A condenação penal além da sentença judicial

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Resumo: Diante de tanta violência na região metropolitana de Vitória/ ES, a mídia a cada dia que passa vem se deleitando com ibope trazido pela divulgação de atos criminosos e sofrimento das vítimas, agravando o ódio àqueles que transgrediram a regra penal gerando um jargão conhecido e comum na sociedade local: “bandido bom é bandido morto”. Contudo, se esquece de observar que qualquer um pode se ver transgredindo alguma norma penal, ou mesmo tendo um parente imerso a esta situação. Destarte, é como se o Direito Penal batesse a porta e entrasse de uma forma avassaladora, trazendo sofrimento e problemas aos que não cometeram delito algum, mas tão somente por serem parentes amigos ou alguém que tenha alguma dependência emocional ou financeira. Não obstante sansões trazidas a pessoas que não cometeram nenhuma infração, é também objeto de estudo do presente trabalho as penas indiretas impostas pelo Estado ao agente transgressor.

Palavras chave: Vitória/ ES, Direito Penal, pena extra-judicial, transcendência das penas.

Abstract: Faced with so much violence in the metropolitan region of Vitória/ ES, the media  each passing day comes feasting with the IBOPE brought by the broadcasting of criminal acts and victims suffering, exacerbating the hate to those who transgressed the criminal rule generating a known and common jargon in local society: "good criminal guy is dead one." However, couldn’t forget to note that anyone can see any their selfies trespassing  a criminal rule, or even taking a dip relative to this situation. So, it’s as if the Criminal Law “knocked the door” and entered in an overwhelming way, bringing suffering and problems which have not committed any crime, but simply because they are friends or relatives of someone who has some emotional or financial dependence. Despite of sanctions brought to people who have not committed any offense, is also the object of study of this work the indirect penalties imposed by the State to the offender agent.

Keywords: Vitoria/ ES, Criminal Law, extra-judicial punishment, transcendence of penalties.

Sumário: Introdução 1 O direito de punir: Contextualização. 1.1 Histórico global. 1.1.1. Da Vingança. 1.1.2 Do Período Humanitário. 1.1.3 Do Período Científico. 1.2 Histórico brasileiro. 1.3 Cenário atual no Brasil. 2 Áreas de pesquisa envolvidas 2.1 Enfoque Filosófico/ Sociológico. 2.2 Enfoque criminológico/Vitimológico. 3 Cenário na Grande Vitória/ES. 3.1 Perfil do apenado e da pena.3.2 Perfil da vítima indireta 3.3 As penas extrajudiciais. 4 Conclusão. Referências.

1 Introdução

O sistema punitivo no mundo e especificamente no Brasil vem evoluindo significantemente ao longo de sua história, entretanto, por se tratar de uma mudança social esta ocorre lentamente não conseguindo alcançar todos anseios sociais. Deste modo, verifica-se a importância de identificar e analisar os impactos sociais do sistema punitivo estatal no que tange a transcendência das penas e quantos as penas extrajudiciais advindas das judiciais na sociedade capixaba da região metropolitana de Vitória no estado do Espírito Santo.

Com a presente pesquisa pode-se observar a existência de inúmeros trabalhos científicos que tentam encontrar uma delimitação do sistema punitivo brasileiro ou mesmo que demonstra os impactos sociais da aplicação inadequada deste poder estatal. Todavia, constatou-se a necessidade de demonstrar especificamente a punição em dobro por consequência de um sistema penal falho e, por conseguinte seus impactos em uma região cuja criminalidade cresce vertiginosamente.

Neste trabalho pode-se identificar as quais as penas previstas em lei que o Estado aplica e quais as punições que decorrem destas sem previsão legal, punições estas que advêm ora do próprio Estado ora da sociedade instigada por este. Também, verificar-se-á a punição não legal atingindo pessoas que não cometeram o delito, como a família do apenado, amigos, e demais entes sociais. Ainda, será demonstrado o dano social causado por falha no ordenamento jurídico-social.

A presente pesquisa está organizada em cinco capítulos. O primeiro é tem o fito unicamente introdutório, já o Capítulo 2 visa contextualizar o trabalho traçando um alicerce histórico quanto a gênese do sistema punitivo no mundo, e finalizando no Brasil em dias atuais, vez que se faze necessário para o entendimento da demais pesquisa. O Capítulo 3, possui enfoque nas áreas de conhecimentos que de fato serão abordadas o trabalho, como a Jusfilosofia, Sociologia do Direito, Criminologia e a Vitimologia. No Capítulo 4 discorre-se de fato a parte pragmática da pesquisa, onde se foi a campo para colher resultados com as pessoas vítimas do sistema punitivo em dobro e/ ou que transcende a pessoa do condenado criminalmente. Por fim, o Capítulo 5, que é conclusivo, onde identifica-se os resultados da pesquisa realizada e se responde objetivamente os questionamentos ora levantado pela problemática que enseja a pesquisa.

2 O direito de punir: Contextualização

Este capítulo é responsável por situar o trabalho dentro das pesquisas realizadas, começando com um ponto de referência histórico, fazendo um paralelo com o cenário atual a ser abordado e ressaltando as devidas evoluções ocorridas.

2.1 Histórico global

Em tempos remotos da humanidade o homem vivia isoladamente uns dos outros, se encontrando eventualmente ou somente com o fito de procriação. Estes encontros frequentemente eram conflituosos em decorrência da divergência de interesses pessoais que eram solucionados por meio da força bruta, vencendo sempre o mais forte. Neste diapasão, em consequência dos enfrentamentos, o homem buscava punir aquele em que ele julgasse ter ferido algum direito por si mesmo estabelecido, caracterizando a vingança pessoal, que, quase sempre era desproporcional e ausente de critérios.

Evolutivamente, o homem passa a desfrutar da vida coletiva necessitando de meios mais eficazes para pacificação de seus embates. Assim, surge o Estado Soberano, que é um ente criado por todos os indivíduos da coletividade a partir de uma cessão de parcela da liberdade de cada integrante da coletividade e em troca vantagens sociais, como a segurança, sendo denominado este ato de contrato social, segundo Rousseau (1973).

Destarte, o Estado constituído impunha regras à sociedade em prol da promoção da segurança e da paz coletiva, que para garantir o cumprimento do normatizado cominava-se uma pena ao que infringisse o estabelecido. Tal punição tinha caráter exclusivamente vingativo, um revide à agressão sofrida, porém determinado e tutelado pelo Estado. Desta maneira, esse foi o primeiro vislumbre do Direito Penal, ou direito de punir.

Sintetizando o relatado, Beccaria (2003) aduz que como proteção contra usurpação ao depósito coletivo de parcela individual da liberdade ao Soberano fez-se necessária a criação de penas aos que atentassem contra as leis. Este, então, seria um mecanismo criado pelo homem para que todos sejam obrigados a cumprir seu papel social, não deixando impune o que se desviasse para extirpando a margem a novos desvios.

Desde seu surgimento, o direito de punir passa por um processo evolutivo incessante, passando por vários períodos, entretanto, cabendo ressaltar que tais momentos não foram matematicamente divididos no decurso do tempo, sendo por vezes cíclicos e frequentemente concomitantes.

2.1.1 Da Vingança

O período da Vingança, certamente vem traduzir o período mais obscuro do Direito Penal, tendo sido consubstanciado na Lei de Talião. A despeito palavra “lei” em sua nomenclatura, princípio consistia na proporcionalidade da pena, com objetivo que causar dano ao agressor idêntico ou o mais próximo possível do ao por ele causado ao ofendido, assim sendo frequentemente conhecida como lei do “olho por olho, dente por dente”. Como exemplo dos princípios da lei de talião arraigados em diversas culturas, pode-se citar: "Art. 209 – Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez siclos pelo feto" e "Art. 210 – Se essa mulher morre, então deverá matar o filho dele", em o Código de Hamurabi (BOUZOU, 1986). Também, na Bíblia Sagrada (1969), "Levítico 24, 17 – Todo aquele que feri mortalmente um homem será morto", assim como na Lei das XII Tábuas, "Tábua VII, 11 – Se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se houver acordo".

Neste período fica clara a busca entre a proporcionalidade entre a agressão e a pena, contudo, em momento algum se cogita a promoção da justiça. Tal ponto é relatado com a devida clareza por Foulcault (2000) ao descrever em cujo ofendido cometia o mesmo crime que o agressor, e não sendo possível ser realizada pelo próprio ofendido, como no caso do homicídio, a pena poderia ser promovida por parentes e também poderia atingir a família do agressor, não somente a pessoa do próprio.

2.1.2 Do Período Humanitário

Lapso centenário compreendido entre 1750 e 1850, marcado pela atuação de pensadores que contestavam as ideias absolutistas da época, que até então estava saturada de barbaridades sob o pretexto do cumprimento de leis, e preconizava-se a reforma e manutenção do sistema penal objetivando pela primeira vez a dignidade humana.

O alicerce do humanismo teve como base a contribuição de iluministas como, Montesquieu, Rosseau, D’Alambert, dentre outros. A ideia era se rebelar contra crueldades e arbitrariedades do direito de punir que à época apregoava frase conhecida: “Homens resisti a dor, e serei salvos”.

2.1.3 Do Período Científico

Época marcada pelo surgimento do estudo da criminologia, com início no século XIX durando até a atualidade, podendo ser citar como principais contribuidores desta corrente, Enrico Ferri, Cesare Lombroso e Raphael Garófalo. Este período passa a se preocupar com os motivos para o surgimento da delinquência e os meios mais eficazes de mitigá-la, passa-se a questionar a eficácia das penas na recuperação do delinquente sempre se preocupando com a dignidade deste, tendo em vista que todo mundo está propenso a delinquir.

2.2 Histórico brasileiro

No Brasil, até a chegada dos lusitanos, a sociedade, se encontrava em períodos evolutivos distintos, composta por tribos indígenas. O direito penal existente era consuetudinário com base na vingança e no talião.

Na Colonização do país houveram períodos distintos de uma legislação penal escrita, iniciando pelas Ordenações Afonsinas (até 1512), Manuelinas (1513 à 1569), Código de D. Sebastião (1568 à 1603), Ordenações Filipinas (até 1640) que refletia o direi penal medieval onde o crime se confundia com pecado, sendo severamente penalizados, os bruxos, hereges, benzedores, etc. Outra característica que marcava esta época era a crueldade das penas como, os açoites, as mutilações, queimaduras, confiscos, forca e outras práticas de tortura pública, que objetivavam impor o temor por intermédio do castigo (MIRABETE, 2004).

No país já independente, a primeira constituição genuinamente brasileira (1820), previa em seu texto a instituição de um código criminal, este, sancionado em 1930 pontuou um aspecto muito importante para o presente trabalho: um esboço da individualização da pena, além da instituição de atenuantes e agravantes, julgamento especial para os menores de 14 anos, e limitações à pena de morte.

Em 1890 é sancionado o segundo Código Penal brasileiro, tendo como pontos principais a abolição da pena de morte, e a transformação do caráter das penas que passam a ser de correção. Em 1940, por força do Decreto-lei 2.848 foi instituído o Código Penal nacional que vigora até os dias de hoje, trazendo em seu texto como novidade o dualismo culpabilidade-pena e periculosidade-medida de segurança, a relevância acerca da personalidade do criminoso e a aceitação excepcional da responsabilidade objetiva (MIRABETE, 2004).

2.3 Cenário atual no Brasil

O Direito Penal hoje no Brasil é eclético – oriundo de uma amálgama de escolas penalistas – e regido por uma legislação escrita dividida entre o Código Penal – Decreto-lei 2.848 de 1940 – e diversas leis extravagantes pautadas sob os mesmos princípios fundamentais garantidos constitucionalmente.

O direito de punir no Brasil é unicamente do Estado, não existindo crime que não fora previamente definido em lei penal, nem pena claramente delimitada legalmente. Destarte, o Direito Penal brasileiro ocupa-se apenas da tutela de bens jurídicos imprescindíveis à sobrevivência da sociedade, como, a liberdade e a vida, atuando somente quando todos os outros ramos do Direito se mostram completamente impotentes, e mesmo assim, quando sendo da seara do Direito Penal, porém de mínimo potencial lesivo, este, abstém de punição o agente.

Outra característica a ser observada é objeto da punição no Estado brasileiro, que, apesar de contraditório em campo doutrinário se mostra límpido no diapasão legal do Código Penal (BRASIL, 1940) em seu artigo 59 caput e na Lei de Execuções Penais artigo 1º (BRASIL, 1984), respectivamente,

“Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. (Grifo do autor)

Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.” (Grifo do autor)

Ante o exposto legal, infere-se que a pena tem caráter preventivo e ressocializador e não o de castigo ou vingança como o suposto por parte da sociedade. Da mesma forma a pena somente deve atingir o agente transgressor, jamais podendo ultrapassar sua pessoa atingindo a terceiros, que por questão obvia feriria seu objeto de recuperação do delinquente; e uma vez que o direito de punir atinge um indivíduo que delinquiu não poderá alcança-lo novamente pelo mesmo fato que ensejou a punição, sendo vedada a condenação em bis em idem.

O que se observa, entretanto, é que a despeito de os princípios elencados serem objetivos, constata-se que muitas penas contidas no ordenamento jurídico penalizam o agente reiteradamente por uma mesma transgressão, como o caso da sentença de privação da liberdade, que, além do aprisionamento, o pune com uma marca social que obsta em sua recolocação no mercado de trabalho ou mesmo de se relacionar afetivamente. Ou mesmo um exemplo em que a sentença punitiva atinge determinada pessoa que não a do delinquente, como no caso de um pai de família que mantinha um bom padrão financeiro dos filhos e da esposa, mas tem subitamente sua liberdade privada e todos os membros da família veem seu padrão social sendo limitado; ou de uma mãe deficiente que dependia exclusivamente dos cuidados de um filho que repentinamente tem privação em sua liberdade pelo poder punitivo do estado. Esses são exemplos simplórios, mas desafortunadamente comuns não sociedade brasileira.

3 Áreas de pesquisa envolvidas

É de suma importância para a compreensão da exposição das teses a serem apresentadas no seguinte trabalho um lastro mínimo das grandes áreas científicas, tendo com base a ciência do Direito sob diferentes vieses, quais sejam, filosófico, sociológico, criminológico e vitimológico.

3.1 Enfoque Filosófico/ Sociológico

Do ponto de vista social, como já brevemente demonstrado, o Direito Penal advém da necessidade de controle para preservação da própria raça humana, posto que o homem natural, dotado de total liberdade não poderia conviver com os demais membros de sua espécie se não cedesse parcela de tal liberdade, como aduz Hobbes (2012). Para tanto, o Direito Penal surge para manutenção desta garantia.

Do ponto de vista filosófico é inegável que a gênese do Direito Penal ocorre na Filosofia. Desde Sócrates em seus debates com Platão (2012) discutia-se a autoridade do direito de punir, com a controvérsia dos limites desta punição, bem como a possibilidade da relativização da penalização ou do irrestrito seguimento às normas.

Até então, o Direito Penal fazia parte do Direito Civil, que somente foi modificado ao se observar que aquele só poderia existir quando nenhuma outro ramo do direito fosse capaz de dirimir, ou seja, surgia um direito de ultima ratio, do latim, direito de intervenção última, segundo RADBRUCH (1970).

Com efeito, pode-se afirmar que os grandes questionamentos levantados pelos ícones da Filosofia do Direito ao longo de sua própria história, de certa forma, sempre discorreram em torno da natureza da pena, os reais objetivos com as sanções aplicadas, o direito ou não da punição de morte e da privação perpétua da liberdade.

Hodiernamente, dentro do Direito outras preocupações surgem, entretanto, com genuíno supedâneo na Filosofia, como por exemplo os limites da atuação no Estado em sua punição, garantias fundamentais do ser humano, e a não transcendência da pena. Esta última, não mais importante, mas é o objeto deste trabalho científico.

3.2 Enfoque Criminológico/ Vitimológico

O objeto de estudo da Ciência da Criminologia está na análise do comportamento do infrator e a reação que a sociedade tem com a vivenciar uma transgressão em seu meio. Além disso, segundo Greco (2011) a criminologia delimitou-se a estudar algumas áreas de estudo, como:

“- o delito;

– o delinquente;

– o controle social, e

– a vítima.”

Para que fique claro, insta a definição de cada área de estudo aduzida. Inicia-se pelo delito que pode ser explicado por Capez (2003) como todo ato humano, seja por propósito ou descuidado causa lesão ou expõe a perigos bem jurídico considerado como fundamental para o convívio social.

Já para Nucci (2012), seria uma conduta humana contrária à legislação, que é ameaçada pela própria legislação de sofrer uma sanção.

Ainda cabe trazer um conceito da própria legislação vigente no Brasil prevista no artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (BRASIL, 1948) que assevera ser crime (delito), toda infração à lei penal que comine em pena de reclusão ou de detenção, seja isoladamente, alternativamente ou cumulativamente com pena de multa;

A lei brasileira, divide o delito em crime e contravenção penal, que na verdade é apenas uma questão mais didática para facilitação da persecução penal, quando na prática todas estas infrações cominam em delitos, sempre possuindo os três elementos (tipicidade, ilicitude e culpabilidade).

O delinquente é de fato o centro das atenções da criminologia por ser o ator principal. O foco de estudo sobre este vem sendo dissociado do delito praticado, mas enfocado no comportamento transgressor. A busca incessante é por respostas do que lavam um ser humano a ter comportamento delitivo. Apesar de diversas pesquisas ainda não se pode afirmar com precisão o que leva um indivíduo social a transgredir as regras de convivência (norma penal).

O controle social, de forma simplória, pode ser exercido por duas maneiras, sendo uma institucionalizada pelo próprio Estado, como polícia civil e militar, guardas municipais, juízes e promotores. Já a outra, informal, seria as autoridades instituídas pela própria sociedade, criando-se hierarquias naturais compostas por pais, professores, líderes religiosos, superiores no trabalho, etc.

Quanto à vítima, cria-se um outro desdobramento que enseja a criação de outra ciência: a Vitimologia. Entende-se por vítima, a pessoa que sofre algum tipo de dano em decorrência da infração penal – delito – cometido pelo agente transgressor, o delinquente.

Também, segundo Greco (2011), pode-se verificar em legislação brasileira atual um determinado foco na pessoa da vítima. Como exemplo, assevera Código Penal (BRASIL, 1940) em seu artigo 16, o instituto do arrependimento posterior, que tem o fito de restituir o dano causado à vítima. Nesta toada, o artigo 121, parágrafo 1º, (BRASIL, 1940), mostra como o comportamento da vítima pode diminuir a sanção do agressor ao afirmar que a transgressão foi cometida em face de injusta provocação ou mesmo sob o efeito de forte emoção provocado pela própria vítima. 

Destarte, segundo Greco (2011), pode-se afirmar que “a delinquência não tem nem explicação simples nem remédios fáceis, e os estudos criminológicos devem abarcar temas mais variados para descrever e entender os fenômenos delitivos”

4 Cenário na Grande Vitória/  ES

4.1 Perfil do apenado e da pena

Traz-se a baila uma sociedade com visão extremamente coronelista do crime e do criminoso. Crime este comandado pela pobreza e criminoso açoitado pela desinformação e falta de oportunidade.

Uma luta clara do rico com o pobre, onde o rico manda e forma seus entes em universidades e o pobre é criminalizado pela sua classe social.

Na capital do estado do Espírito Santo a predominância vasta é de crimes com ligação a droga, seja ele o tráfico, porte de armas de soldados de tráfico, homicídios por briga de tráfico e afins.

A maior ligação de pessoas envolvidas com o submundo do crime nesta urbe são pessoas dos morros, pobres na acepção da palavra, que crescem desde tenra idade vendo este comércio ilegal de forma “normal”, corriqueira.

Faz-se uma delimitação territorial, para tratar da região denominada “Complexo da Penha” em Vitória ES. A mídia local divulga diuturnamente sobre a crescente criminalidade em terras capixabas, dando enfoque especial ao “Complexo Bairro da Penha”, local dito dominado pela criminalidade, onde até mesmo os ônibus coletivos já foram obrigados a parar de circular em razão da chamada “guerra do tráfico”.

Vitimas dessa “guerra urbana” se multiplicam a cada dia, pois os habitantes daquele bairro são criminalizados pelo simples fato de ali residiram. Inicialmente deve-se observar que os moradores do local não escolhem estar locados ali, mas o estão pela necessidade, e por isso pagam alto preço.

Após uma visão panoramizada pela representação demográfica da população jovem, focalizar-se-á em diversos tipos de discriminação experimentados pelos jovens provenientes do grupo social em referencia.

Traz implícito no plano de organização deste estudo a tese das várias situações que condicionam o jovem saído de um estabelecimento prisional, mas especialmente o que residem na pobreza.

Trata-se de um trabalho de cunho exploratório, que apresenta a análise de forma genérica das situações analisadas, de atores que convivem com o policiamento e a justiça no meio da sociedade mais sacrificado pela pobreza.

Os atores referidos no estudo residem no “Complexo Bairro da Penha” e ali cresceram, de onde tiraram suas experiências positivas e negativas em relação ao crime, criminalidade, sociedade e ressocialização.

Cabe trazer aqui depoimentos de atores que convivem na urbe estudada:

“Cristiano Márcio – Ajudante de Pintor – Moro no bairro da Penha a vida toda, me envolvi no movimento ainda cedo, era só olheiro, foi quando comecei a ficar na pista. Cai logo, com menos de 1 ano que estava ganhando um a mais. Peguei 7 anos e 10 meses, paguei mais de 3 anos na tranca e sai. Quando tava na rua ha 3 meses, tava subindo o morro para ir na casa da minha mãe, os policias me pegaram, eles estavam decendo o morro, fizeram a consulta e como viram que eu era ex-detento, acharam umas coisas jogadas no chão perto e me forjaram. Fiquei preso mais 5 meses e estou esperando audiência. A policia e a justiça só existe para os ricos, se você é pobre e preto só tem borracha e tapa na cara.”

Após ter contato com os jovens e as familias pesquisadas, pode-se verificar que as penas não imprimem nada além de revolta.

A vulnerabilidade social do apenado é um dos conceitos centrais do presente estudo.

Um debate sobre a vulnerabilidade social do apenado as consequências que ela imprime no sujeito mesmo após seu cumprimento permite ao observador sair de análises de posições morfológicas estáticas e reconhecer em processos contemporâneos a necessidade de remodelações.

Por outro lado, tentam-se compreender os alcances dessa pena, na maior parte, restritivas de liberdade, em que os apenados são expostos ao ócio e a relativização dos valores sociais.

A pena que deveria buscar ressocializar, que na definição da palavra literal, como ensina (FERREIRA, 1999): “tornar a socializar(-se)”, contudo, vemos que dificil voltar a socializar o que nunca o esteve.

Volpe Filho (2010) ensina que “O termo ressocializar traz em seu bojo a ideia de fazer com que o ser humano se torne novamente social (ou sócio). Isto porque, deve-se ressocializar aquele que foi dessocializado”.

A legislação penal pátria adotou quanto a função da pena a teoria mista ou unificada, tal como disposto no art. 59 do Código Penal (BRASIL, 1940), veja-se:

“Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie

de pena, se cabível”. (BRASIL, 1940, grifo do autor).

Assim, vê-se que a pena deverá ser aplicada pelo juiz visando duas funções: reprovar o mal injusto praticado pela agente infrator, e a prevenção cujo intuito é ressocializar o delinquente para que este não volte a delinquir e também prevenir e inibir o cometimento de novos delitos. Porém, trata-se uma dúvida, como se poderá ressocializar aquele que nunca o foi?

Temos que a seletividade do controle penal das variadas formas e gravidade diferenciada, têm ações conflitivas que se resolvem unicamente na via punitiva estatal institucionalizada. Todavia nem todos os atores envolvidos em semelhantes conflitos são submetidos a mesma solução, sendo que a aplicação resta claramente dirigida a uma parcela deveras reduzida e delimitada por um processo que, quase sempre, elege os menos providos economicamente.

4.2 Perfil da vítima indireta

Passa-se agora o enfoque do estudo sobre o outro público que também sofre com a problemática abordada, a vítima indireta. Como vítima indireta podemos entender desde o residente no bairro de periferia avassalado pela criminalidade quando a mãe, esposa e filhos do criminoso, que apesar de não terem sidos condenados a nenhuma pena e nem ao menos terem cometido algum delito, sofrem com os respingos dessa pena, por tantas vezes capital.

Quanto a vitima indireta, além da sociedade local que se vê criminalizada pelo poder público, vale trazer colações de pessoas, residentes naquele bairro sob o enfoque específico, as quais falam acerca do tema estudado, veja-se:

“Luiz – graduado em Lingua Portuguesa, reside naquele lugar a aproximadamente 40 anos, trabalha vendendo produtos de porta em porta – “moro no Bairro da Penha a mais de 40 anos, nasci aqui, antes era mais fácil, eu estudei – com muita dificuldade- me graduei em Lingua Portuguesa e comeeçei a dar aulas para a prefeitura. Não aguentei continuar, com o tempo, dar aula aqui na comunidade ficou impossível, o medo dos alunos e o salário baixissimo me fez desistir. Começei a vender natura de porta em porta. Eu ia em todos os bairros da redondeza, vendia do Bonfim a baixada da Penha, mas desde que começou a guerra do tráfico e eles começaram a se matar tive que diminuir o espaço de trabalho. Não posso ir mais no Bonfim pois veio a ordem que quem mora aqui não deve ir lá. E ainda aconteceram vários homicídios”.

“Eurilene – residiu no Bairro da Penha por 38 anos, hoje mora em Estrelinha – meus filhos se envolveram com o tráfico, tenho 5 filhos, e era dificil saber quem estava ou não metido nisso. Eles falavam que iam pra escola mais não iam. Mataram meu mais velho a 3 anos. O do meio e o mais novo estão presos. A minha menina também responde a um processo em Cachoeiro. Hoje só o de 6 anos que eu sei que não tem nenhuma ligação. Quando mataram meu filho Fernando me deram 2 (dois) dias para deixar o morro. Minha casa lá é própria, aqui eu pago aluguél. Alugar a casa lá é dificil, quem vai querer morar lá? Tá tudo em guerra.”

“Cristiane – testemunha protegida pelo PROVITA –  Eu namorava o Cleiton a 4 meses, ele morava no Bairro da Penha e eu no Bonfim, ele me levava na escola todo dia, no dia 28/07/2012 quando estavamos passando perto do beco fomos parados pelos caras do bairro da Penha, eles mandaram que descessemos da moto e começaram as agressões. Ele foi morto e eu fui torturada por 3 horas. Desde aquele dia minha vida acabou. Hoje não tenho mais amigos e nem história e tenho medo de tudo.”

“Maria Eduarda – esposa Marcos Adão – Eu morava desde que nasci em Maria Ortiz, começei a namorar o Marquinhos eu tinha 12 anos, hoje tenho 26. Ele começou no movimento aos poucos, na verdade eu nem sei bem quando, já que lá todo mundo é do movimento mesmo. Ele está preso e eu fui expulsa da minha casa. Não posso nem visitar minha mãe lá no bairro mais. E além de tudo fui mandada embora do meu trabalho pois eles não contratam mulher de presidiário. Eu nunca estive envolvida em nada, sou evangélica. Estou desempregada a 8 meses já.”

Como se verifica nos depoimentos supra, na maioria das vezes a pena extrapola o apenado, vindo a resvalar naqueles que o cercam.

Foi ouvido o depoimento de uma mãe que expunha que desde que o marido fora preso o filho se negava a frequentar a escola, pois no dia seguinte, ao ir estudar o menino fora chamado de filho de bandido, se sentiu tão humilhado que disse que não voltaria mais ao ambiente escolar.

Estes são alguns dos tantos testemunhos ouvidos na pesquisa de campo sobre o tema, onde pode-se perceber que o Estado está cada dia mais invertendo os valores aos olhos da população atingida pela lei penal.

Naquele ambiente o policial e a justiça são vistos como algozes e aquele que sofre as consequências da lei como vítimas. Muitas vezes isso se dá pela corrupção do agente público e noutras tantas pela ineficácia da lei em outra classe, senão a do menos favorecido.

Assim, tomando os ensinamentos de Zaffaroni (1997), “o discurso jurídico-penal revela-se inegavelmente como falso, mas atribuir sua permanência à má-fé ou à formação autoritária seria um simplismo que apenas agregaria uma falsidade à outra. Estas explicações personalizadas e conjunturais esquecem que aqueles que se colocam em posições ‘progressistas’ e que se dão conta da gravidade do fenômeno também reproduzem o discurso jurídico-penal falso — uma vez que não dispõem de outra alternativa que não seja esse discurso em sua versão de ‘direito penal de garantia’ (ou ‘liberal’, se preferem) — para tentarem a defesa dos que caem nas engrenagens do sistema penal como processados, criminalizados ou vitimizados.”

4.3 As penas extrajudiciais

Após focar o estudo sobre as penas suas vitimas diretas e indiretas, deve-se trazer a baila aqui as penas extrajudiciais, aquelas que acompanham o agente por toda a sua vida, mesmo após cumprir toda a sua reprimenda.

Como exemplo de penas extrajudiciais temos a impossibilidade de uma pessoa que já foi condenada pela justiça de tomar posse em um concurso público ou então se inscrever nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, devendo então para isso esperar o prazo de 02 (dois) anos para ter sua reabilitação, que também deve ser requerida.

Devemos aclarar que a pena estabelecida ao agente já foi cumprida, sendo este tempo a mais de 02 (dois) anos um bis in idem, vez que é uma outra condenação, a chaga social.

O condenado que já cumpriu toda a sua pena, quando volta a sociedade deveria ter incentivo a não voltar a delinquir, contudo, conseguir um emprego que lhe exija um “nada consta” já se torna um empecilho daquele sujeito se reerguer socialmente.

O estado ao dificultar a reinserção do sujeito, acaba incitando aquele a tornar a delinquir e causando mais revolta num agente que já está fragilizado.

As penas extrajudiciais, sob o enfoque social são a condenação do homem que quer se ressocializar e a desculpa perfeita para os que não o desejam.

Trata-se de questões sutis como uma consulta a banco de dados da justiça (exemplificativamente o site do poder judiciário) até a chaga maior de ser impossibilitado de tomar posse num cargo pelo qual foi devidamente aprovado em via de concurso.

O sistema de punição adotado pelo Brasil retumba a coibir a dupla punição, porém não deixa de faze-la nos casos citados.

Vale ainda o viés familiar do tema, quando um homem vai preso, para a sociedade é um cidadão, para uma família é um pai, muitas vezes arrimo de família.

Aquela família se verá obrigada a prosseguir sem o apoio financeiro, psicológico e pedagógico daquele pai, o que pode causar danos inimagináveis a um filho, que se vê crescendo sem pai, por o mesmo estar preso.

Esclarece-se que o agente deve pagar sua reprimenda, contudo, qual o crime que cometeu a criança? Apenas o de ser filho de um criminoso.

A pena extrajudicial é uma chaga do sistema, que merece ser estudada e abrandada o quanto antes, visto que a legislação e o sistema punitivo nacional já a renega.

Quanto a necessidade de o agente pedir sua reabilitação é outro tema que causa arrepio ao bom senso, pois quando observa-se que trata-se do Brasil, um país onde a maioria dos cidadãos não tem contato com seus direitos e garantias mínimos previstos em lei, exigir de um ex-apenado a inteligência de que deva ingressar com um pedido de reabilitação chega a ser risível.

Tal reabilitação seria por necessário ser automática e eficaz, para que a pena não ultrapassasse o apenado e nem a ela mesma.

5 Conclusão

O sistema penal brasileiro é bastante evoluído, tendo herdado características das grandes escolas clássicas do Direito Penal ao redor do mundo, como a italiana por exemplo. Entretanto, muita falha foi observada ora na legislação ora, tão somente, na aplicação desta, e os impactos sociais são drásticos, pois, por vezes dizima famílias inteiras e estigmatiza seres humanos.

O produto final concebido por este trabalho foi a verificação da existência da punição em dobro (bis in idem), como já se suspeitava, e percepção de que nem sempre a falha está na legislação, que por muitas vezes é correta, mas encontra impedimentos quando da sua aplicação. Além disso, com pesquisas de campo realizadas em comunidades carentes da cidade de Vitória/ ES, verificou-se diversas pessoas sofrendo severamente efeitos de uma pena aplicada pelo estado a outrem.

Quanto a transcendência da pena, o Direito Penal brasileiro tem como princípio basilar que a punição não ultrapasse a pessoa do condenado. Com isso, pode ser observado em legislação alguns dispositivos legais que de fato tentam lastrear este princípio, como o incentivo do governo com auxílio pecuniário àquele que for impossibilitado de prover o sustento de sua família enquanto tiver sua liberdade privada, ou também, apoio psicológico ao familiar que necessite ao ver seu ente próximo passar pelo sistema prisional, ou ainda, possibilidade de reabilitação após dois anos de cumprimento da pena aplicada.

Além destes, pode-se identificar vários outros incentivos legais para que a pena não seja aplicada em dobro, nem tampouco atinja outro que não o condenado. Porém, apesar de a própria legislação não ser eficaz quanto a isso, ela não é aplicada da forma que deveria, sendo inócua ao que se propõe.

A exemplo disso – como já demonstrado – um pai de família que cometeu um delito foi condenado à pena privativa de liberdade e após cumprir sua condenação, sua dívida social, continuará pagando outra sanção por tempo indeterminado, vez que o mercado de trabalho não o absorverá facilmente, seja pelo estigma, seja pelo tempo em que esteve distante de suas atividades e portando se desatualizou.

Ou mesmo, uma criança que é criada pelo pai que a sustenta e participa ativamente de seu crescimento e ao ter sua liberdade privada distante desta criança, seu rebento, apesar de fazer jus ao auxílio pecuniário concedido pelo governo, nada reparará a ausência do pai na formação psico-emocional deste ser, que concretamente observado em pesquisa de campo é mais suscetível à delinquência.

Por fim, notou-se que tais problemas praticamente não são discutidos senão pela sociedade acadêmica. E não foi identificado nenhum projeto de lei que vise mitigar as presentes mazelas. A explicação para isso estaria no fato de que as maiores vítimas da transcendência das penas e da pena em dobro estão em comunidades carentes e famílias de baixa renda, que infelizmente, possuem pouco poder de alteração no curso social da sociedade brasileira, que apesar de o trabalho tratar especificamente da região da Grande Vitória a legislação penal pátria é de competência federal.

Desta forma, por se tratar de tema deveras complexo, e pelo fato do presente trabalho não ter como foco um aprofundamento maior, por ser um trabalho de conclusão de curso de graduação, sugere-se que, nível de aprofundamento maior, como um programa de mestrado ou doutoramento, que se investigue a aplicação de soluções para as falhas punitivas neste trabalho demonstradas e por conseguinte diminua seus impactos sociais.


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2010.

Informações Sobre o Autor

Giovane Andrade Niceas

Bacharel em Direito e em Sistemas de Informação; servidor público no cargo de analista em tecnologia da informação e Advogado


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Equipe Âmbito Jurídico

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