Resumo: O presente artigo se propõe a analisar o alcance da competência da Justiça do Trabalho à luz da Emenda Constitucional nº 45 publicada em 30 de dezembro de 2004, no que tange aos conflitos oriundos do exercício do direito de greve na relação de trabalho havida entre a Administração Pública e seus servidores, especialmente após o julgamento do Mandado de Injunção nº 712/PA. Para tanto, uma breve análise do contexto histórico-constitucional da jurisdição trabalhista e do direito de greve será necessária, para que seja possível delinear as características dos institutos intra-relacionados à pesquisa. Finalmente, tendo em vista que o trabalho acadêmico permeia o Direito Comparado, especificamente o Direito Italiano, será superficialmente delineado o modelo de jurisdição italiano, no que tange à relação de trabalho na Administração Pública, para que, enfim, seja possível o enfrentamento da questão central, objeto do presente artigo científico, qual seja: A competência da Justiça do Trabalho em face dos conflitos decorrentes do exercício do direito de greve dos trabalhadores na Administração Pública.
Palavras-Chave: Emenda Constitucional Nº 45/2004. Competência Justiça Do Trabalho. Trabalhadores Na Administação Pública. Direito De Greve. Mandado De Injunção Nº 712/Pa. Modelo Italiano.
Sintesi: Questo articolo si propone di esaminare la portata della competenza del tribunale del lavoro alla luce della emendamento costituzionale 45 pubblicata il 30 dicembre 2004,quando si tratta di conflitti derivanti dall'esercizio del diritto di sciopero nel rapporto di lavoro ha tenuto tra l'Amministrazione pubblico ed i loro dipendenti, soprattutto dopo la prova della Scrittura non 712/PA ingiuntivo. A tal fine, una breve analisi del contestostorico della giurisdizione costituzionale del lavoro e del diritto di sciopero è necessario essere in grado di delineare le caratteristiche di intra-istituti relativi alla ricerca. Infine,dato che il lavoro accademico permea il diritto comparato, in particolare la legge italiana, è superficialmente delineato il modello di giurisdizione italiana, per quanto riguarda il rapporto di lavoro nel pubblico, in modo che, finalmente, è possibileaffrontare la questione oggetto centrale del presente articolo scientifico, vale a dire: la giurisdizione dei tribunali del lavoro per affrontare i conflitti derivanti dall'esercizio deldiritto di sciopero dei lavoratori nella Pubblica Amministrazione.
Parole-Chiavi:Modifica Costituzionale N. 45/2004. Giurisdizione Del Lavoro. Lavoratori In Pubblico Amministazione. Diritto Di Sciopero. Garantisce Injunção 712/Pa. Modello Italiano.
Sumário: Introdução. 1. Contexto histórico-constitucional da jurisdição do trabalho no Brasil. 1.1. Jurisdição do trabalho à luz da emenda constitucional nº 45/2004. 2. O regime jurídico estatutário de trabalho. 3. O direito de greve dos trabalhadores regidos por estatuto. 4. Competência da justiça do trabalho, face os dissídios coletivos decorrentes do exercício do direito de greve dos trabalhadores regidos por estatuto. 5. O modelo italiano. 6. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Muita controvérsia causou a Emenda Constitucional nº 45, promulgada em dezembro de 20041, que, dentre outras modificações, deu nova redação ao artigo 114 da Constituição Federal[1], ampliando sobremaneira a competência material da Justiça do Trabalho.
De acordo com a referida emenda, a Justiça do Trabalho passou a ser competente para apreciar e julgar todas as ações oriundas da relação de trabalho, inclusive àquelas oriundas das relações laborais havidas entre trabalhadores e os entes de direito público externo, da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Destaca-se que, anteriormente à Emenda Constitucional nº 45, o artigo 114 da Constituição da República de 1988, limitava a competência da Justiça do Trabalho às questões laborais reguladas pela Consolidação das Leis do Trabalho, limitando-se, portanto, aos conflitos oriundos da relação de emprego.
Pois bem, em face da Emenda Constitucional nº 45, que alterou a expressão “relação de emprego” para “relação de trabalho”, bem como fixou novas competências materiais à Jurisdição Trabalhista, nos deparamos com uma nova percepção da expressão “relação de trabalho”, agora mais abrangente que antes, por certo, ultrapassou os limites da “relação de emprego”, visto que, se esta não fosse a intenção do legislador a expressão primeva não seria alterada.
Noutro giro, temos a questão que ronda o direito de greve do servidor estatutário, que hoje está, em tese, pacificada em decorrência da decisão do Plenário do STF que, em ante a inércia legislativa, determinou a aplicação subsidiária da Lei 7.783/892, lei específica que rege o exercício da greve, aos servidores estatutários, com as devidas ressalvas, conforme julgamento do mandado de injunção nº 712/PA[2].
Neste contexto surge a questão-tema do presente estudos A Justiça do Trabalho possui jurisdição face as lides oriundas do exercício do direito de greve dos trabalhadores regidos por estatutos?
Por certo, o debate em tela, além de girar em torno da expressão “relação de trabalho” em substituição a anterior menção a lides entre “empregado e empregador”, rondará a nova estrutura legislativa, pós-mandado de injunção nº 712/PA, no que tange ao direito de greve dos servidores público, sempre com vista a fixar a competência para processar e julgar lides oriundas desta nova relação jurídica.
Contudo, a busca de conceitos e parâmetros ocorrerá com embasamento na construção histórica, jurídica e social que abarca o tema, diferentemente do que tem ocorrido nas Cortes Superiores, data venia.
Para tanto, uma análise com enfoque constitucional acerca da distribuição de competências entre os diversos órgãos do Poder Judiciário será feita. Ressalta-se que pelo fato do presente estudo permear o Direito Comparado, por vários momentos também será necessário trazer à baila a visão comparada face aos institutos do Direito Italiano, bem como das normativas internacionais.
1. CONTEXTO HISTÓRICO-CONSTITUCIONAL DA JURISDIÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL
O advento da jurisdição é um importante marco divisor nas relações interpessoais em que estão envolvidos direitos, visto que este instituto rompe com o paradigma da execução de obrigações pela força, ao impor o novo modelo de solução dos litígios pelo Estado. Assim sendo, pode-se afirmar que o advento da jurisdição é contemporâneo ao surgimento do Estado.
A palavra jurisdição origina-se da expressão latina dicere ius, ou seja, o poder de dizer. Contudo, a jurisdição atua sempre em segundo plano, isto é, somente quando a obrigação não é cumprida, origina-se da actio nata. Ademais, a jurisdição deve ser sempre provocada, visto que, muito embora o Estado detenha o monopólio da jurisdição, o interesse de agir é sempre daquele que se viu lesado, salvo exceções de outras disciplinas do Direito.
Francesco Carnelutti (CARNELUTTI, 2004) alude que:
“Historicamente, a jurisdictio foi exatamente a manifestação do imperium (ou seja, do poder de mandato atribuído ao magistrado superior romano) que consistia em fixar regras jurídicas e que se distinguia, tanto do poder militar, quanto da coercitio; apenas devido a essa fixação de regras acontecia por meio do processo, o mesmo nome serviu por sua vez para designar o fim e o meio, e por conseguinte, nem tanto a função jurídica, quanto a função processual. Assim explica-se que se tenha acabado por chamar jurisdição a esta última, inclusive quando é execução”.
Para Chiovenda (CHIOVENDA, 2000) o sistema jurídico é o modo pelo qual se deve interpretar a lei, preencher suas lacunas e afastar as antinomias. Atribui-se à Chiovenda a primazia de ter afirmado a autonomia da ação enquanto direito potestativo conferido ao autor, de obter, em face do adversário, uma atuação concreta da lei.
Cientificamente a Jurisdição possui duas teorias básicas: A de Chiovenda (2000) e a de Carnelutti (2004). Em suma, para Chiovenda (2000) a Jurisdição possui mero caráter substitutivo, ou seja, retira o direito de agir das partes uma em relação à outra e outorga ao Estado o poder-dever de solução dos conflitos sociais.
Para Carnelutti (2004), a jurisdição só existe quando há a formação da lide, visto que a Jurisdição tem como objetivo a resolução dos conflitos, logo, não há razão de ser ante a ausência do conflito.
Já o instituto da competência foi tratado por Chiovenda (2000) como o conjunto das causas nas quais pode o tribunal exercer sua jurisdição, segundo a lei, e em outro sentido, essa faculdade do órgão considerada nos limites a ele atribuída.
Complementando, Cintra, Grinover e Dinamarco (CINTRA, GRINOVER E DINAMARCO 2000), descrevem a jurisdição, como expressão de poder estatal, é uma só, não comportando divisões ou fragmentações: cada juiz, cada tribunal, é plenamente investido em sua jurisdição. Entretanto, o exercício da jurisdição é distribuído, primordialmente pela lei constituinte, que demarca os limites da jurisdição.
Já no que tange ao instituto da competência, Acquaviva define:
“Alcance da jurisdição de um magistrado. É o âmbito do seu poder de dizer o direito. Por isso, um juiz competente para causas trabalhistas poderá não ser competente para questões penais, não porque ele não conheça o direito penal, mas porque a própria lei estabelece que o juiz não pode invadir a competência, o raio de ação do outro (ACQUAVIVA, 1999, pág. 185)”.
Berreza Leite (LEITE, 2008, pág. 186), define que “tradicionalmente competência é a medida da jurisdição. É a competência que legitima o poder jurisdicional”. Logo, é do exame desta “medida de jurisdição” que se saberá qual órgão estatal será competente para solucionar o conflito social.
No que tange à Jurisdição do Trabalho, muito embora hoje os limites deste instituto, bem como as competências decorrentes da jurisdição, tenha previsão na Constituição da República, nem sempre foi assim.
A primeira, Constituição brasileira[3], a de 1824, fazia apenas uma referência ao direito laboral, visto que se limitou a abolir as corporações de ofício (art. 179, XXV), no intuito de conferir liberdade ao exercício de ofícios e profissões. Todavia, segundo Augusto Cezar de Baraúna (BRAÚNA, 2000), esta tentativa de conferir ao trabalho a liberdade de negociação conferida ás matérias do Direito Civil foi nócua visto que este o período foi marcado pela ausência de associações profissionais, pela inexistência de proletariado e de lutas, sobretudo porque há época o que causava inquietação às classes intelectualizadas era a questão da abolição da escravatura.
Em seguida à Constituição de 1824, foi promulgada a Constituição de 1891, liberal e individualista, preparada sob influência das idéias dominantes na América do Norte.
Segundo Süssekind (SÜSSEKIND, 2005), a Constituição de 1924 foi baseada no laissez-faire, na crença de que a atividade própria do Governo se reduz à manutenção da segurança pessoal, da propriedade privada e das obrigações nascidas dos contratos, visto que o paradigma do bem-estar social se efetivaria na medida em que os indivíduos realizam de maneira razoável todos os seus interesses privados.
Logo, nela, nenhum princípio foi estabelecido quanto à proteção ao trabalho e ao trabalhador, apenas firmava-se na concepção da soberania da vontade individual, cabendo ao trabalhador a defesa de seus interesses, sendo admitida a intervenção do Estado quando os interesses individuais pudessem entrar em choque com os coletivos.
A partir de 1890 iniciaram-se as discussões acerca da elaboração de uma nova Constituição, fortemente inspirada na constituição dos Estados Unidos da América, intensamente descentralizadora dos poderes, momento em que são instaurado o modelo de separação de poderes independentes entre si, quais sejam: O Executivo, o Legislativo e o Judiciário, abolindo-se .o antigo Poder Moderador, símbolo da monarquia.
A Constituição Federal de 1891 foi a primeira constituição republicana brasileira. Foi uma constituição liberal e individualista que pouco tratava dos direitos sociais, entretanto, em seu artigo 72 a primeira Constituição Republicana reconheceu a liberdade de associação que, segundo Martins,(2007, 2008) “tinha na época caráter genérico, determinando que a todos era lícita a associação e reunião, livremente e sem armas, não podendo a polícia intervir, salvo para manter a ordem pública.”
A segunda Constituição Republicana brasileira, a de 19349, foi uma constituição social democrata que pregava, na ceara do trabalho, a autonomia sindical e o dever da União de amparar o trabalhador em caso de necessidade. Além do foco social-democrática, esta Constituição inovou em tratar especificamente do Direito do Trabalho criando a Jurisdição do Trabalho e fixando suas competências por seu artigo 122, que limitavam-se às questões entre empregadores e empregados, regidas pela legislação social.
Passaram-se três anos e um golpe de Estado dissolvia o Congresso derrogando a atual Constituição e criando a Carta de 193710, que, acentuada pelo caráter evolucionário, o que legitimou ainda mais a intervenção do Estado nas relações laborais. Neste sentido, a Carta Magna dispôs que o trabalho é um dever social, que, consoante Sergio Pinto Martins:
“A Carta Constitucional de 10-11-1937 marca uma fase intervencionista do Estado, decorrente do golpe de Getúlio Vargas. Era uma Constituição de cunho eminentemente corporativista, inspirada na Carta Del Lavoro, de 1927, e na Constituição Polonesa… A Constituição de 1937 instituiu o sindicato único, imposto por lei, vinculado ao Estado, exercendo funções delegadas de poder público, podendo haver intervenção estatal direta em suas atribuições.” (MARTINS, 2007, pág. 165)
De cunho corporativista, a carta de 1937 alterou profundamente a estrutura da ordem econômica e social do país, pois, fixou diretrizes para legislação do trabalho que refletiam diretamente na economia, contudo, por serem inovações de ordem material e não processual, não cabe citá-las aqui.
Cumpre sim destacar que muito embora a Constituição de 1937 não tenha mantido a Justiça do Trabalho na esfera administrativa, como fixado pela Constituição de 1934, houve evolução ao determinar que a Justiça do Trabalho deveria ser regulada por lei, o que ocorreu somente em 1939, com o Decreto-Lei nº 1237, de 02/05/39.
O Decreto Lei 1237/3911 estruturou a Justiça do Trabalho firmando as competências da Justiça do Trabalho com a criação da primeira instância trabalhista, compostas pelas Juntas de Conciliação e Julgamento, que eram compostas por um presidente nomeado pelo Presidente da República e dois vogais, representantes dos empregados e dos empregadores, com competência para julgar dissídios individuais entre as partes e contratos de trabalho.
A segunda instância era composta pelos Conselhos Regionais do Trabalho, os quais eram competentes para julgar os recursos das Juntas e substituir as Comissões Mistas de Conciliação no julgamento dos dissídios coletivos.
Na terceira instância estava o Conselho Nacional do Trabalho, composto por duas câmaras: uma da Justiça do Trabalho e outra da Previdência Social.
Houve ainda a criação da Procuradoria da Justiça do Trabalho que funcionava juntamente com a terceira instância e as procuradorias regionais (MARTINS, 2008).
Em 29 de outubro de 1945, verificava-se novo golpe militar no País, assumindo a chefia do Governo o Presidente do Supremo Tribunal Federal. Realizadas eleições gerais, instalou-se a Assembléia Nacional Constituinte, que elaborou e promulgou nova Constituição, a de 1946.
Conforme o ensinamento de Süssekind (2005), “a Constituição de 1946 continha um conteúdo social que a colocava entre as mais completas do mundo”. Contudo, quanto a esse aspecto, faltava a muitos de seus dispositivos um caráter mais imperativo, já que, pela redação que receberam, eram, principalmente, recomendações. Tinha, portanto, a Constituição de 1946, um caráter social-democrático, mantendo os mesmos princípios fascistas da Constituição de 1934.
Na esfera da jurisdição, a Constituição de 1946 inovou o inserir a Justiça do Trabalho no âmbito do Poder Judiciário e outras mudanças também importantes ocorreram: a carta dispunha sobre a organização e definição da competência da Justiça do Trabalho, atribuindo à mesma um poder normativo.
A partir da Constituição Federal de 1946, a Jurisdição Trabalhista passando a ser composta pelo Tribunal Superior do Trabalho, Tribunais Regionais do Trabalho e Juntas ou Juízes de Conciliação e Julgamento, já incluídos no Judiciário, substituindo, portanto, o Conselho Nacional do Trabalho, os Conselhos Regionais do Trabalho e as Juntas de Conciliação e Julgamento. Nesse período, foi promulgada a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) pelo decreto lei nº 5.452/43.
Em 31 de março de 1964, ocorreu uma revolução militar e o Congresso Nacional assumiu poderes constituintes, aprovando, em 24 de janeiro de 1967, uma nova Constituição.
Nessa constituição a maior inovação foi a ampliação da Jurisdição do Trabalho a competência para processar e julgar as lides oriundas da relação de trabalho havida entre a Administração Pública e seus servidores admitidos temporariamente para obras ou contratos para funções de natureza técnica ou especializada. Ou seja, ampliou-se a jurisdição e a competência trabalhista, que antes somente alcançava as demandas entre empregado e empregador, agora abarca as demandas dos servidores públicos temporários.
Finalmente, em 5 de outubro de 1988 a Constituição da República Federativa do Brasil13 foi promulgada, diploma que trouxe o mais relevante impulso na evolução jurídica brasileira por meio de um modelo mais democrático de administração dos conflitos sociais.
Em seu artigo 114 foram fixadas todas as competências materiais-constitucionais da Jurisdição do Trabalho, o que encerrava uma “regra trina da competência da Justiça do Trabalho” (PAMPLONA, 1998), quais seja: A competência material natural, originária ou específica; a competência material legal ou decorrente; a competência material executória.
A partir de então, todas as questões relativas à relação empregatícia delineada pela CLT, ou seja, relações subordinadas, cuja competência para jurisdicional era exclusiva da Jurisdição do Trabalho, excluídas, portanto, as lides decorrentes da relação laboral não subordinada ou regulada por lei própria que não fosse a CLT.
Não obstante, em virtude do aperfeiçoamento das relações interpessoais decorrentes da evolução natural da sociedade, o modelo jurisdicional vigente mostrou-se inábil para acompanhar a intensa e contínua transformação dos setores da sociedade.
Neste cenário, as discussões acerca da reforma do judiciário iniciaram-se e em dezembro de 2004 a Emenda Constitucional nº 45 foi promulgada alterando sobremaneia a fixação da competência jurisdicional do trabalho.
1.1 JURISDIÇÃO DO TRABALHO À LUZ DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004.
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45 a jurisdição do trabalho ampliou suas competências, seja material seja processual, tendo em vista a substituição da expressão “relação de emprego” por “relação de trabalho”, senão vejamos.
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. (grifos acrescidos)
Neste contexto, inicia-se a reflexão acerca de que o novo vocábulo não fora ali inserido por mera atecnica legislativa mas para firmar a Jurisdição do Trabalho face a todos os conflitos oriundos da relação de trabalho, lato sensu.
Ademais, caso não tivesse sido destinada à Justiça do Trabalho competência para processar e julgar os dissídio envolvendo a relação de trabalho dos servidores públicos a parte final da primeira redação do caput do artigo 114, que excetuava a relação de trabalho para com a Administração pública não havia sido excluída pela Emenda nº 240, constante do Parecer nº 1747 da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados quando da edição da Emenda Constitucional nº 45/04”
Neste sentido, posiciona-se Berreza Leite: “A redação do texto do inciso I do art. 114 da CF, que foi efetivamente promulgado pela EC 45/2004, diferentemente do texto que foi, pela Câmara dos Deputados, submetido à promulgação, não traz qualquer ressalva quanto aos sujeitos da Administração Pública. (LEITE, 2008)”
Destarte é indubitável que a nova redação do artigo 114 da CR/88, além da fixação de novas competências materiais, concedeu à jurisdição do trabalho competências no âmbito das relações de trabalho para com a Administração em razão de sua natureza especializada, sendo a partir de então a relação de trabalho gênero da qual é espécie a relação de emprego.
Neste contexto, inicia-se a compreensão de que o vocábulo ali inserido “relação de trabalho” trata de evolução legislativa e jurisdicional que mudaria o paradigma da Justiça do Trabalho no Brasil.
Contudo, em decorrência da interpretação retrógrada conferida ao texto constitucional pela da doutrina interpretativa restritiva, eis que surge a polêmica que circunda o tema central do presente estudo: A competência jurisdicional para processar e julgar as lides decorrentes do exercício do Direito de Greve pelos servidores públicos é da Justiça do Trabalho.
A priori, pouco antes de adentrar no mérito da questão, é necessário elucidar o atual contexto de aplicabilidade, tanto da competência descrita no artigo 114, quanto do exercício do direito de greve dos trabalhadores regidos por estatutos.
2. O REGIME JURÍDICO ESTATUTÁRIO DE TRABALHO
Inicialmente, destaca-se que para enfrentamento do tema não será necessário discorrer acerca de todos os regimes de contratação de trabalhadores a que está obrigada a Administração, visto que o regime que aqui interessa é somente o estatutário, tendo em vista que quanto aos demais a polêmica ora discutida não se aplica.
Antônio Álvares da Silva, define a Administração Pública:
“Administração provém do verbo latino minuo, minuis, minure, minutum, que significa diminuir. Da raiz mi ampliada pelo sufixo nu para mi-nu, temos na língua latina minutos e seus derivados; da raiz mim provieram varias palavras, entre os quais minister, ministerium e ad-ministare que significa originariamente “travailler sous lês ordres de quelqu’um” e, depois, “gouverner, administre. (SILVA, 2008)”.
Pode-se dizer que administrar é prestar serviço, executá-lo, dirigir, governar, exercer a vontade com o objetivo de obter um resultado útil14, traçar um programa de atuação e planejamento. Ou seja, é utilizar de forma racional os meios disponíveis em determinado momento e local para dali retirar os efeitos mais favoráveis.
DI PIETRO, em seu curso de Direito Administrativo, citando Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, indica ainda duas versões para o termo administração: “para uns vem de ad (preposição) mais ministro, as, are (verbo), que significa servir, executar; para outros, vem de ad manus trahere, que envolve ideia de direção e gestão”.
A Administração Pública, por sua vez, tem por finalidade a obtenção dos mesmos resultados práticos buscados pela administração privada. Da mesma maneira que o setor privado quer diminuir gastos e despesas, esforços e as perdas, especialmente após a Emenda Constitucional nº 19/1998 que alterou a ordem econômica da Administração Pública instituindo um novo paradigma de Estado, o Estado gerencial.
Logo, como salienta Antônio Álvares (SILVA, 2008), “administrar a coisa privada ou pública importa no mesmo esforço transformativo. O que muda é apenas o fim, e não os meios pelos quais se realiza”.
O termo servidor público, por sua vez, segundo Di Pietro (2003) é o termo utilizado, em sentido amplo, para designar "as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo de trabalho e mediante remuneração paga pelos cofres públicos”.
Ressalta-se que até a publicação da Constituição Federal de 1988, a Administração Pública adotava a CLT para regular as relações trabalhistas, com os então chamados empregados públicos. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 estabeleceu-se para a Administração Pública o Regime Jurídico Único, pela edição de lei específica de adesão obrigatória pela administração direta, pelas autarquias e fundações, extinguindo a possibilidade do ingresso em outro regime jurídico, que não fosse o estatutário, universalizando esse modelo de regime, contudo, a relação material-real em nada se alterou.
Por certo, o regime estatutário possui determinadas peculiaridades, contudo, a forma da prestação laboral continuou a mesma, senão mais subordinada, visto que, neste regime o servidor é nomeado através de um ato unilateral, ingressando numa situação jurídica já delineada por uma lei rígida, sendo impossível discutir as respectivas condições e regras da prestação do trabalho, cabendo até imputação criminal às condutas dos trabalhadores na Administração Pública.
Destarte, não nenhum elemento que diferencie a relação de trabalho privada da pública, que na seja o destinatário da força laboral, o que não serve de parâmetro para fixação de qualquer tratamento diferenciado perante a Jurisdição do Trabalho.
3. O DIREITO DE GREVE DOS TRABALHADORES REGIDOS POR ESTATUTO
A priori, destaca-se que o direito de greve é constitucionalmente assegurado a todos os trabalhadores que devem decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender, conforme artigo 9º da CR/88.
No que tange aos trabalhadores públicos, a antiga redação do inciso VII do artigo 37 da CR/88 dispunha que o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei complementar. Contudo, a Emenda Constitucional 19/1998 alterou a redação deste inciso, passando o exercício, pelos servidores, do direito de greve a somente a depender de lei específica.
Neste contexto a Suprema Corte Constitucional[4], declarou que o inciso VII, do art. 37 da CR/88 aplicação imediata, enquanto inexistente lei subconstitucional para conter seus limites.
Assim, reconhecida a eficácia contida, a norma constitucional incide imediatamente, por afastar o óbice representado pela proibição anterior (Magna Carta de 1969), ou seja, permite que os servidores façam greve desde logo.
Ora, sustentar entendimento contrário e negar o direito de greve aos servidores públicos significa negar a própria Constituição, em caráter duplo. Primeiro, porque o direito de greve é um direito fundamental, e a Carta Magna, em seu art. 5º, § 1º prescreve que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Segundo, porque o art. 9º constitucional estendeu, ainda que de forma implícita, aos agentes da função pública o exercício daquele direito fundamental originário da seara laboral privada, uma vez que não faz qualquer distinção sobre quais trabalhadores teriam a sua titularidade.
Com isso, o STF, apoiado em parte da doutrina, começou a entender ser cabível a aplicação da lei de greve – nº 7.783/89 – na seara pública, já que não existia lei complementar e/ou específica sobre a matéria.
Para pacificar a questão, o Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Pará – SINJEP – buscava, por meio da medida, conferir efetividade à norma esculpida no art. 37, VII, CR/88, uma vez realizada a suspensão coletiva do trabalho com o objetivo garantir a revisão anual da remuneração dos servidores.
Finalmente, em outubro de 2007, sob a relatoria do senhor ministro Eros Grau, foi proferida decisão em sede do referido mandado de injunção, na qual, por maioria dos votos, foi determinada a aplicação da lei geral de greve, a nº 7.783/89 (com as devidas adaptações), para a regulamentação do exercício de greve dos servidores públicos civis.
Veja-se, a seguir, a ementa da decisão:
“EMENTA: “MANDADO DE INJUNÇÃO. ART. 5º, LXXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA VEICULADA PELO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL [ART. 9º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 7.783/89 À GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. PARÂMETROS CONCERNENTES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS DEFINIDOS POR ESTA CORTE. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO ANTERIOR QUANTO À SUBSTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL. INSUBSSISTÊNCIA DO ARGUMENTO SEGUNDO O QUAL DAR-SE-IA OFENSA À INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES [ART. 2O DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL] E À SEPARAÇÃO DOS PODERES [art. 60, § 4o, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. INCUMBE AO PODER JUDICIÁRIO PRODUZIR A NORMA SUFICIENTE PARA TORNAR VIÁVEL O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS, CONSAGRADO NO ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.” (MI 712 / PA; Relator(a): Min. EROS GRAU. Publicado em 30-10-2008; PP-00384).
Neste contexto inicia-se a aplicação da Lei 7.783/89 ao trabalhador público, obviamente com suas adaptações.
Impõe-se destacar que a referida decisão prolatada foi objeto de significativas mudanças sobre aquilo que vinha sendo decidido no assunto, o que acarretou em evoluções no entendimento jurisprudencial da Suprema Corte Constitucional. A começar, a discussão sobre a aplicabilidade e eficácia da norma do inciso VII, do art. 37, da Constituição, tornou-se algo superado e irrelevante diante da situação.
Se se tratava de norma de eficácia contida ou limitada, já não mais importava, pois o que deveria ser assegurado, segundo o relator do voto, era a efetividade do direito de greve dos servidores, estes, que até então, estavam mergulhados em tamanha insegurança jurídica em relação à questão.
Nestes termos, é inexorável que a decisão do órgão Supremo fora de extrema importância ao trabalhador público, bem como para efetivação dos direitos sociais e fundamentais, pois, como conclui o Professor Antônio Álvares da Silva:
A decisão é de suma importância para o servidor público e para todo o país, pois regula um tema que estava desenhado apenas em âmbito constitucional – art. 37, VII. Foi assim, pelo menos neste caso concreto, sanada a inconcebível contradição de alguns dispositivos da Constituição que, consagrando um direito, submeteu sua eficácia à norma jurídica inferior, que não é editada. (SILVA. 2008, pág. 119)
Cumpre frisar que a aplicação da Lei nº 7.783/89 foi adaptada ao trabalhador público, tendo em vista as peculiaridades que abarcam o serviço público, como o princípio da continuidade das atividades públicas, bem como a relação existente entre o servidor e o Estado, que, no entendimento do ministro é bastante dispare daquela entre o empregado e seu patrão, acarretaram em alterações necessárias nos artigos 1º ao 9º e 14, 15º e 17º da Lei nº 7.783/89.
Eis o teor destes artigos, já com as principais alterações previstas no julgamento, em sublinhado:
“Art. 1º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
Parágrafo único. O direito de greve será exercido na forma estabelecida nesta Lei.
Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.
Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação parcial do trabalho.
Parágrafo único. A entidade patronal correspondente ou os empregadores diretamente interessados serão notificados, com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas, da paralisação.
Art. 4º Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembléia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação parcial da prestação de serviços.
§ 1º O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quorum para a deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve.
§ 2º Na falta de entidade sindical, a assembléia geral dos trabalhadores interessados deliberará para os fins previstos no "caput", constituindo comissão de negociação.
Art. 5º A entidade sindical ou comissão especialmente eleita representará os interesses dos trabalhadores nas negociações ou na Justiça do Trabalho.
Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:
I – o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve;
II – a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.
§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem.
§ 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento.
§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.
Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.
Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, exceto na ocorrência da hipótese prevista no art. 14.
Art. 8º A Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão.
Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar a regular continuidade da prestação do serviço público.
Parágrafo único. É assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo.
Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, em especial o comprometimento da regular continuidade na prestação do serviço público, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.
Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que:
I – tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;
II – seja motivada pela superveniência de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho.
Art. 15 A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal.
Parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito.
Art. 17. Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout).
No entanto, como é característico ao Direito, findada a questão atinente ao exercício do direito de greve pelo trabalhador público, eis que surge nova questão jurídica que permeia os direitos aqui discutidos, qual seja: De qual órgão judicial é a jurisdição sob as demandas decorrentes deste reconhecido direito de greve dos servidores regidos por estatutos? Eis que finalmente, discutiremos o problema central do presente trabalho”.
4. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO EM FACE DOS DISSÍDIOS COLETIVOS DECORRENTES DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS TRABALHADORES REGIDOS POR ESTATUTO
Contextualizados em um cenário em que o trabalhador público em nada difere do trabalhador particular, no que tange a exploração da força laboral, visto que ambos são subordinados ao detentor dos meios de trabalho, ambos são remunerados em troca da força laboral e, de outro lado, o tomador dos serviços pretende sempre desenvolvimento, crescimento e aprimoramento de suas atividade, não há dúvidas que os direitos decorrentes da relação de trabalho celetista ou estatutária devem ser idênticos.
Também não há dúvidas de que a legislação específica que regula o exercício do direito de greve de ambos os trabalhadores (públicos ou particulares) é a mesma, face o mandado de injunção 712/PA.
Assim sendo, uma vez que a jurisdição do trabalho tem por competência os conflitos decorrentes da relação de trabalho e do exercício do direito de greve, (incisos I e II do artigo 114 da CR/88) é patente sua competência para julgar os dissídios oriundos do exercício do direito de greve pelos trabalhadores públicos, visto que agora greve no serviço público é regida por lei específica.
Contudo, muito embora a afirmativa supra pareça correta e óbvia, não há segurança jurídica quanto a sua efetividade, tendo em vista que a competência trabalhista em face dos dissídios individuais foi subtraída da Justiça do Trabalho pela ADI 3395 “através da famosa e errônea liminar do ex-ministro Jobim que, não obstante a solar clareza do art. 114, I, decidiu que a Justiça do Trabalho não tem competência para julgar a relação individual estatutária”. (SILVA, 2008)
Neste contexto posiciona-se Antônio Álvares da Silva (SILVA, 2008): “Agora, surge o problema com roupagem nova, através do conflito coletivo de trabalho que, pela liminar do Min. Eros Grau, pode tomar o mesmo destino do conflito individual, esvaziando por completo a possibilidade de renovação da Justiça do trabalho”.
Contudo, cabe a nova doutrina confrontar o, data venia, equivocado posicionamento cotido na ADI 3395, na tentativa de fixa-se a correta aplicação (e não aplicação visto que esta é obvia), do disposto nos incisos I e II da CR/88.
Depois da já citada decisão do mandado de injunção 712, a Lei 7783/89 passa a ser aplicada ao servidor público, nos seguintes termos, in verbis:
"Em face de tudo, conheço do presente mandado de injunção, para, reconhecendo a falta de norma regulamentadora do direito de greve no serviço público, remover o obstáculo criado por essa omissão e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no art. 37, VII da Constituição do Brasil, nos termos do conjunto normativo enunciado. Restou claro pelo voto do Relator que os artigos 1º ao 9º, 14, 15 e 17 da Lei 7783/89, com as alterações necessárias ao atendimento das peculiaridades da greve nos serviços públicos, são aplicáveis ao trabalhador público.”
Ainda, o Mandado de Injunção nº 712/PA, adaptou questões de ordem material da Lei 7783/89, às peculiaridades do serviço público e não de ordem processual, senão vejamos.
Os artigos 3º e 4º da Lei 7783/89 foram adaptados, sendo o termo “cessação coletiva” substituído pelo termo “cessão”, assim como o termo paralisação coletiva foi substituído pelo termo paralisação parcial, respectivamente, além da alteração atinente a majoração do prazo de 48 para 72 horas, para a paralisação.
No artigo 7º, retirou-se a referência ao art. 9º, tendo em vista que não é possível que a Administração Pública, enquanto perdurar a greve, contrate diretamente mão-de-obra substitutiva, mantendo-se a referência do art. 14.
No art. 14, o abuso do direito foi regulado da seguinte forma:
“Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, em especial o comprometimento da regular continuidade na prestação do serviço público, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho."
Destaca-se especialmente aqui que nenhuma alteração quanto à competência da Justiça do Trabalho para decidir questões de greve caso não haja celebração de acordo, convenção de trabalho. Ademais, em toda a adaptação firmada pelo MI 712 a jurisdição do trabalho se mantem de forma clara, veja-se. “No artigo 5º a jurisdição trabalhista em nada é alterada, cabendo, assim com no artigo 7º, no qual uma das vias eleitas para a solução das lides decorrentes do exercício do direito de greve é a Justiça do Trabalho”.
Outro exemplo claro e incontestável no que tange ao alcance da jurisdição trabalhista está disposto no artigo 8º da Lei 7783/90, senão vejamos: “8º – A Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão”.
Não bastasse, o artigo 14 da citada norma menciona que caberá à Justiça do Trabalho decidir questões relativas a abuso do direito de greve e à inobservância das normas contidas na presente Lei, além das regras fixadas após a celebração de acordo, convenção.
Outro argumento que sustenta o alcance da jurisdição da Justiça do Trabalho no que tange ao exercício do direito de greve dos trabalhadores públicos é a competência definida pelo artigo 15 da lei de greve, que em nada foi alterado pelo Mandado de Injunção nº 712, que dispões que até mesmo as questões relativas aos atos e ilícitos cometidos durante a greve serão apurada, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal, conforme o caso.
Diante da clareza do completo normativo decorrente da decisão texto e da expressa referência à Justiça do Trabalho, fica claríssima sua competência para julgar os conflitos provenientes do exercício do direito de greve no serviço publico. Nem podia ser diferente.
Diante do exposto, no complexo normativo definido pela decisão do Mandado de Injunção nº 712 é patente que a Justiça do Trabalho é competente e negociação coletiva sem qualquer restrição. Portanto, está inequivocamente garantida sua competência para os conflitos enumerados no acórdão.
Em última ratio se a Lei 7783/89, destinada a priori ao trabalhador particular, foi adaptada e compatibilizada com o serviço público, por que se haveria de subtrair da Justiça do Trabalho peculiar ao trabalhador particular. Ainda, caso a intenção do Legislador fosse reduzir a competência da Justiça do Trabalho no que tange aos trabalhadores da Administração Pública, a Emenda nº 240 da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Vereadores teria sido vetada.
Assim sendo, diante do sistema Constitucional vigente e da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal as lides decorrentes do direito de greve, seja ela exercida pelos trabalhadores na iniciativa privada ou da pública estão abarcadas pela jurisdição trabalhista.
5. O MODELO ITALIANO
Partindo do pressuposto que o presente artigo não tem por escopo tratar da Jurisdição Trabalhista Italiana, mas, tão somente traçar um breve comparativo no que tange ao julgamento das questões decorrentes do exercício do Direito de Greve, no Brasil e na Itália, cumpre destacar apenas alguns pontos, senão vejamos.
O modelo italiano de jurisdição, em linhas gerais, tem fortes traços civilistas sendo que todo o procedimento correlato ao processo judicial está definido pelo Código de Processo Civil, ao contrário do Brasil que há tempos já possui jurisdição do trabalho bem definida, com regras de processo próprias.
Contudo, muito embora não haja na Itália justiça especializada do trabalho, há varas específicas de Direito do Trabalho, especialmente nas grandes cidades, varas estas que processam e julgam todas as questões relativas ao contrato de trabalho latu sensu, não havendo, portanto, diferença quanto a competência em relação às partes.
Ressalta-se que na Itália também há uma lei específica que regula, mesmo que genericamente, a relação de trabalho na Administração Pública, qual seja, o Decreto Legislativo 165/2001, contudo, a tendência italiana é no sentido de uniformização de direitos, conforme o esclarece o Prof. Giancarlo Perone (PERONE, 2008). Logo, não há que se falar em distinção quanto ao empregador para que se possa firmar a competência da jurisdição do trabalho.
No que tange ao Direito de Greve, na Itália este direito também é constitucionalmente assegurado, conforme dispõe o artigo 40 da Constituição Italiana16, que dispõe que o direito de greve será exercido nos limites da lei, qual seja, a Lei nº 146/60, que na Itália regulamentou o exercício desse direito, não havendo qualquer distinção quanto a que exerce este direito, ou seja, se é um trabalhador da iniciativa pública ou privada.
Destarte, na Itália, além de todos os trabalhadores estarem livres e amparados por lei para exercer o direito de greve, não há qualquer distinção quando da fixação da competência para julgar as lides decorrentes do exercício da greve, visto que, tanto os trabalhadores do setor privado, quanto os trabalhadores da administração pública, nos conceitos do Direito Italiano, em ambos os casos está configurada a relação de trabalho onde uma parte cede sua mão de obra em troca de remuneração, com fins de evolução do capital do empregador, seja ele público ou privado.
6. CONCLUSÃO
Diante do exposto, para enfretamento do objeto deste estudo, para fixação da competência de um jurisdição é preciso muito mais que interpretar a literalidade da letra da lei, é preciso contextualizar a questão especialmente no que tange a sua evolução história e legislativa, sob pena de retrocesso social irreparável.
Conforme já citou o Professor Antônio Álvares (SILVA, 2008), muito embora a decisão política proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 3395 tenha extirpado da Justiça do Trabalho a competência para julgar a relação individual estatutária, o mesmo não poderá ocorrer com as lides coletivas.
Ora, a alteração do texto constitucional introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004 não pode ser interpretada como mera atecnia legislativa, visto que a evolução da Competência da Justiça do Trabalho é evidente em todos os textos constitucionais, sempre no sentido de especificação das lides decorrentes da relação ampla de trabalho. E, se assim não fosse, não haveria mais razão para especialização da competência trabalhista, que se justifica nas peculiaridades da relação em que a obrigação de fazer é a prestação laboral.
Destarte, no contexto constitucional e histórico da Justiça do Trabalho, está especializada é sim competente para processar e julgar os dissídios decorrentes do exercício do direito de greve dos trabalhadores na Administração Pública, seja em virtude da nova redação do caput do artigo 114 da CR/88, combinado com seu inciso II, e mais ainda em decorrência da adoção da Lei 7783/89, como reguladora do exercício do Direito de Greve na Administração Pública, tendo em vista que a Corte Máxima do Poder Judiciário brasileiro ratificou a competência já estabelecida por esta lei, seja pelo fato de nada ter alterado neste sentido, seja pelo fato de adotar explicitamente todos artigo da lei 7783/89 que elegem a Justiça do Trabalho como competente para processar e julgar as lides oriundas do direito de greve.
Advogada. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora de Publicação e Pesquisa do Grupo de Estudos em Arbitragem do GEArb. Editora da Revista de Arbitragem do GEArb
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