17 de julho de 2006. Se nenhum fato
extraordinário ocorrer este será o dia decisivo para Suzane von Richthofen. E
assim o será por começar um dos julgamentos mais esperados de todos os tempos.
E o sentimento de revolta que impera
na sociedade brasileira não se consolidou apenas pela menina que participou do
assassinato dos próprios pais, já que é ré confessa, mas sim pelas idas e
vindas de seu comportamento nada convencional.
Afinal, inicialmente, a
justificativa foi de que estava subjulgada aos interesses dos irmãos Cravinhos,
especialmente Daniel, seu namorado na época. Depois alegou que gostaria de ter
sua liberdade restituída, pois seus pais a reprimiam em demasia, e a única
alternativa encontrada por ela foi “encerrar” com os problemas e ter a liberdade
completa.
O fato é que de 31 de outubro de
2002, curiosamente, dia das bruxas, até o dia 17 de julho de 2006 pouca coisa
irá mudar. Afinal, a liberdade tão pretendida nunca chegou. Pelo contrário,
existe uma grande chance de ser condenada e permanecer presa por um longo
período.
Além disso, a menina, aparentemente
inocente, nunca terá acesso à herança daqueles que abreviou a vida visto que
foi excluída do processo sucessório.
Então a grande pergunta sem resposta
é: valeu a pena?
A resposta é uníssoma: não! Afinal
perdeu a liberdade, o dinheiro e a vida que tinha pela frente. De menina de
classe média alta passou a ser de presidiária. Não parece uma grande
progressão.
Obrigatoriamente surge a pergunta de toda mãe faria: então por
quê? Neste ponto a tese da defesa caminha para sentido diverso da apresentada
nas linhas abaixo, e assim deve ser, pois conhece melhor a ré, e tem pleno
acesso aos fatos. Vamos analisar a questão de um outro prisma, pela conduta em
si.
Tudo o que ela fez foi por amor a
Daniel Cravinhos. Interessante tal afirmação. Matar os próprios pais, porque
ainda não tinha plena consciência de seus atos, por ser recém saída da
adolescência, e querer viver um conto de fadas com seu grande amor. E o único
impeditivo eram seus pais.
A única alternativa entre a
felicidade absoluta era a aprovação dos pais. E estes, segundo ela, nunca
dariam. Então, por amor, concordou com seu amado em retirar o “entrave” que
existia entre eles.
A explicação é, no mínimo, peculiar,
ainda mais vinda de uma pessoa que estudava numa Faculdade…..de Direito, ou
seja, tinha a exata proporção do que estava fazendo, e mais, de quais seriam as
conseqüências. E, ainda assim o permitiu, mas o fez por amor.
Analisemos então a relação amorosa
de Suzane: um jovem com 21 anos na época, chamado Daniel Cravinhos, que não era
do mesmo meio social da namorada, não tinha a menor chance de ser comparado
financeiramente com ela, e por que não dizer, nem tinha o mesmo estudo também,
afinal Suzane já estava na faculdade e ele trabalhava com aeromodelismo.
Ao mesmo tempo, o pai de Suzane um
grande executivo propiciou à filha todo o conforto e oportunidades que um jovem
poderia sonhar, vê sua filha se envolver com uma pessoa que não é de seu agrado
e tenta, sem sucesso, dissuadir a filha de terminar a relação.
O final da disputa todos sabemos,
mas um fato importante talvez tenha passado despercebido do imaginário das
pessoas: a real motivação da jovem!
Neste ponto a tese da defesa caminha
para sentido diverso da apresentada nas linhas abaixo.
A tese suscitada por nós não é amor
a Daniel Cravinhos, mas sim a falta de amor de Suzane para com seus pais. Esta
obviedade não é assim tão simples quanto parece, porque na verdade, estamos
falando apenas na conseqüência. A causa foi originada pelos próprios pais de
Suzane. Expliquemos.
Geralmente os pais são sempre os
“culpados” pelas frustrações dos filhos, seja na vida amorosa, como na escolar,
e a resposta mais comum é: ‘eles não me entendem’.
Numa família com estrutura sólida e
uma unidade tais problemas são facilmente contornados, mas as mesmas questões
se tornam mais delicadas quando a questão envolve dinheiro.
Pais com vidas atribuladas, que
viajam muito, chegam tarde e saem cedo, às vezes não enxergam a carência de seu
filho e pensam que enquanto este estiver com saúde e com dinheiro tudo estará
resolvido, mas a vida não é construída apenas desses dois fatores.
O segundo problema surge quando os
pais cometem um erro corriqueiro de propiciarem a seus sucessores uma vida
melhor do que a que eles próprios tiveram.
Neste exato momento os jovens
adquirem uma coisa muito perigosa e que não sabem lidar ainda: o poder.
Sem um mínimo equilíbrio familiar,
com atenção, carinho, afeto, o jovem não tem a estabilidade emocional
necessária de lidar com o poder que seus pais lhe deram, e por isso se volta
contra os próprios.
Inicialmente essa ausência familiar
se transforma numa carência que vai se acumulando e se transmutando em uma ira
ao passo que esse jovem começa a conviver com famílias de muito menos recursos,
mas muito mais felizes.
E aos jovens que não conseguem
compreender como os menos ricos são mais felizes, e ao notar que seus pais não
conseguem lhe dar a atenção devida, escolhem caminhos alternativos de
existência, os autênticos refúgios.
Passam a conhecer o mundo das
drogas, ou a realidade da depressão, ou pior, a planejar uma vingança contra os
responsáveis pela sua infelicidade. Foi o caso de Suzane von Richthofen.
Quando perceberem a besteira que
fizeram não existirá mais volta e só restará o que mais lhes prejudicou: o
dinheiro da herança. E no caso de Suzane nem isto lhe restou.
Não haverão mais os pais para protegê-la e escondê-la da dura
realidade da vida. A justiça enfim encontrará seu infrator. E a família deixou
de existir. A demonstração de poder se volta contra quem o concedeu. No
entanto, este é o resultado, os crimes atuais são conseqüências e não causas do
problema.
Nem por isso ela deve ser absolvida.
Carência não pode ser um elemento motivacional suficiente para tirar a vida de
quem quer que seja, muito menos de seus pais.
Suzane provavelmente será condenada
e seu futuro será o mundo prisional, isso é indiscutível e estamos de acordo
com a punição, mas o desequilíbrio familiar não pode passar despercebido. Esta
menina é um exemplo de revolta, infelicidade.
A conseqüência será enfrentada por
ela, mas que não cause espanto aos demais, sobre os motivos da menina. Não
concordamos com eles, mas apesar de injustificável, é muito mais plausível do
que a morte dos pais por amor a Daniel.
A morte foi premedita e atroz, uma
vingança. Se os pais foram ausentes nunca saberemos, mas é uma das explicações
possíveis. E que a pena a faça refletir sobre a besteira feita, e que sirva de
exemplo aos jovens revoltados, pois sentem e conversem com os pais, mas que jamais
escolham ficar sem eles. O preço é muito, muito caro!
Advogado, Membro da Association Internationale de Droit Penal, Membro da Associação Brasileira dos Constitucionalistas. Membro da Comissão dos Direitos Humanos da OAB/SP, Mestrando em Filosofia do Direito – PUC/SP, Especialista em International Criminal Law: Terrorism´s New Wars and ICL´s, Responses – Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali, Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, Pós Graduado em Direito Penal – Teoria dos delitos – Universidade de Salamanca, Pós Graduado em Direito Penal Econômico da Fundação Getúlio Vargas – FGV
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