Resumo: É fato incontroverso que a economia vem ganhando cada vez mais relevo e espaço no mundo do Direito. Tal assertiva é comprovada pelo fato de que inúmeros temas jurídicos da atualidade têm sido interpretados levando-se em conta uma “análise econômica do direito”. Em outra vertente, que também comprova a influência da economia no direito, temos o fato de que alguns ramos do direito utilizam conceitos que, tradicionalmente, sempre foram tratados pela economia. Tal fato acontece, por exemplo, no direito do consumidor na parte referente à conceituação dos sujeitos da relação de consumo (consumidor e fornecedor de produtos e/ou serviços). Neste sentido, nosso Código de Defesa do Consumidor, ao conceituar os sujeitos da relação de consumo, baseou-se exatamente nos conceitos econômicos já existentes sobre a matéria, demonstrando claramente a influência e a importância da economia no estudo e na devida compreensão do direito consumerista. O presente artigo objetiva tratar exatamente a contribuição da economia na formulação e compreensão da conceituação dos sujeitos da relação de consumo. Visando atingir tal desiderato, o presente artigo tece, inicialmente, considerações sobre a importância e a presença da economia e de seus conceitos no direito. Em seguida, promove-se a análise dos sujeitos da relação de consumo (consumidor e fornecedor de produtos e/ou serviços), sua conceituação e a influência da economia para a sua correta compreensão.
Palavras-chaves: Direito – Economia – Código de Defesa do Consumidor – Consumidor – Fornecedor.
Sumário: Introdução. Os sujeitos da relação de consumo e a influência da economia para a sua correta compreensão. 1 consumidor. 2 fornecedor (empresário). Conclusão
Introdução.
Cada vez mais a economia vem ganhando relevo e espaço no mundo do Direito. Neste sentido, inúmeros temas da atualidade têm sido interpretados levando-se em conta uma “análise econômica do direito”. Aliás, atentas a esta realidade, inúmeras instituições de ensino jurídico tem buscado fornecer aos seus acadêmicos uma formação também econômica, ainda que básica, demonstrando assim a proximidade entre estes dois segmentos do conhecimento.
Outro ponto que demonstra a importância da economia nas ciências jurídicas é o fato de que alguns ramos do direito utilizam conceitos que, tradicionalmente, são econômicos. Tal fato acontece, por exemplo, no direito do consumidor na parte referente à conceituação dos sujeitos da relação de consumo (consumidor e fornecedor de produtos e/ou serviços). Ora, como “consumidor” e “fornecedor” são conceitos classicamente trabalhados pela economia, nosso Código de Defesa do Consumidor, ao conceituar os sujeitos da relação de consumo, baseou-se exatamente nos conceitos econômicos já existentes sobre a matéria, demonstrando claramente a influência e a importância da economia no estudo e na devida compreensão do direito consumerista.
Desta forma, demonstrada a atual importância da economia para o direito (especialmente para o direito do consumidor), apresenta-se cada vez mais premente a necessidade do operador do direito consumerista possuir noções básicas de economia e de funcionamento dos mercados, noções estas consideravelmente necessárias para a devida compreensão da faceta econômica do direito consumerista.
Os sujeitos da relação de consumo e a influência da economia para a sua correta compreensão.
1 consumidor.
Historicamente, os temas “consumidor”, “fornecedor” e “mercado de consumo” sempre foram relacionados mais à economia do que propriamente ao direito. Prova disso é que, economicamente, acreditava-se que a livre atuação dos agentes de mercado poderia equilibrar, de maneira satisfatória, os interesses existentes entre aquele que produz/comercializa alguma coisa e aquele que consome os produtos colocados no mercado de consumo.
Entretanto, a triste realidade demonstrou que o poder econômico dos detentores do capital e dos fatores de produção não cedia livremente, em hipótese alguma, aos anseios por uma sociedade de consumo mais justa e equilibrada, exigindo-se, assim, a atuação ativa do Estado enquanto agente intervencionista na relação de consumo[1].
Sobre o assunto, observa Marcelo Kokke Gomes que:
“A proteção ao consumidor depende de uma atuação ativa do Estado, sendo de todo inviável o Estado abstencionista para a estrutura econômica atual. A história provou que a defesa do consumidor não pode ser atingida com o livre atuar dos agentes do mercado, ou seja, o mercado por si só é insuficiente para alcançar o respeito ao consumidor e a garantia aos seus direitos, pois existe um desequilíbrio fático e jurídico de forças entre consumidores e fornecedores” [2].
No mesmo sentido, Adolfo Mamoru Nishiyama:
“A sociedade passou a perceber que essa dominação dos produtores tornava os consumidores mais vulneráveis. A idéia inicial de que o consumidor era soberano e que o mercado agia conforme sua vontade mostrou-se inoperante em face dos grandes conglomerados econômicos” [3].
O aumento das relações comerciais e da produção e consumo de bens e serviços, aumentou, gradativamente, em especial nas últimas décadas do século XX, a importância da defesa dos interesses do consumidor, conforme menciona acertadamente Paulo Luiz Netto Lôbo:
“Nas últimas décadas do século XX, cresceu no mundo inteiro a convicção de que a proteção do consumidor pelo controle difuso do mercado era uma falácia. O controle, mediante uma legislação protecionista que assegurasse ao consumidor um papel ativo na atividade econômica, passou a ser hegemônico […]. Menos que um modismo, é a adequada resposta do direito ao fenômeno crescente da oligopolização e globalização da economia, que tornou o consumidor um figurante passivo e hipossuficiente, afetando a própria noção atual de cidadania” [4].
Diante da patente desigualdade existente entre o consumidor e o fornecedor de produtos e serviços, somado ao fato da ineficiência das regras de mercado para disciplinar tal desequilíbrio, foram surgindo ao longo dos tempos formas de proteção do consumidor com o fim de se manter um equilíbrio negocial e conferir direitos mínimos àquele que é o vulnerável desta relação.
Neste sentido, María Gabriela Sorbello conclui acertadamente que “[…] el derecho del consumidor nace como consecuencia de la necesidad de otorgar protección a los usuarios y consumidores, quienes en las relaciones de mercado se encuentran en una situación de vulnerabilidad.”[5]
Para fazer frente a estas desigualdades e visando a elaboração de normas jurídicas reguladoras do mercado de consumo, iniciou-se em todo o globo um movimento que recebeu o nome de “movimento consumerista”. Com a ampliação deste movimento e com crescentes conquistas legislativas, ocorreu uma supervalorização do tema por parte do direito. Por esta razão, o consumidor é modernamente um dos elementos mais presentes nos estudos doutrinários produzidos recentemente no Brasil e também nos países que já se encontram em estágio avançado de desenvolvimento das relações de consumo.[6] Sua relevância é tanta no Brasil que os temas de estudos e trabalhos sobre o tema das relações de consumo passaram de uma forma ou de outra, a ser reunidos sob o título “direito do consumidor”.
No entanto, como já dito, “consumidor” é classicamente um termo econômico, o que se apresenta como um elemento a ser enfrentado pelo operador do Direito, como muito bem observado por Adolfo Mamoru Nishiyama:
“A maior dificuldade que se verifica é o fato de o termo ‘consumidor’ ser um conceito econômico. Transpondo-se esse conceito para o direito, teremos uma definição de consumidor que poderá ser diversa daquela proposta pela ciência econômica. O conceito econômico toma como base o consumo final e o consumo intermediário. O produtor é considerado consumidor, pois no processo de bens ele também utiliza produtos (insumos) fornecidos por outros. Essa amplitude não é aceita no Direito, que utiliza limites mais restritos.”[7]
Também neste sentido a lição de Giovani Clark, esclarecendo que:
“Na ciência econômica o consumidor é visto como último membro da cadeia econômica, não existindo distinção de pessoas e bens, de forma geral, tanto os indivíduos como as empresas, os comerciantes, os transportadores são considerados consumidores independentemente da espécie dos bens e da destinação dos mesmos”.[8]
Ainda considerando o prisma da interpretação econômica, esclarecedoras as ponderações de Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi:
“O que é um consumidor? Numa interpretação econômica, é aquele que utiliza bens e serviços em caráter final – isto é, não é um intermediário – para atender a uma necessidade ou satisfazer um desejo – em contraste com o produtor, que utiliza bens e serviços para produzir outros bens e serviços. O que caracteriza um consumidor, portanto, é a forma como dispõe dos bens e serviços que usa, em especial se o faz aumentando diretamente sua utilidade e bem-estar […]”.[9]
Sobre este aspecto econômico, digna de menção as considerações de José Geraldo Brito Filomeno:
“[…] e, com efeito, ‘sob o ponto de vista econômico, consumidor’ é considerado todo indivíduo que se faz destinatário da produção de bens, seja ele ou não adquirente, e seja ou não, a seu turno, também produtor de outros bens. Trata-se, como se observa, da noção asséptica e seca que vê no consumidor tão-somente o ‘homo economicus’, e como partícipe de uma dada relação de consumo, sem qualquer consideração de ordem política, social, ou mesmo filosófico-ideológica”.[10]
Além do ponto de vista econômico, José Geraldo Brito Filomeno discorre sobre dois outros pontos de vista, quais sejam, o psicológico e o sociológico. Sobre o primeiro, tal autor aduz que, “considera-se consumidor o sujeito sobre o qual se estudam as reações a fim de se individualizar os critérios para a produção e as motivações internas que o levam ao consumo”. Em relação ao segundo, o autor ensina que “é considerado consumidor qualquer indivíduo que frui ou se utiliza de bens e serviços, mas pertencente a uma determinada categoria ou classe social”[11].
Nos dizeres de Eduardo Gabriel Saad, “é perigoso definir e conceituar”[12]. Esclarece o mesmo que a doutrina clássica desaconselhava a inclusão de definições e conceitos nas leis e nos Códigos, por tratar de matéria estranha ao direito material ou positivo.
Contrariando tal tendência, a Lei nº 8.078/90 definiu os sujeitos da relação de consumo em seus artigos 2º e 3º, valendo-se de conceitos econômicos. No entanto, como já dito anteriormente, não houve a conceituação legal da relação de consumo.
De toda forma, a lei não reconhece como consumidor os sujeitos que adquirem produtos ou utilizam serviços com o fim de utilizá-los como insumos ou então para modificá-los e introduzi-los novamente no mercado de consumo.[13]
Em breve resumo, para fins deste artigo, considerar-se-á consumidor o sujeito da relação de consumo que figura na posição de destinatário final dos produtos e serviços colocados no mercado de consumo.
O art. 2º, caput, do CDC conceitua o consumidor como toda pessoa, física ou jurídica, desde que legalmente constituída, que adquire ou utilize um produto ou serviço como destinatário final. Estão excluídos os intermediários. Os consumidores em potencial, que ainda não adquiriram o produto ou serviço também são protegidos pelo disposto no parágrafo único do mesmo dispositivo legal em análise.
Em relação ao conteúdo da regra do artigo 2º adotado pelo Código de Defesa do Consumidor, assim se manifesta José Geraldo Brito Filomeno:
“Consoante já salientado, o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão-somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de outra atividade negocial.”
“[…] Abstraídas todas as conotações de ordem filosófica, psicológica e outras, entendemos por ‘consumidor’ qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem como a prestação de um serviço.”[14]
Após profundo estudo, Adolfo Mamoru Nishiyama se inclina no sentido de que:
“Assim, podemos concluir que o consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire produto ou serviço como destinatário final, descartando-se a revenda ou qualquer outra destinação intermediária que possa ser dada ao produto ou serviço, exceto se esses bens forem oferecidos normalmente ou em série ao mercado de consumo por meio do comércio em geral. A pessoa jurídica pode ser tanto um profissional ou não-profissional, basta presumir-se a sua vulnerabilidade nas relações de consumo”.[15]
Sobre as definições de produto[16] e serviços pode-se dizer que aquele poderá ser móvel, imóvel, material, imaterial, durável ou não durável e deve ter determinada finalidade, circulando das mãos do fornecedor para as do consumidor. Para fins do CDC, os bens considerados fora do comércio, tais como bens da União, Estado, Municípios não são considerados produtos.
O Código de Defesa do Consumidor faz menção expressa aos produtos considerados impróprios, que são aqueles que não correspondem ao fim a que se destinam ou com prazo de validade vencido e os considerados defeituosos ou viciados, entendendo-se como os que não oferecem a segurança esperada.
Os serviços são definidos pelo código, art. 3º, parágrafo 2º, como as atividades laborativas em favor do consumidor, ofertadas no mercado mediante remuneração, alcançando os serviços públicos, incluídos no referido parágrafo, os serviços de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, com exceção expressa das decorrentes das relações trabalhistas.
A pessoa jurídica também terá a proteção do Código de Defesa do Consumidor desde que se enquadre como destinatária final de bens e serviços, não revendendo ou repassando os mesmos e não os utilizando na qualidade de insumos.
José Geraldo Brito Filomeno, ao comentar a inclusão de pessoas jurídicas no art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, estabelece que esta deve ser vista com ressalvas:
“Prevaleceu, entretanto, a inclusão das pessoas jurídicas igualmente como ‘consumidores’ de produtos e serviços, embora com a ressalva de que assim são entendidas aquelas como destinatárias finais dos produtos e serviços que adquirem, e não como insumos necessários ao desempenho de sua atividade lucrativa. Entendemos, contudo, mais racional sejam consideradas aqui as pessoas jurídicas equiparadas aos consumidores hipossuficientes, ou seja, as que não tenham fins lucrativos, mesmo porque, insista-se, a conceituação é indissociável do aspecto da mencionada hipossuficiência”.[17]
O significado da expressão “destinatário final” presente na parte final do art. 2º. do Código de Defesa do Consumidor suscita dúvidas de interpretação mas seu real significado é o de indicar aquele que recebe o produto ou o serviço visando satisfazer sua necessidade pessoal ou de seu grupo familiar, incluindo a necessidade, por exemplo, do empresário ou pessoa jurídica desvinculada da sua atividade básica.[18]
Nesta última hipótese, necessário que o bem adquirido pela pessoa jurídica não seja para utilização na sua atividade empresarial, se assim o for, resta desconfigurado o caráter de destinatário final ao empresário, e por conseqüência, afastada a incidência do art. 2º do CDC.
Tal posicionamento é defendido por Tupinambá Miguel Castro do Nascimento ao discorrer que:
“Esta cláusula – destinatário final – é explicativa e excludente. Aquele que se situar como intermediário, mediando negócios, entre o que vende e o que adquire, não é um consumidor. Participa do ato negocial de uma relação de consumo mas não se tem como ver nele alguém que consome. Identicamente, se alguém adquire um produto com o objetivo certo e determinado de comercializá-lo mais adiante, não o está adquirindo para usá-lo no derradeiro elo após a etapa de produção. Carente desta destinação final, não há consumidor porque porque o ato de consumo é finalístico. Consequentemente, não se a define como relação de consumo específica”.[19]
A doutrina costuma apontar duas correntes doutrinárias que divergem quanto à figura do consumidor. A primeira corrente é a dos finalistas ou também chamados de minimalistas. Defende esta corrente que a definição de consumidor deve ser analisada sob um aspecto mais restrito e subjetivo, entendendo-o como o indivíduo que consome os bens como destinatário final. Nos dizeres de Cláudia Lima Marques: “Esta interpretação restringe a figura do consumidor àquele que adquire (utiliza) um produto para uso próprio e de sua família; consumidor seria o não profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável”[20].
Para a outra corrente, chamada de maximalista, não importa se a pessoa física ou jurídica tem ou não o objetivo do lucro quando está adquirindo um produto ou utilizando um serviço. Para esta corrente, as normas do Código de Defesa do Consumidor devem ser aplicadas a um número cada vez maior de indivíduos e de relações. Sobre o pensamento de tal corrente, novamente relevante os comentários de Claudia Lima Marques:
“A definição do art. 2º deve ser interpretada o mais extensivamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações de mercado. […] Destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome”.[21]
Para ambas correntes, o conceito legal de consumidor abrange aquele que adquire o bem ou serviço e não o recoloque no mercado, sendo que para os finalistas, o consumidor é o destinatário final dos produtos ou serviços e para os maximalistas é o destinatário fático e final econômico do bem, que não o utiliza para revenda ou uso profissional.
Complementando o conceito de consumidor, o art. 17[22] equipara a consumidor, para fins de reparação de danos, aquele que, embora não tenha adquirido o bem ou o serviço, o utiliza, resultando daí um dano à saúde, à vida ou à segurança. São os chamados consumidores por equiparação. Na hipótese, consumidor direto é aquele que, por exemplo, realizou a compra de um produto. Quando este mesmo consumidor presenteia outra pessoa e esta vem a ser vítima de um evento ocasionado por um defeito no produto, esta pessoa também passa a ser considerada consumidora e consequentemente possui a seu favor toda a estrutura protetiva estabelecida pelo CDC no caso de defeito de produto.
Também o art. 29 do diploma legal em análise amplia o conceito de consumidor considerando como tal todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas.
Em termos de legislação estrangeira, Eduardo Gabriel Saad menciona, a título de exemplo comparativo, a Lei portuguesa nº 29 de 1981 que define consumidor como “[…] todo aquele a quem sejam fornecidos bens ou serviços destinados ao seu uso privado por pessoa singular ou coletiva que exerça, com caráter profissional, uma atividade econômica”[23].
Veja-se que a destinação ao uso privado também é crucial na legislação portuguesa para se definir quem é ou não consumidor, à semelhança do que ocorre no Brasil, conforme verificamos anteriormente.
2 fornecedor (empresário).
O fornecedor empresário é o outro sujeito da relação de consumo responsável pela produção e circulação de bens e serviços no mercado de consumo. A exemplo do que ocorreu com o consumidor, o CDC também conceituou quem pode ser considerado fornecedor. Conforme disposto no art. 3º do CDC, fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Percebe-se que o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, conceituou o fornecedor da forma mais abrangente possível pretendendo alcançar todos aqueles que participam do ciclo de produção e distribuição de bens ou serviços. Novamente, presenciamos a influência de elementos econômicos na compreensão de um conceito previsto em uma lei.
Sobre a abrangência utilizada pelo legislador consumerista, Augusto Zenun elucida que:
“A definição dada ao fornecedor, contida no caput do art. 3º, é bastante abrangente e, nessa abrangência, exsurgem as diversas modalidades de fornecedores de produtos ou de serviços, aqueles e estes consumidores, diretos e indiretos, pessoas intermediárias ou finais, vez que todos nós somos, concomitantemente, consumidores e fornecedores”.[24]
Registre-se que a atividade prestada pelo fornecedor deve visar uma remuneração, ou seja, produtos ou serviços fornecidos gratuitamente no mercado de consumo não geram a caracterização de uma relação de consumo e, portanto, não estão disciplinados pelo Código de Defesa do Consumidor.
Por outro lado, a atividade deve ser exercida profissionalmente e de forma contínua visando, conforme dissemos acima, a obtenção de lucro.
A definição legal do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor não traz restrições quanto ao tipo de atividade, bastando que o fornecedor desenvolva qualquer atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou serviços que sejam efetivamente colocados no mercado de consumo.
Apesar de ampla, a definição ora em análise de fornecedor é meramente exemplificativa[25], cabendo à jurisprudência dar os contornos necessários para a efetiva identificação de tal sujeito em cada caso concreto.
As operações bancárias foram expressamente incluídas no regime jurídico do Código de Defesa do Consumidor desde que constituam relações jurídicas de consumo, mediante remuneração. Para a caracterização da relação de consumo se faz necessário ainda, que esteja também presente a figura de um consumidor, identificado conforme os contornos legais traçados no art. 2º do Código de Defesa do Consumidor.
A tese da não aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos serviços de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária sempre foi sustentada por tal segmento, razão pela qual o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula 297, Súmula esta que possui o seguinte enunciado: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
Entretanto, a questão continuou a ser alvo de divergências, não obstante o teor da Súmula acima mencionada.
Atualmente, não existem mais dúvidas sobre a aplicabilidade do CDC às atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, desde que presente nesta relação um sujeito que possa ser considerado consumidor nos termos do art. 2º do CDC.
Tal celeuma foi resolvida após o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADin) nº 2591 ajuizada pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CONSIF). Tal ADin foi julgada improcedente pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), sendo esta decisão considerada uma grande vitória do consumidor brasileiro.
Conforme observa Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer:
“Após detida análise e longo trâmite, a referida ação foi julgada improcedente, o que redundou no definitivo posicionamento do Poder Judiciário quanto à plena constitucionalidade da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos serviços prestados no âmbito do Sistema Financeiro Nacional (SFN)”.[26]
Em outra frente, pela sistemática adotada pelo Código, não importa se a sociedade empresária é nacional ou estrangeira. O que importa é se esta última esteja realizando qualquer operação em território nacional.
Os entes despersonalizados também são considerados fornecedores, conforme a dicção contida no art. 3º do CDC. Sobre os entes despersonalizados, Tupinambá Miguel Castro do Nascimento ensina que:
“Na área privada, entes despersonalizados são, em princípio, as sociedades de fato e as sociedades irregulares. Aquelas porque lhes faltam os atos de constituição formais, nascendo elas da vontade dos integrantes manifestada oral ou tacitamente. As sociedades irregulares têm seus atos de constituição; porém, não estão inscritas no registro competente, como determinado em lei. […] Há outros entes despersonalizados na área privada e que podem ser fornecedores. Em caso de falência, ente despersonalizado, que a representa, é a massa falida. O condomínio, existente no edifício de apartamentos, também não tem personalidade jurídica. Tanto um como outro, embora excepcionalmente, se estruturam, em determinada hipótese, como fornecedores […]”.[27]
Em relação aos profissionais liberais, para fins de reparação dos danos causados aos consumidores, o Código de Defesa do Consumidor segue a linha do sistema de responsabilização padrão do Direito Civil, isto é, a responsabilidade deste fornecedor será subjetiva, havendo necessidade do consumidor provar a existência de culpa do profissional liberal na execução do serviço e seu nexo de causalidade com o dano ocorrido.
Neste sentido, os profissionais liberais serão responsabilizados pelos danos causados apenas quando restar comprovada a presença do elemento culpa, via imperícia, negligência ou imprudência no desempenho de sua atividade.
No entanto, vale ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor adotou como sistema preponderante a responsabilização objetiva dos fornecedores, sistema este que não exige a comprovação de culpa do fornecedor de bens ou serviços, mas apenas e tão somente a comprovação de uma ação ou omissão relacionada ao fornecedor, a prova de um dano e a relação de causalidade entre estes dois elementos.
Para se eximir de tal responsabilização objetiva, o fornecedor deverá provar a existência de uma das excludentes de responsabilidade que o Código apresenta no artigo 12, § 3º, quais sejam, que não colocou o produto no mercado, ou que embora tenha colocado o produto no mercado o defeito inexiste ou, por fim, que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Neste ponto, ressalte-se que o CDC não adotou também como excludente de responsabilidade a culpa concorrente do consumidor, mas apenas a culpa exclusiva deste. Assim sendo, haverá a responsabilização do fornecedor, ainda que o consumidor tenha participado de forma concorrente para a existência do dano. É claro que a indenização devida ao consumidor será diferenciada em seu quantum tendo em vista a participação do mesmo no evento danoso.
Por fim, se faz de mister importância deixar registrado que na militância do direito consumerista, constatamos que muitos empresários já compreenderam que os ditames estabelecidos pelo CDC são hoje uma realidade. Observaram também que o não cumprimento efetivo de tais ditames só traz prejuízos para a empresa.
Sobre os vários transtornos e prejuízos que uma empresa pode suportar, em caso de desobediência aos ditames do CDC, Antonio César Amaru Maximiano observa que:
“[…] a desobediência ao código, como a qualquer outro tipo de legislação, pode acarretar sérios transtornos para a empresa. Desde os custos da não-qualidade até a possibilidade de ações legais, passando pela perda de clientes e projeção de má imagem, são inúmeros os motivos para que as empresas prestem atenção ao código. Como a ignorância da lei não pode ser invocada como justificativa para desobedecê-la, estudar e informar os funcionários sobre o código e outros dispositivos legais tornou-se necessidade da administração moderna […].”[28]
Sintetizando de forma extremamente atual os múltiplos aspectos com que as empresas tem hoje de se preocupar, David Grayson e Adrian Hodges asseveram que:
“Cada vez mais se torna importante para as empresas a forma como tratam o ambiente, cuidam de seus funcionários ou da comunidade, por serem valores sociais que constituem o diferencial quanto à imagem de sua marca que a empresa passa aos consumidores, defendendo a idéia de que uma empresa socialmente irresponsável é economicamente inviável.”[29]
Portanto, além dos conceitos e noções econômicas, os fornecedores e o mercado de consumo em geral devem preocupar-se com o direito consumerista, estabelecendo assim uma verdadeira interação entre o direito e a economia.
CONCLUSÃO
Com base nas considerações constantes no presente artigo, verificamos que a economia vem ganhando cada vez mais relevo e espaço no mundo do Direito. Tal situação é comprovada pelo fato de que inúmeros temas jurídicos da atualidade têm sido interpretados levando-se em conta uma “análise econômica do direito”.
Mas não apenas isso. Como vimos, outra vertente que também comprova a influência da economia no direito está sedimentada no fato de que alguns ramos do direito utilizam conceitos que, tradicionalmente, sempre foram tratados pela economia. Tal fato aconteceu, por exemplo, no direito do consumidor na parte referente à conceituação dos sujeitos da relação de consumo (consumidor e fornecedor de produtos e/ou serviços).
De fato, nosso Código de Defesa do Consumidor, ao conceituar os sujeitos da relação de consumo, baseou-se exatamente nos conceitos econômicos já existentes sobre a matéria, demonstrando claramente a influência e a importância da economia no estudo e na devida compreensão do direito consumerista.
Desta forma, demonstrada a atual importância da economia para o direito, concluímos que se apresenta cada vez mais premente a necessidade do operador do direito consumerista possuir noções básicas de economia e de funcionamento dos mercados, noções estas consideravelmente necessárias para a devida compreensão da faceta econômica do direito consumerista.
Advogado. Mestre em Direito pela Universidade de Itaúna/MG – Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva/MG – Professor de Direito do Consumidor, Direito Processual Civil, Direito Civil e Direito Empresarial em Cursos de Graduação e Pós-graduação no Estado de Minas Gerais – Coordenador do Curso de Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC – Unidade Mariana/MG – Professor de Direito do Consumidor, Direito Civil e Direito Empresarial no Curso de Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC – Unidade Mariana/MG – Professor de Direito Processual Civil II e III na Universidade Católica de Minas Gerais – PUC MINAS – Núcleo Universitário Betim – Professor Convidado da Universidade Estadual de Montes Claros/MG – UNIMONTES (Pós-Graduação) – Professor de Direito Civil e Direito do Consumidor na Faculdade da Cidade de Santa Luzia/MG – FACSAL. Professor da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG.
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