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A coerção administrativa para pagamento de tributos como forma de restringir o exercício das atividades profissionais


A definição de tributo, segundo Marcus Cláudio Acquaviva, é o “ônus compulsório, criado e gerido pelo Estado, visando ao custeio de serviços públicos. O fundamento jurídico é o poder fiscal do Estado, e seu elemento essencial é a coercibilidade, vale dizer, a prerrogativa legal de o Estado compelir o contribuinte ao pagamento da prestação”. Os tributos, alguns dizem, são um mal necessário, ou seja, “o preço de uma sociedade civilizada”. Infelizmente, altos demais.


Apesar disso, todos os tributos arrecadados possuem destinação para o bem estar coletivo. Os serviços considerados essenciais tais como os de saúde, educação e segurança, só podem ser mantidos com a arrecadação de tributos. Além desses serviços, ainda há outras destinações, tais como, a construção de estradas, de hospitais, prédios públicos, enfim, o desenvolvimento de uma sociedade civilizada, com prédios públicos modernos e amplos, e porque não dizer com funcionários bem treinados e motivados, advém em grande parte da eficiência com que os governos conseguem arrecadar os seus tributos. Mesmo indignadas, as pessoas de um modo geral reconhecem a necessidade de haver impostos, mas o problema é quando o contribuinte é compelido a pagar com ameaça à sua liberdade de trabalho.


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O emprego de diversos meios pelo Estado para cobrar seus tributos possui limites. A coercibilidade exercida não pode extrapolar os limites legais sob pena de causar injustiças, e jamais conseguirá atingir seu objetivo se vier a frustrar a atividade laborativa. “O bom pastor deve apenas tosquiar o rebanho, não esfolá-lo”. Por exemplo, mesmo o Estado entendendo que não é devido a liberação de um alvará para localização se o requerente estiver em débito com os cofres públicos, fundamentando seu entendimento em lei, ainda assim será indevido o condicionamento da liberação do alvará ao pagamento dos débitos fiscais, pois, agindo assim, estará caracterizada uma interdição forçada do estabelecimento comercial.


O Estado dispõe de outros meios suficientes para a cobrança destes débitos e as medidas restritivas tomadas para forçar o pagamento não devem impedir a atividade do contribuinte, especialmente as medidas coercitivas que dificultem ou impeçam o exercício de trabalho, ofício ou profissão. Haverá, então, uma crassa violação à nossa Constituição, especialmente no que diz respeito ao art. 5º, XIII c/c 170 parágrafo único. Assim entendidos:


“Art. 5º, XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações que a lei estabelecer”.


“Art. 170. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.


Além do mais, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou a respeito, inclusive sumulando a matéria, deixando transparecer que o Estado jamais poderá utilizar-se de meios não previstos em lei para a cobrança de seus tributos. As súmulas 80, 323 e 547, esclarecem que obrigar o contribuinte ao cumprimento das obrigações tributárias é inadmissível. Assim nos instruem as respectivas súmulas:


“Súmula nº 70 – É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”.


“Súmula nº 323 – É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”.


“Súmula nº 547 – Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”.


Tais disposições, mormente as contidas na súmula 547, amainam as dúvidas quanto a se o Estado, mesmo legitimado para a coerção na cobrança de seus impostos, pode transcender suas efetivas medidas cerceando um direito à atividade profissional do contribuinte. Ademais, dentre essas restrições pode ser incluída também a proibição à obtenção de alvarás, mesmo que não expressamente contida nas súmulas, porque agindo de forma diversa o Estado estará prejudicando não só o contribuinte, mas também a ele próprio ou a sociedade.


Ensina Maria Sylvia Zanella di Pietro que, “ainda que a Administração goze de uma certa discricionariedade no exercício deste poder, deve observar a proporcionalidade entre os meios utilizados e o fim a ser atingido, sendo certo que a finalidade do Poder de Polícia não é destruir os direitos individuais, mas assegurá-los, condicionando-os ao bem-estar social”.


A liberdade de ação administrativa deve ser exercida dentro dos limites da lei, caso contrário, a discricionariedade passará a ser arbitrariedade. Condicionar a liberação de alvará de localização ao pagamento de tributos é uma conduta abusiva. E qualquer lesão ou ameaça de lesão aos direitos é passível de ser apreciada pelo Poder Judiciário, sendo tal atitude merecedora de guarida pela tutela jurisdicional. Frisando, os poderes concedidos ao Estado para a consecução de sua atividade tributária têm limites que não podem ser desrespeitados. Nem pode este valer-se desses poderes tolhendo a liberdade de exercer uma profissão. Deve sim haver mecanismos eficazes de cobrança, mas não a pretexto de um eficiente sistema de cobrança em detrimento dos direitos particulares.


Com o escopo de cobrar seus tributos e de velar pela regularidade fiscal das atividades econômicas exercidas em seu território, o Estado não pode fazer exigências que não estejam previstas em lei, ainda mais abusivas que prejudiquem o desenvolvimento da liberdade de trabalho. De mais a mais, o Estado dispõe de meios próprios para cobrar seus créditos tributários por meio de execuções fiscais, e se o contribuinte agir em desconformidade com a legislação tributária, haverá a imposição de penalidades cabíveis já previamente definidas.


Portanto, há meios próprios e suficientes para o Estado garantir os seus direitos, bem como para reprimir comportamentos ilegais dos contribuintes, não podendo admitir que se crie ainda mais barreiras como forma de coibir o inadimplemento de tributos que não os já previstos em lei e que acarretem prejuízos ilegítimos aos particulares. Se o contribuinte possui débitos com a Fazenda, esta deve evidentemente cobrá-los, contudo, sem negar a expedição de um alvará. Com tal atitude, não se vislumbra um prejuízo para o Estado, tampouco para o interesse público apenas por permitir a continuidade da atividade laborativa do contribuinte.


O mesmo entendimento tem sido adotado pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:


 “EMENTA: Mandado de Segurança – Autorização para impressão de talonário de nota fiscal, fornecimento de alvará funcionamento e concessão positiva com efeito negativo para fins de participação em licitações públicas – Condicionamento imposto pela Fazenda de regularização de débito – Ilegalidade – Segurança concedida parcialmente – Sentença confirmada no reexame necessário.  (APELAÇÃO CÍVEL/REEXAME NECESSÁRIO Nº 1.0702.02.030666-9/001 – COMARCA DE UBERLÂNDIA – APELANTE(S): 1º) JD V. FAZ. PUBL. AUTARQUIAS COMARCA DE UBERLÂNDIA, 2º) SECRETÁRIO MUNICIPAL DE FINANÇAS DE UBERLÂNDIA – APELADO(A)(S): TQI TECNOLOGIA QUALIDADE INFORMÁTICA LTDA. – RELATOR: EXMO. SR. DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO)”.


“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA – “ALVARÁ DE LICENÇA E FUNCIONAMENTO” – INDEFERIMENTO – CONTRIBUINTE QUE NÃO APRESENTOU GUIA DE IPTU QUITADA – ABUSO DE PODER DA ADMINISTRAÇÃO FAZENDÁRIA – CONCESSÃO DA SEGURANÇA MANTIDA. É ilegítimo o procedimento do Fisco que condiciona a emissão do “Alvará de Licença e Funcionamento” à apresentação da guia de IPTU quitada, pois cria meios coercitivos sem previsão legal. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 000.289.055-6/00 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – APELANTE(S): 1º) JD DA 2ª VARA DA FAZENDA DA COMARCA DE BELO HORIZONTE, 2ºS) FAZENDA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, PREFEITO MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE E OUTRO – APELADO(S): DROGARIA SÃO DIMAS LTDA. – RELATOR: EXMO. SR. DES. DORIVAL GUIMARÃES PEREIRA)”.


 A verdade é que não podemos nos esquivar dos impostos. A enormidade de tributos, impostos e taxas levam os contribuintes a uma certa desesperança por não entenderem na prática como são empregados, para onde são destinados e como são criados. Porém, a maioria das pessoas reconhece, mesmo a contragosto, os benefícios dos impostos à comunidade em que vivem e estão dispostos a pagá-los. E acredito que grande parte da inadimplência ocorre em virtude da complexidade da lei e dos procedimentos, e não por causa da sonegação intencional.



Informações Sobre o Autor

Bruno Soares de Souza

Acadêmico do Curso de Direito das Faculdades Integradas do Oeste de Minas – FADOM/Divinópolis/MG


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Equipe Âmbito Jurídico

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