O art. 40, VI, da Lei de Drogas, tipifica causa de aumento de pena para as hipóteses em que o crime “envolver ou visar a atingir criança ou adolescente”, e o art. 244-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente, tipifica crime específico, de corrupção de menores,[1] nos seguintes termos: “Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la. Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos”. De relevo para as reflexões que seguem, diz ainda o § 2º do mesmo dispositivo que as penas previstas no caput serão aumentadas de um terço no caso de a infração cometida ou induzida estar incluída no rol do art. 1º da Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos).
Tendo em vista a redação do inc. VI do art. 40, e sabendo que envolver criança ou adolescente tem o sentido de atuar conjuntamente, utilizar ou contar com a participação; hipótese em que o agente atua em concurso eventual com criança ou adolescente, surge conflito aparente de normas quando se tem em mente que o art. 244-B do ECA, em uma de suas vertentes, pune exatamente a prática de infração penal em concurso com pessoa menor de dezoito anos.
Diante de caso concreto, em que pessoa maior pratica crime de tráfico em concurso eventual com criança ou adolescente, impõe-se questionar: a hipótese versa sobre crime de tráfico com aumento de pena, ou concurso de crimes (tráfico na forma fundamental e corrupção de menores)?
Desde logo, afasta-se a possibilidade de dupla imputação – tráfico com aumento de pena e também corrupção de menores – visto tal opção configurar bis in idem danoso ao acusado – o que não é juridicamente permitido.
Com efeito, o art. 244-B, que foi introduzido no Estatuto da Criança e do Adolescente pela Lei n. 12.015/2009, não derrogou o inc. VI, do art. 40, da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), e a solução do conflito aparente privilegia o princípio da especialidade, com a mais ampla proteção ao bem jurídico tutelado, de maneira que, ocorrendo concurso entre agente maior e pessoa menor de dezoito anos, incidirá a causa de aumento, sempre que se estiver diante de qualquer das condutas típicas alcançadas pelo art. 40 da Lei de Drogas.
É dizer: se a hipótese versar sobre concurso de agentes envolvendo menor de dezoito anos com a prática de qualquer dos crimes tipificados nos arts. 33 a 37 da Lei de Drogas, afigura-se juridicamente correta a imputação do delito em questão, com a causa de aumento do art. 40, VI.
Para os demais casos, aplica-se o art. 244-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Cabe aqui enfatizar que o § 2º do art. 244-B fez referência apenas ao art. 1º da Lei dos Crimes Hediondos, onde não há qualquer menção ao crime de tráfico de drogas. Fosse sua pretensão alcançá-lo, por certo o legislador não restringiria o alcance aos crimes listados no art. 1º da lei invocada. Ao invés, adotaria opção genérica, para então se referir aos crimes “mencionados na”, ou, “de que cuida a” Lei n. 8.072/90. Tivesse assim procedido, estaria derrogado o inc. VI do art. 40.
Admitir o contrário resultaria em concluir que: para as hipóteses elencadas no art. 1º da Lei n. 8.072/90, o crime de corrupção de menores teria sua pena significativamente aumentada, e o mesmo não se verificaria exatamente em relação ao gravíssimo crime de tráfico, sabidamente mais recorrente na prática judiciária que qualquer outro tratado na citada lei.
A proposital falta de alcance teve por objeto manter íntegras as repercussões do art. 40, VI, da Lei de Drogas. O silêncio, aqui, é eloquente.
Em reforço, note-se o que ocorre em relação ao crime tipificado no art. 243 do ECA (Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causas dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida), cuja incidência se faz sentir apenas quando não se estiver diante de fornecimento de droga listada na Portaria SVS/MS n. 344, de 12-5-1998.
Entender que o inc. VI do art. 40 foi derrogado leva à perigosa conclusão no sentido de que em se tratando de crime de tráfico caracterizado pelo fornecimento de droga à criança ou adolescente, também não será aplicável o art. 33, c.c. o art. 40, IV, da Lei de Drogas, mas o art. 243 do ECA, dada a necessidade de mínima coerência na interpretação sistêmica dos dispositivos em tela.
Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor convidado no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes e em cursos de pós-graduação em diversas Escolas Superiores do Ministério Público e da Magistratura. Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP). Membro Associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP).
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