36 (trinta e seis) meses, na hipótese de seguro social voluntário, enquanto a pensão de velhice demanda 15 (quinze) anos civis ou, se voluntário, 144 (cento e quarenta e quatro) meses.
Por derradeiro, no tocante ao direito italiano, convém destacar o chamado princípio da automaticidade, o qual se define pela concessão do benefício independentemente do prévio pagamento de contribuições. Tal princípio não encontra plena aplicação naquele país, visto que se exige antiguidade da inscrição, por exemplo, em caso de invalidez, é dizer, de 03 (três) anos de contribuição nos últimos 05 (cinco) anos (PERSIANI, 2009, p. 87 e ss.).
Conclusão
O período de carência constitui um fator relevante de vinculação entre o pagamento de contribuição e o fornecimento de prestações previdenciárias, indo de encontro ao princípio da automaticidade. Busca-se, com isso, promover um mínimo de vinculação do beneficiário com o sistema, permitindo o seu funcionamento, haja vista o viés contributivo da Previdência Social, bem como afastar a ocorrência de fraudes, na tentativa de forjar uma relação jurídica previdenciária, embora a inadimplência possa resolver-se através da fiscalização.
Sua previsão não se mostra uma exclusividade do caso brasileiro, como restou demonstrada a sua existência em ordenamentos jurídicos de outros países. Entretanto, a permanência do instituto atende mais à técnica de seguro privado, que de seguro social, fundamentado no princípio da universalidade, a fim de assegurar a proteção de uma maior extensão de riscos sociais, devendo-se pensar numa gradual supressão do instituto, como ocorreu com a pensão por morte.
Mestrando em Direito Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Juiz Federal
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