A competência exclusiva do Congresso Nacional para aprovar a concessão florestal em unidades de manejo de florestas públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares: uma interpretação pertinente

Resumo: Análise jurídica da necessidade de consulta ao Congresso Nacional para a concessão florestal em unidades de manejo de florestas públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares, pelo fato de ser está uma especificação da regra geral prevista no inciso XVII do art. 49 de nossa Constituição Federal.


A Lei nº 11.284, de 02 de março de 2006 trata da gestão de florestas públicas para a produção sustentável. Dispõe que as florestas serão administradas com vistas “a produção sustentável”.


A questão e que ora analisamos é a do que prevê a competência exclusiva do Congresso Nacional para aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares.


A Lei de Gestão das Florestas Públicas[1] afastou a aplicação do referido dispositivo constitucional das normas que regulam a concessão florestal, não existindo na Lei qualquer referência à manifestação prévia do Legislativo como condicionante para as concessões.


Desse fato depreendemos a existência de duas correntes: a dos defensores da implementação do sistema de concessões florestais sem qualquer controle do Legislativo afirmando que a concessão florestal tem como objeto a exploração de produtos e serviços relacionados à cobertura florestal, não gerando qualquer direito real sobre o imóvel em que se situa a cobertura florestal. Isto é, a concessão florestal não se confundiria com a concessão de terras públicas.


Essa corrente afirma que a concessão florestal é geradora apenas de um direito pessoal sobre a cobertura vegetal, atribuído ao concessionário, não se confundindo com a concessão de terra pública, geradora de direito real sobre o bem fundiário afirmando ainda que o escopo da concessão florestal não toca na questão do domínio da terra, que nem é alienada nem concedida ao particular.


Outra corrente da qual faz parte o jurista José Afonso da Silva[2] afirma que seria inviável a separação entre solo e cobertura florestal na definição do objeto da concessão para manejo florestal. Tendo como argumento ora o fato da floresta estar incorporada ao solo. Ora porque na prática o imóvel ficaria afetado a uma determinada atividade, o manejo florestal.


Assim, para a segunda corrente, a concessão para manejo florestal equiparar-se-ia a uma concessão de terras públicas, submetendo-se ao inciso XVII do art. 49 da Constituição. Logo quando se contrata a concessão florestal, o imóvel ou imóveis onde se situam as florestas públicas inquestionavelmente ficam afetados a uma atividade determinada, o manejo florestal.


O Senado Federal seguiu nesse sentido, ao aprovar emenda prevendo que o Plano Anual de Outorga de Concessão Florestal (PAOF) deveria ser submetido a prévia aprovação pelo Congresso Nacional quando incluísse a concessão de florestas públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares. Essa emenda foi incorporada ao texto final aprovado pelo Congresso Nacional, mas foi objeto de veto presidencial[3]. Entretanto as razões do veto[4] não apresentam qualquer fundamentação jurídica relativa à não aplicação do inciso XVII do art. 49 da Constituição às concessões florestais.


Como é sabido do mundo do direito, por força do artigo 92 do Código Civil, salvo disposição especial em contrário, a coisa acessória segue a principal. Vem do Direito Romano a lição: “accessorium sequitur suum principale”.


A norma define a coisa principal como sendo aquela que existe sobre si, abstrata ou concretamente, e acessória aquela cuja existência supõe a da principal. Logo vemos uma vinculação direita entre a terra e a floresta que está sobre ela.


Logo ao conceder o  manejo das florestas está se concedendo terras públicas das quais  as florestas vão ser manejadas. A exploração de florestas é, portanto, modalidade de concessão do uso de terras públicas.


Assim sendo a regra expressa na lei de Concessão de florestas públicas é uma especificação da lei geral quando sobre a terra pública existe uma floresta, não se podendo afastar a aplicação do inciso XVII do art. 49 de nossa Magna Carta.


Se existe previsão Constitucional para a manifestação do Congresso Nacional na alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares, essa exigência também se estende à concessão florestal que tenha por objeto a exploração de produtos ou serviços florestais em unidades de manejo de florestas públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares.


O fato é que a questão não está pacificada tanto que existe em tramitação na Câmara dos Deputados proposta de emenda à Constituição[5] que dá nova redação ao inciso XVII do art. 49 da Constituição Federal visando eliminar qualquer possibilidade de dúvida em relação à aplicação do inciso XVII do art. 49 da Constituição Federal às concessões florestais.


 


Referencias bibliográficas:

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 7a ed., São Paulo, Método, 2004.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15a ed., São Paulo, Atlas, 2004.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6a ed., São Paulo, Malheiros, 2003.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 23a ed., São Paulo, Saraiva, 1996.
TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 15a ed., São Paulo, Malheiros, 1999.


Notas:

[1] Lei nº 11.284/06.

[2] Posição sustentada em audiência pública ocorrida na Câmara dos Deputados em 12.05.2005.

[3] Mensagem de veto nº 124 de 02 de março de 2006, publicada no D.O.U. de  3.3.2006.

[4] “O texto aprovado pelo Congresso Nacional se contrapõe ao princípio apontado no inciso VIII do art. 2o – que diz: ‘a garantia de condições estáveis e seguras que estimulem investimentos de longo prazo no manejo, na conservação e na recuperação das florestas;’ uma vez que determina sistemática de submeter o Plano Anual de Outorga Florestal ao Congresso Nacional, o que vincula sua aprovação, inclusive, a contingências políticas de curto prazo, além de criar novos processos administrativos para a tramitação da matéria.”

[5] Proposta de Emenda Constitucional nº 570/2006

Informações Sobre o Autor

Magno Neves Barbosa

Advogado Especializado em Direito Ambiental, membro Conselheiro do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Meio Ambiente – FNMA, do Conselho Estadual de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro – CONEMA. Diretor do comitê de Bacia do Rio Guandu, Rio Guandu Mirim e da Guarda (Comitê Guandu).


Equipe Âmbito Jurídico

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