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A Criança e o ato infracional

1. Considerações iniciais

Conforme definia a Lei Federal nº 6.697, de 10 de outubro de 1979 (Código de Menores): “O
menor de dezoito anos, a que se atribua autoria de infração penal, será, desde
logo, encaminhado à autoridade judiciária” (art. 99), ou seja, a pessoa até
dezoito anos de idade que praticava uma infração penal, deveria receber uma
prestação jurisdicional. Esta regra, do antigo Código, mudou: hoje não se fala
mais em “menor”, mas sim em ‘criança e adolescente’, novas categorias de
pessoas já apresentadas pela Constituição Federal de 19881. Também não se diz mais “infração
penal”, mas utiliza-se o termo ‘ato infracional’ (o
que inclui crime e contravenção penal2,
e que por isso, para alguns, quer dizer a mesma coisa, tratando-se de mero
eufemismo), e, finalmente, não existe mais apenas o “Juiz”, como única
autoridade competente para atuar perante a prática de ato infracional,
sendo a nova autoridade administrativa ‘Conselho Tutelar’3, aquela com atribuição de dedicar atendimento
à criança – pessoa até doze anos de idade incompletos4 – que o pratica5.
Nota-se, assim, que a criança deixou de ter um atendimento por parte de um ente
singular, investido de uma função jurisdicional, para ter atendimento por uma
autoridade administrativa (não jurisdicional) e colegiada.

Jurisdição e Administração são funções
estatais que não se confundem, se diferenciando por diversas características
que as justificam enquanto poder do Estado. Entre outras: a) enquanto a
Jurisdição pressupõe a existência de prévia controvérsia, só agindo por
provocação, a Administração age de ofício; b) enquanto a Jurisdição utiliza
critérios jurídicos, decidindo de um modo neutro e imparcial pelo que é
‘direito e justo’ para as partes, a Administração utiliza critérios políticos
de oportunidade e conveniência, decidindo de forma interessada e parcial pelo
que é de interesse público e por aquilo que melhor atende ao bem comum; c)
enquanto a Jurisdição possui procedimentos rígidos e subordinados às
formalidades do devido processo legal, a Administração possui, de regra,
procedimentos espontâneos.

Devido a todas essas novidades,
introduzidas pela Lei Federal nº 8.069, de 13 de
julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), destinando o atendimento
da criança autora de ato infracional à atribuição do
Conselho Tutelar, decidimos, no ano de 1999, desenvolver
uma pesquisa junto aos Conselhos Tutelares do Município de Porto Alegre/RS, no
intuito de verificar “como vinham se constituindo as ações do Conselho Tutelar
neste atendimento”, sendo nossas hipóteses iniciais, que: “a) os procedimentos
adotados pelos Conselhos Tutelares apresentam-se em grande diversidade; b) que
a aplicação das medidas de proteção vem se calcando essencialmente em aspectos
subjetivos e em valores dos conselheiros; c) que a discricionariedade das ações
dos Conselhos Tutelares deixa a criança exposta à falta de proteção jurídica em
seu atendimento, situação que decorre das distintas características das funções
estatais Administração e Jurisdição, e da lacuna legislativa acerca de
procedimentos específicos, direitos e garantias para esse tipo de atendimento” 6.

Cabe-nos, agora, trazer os resultados
da pesquisa realizada, adiantando-se o forte impacto que nos causaram (algo que justifica o próprio título final dado à Dissertação),
revelando, não exatamente, prejuízos à criança, pela falta de normalização
jurídica mais rígida e explícita que a proteja em seu atendimento
administrativo, ou, ainda, pela natureza leiga da autoridade não jurisdicional
que a atende, mas sim, pela dificuldade que o Conselho Tutelar (e todos) tem,
de entender o seu papel e a forma como deve agir diante da situação da criança
que pratica um ato infracional.

2.
A
pesquisa desenvolvida

Para o desenvolvimento da pesquisa,
foram visitados 3 (três) Conselhos Tutelares da Capital7, onde foram consultadas 48 (quarenta e oito) situações de
atendimento, ocorridas entre 1992 e 1999. Após a coleta de dados relativos à
pesquisa, dos mesmos Conselhos Tutelares, e adotando um equilíbrio, foram
entrevistados 8 (oito) conselheiros. A opção por consultar situações de
atendimento desde 1992, deveu-se a dois motivos: a) pela baixa incidência de
atendimento de criança autora de ato infracional –
durante a gestão 1995-1998, o índice foi de apenas 1,93% do total de casos
atendidos pelos 8 (oito) Conselhos8; b)
pela não rara existência de casos crônicos de atendimento – num deles, um
menino, dos 8 (oito) aos 12 (doze) anos de idade, teve 15 (quinze) atendimentos
no Conselho por prática de ato infracional, sem esse
apresentar uma solução definitiva 9.

3. Resultados da Pesquisa1]10

Segundo retrataram as situações de
atendimento analisadas junto aos Conselhos Tutelares, a média de idade da
criança atendida girou em torno de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses. Uma média abaixo dos 10 (dez) anos de idade nos sensibiliza devido
à precocidade do envolvimento da criança com a prática infracional,
o que a submete a uma intervenção estatal, mesmo que (por hora) de um órgão
administrativo e de defesa de direitos (sobretudo, quando não cessam as
pressões para a redução da idade de imputabilidade penal, propondo alguns a
idade de 12 anos). Dado importante a referir é que, todas as crianças
tinham pais ou responsável e residiam com eles, não sendo nenhuma delas
“criança de rua”. A existência de família biparental
– pai e mãe – representou 41,67% dos casos, sendo somente a mãe em 31,25%, a
mãe e outro parente em 10,41%, e apenas o pai em 4,17%. O dirigente do abrigo
apareceu como co-responsável em 6,25% dos casos, e como único responsável em
2,08%.

Acerca da chegada do caso no Conselho
Tutelar, os maiores usuários do serviço foram, destacadamente, a Polícia
Militar (41,67%) e a Escola (20,83%), o que correspondeu ao maior número de
situações consultadas: furtos (50%) e incidentes escolares11 (31,25%). A respeito do terceiro maior usuário do
Conselho – os pais ou responsável (16,66%) -, a mesma relação direta se mostrou
existente, sendo a falta de limites em casa a 4ª situação de atendimento mais
apontada (10,41%).

Sobre as situações consideradas pelos
conselheiros tutelares como atos infracionais
cometidos pela criança, gostaríamos de abrir um grande parêntese explicativo, o
que também servirá para justificar os baixos índices desta categoria de
atendimento12. Devido, justamente, à dificuldade de
encontrarmos casos relativos a esta espécie de atendimento, o primeiro
questionamento feito aos entrevistados foi no sentido de tentar definir o que
eles entendiam como um ato infracional praticado pela
criança. A resposta unânime dos entrevistados: “Depende!”. Depende de fatores
relativos à criança – que, em geral, a excluem da condição de infratora – e,
depende de fatores que tipificam ou não o ato praticado como infracional. Por conta desta diversidade de entendimentos,
sobre um e outro aspecto, é que muitos conselheiros disseram atender casos de
criança e de ato infracional, sem considerá-los como
tal para fins de registro, uma vez que não o compreendem com essa denominação.
Neste sentido, houve entrevistado que negou o ato infracional
quando praticado por criança, manifestando ele que, mesmo em caso de homicídio
por ela praticado, caberia registrar o caso como de negligência dos pais ou
responsável.

Assim é que, ficou bem constatado, a definição do que é ou não é um ato infracional praticado pela criança está balizada na
subjetividade (particular) do conselheiro que atende a situação. Por isso, encontramos, extremados e em posições contraditórias, um
entrevistado que negou o homicídio como ato infracional
da criança13, tendo outro citado a prostituição
como um ato infracional seu14 (note-se, a prostituição não é infração penal nem para o
adulto). Toda essa relativização de entendimento, com certeza, gera uma
situação de insegurança à criança e a sua família, diante da dificuldade de se
conhecer os parâmetros do enquadramento, e de como será o atendimento prestado,
o que dependerá de condições pessoais/subjetivas do
conselheiro que atende.

Como referido por todos os
entrevistados, a criança raramente é vista como infratora, uma vez que é
compreendida como uma pessoa sem discernimento e sem responsabilidade, que
pratica uma conduta sem premeditação e sem um fim dirigido
-por exemplo, roubar para vender -. A criança não possui o “estado de
delinqüente” 15, e, muitas vezes, seus atos são
decorrência de problemas de saúde mental. Ainda, além dessas condições pessoais
da criança, também está ela sujeita a diversos outros fatores que a influenciam
em seu ato: a família que a explora, que lhe dá maus exemplos, que é alcoolista, negligente, violenta e permissiva; a comunidade
e a sociedade que admitem a corrupção moral, o consumismo, o individualismo e
as drogas; e a influência decorrente da omissão do Estado, seja no combate à
pobreza, no incentivo à educação, ou na prestação de proteção.

O ato infracional,
este depende do tipo e do momento da conduta: “(…) têm roubos e ROUBOS! Ah!
Porque tu vai roubar um pedaço de pão, um saco de leite. (…) não considerava
aquilo como um roubo: pra mim ele pegou!” (h), sendo indicadores para a
definição: o uso de violência e/ou de ameaça16,
o uso de arma e a repetição de condutas infracionais17, e o potencial de lesividade da
conduta18. Não sendo considerado como ato infracional, o caso apresentado no Conselho Tutelar pode
ter seu enquadramento como um desvio de conduta, uma negligência dos pais ou
responsável, uma reação da criança, ou até um pedido de ajuda. Acerca das diversas posições trazidas pelos entrevistados para
definir o ato infracional praticado pela criança,
62,5% deles admitiram uma absoluta imprecisão de definição, ficando 25% com uma
definição objetiva de ser “tudo aquilo que fere o direito do outro” (b) e que a
lei tipifica como crime ou contravenção penal, e cabendo a 1 (um) entrevistado
(12,5%) a posição de negar o ato infracional, quando
praticado pela criança.

Conduzida a criança ao Conselho
Tutelar, 87,5% dos entrevistados mencionaram que o usuário lhe solicita para
que assuma a responsabilidade total pelo caso, eximindo-o, desde logo, de
qualquer compromisso, participação ou contribuição19. Referem, então, os conselheiros, que as pessoas
continuam agindo como no passado, à época do todo-poderoso Juiz de Menores, que
tinha competência exclusiva sobre todas as questões referentes à infância e à
juventude. O Estatuto repeliu essa responsabilidade concentrada (simplificada)
do “menor” como problema exclusivo do Estado, acolhendo a Doutrina da Proteção
Integral, que pressupõe a responsabilidade complexa, devida pela família, pela
comunidade, pela sociedade em geral e pelo Poder Público20. Ainda, conforme referiram 75% dos entrevistados, de
regra, os usuários solicitam-lhe a aplicação de medidas de exclusão ou de
punição21, o que significa o dobro de
solicitações da cobrança dos deveres paternos e da responsabilização dos pais
ou responsável pela conduta praticada pelo filho ou pupilo (37,5%). Vale
ressaltar que 25% dos entrevistados colocaram que nunca lhes é solicitada a aplicação de medidas de inclusão da criança22, e que, consoante esclareceram 37,5% dos entrevistados, o
usuário exige do Conselho uma solução mágica e imediata23, como se pudesse “tirar um coelho da cartola”,
confundindo o Conselho Tutelar como um serviço-fim.

Mas, então, ao chegar o caso no
Conselho Tutelar, 50% dos entrevistados manifestaram que o primeiro
procedimento adotado é o de proteger a criança, afastando-a da situação de
constrangimento inerente à apreensão e condução. Virtuosa a prática, acresceria
proteção à criança se, como disse um conselheiro, “o Conselho advertisse e
responsabilizasse o usuário por eventual ameaça ou violação de direitos de sua
parte”. Protegida a criança em uma sala de atendimento, todos conselheiros
manifestaram ouvir o usuário e a própria, tendo 25% dos entrevistados admitido
a acareação24. Para ouvir a criança, os conselheiros
disseram procurar chamar os pais ou responsável (62,5%), mas admitiram a grande
dificuldade em fazê-los comparecer imediatamente (37,5%)25. Não sendo possível a presença dos pais ou responsável, ouvem a criança sozinha, sem advogado ou outra pessoa que a
represente e assista. Nesta situação, exposta, um entrevistado chegou a
confessar que, às vezes, fazia o ‘jogo do bonzinho e do ruim’, uma simulação
para amedrontar a criança e forçá-la a cumprir tudo o que lhe for determinado26. Após o atendimento inicial, a criança é encaminhada a
sua residência, onde seus pais ou responsável são notificados a comparecerem no
Conselho Tutelar, a fim de tratar sobre o caso envolvendo o seu filho ou
pupilo.

Na audiência com os pais ou
responsável, longe de se oportunizar a oposição de contraditório, ou de se
buscar as provas de sustento da denúncia recebida, o momento tem o significado
de expor-lhes o ocorrido – sobre o que há uma presunção de culpa (“se a polícia
disse que furtou, é porque furtou mesmo!”) – e serem tratadas e discutidas as
medidas a serem aplicadas, com as quais eles se comprometerão.

A verificar, inicialmente, do que até
aqui foi levantado sobre o atendimento prestado pelo Conselho Tutelar, em que
pese não serem possíveis generalizações, destaca-se nossa grande preocupação
com o atendimento solitário da criança, principalmente quando já ressaltamos a
subjetividade do enquadramento do ato praticado e a marcante solicitação dos
usuários para que o Conselho Tutelar exclua e puna a criança atendida. Vimos, a
criança pode ter a prostituição entendida como um ato infracional,
além de sofrer o constrangimento de uma simulação. Se cogitarmos de uma
comparação de seu atendimento com o atendimento judicial prestado ao
adolescente infrator denotamos, em favor deste, um
explícito rol de direitos individuais e de garantias processuais que devem ser
assegurados27. Em sua apresentação, o adolescente
tem direito à presença de seus pais ou responsável, ou de pessoa por ele
indicada, que serão incontinente comunicados da
apreensão e do local onde se encontra28. Tem
direito também a um defensor técnico (advogado), ao cumprimento do devido
processo legal, e ao exercício da ampla defesa, com todos os meios e recursos a
ela inerentes29. A criança, como o adolescente e o
adulto, é um sujeito de direitos, os quais são conferidos de forma universal
pela Constituição Federal (art. 5º, I) 30.

Acerca da aplicação das medidas pelo
Conselho Tutelar, para 50% dos entrevistados, ela sempre deve ser colegiada,
mas em alguns casos, e para algumas medidas, pode-se admitir uma aplicação de
forma individual (37,5%). Já, para 1 (um) entrevistado (12,5%), a forma de
aplicação individual sempre pode prevalecer. Neste aspecto, chamamos à atenção
de que a autoridade legal competente para aplicar medidas é o Conselho Tutelar
(não o conselheiro tutelar), quando bem prescreve o caput do art. 136 do
Estatuto: “São atribuições do Conselho Tutelar”. Como critérios para a escolha
das medidas a serem aplicadas, e contrariando uma de nossas hipóteses iniciais
de pesquisa31, foram citadas, pela maioria dos
entrevistados (62,5%), condições extrínsecas ao caso analisado, i. é, que não corresponderiam diretamente nem à criança e nem
ao ato infracional, mas sim, e principalmente, à
(in)existência de recursos de atendimento e a (falta de) condições econômicas
da família para seguir o atendimento necessário. Verifica-se, assim, que a
criança pode acabar não recebendo a aplicação da medida que lhe é mais
adequada, mas sim daquela que o Conselho Tutelar encontra recurso de
atendimento disponível. A julgar tratarmos de um órgão de defesa de direitos, o
critério preponderantemente apontado pelos conselheiros, com certeza, não
protege a criança, tendo em vista que “aplica-se-lhe
o que é possível, e não o que lhe é necessário”.

Na aplicação das medidas à criança
autora de ato infracional, duas confusões se
demonstraram: a primeira, foi o grande número de medidas aplicadas aos pais ou
responsável, quando o art. 105 do ECA e o princípio da
pessoalidade vedam essa aplicação; a segunda, é a de que, muitas vezes, os
conselheiros buscaram priorizar a responsabilização dos pais ou responsável,
relegando a defesa e a garantia do direito da criança a um segundo plano. O
princípio da pessoalidade trata-se de um dos mais importantes princípios
constitucionais penais, que define que “a pena imposta não passará da pessoa do
condenado” 32. Exatamente neste sentido é que, o
art. 105 do ECA prescreve, de forma taxativa e
restrita, que: “Ao ato infracional praticado pela
criança, corresponderão as medidas do art. 101” (e ponto final!). Já, como exemplo da segunda confusão, extraímos a questão da
aplicação das medidas dos arts. 101, III e 129, V,
ambos do ECA. A saber, a medida de “obrigação de
matrícula e acompanhamento à freqüência e aproveitamento escolar” (129, V) foi a medida mais aplicada sobre os pais ou responsável, sendo a
medida de “matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento de ensino
fundamental” (101, III) a menos aplicada à criança. Ou seja, o Conselho Tutelar
pareceu atuar muito mais desejando responsabilizar os pais ou responsável pelo
descumprimento de seus deveres, do que efetivamente atuar protegendo e
garantindo o direito ameaçado ou violado da criança. Não há oposição em relação
à aplicação de medidas aos pais ou responsável – uma vez existente
outros princípios, como o da responsabilidade e dos deveres dos pais ou
responsável pelos atos de seus filhos ou pupilos -, desde que não sejam essas
decorrentes, especificamente, da prática do ato infracional
pela criança, e sim sejam aplicadas em decorrência de uma imperiosa necessidade
de serem reafirmados os deveres parentais negligenciados.

Aplicadas as
medidas, 87,5% dos entrevistados referiram explicar aos pais ou responsável – e
até à criança (12,5%) – como procederem e o compromisso por eles assumido
(50%), informando, sobretudo, das conseqüências destinadas pela lei para os
casos de descumprimento das determinações do Conselho (87,5%)33. Mas se os pais ou responsável são informados dos rigores
do descumprimento da medida aplicada, tal situação não se repete em relação à
prestação de informação do direito que têm de revisar judicialmente a aplicação
do Conselho. Dos entrevistados, somente 1 (um) deles afirmou informar o usuário
do direito que tem de postular a revisão judicial da medida aplicada pelo
Conselho, mencionando até a indicação da Corregedoria dos Conselhos Tutelares,
para o caso de pretensa denúncia por falta funcional do conselheiro34. Quanto aos demais (87,5%), 62,5% deles manifestaram só
informarem o direito nos casos de forte irresignação
do usuário35, tendo 25% confessado seu próprio
desconhecimento ou a sua falta de percepção, daquilo que dispõe o art. 137 do
Estatuto36.

O que se vê,
destes procedimentos adotados pelo Conselho Tutelar no momento da aplicação das
medidas, é que tudo passa, muitas vezes, como uma imposição de algo, e não como
uma forma de promoção, garantia e proteção consentida. Lembramos que à criança
somente podem ser aplicadas medidas de proteção – a lei não permite outras -,
parecendo-nos sem qualquer sentido a necessidade do Conselho impor uma proteção
veementemente rechaçada.

Sobre a suficiência (ou não) das
medidas previstas no art. 101 do ECA, verificamos, 25%
dos entrevistados consideraram-nas insuficientes para a solução dos casos
apresentados, sugerindo outras medidas, como o tratamento médico em local
fechado, a privação de liberdade, a prestação de serviço à comunidade e o
castigo público37. Os que consideraram suficientes e
adequadas as medidas, manifestaram “serem boas
teoricamente”, mas reclamaram da inexistência de recursos e de programas
relativos às medidas previstas. Como referimos em relação aos critérios
utilizados para a escolha das medidas a serem aplicadas, a inexistência de
recursos e programas de atendimento inibe a ação do Conselho, i. é, a medida
necessária e suficiente está na lei, está no papel, mas não existe na
realidade, para ser aplicada38.
Acerca do castigo público sugerido por 1 (um) conselheiro, esta era uma prática
de punição utilizada no século XVIII, onde o réu era exposto e executado em
praça pública, para seu constrangimento pessoal e para servir de exemplo a
todos. Neste sentido, voltamos a evidenciar a importância do exercício
colegiado das atribuições do Conselho, assegurando a heterogeneidade de visões
e um processo dialético de definição do que é mais protetivo
à criança e a sua família.

Chamamos a especial atenção para isso
porque, se inúmeros usuários que encaminham os casos ao Conselho Tutelar lhe
solicitam a exclusão e a punição da criança, ao percebermos a possibilidade de
uma atuação individual por parte de um conselheiro, e ao verificarmos a
consideração de serem insuficientes as medidas de proteção previstas na lei,
sugerindo-se medidas (negativas) privativas de liberdade, restritivas de
direitos e, até mesmo, atentatórias à dignidade humana, a solicitação do
usuário pode restar plenamente atendida, utilizando-se do próprio órgão de
defesa de direitos para alcançar a pretendida punição, contradizendo a oposição
inicial referida pelos entrevistados, quando manifestaram que ao Conselho
Tutelar só atribuíam medidas sociais de defesa e de proteção de direitos, de
resgate da violação, cabendo-lhe, justamente, o exercício de desmistificar a
figura de ser um órgão repressor.

Mas, mão bastassem
os vários pontos de falta de (melhor) proteção, e correspondendo ao que havia
sido verificado nos expedientes de atendimento consultados junto aos Conselhos,
75% dos entrevistados evidenciaram a cronicidade dos
casos atendidos, podendo afirmarem que “raros casos não voltam” 39. Os motivos apontados para a falta de efetivação da
proteção promovida pelo Conselho Tutelar são vários, mas, sobretudo, dizem
respeito aos recursos de atendimento e ao compromisso dos pais ou responsável
(à falta deles). A inexistência de programas adequados,
eficazes, atuando de forma continuada, em rede e na comunidade, além da falta
de condições econômicas da família para seguir o tratamento necessário, são
problemas identificados por todos os conselheiros como motivadores da falta de
efetivação da medida aplicada40,
ressaltando, também, 87,5% dos entrevistados, que a cronicidade
dos casos se deve ao descumprimento dos deveres relativos aos pais ou responsável41, que não assumem o compromisso com a medida
aplicada. Outras circunstâncias justificadoras do grande retorno dos
casos são a falta de entendimento do papel do Conselho Tutelar42 e a não-utilização, pelo Conselho Tutelar, dos meios de
defesa judicial dispostos na lei, para ele fazer valer o direito protegido. A
lei traz que o Conselho Tutelar pode representar judicialmente por
descumprimento injustificado de suas deliberações43, e em outros casos44,
mas esse ainda é um instrumento raramente utilizado, deixando o direito não
satisfeito, e sem nenhuma ação efetiva de cobrança para sua obtenção. Neste
caso, parece bem óbvio, voltarem com freqüência os casos atendidos,
principalmente quando se atesta que o principal critério utilizado na escolha
da medida a ser aplicada é a existência de recurso e não a sua adequação para o
caso.

Como fechamento da pesquisa realizada,
houve o questionamento sobre o respeito que os usuários têm
do serviço e das medidas aplicadas pelo Conselho Tutelar, quando, igualmente,
37,5% dos entrevistados disseram que as pessoas respeitam sempre45, ou que nem sempre respeitam46, cabendo aos 25% restantes, manifestarem que
muitos não respeitam nunca, seja porque não vêem valor na ação do Conselho e no
seu encaminhamento, seja porque não têm medo das conseqüências, seja porque
dizem que “não vão pagar pelas crianças” 47.

4. Conclusões

Algo que fortemente se evidenciou da
pesquisa realizada é que, em muitos momentos, o Conselho Tutelar não só, não
protegeu a criança, como acabou, de certa forma,
punindo-a ou constrangendo-a, e à sua família, pelo ato infracional
por ela cometido (e isso mostrou uma relação direta com a última pergunta
formulada). No início pareceu-nos antilógico
interrogar-se acerca da proteção ou punição destinada por um órgão de defesa de
direitos a um sujeito exclusivo de medidas de proteção, contudo, verificamos, que entre a teoria e a prática muito há o que
se estudar e se perceber.

Foi possível se extraírem diversos
momentos em que a criança esteve exposta e/ou teve sonegados seus direitos,
como, inicialmente, quando colocada a dúvida sobre
qual o enquadramento da sua conduta, em que a criança fica à mercê da
interpretação e da subjetividade do conselheiro que a atende. Neste
atendimento, vimos, pode ocorrer o enquadramento de conduta atípica como ato infracional, sofrendo a criança a presunção de culpa, e não
tendo, de regra, nem seus pais ou responsável, ou defensor, para representá-la
e assisti-la. Sozinha, pode ser vítima de abuso de autoridade por parte do
Conselho. A respeito das medidas aplicadas, visam, em muitos casos, uma
responsabilização dos pais ou do responsável (punir a família), esquecendo-se
de garantir o direito (proteger o direito da criança). Ao serem aplicadas sem
oportunizar o contraditório e a ampla defesa, inclusive técnica, os
conselheiros primam por informar as conseqüências de seu descumprimento, sem
garantir a informação do direito que o usuário tem de rever judicialmente a
medida proposta. Figurando como medidas impostas, apresentam o caráter de
punição.

No caso de descumprimento da medida
aplicada, não há a adoção de medidas consistentes em fazer valer a sua
aplicação, como a interposição de representação judicial, o que fragiliza a
proteção esperada e oportuniza o freqüente retorno de atendimento dos, uma vez
que não tenciona nenhuma mudança. Ou seja, em vez da ameaça ou da violação de
direito chegar ao Conselho Tutelar e este agir com firmeza, utilizando suas
atribuições e seus instrumentos para cessá-las, ele aplica a medida existente
que, se descumprida, raramente é representada para sua efetivação. Por fim,
percebemos que o Conselho Tutelar nem sempre admite somente medidas protetivas à criança, admitido privá-la de sua liberdade e
até castigalá-la publicamente.

É certo que as referências negativas,
muitas vezes, foram minoritárias, e que não refletem a generalidade dos
procedimentos dos Conselhos da Capital. Contudo, se 62,5% dos conselheiros
admitiram algumas aplicações individuais e, de regra, as questões são definidas
segundo a visão o sentimento solitários do único conselheiro responsável,
devemos alertar que um atendimento totalmente violador
e punitivo é possível de ocorrer.

É com essa constatação final que
pretendemos concluir, de que bem vimos, que dentro de uma ação individual de um
conselheiro tutelar, pode a criança restar exposta e constrangida em seus
direitos desde a sua chegada ao Conselho e o início de seu atendimento, até o
final, com uma aplicação (imposição) de medidas, cruzando, desta forma, por um
órgão de defesa de direitos, sem dele obter formas de
proteção e, pelo contrário, sendo vítimas, ela a sua família, de outras
violações provenientes do próprio Conselho.

Neste sentido, poderíamos apontar, para
fortalecimento das garantias decorrentes da Doutrina de Proteção Integral e da
nova definição de competência, algo que não significa, necessariamente, mudança
da Lei Federal, e, muito menos, do papel, das características e das atribuições
previstas ao Conselho Tutelar, mas sim um incremento e capacitação de sua
prática, quando vemos:

a) a necessidade de compreensão do
Conselho Tutelar como órgão de defesa de direitos, de caráter emancipatório do sujeito como cidadão, e não tutelar do
indivíduo como objeto;

b) a necessidade de ser trabalhada a
visão da criança vitimadora como não-delinqüente,
compreendendo-a como vítima e sujeito de direitos – credora de proteção, mesmo
na situação de ato infracional;

c) a necessidade do Conselho Tutelar
regular um procedimento de atendimento para esses casos, garantindo espaços e
meios de defesa – até mesmo técnicos -, para o exercício do contraditório, além
de assegurar, ouvir a criança, somente com a presença dos pais ou do
responsável;

d) a necessidade do
Conselho Tutelar efetuar os registros de todos os procedimentos e atos
realizados, fundamentando por escrito todas as suas decisões acerca da
aplicação de medidas de proteção e/ou aos pais ou responsável;

e) a necessidade do
Conselho Tutelar atuar, escolher e decidir coletivamente sobre a
aplicação de medidas, assegurando, aos interessados, o conhecimento do direito
de revisão judicial da medida aplicada;

f) a necessidade do
Conselho Tutelar assessorar os poderes locais na discussão e elaboração
da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da
criança e do adolescente;

g) a necessidade do
Conselho Tutelar utilizar os instrumentos jurídicos que o Estatuto da
Criança e do Adolescente lhe concede para efetivar a proteção decorrente da
medida aplicada (ou necessária), fazendo valer o seu papel de garantidor de
direitos.

Temos referido já há bastante tempo que
não basta serem criados (às cegas) Conselhos Tutelares em todos
municípios; é preciso sermos criteriosos com o que queremos dele e como vamos
compô-lo e capacitá-lo para que esteja assegurando o fiel exercício do seu
papel. Em recente artigo por nós publicado48
chamamos à atenção para os rumos que vêm tomando os Conselhos Tutelares de
diversos municípios brasileiros, o que consiste em estabelecê-los como agentes
de substituição da carência de recursos, destinando-lhes uma função meramente
burocrática ou de triagem (como no velho Código de Menores), com uma aparente e
falsa proteção de direitos, mas que, por não atuar na real causa dos problemas
– o descumprimento dos deveres por parte da família, da comunidade, da
sociedade em geral e do Estado -, tencionando-os e responsabilizando-os por seu
descumprimento, acaba tão-só por contribuir à manutenção da
dominação social e do status quo de ausência de
direitos garantidos, em que ainda não estão sendo admitidos, criança e
adolescente, como cidadãos credores de uma prioridade absoluta, por nós,
adultos, devida, mas não reconhecida em sua essência. O enraizamento
do novo paradigma é lento, mas é um processo positivo de construção social, de reordenamento das forças, dos poderes, dos direitos e dos
deveres. Agradeço a Deus por me permitir continuar sonhando, até porque os
sonhos não morrem, nem envelhecem.

Quadro dos resultados das entrevistas

? O ATO INFRACIONAL PRATICADO POR
CRIANÇA
! DEPENDE (8)
De fatores que incluem ou excluem a
condição de infratora à criança:

I – Condições pessoais da criança
(7):

a)   discernimento (4)

b)   estado de infratora (4)

c)   responsabilidade (3)

d)   premeditação ou fim
dirigido (2)

e)   estado de saúde (1)

I. II. – Condições exteriores de
influência a sua ação (8):

I. II. I. Família (8):

a)   que explora (4)

b)   que dá maus exemplos (3)

c)   alcoolista
(2)

d)   negligente (2)

e)   desestruturada (2)

f)    violenta (1)

g)   permissiva (1)

I. II. II. Comunidade/sociedade (4):

a) ambiente social corrompido (2)

b)  mídia má formadora moral
(2)

c)   consumista (1)

d)   individualista (1)

e)   presença das drogas (1)

f)    situação econômica
(1)

I. II. III. Estado (2):

a)   omissão (2)

a1)  combate à pobreza (2)

a2)  incentivo à educação (1)

a3)  prestação de proteção (1)

De fatores que incluem ou excluem a
conduta como ato infracional:

I – Condições do ato (7):

a)   tipo de conduta (6)

b)   momento da conduta (6)

 

sendo que, para ser ato infracional é preciso

c)   uso de violência/ameaça
(4)

d)   uso de arma (3)

e)   repetição (3)

f)    lesividade da conduta (1)

Nesse sentido, ato infracional:

É                                          NÃO
É

a)   matar (2)
a)   matar (1)

b)   roubar
(5)
b)   roubar

furtar
(2)
furtar (4)

c)   apedrejar
(4)
c)   apedrejar (4)

d)   incidentes escolares
(3)   d)   inc. escolares (4)

e)   briga cr. versus cr.
(1)      e)
briga cr. X cr. (3)

f)    vender droga
(2)
f)   mendicância (1)

g)   dinheiro falso
(1)
g)   gangues (1)

h)   prostituição (1)
h)
dano (1)

i)    lesão
(1)
i)  ‘palavrão’ (2)

Sendo considerados como:

I. desvio de conduta (5)

II. negligência
dos pais (3)

III. pedido
de ajuda (2)

IV. reação
(1)

DEFINIÇÕES

I. Subjetiva (5)

II. Objetiva (2)

III. Negativa (1)

 

USUÁRIOS:

1 – Brigada Militar (7)

2 – Escola (7)

3 – Ofendido (5)

4 – Pais (5)

5 – Vizinho (2)

6 – Comunidade (2)

7 – Anônima (2)

8 – Segurança (1)

Que solicitam do Conselho Tutelar:
I. como ação

a)   que assuma a
responsabilidade total (7)

b)   que some ação à sua
responsabilidade (1)

c)   que reforce a sua
responsabilidade assumida autoritariamente (1)

II. como
medida

a)   exclusão (6)

b)   repressão/punição (6)

c)   responsabilização dos
pais (3)

d)   inclusão(negativo) (2)

E que tudo se dê de forma mágica e
imediata (3)
Quando o papel do Conselho Tutelar
comporta:

a)   defesa de direitos (3)

b)   proteção à criança (2)

c)   resgate da violação (2)

d)   desmistificação do papel
de repressor (2)

e)   encaminhamento e
aplicação de medidas sociais (2)

f)    divulgação do ECA
(2)

g)   orientação aos pais (1)

h)   orientação à sociedade
(1)

PROCEDIMENTOS DO CONSELHO TUTELAR
Chegada da criança ao Conselho
Tutelar
Fase de Apresentação (Postulatória)

a) descrição do fato ocorrido
(denúncia)

b) depoimento pessoal (defesa prévia)

c) representação legal

d) aplicação de medida preliminar

e) intimação para comparecimento

Fase de Atendimento (Probatória)

a) entrevistas (audiência de instrução e
julgamento)

Fase de Aplicação das medidas (Decisória)

1º Procedimento – proteção da criança (4)

2º Procedimento

a) ouvir o denunciante (6)

OU

b) ouvir a criança (8):

b1) sozinha (6)

b2) sem acareação (4)

b3) com acareação (2)

3º Procedimento

chamamento dos pais (5)

Sendo que há dificuldade de
encontrá-los e fazê-los comparecer (3)

4º Procedimento

a) entrega aos pais mediante Termo de
Responsabilidade (8)

b) notificação para com-parecimento no Conselho Tutelar (8)

5º Procedimento

a) ouvir os pais (8)

a1) com a criança (8)

a2) sozinhos (7)

a3) com o denunciante, o recurso e a
criança (1)

6º Procedimento – aplicação de medidas (8)

 

REGISTROS DO ATENDIMENTO
I. Em relação ao conteúdo – DEPENDE
(8):

a) só as coisas mais importantes (5)

b)  quase tudo que é dito/feito
(3)

II. Em relação ao modo – 

a) sob sigilo (2)

b) arquivados em pasta e inseridos no
computador (1)

III. Em relação às peças – 

1) denúncia (1)

2) oitivas (5)  2a) criança não assina (3)

2b) criança assina (1)

3) aplicação de medidas (5)

4) outro documento importante (1)

APLICAÇÃO DE MEDIDAS
I. Forma de aplicação

a)   colegiada (4)

b)   mista (3)

c)   individual (1)

I. I. Motivos para a atuação ou
aplicação de medida de forma colegiad
a –

a)   dificuldade de
interpretar o caso (3)

b)   dificuldade de definir o
encaminhamento (2)

c)   pressão exercida sobre o
usuário (2)

d)   dificuldade na relação
com o usuário (1)

e)   agilidade no
atendimento (1)

II. Forma de conhecimento dos casos

Todos têm o conhecimento, mas o
acompanhamento é mais individual, através de relatos (5)

III. Critérios de escolha –

III. I. Critérios Intrínsecos:

III. I. a. Relativos à criança
(4): 

internos – 

a) personalidade (1)

b) estado de saúde (1)

externos – 

a) necessidades pessoais (4)

e familiares (2)

b) contexto sócio-familiar (2)

III. I. b. Relativos ao fato (3):
tipo, momento da conduta (3)

III. II. Critérios Extrínsecos:

III. II. a.
Relativos aos recursos (5): 

a) existência de recurso (5)

b) condições econômicas da família
(3)

III. II. b.
Relativos ao ECA

(1): a) conhecimento, interpretação (1)

III. II. c.
Relativos às medidas

(1): a) progressividade

IV. Definição da aplicação

a) colegiado (2)

b) conselheiro mais experiente (1)

c) conselheiro com maior conhecimento
do caso (1)

V. Medidas de Proteção aplicadas
(26):

a)   termo de
responsabilidade (8)

b)   tratamento psicológico
(7)

c)   orientação à criança (5)

d)   abrigo (4)

e)   tratamento médico (2)

f)    transferência de
escola (1)

g)   sócio-educativo (1)

VI. Medidas aos pais ou responsável
aplicadas (21):

a)   terapia familiar (5)

b)   retorno do filho à
escola (3)

c)   advertência (3)

d)   cobrança dos deveres
paternos (3)

e)   orientação aos pais ou
responsável (3)

f)    tratamento
especializado à criança (2)

g)   pedido de ressarcimento
do dano causado pelo filho (1)

h)   solicitação de rancho
básico à família (1)

VII. Destinatários da aplicação –

a) os pais (7)

a1) os pais e a criança (2)

a1) a criança nunca pode ser (5)

a1. 1) a
criança deve ser orientada (5)

b) a criança (1)

VIII. Explicação acerca da medida
aplicada

a) aos pais
(7)
b) à criança
(1)                            

1)   das conseqüências da
lei  para o caso de descumprimento (7)

2)   de como proceder (4)

3)   do compromisso
assumido (4)

IX. Direito de revisão –

1) não é informado (7):

1a) exceto se o usuário manifesta-se contrário à
aplicação (5)

1b) porque despercebido o direito do usuário (1)

1c) porque desconhecido o direito do usuário (1)

2) é informado, porque é uma
obrigação (1)

CASOS CRÔNICOS

I. Retorno de casos atendidos: 

a)    raros casos não
voltam (6)

b)    raros casos voltam
(2)

Voltam por:

I. I. Condições pessoais da criança:

a)    problema de saúde
(1)

I. II. Falta de condições para a
efetivação da proteção aplicada (8):

I. II. a. Em
relação aos recursos de atendimento (6):

a)   existência de programas
(4)

b)   possibilidade de custeio
para cumprimento da medida (4)

c)   existência de programas
eficazes (3)

d)   existência de um
tratamento continuado (2)

e)   existência de programas
atuando em rede (2)

f)    existência de
programas atuando na comunidade (2)

g)   existência de programas
adequados (1)

I. II. b. Em
relação aos pais ou responsável (7):

a)   cumprimento dos seus
deveres (7)

I. II. c. Em
relação a todos (1):

a)   entendimento do papel
do Conselho Tutelar e do ECA (1)

I. III. Circunstâncias relativas à
aplicação (2):

a)   pressa e má escolha na
aplicação da medida (1)

b)   falta de representação
pelo descumprimento das medidas aplicadas (1)

SUFICIÊNCIA DAS MEDIDAS:
I. São boas, mas dependem (6):

a)   existência de serviços
(4)

b)   Estatuto bem cumprido (3)

c)   existência de serviços
em rede (2)

d)   compromisso dos pais (2)

e)   existência de serviço
qualificado (1)

f)    encaminhamento bem
cumprido (1)

g)   acompanhamento do
programa (1)

h)   interpretação do
conselheiro (1)

i)    respeito ao
encaminhamento (1)

j)    atendimento imediato/próximo
(1)

k)   preparação ao novo
paradigma (1)

l)    investimento em
educação (1)

II. Não bastam, é preciso outras,
como (2):

a)   tratamento em um local
fechado (1)

b)   prestação de serviço (1)

c)   castigo público (1)

d)   privação de liberdade (1)

 

RESPEITO ÀS MEDIDAS APLICADAS:

I. Respeitam porque (3):

a)   têm respeito pelo
Conselho Tutelar (2)

b)   vêem casos bem
solucionados (2)

c)   têm consciência do
Conselho Tutelar como órgão que luta por direitos (1)

d)   têm o reconhecimento
pelo trabalho executado (1)

e)   não têm nada a perder
(1)

f)    têm confiança no
conselheiro tutelar (1)

g)   têm medo do Conselho
Tutelar (1)

II. Não respeitam porque (2):

a)   não têm medo das
conseqüências (2)

b)   não vêem valor no encaminhamento
(1)

c)   não desejam pagar pela
criança (1)

III. Respeitam e não respeitam porque
(3):

a)   não têm como ir no
encaminhamento (3)

b)   não vêem valor no
encaminhamento (2)

c)   não têm medo das
conseqüências (1)

 

Bibliografia

BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado
Federal, 1988.

______. Lei Federal nº
6.697, de 10 de outubro de 1979 (Código de Menores).

______. Lei Federal nº
8.069
, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir.
Petrópolis: Vozes, 1995.

KAMINSKI, André Karst.
O Conselho Tutelar, a Criança e o Ato Infracional:
Proteção ou Punição?.

Porto Alegre: Dissertação de Especialização,
Departamento de Ciências Penais, Faculdade de

Direito, UFRGS, 2000.

____________________ Perspectivas do
Conselho Tutelar no século XXI
. Canoas: Editora ULBRA, 2001.

PORTO ALEGRE, Coordenação dos Conselhos
Tutelares de. Relatório Geral de Atendimentos da

2ª Gestão dos Conselhos Tutelares. Porto
Alegre: PMPA, 1998.

_______________, Conselhos Tutelares de. Expedientes
de Atendimentos da 2ª Gestão dos

Conselhos Tutelares. Porto
Alegre: PMPA, 1999.

QUEIROZ, José J. (org.) et
al. O Mundo do Menor Infrator. 3.ed. São Paulo:
Cortez, 1987.

 

Notas

1 Arts. 203, II;
208, IV; 227, parágrafos 3º, VII, 4º, 7º; etc.

2 Art. 104 do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA): “Considera-se ato infracional a
conduta descrita como crime ou contravenção penal”.

3 Art. 131 do ECA.

4 Art. 2º do ECA.

5 Art. 136, I c/c art. 105, ambos do ECA.

6 Conforme Projeto de pesquisa
protocolado em 30 de novembro de 1998, junto ao Departamento de Ciências
Penais, Faculdade de Direito, da UFGRS.

7 Os 8 (oito) Conselhos Tutelares de Porto
Alegre foram implantados a partir da Lei Municipal nº
6.787, de 11 de janeiro de 1991, tendo a Lei Municipal nº
7.207, de 30 de dezembro de 1992, criado os 40 (quarenta) cargos em comissão.

8 Fonte: Relatório
Geral de Atendimentos dos Conselhos Tutelares do Município de Porto Alegre/RS,
1998.

9 Fonte: Expedientes
de atendimento dos Conselhos Tutelares do Município de Porto Alegre/RS.

10 Fontes: Expedientes de atendimento dos
Conselhos Tutelares do Município de Porto Alegre/RS e entrevistas realizadas
com conselheiros tutelares do Município.

11 Chamamos de incidentes escolares todos
aqueles tipos de ocorrência envolvendo alunos e atos como: derrubar mesas e
cadeiras, rasgar os cadernos dos colegas, urinar na
quadra de esportes, ameaçar e brigar, utilizar expressões de baixo calão, fazer
desenhos obscenos, quebrar vidros…

12
A saber, no Município de Porto Alegre, os
Conselhos Tutelares possuem um Formulário de Atendimento padronizado, em que
são registrados os dados relativos aos atendimentos por eles realizados. No
formulário estão previstas diversas categorias de atendimento: Maus tratos:
agressão física, agressão psicológica, abuso sexual, negligência, abandono,
mendicância, prostituição, exploração no trabalho, utilização na mendicância e
utilização na prostituição; Conduta: uso  de drogas, prática de ato infracional por criança; Negligência no atendimento à
saúde; Negligência na área da educação.

13 “Não, eu acho que
nenhum ato, porque eu acho que criança é criança. (…) vamos supor que a
criança pegue um revólver de cima do guarda-roupa, atirou no outro. Quem é o
responsável? Os pais, que deixaram aquela arma ali, eles são os infratores. A
criança atirou, matou, mas eles não sabem nem o que tão fazendo” (g).

14 “Me diz uma coisa:
como é que eu vou dizer que ela tá fazendo um ato infracional se a mãe dela que tá
mandando ela? Eu não acho que ela seja uma infratora.(…) antes também achava
que era ato infracional, porque não sabia que era a
mãe que botava ela na quadra pra se vender” (h).

15 Acerca da distinção entre infrator e
‘estado de delinqüência’, FOUCAULT (1995, pág. 223), é
esclarecedor: “O delinqüente se distingue do infrator pelo fato de não ser
tanto seu ato quanto sua vida o que mais o caracteriza”. Ou como escreve
QUEIROZ (1987, pág. 33): “A delinqüência e a infração são separadas por limites
estreitos. A primeira deve ser entendida como sendo uma estratégia de vida,
enquanto a infração como o fato ilegal”.

16 “É como se fosse crime mesmo né, uma questão mais criminal, mais de violência mesmo, de violência propriamente dito” (a).

17 “O I., ele andava armado, ele portava arma,
ele, assim, não cometeu poucos, ele cometeu várias vezes aquela mesma. Então,
assim, já tava sendo uma infração pela quantidade de vezes” (c).

18 “Ato infracional, pra mim, é uma coisa bem pesada, assim, é
roubar, vender drogas, apedrejar, por exemplo, um ônibus, bota a vida das
outras pessoas em risco propositalmente, então, isso para mim, é um ato infracional” (f).

19 “Trazia até o Conselho como um alívio, como
um lavar das mãos, né: ‘agora a situação tá no Conselho que vai assumir, (…) que vai resolver’”
(c).

20 Art. 227 da Constituição Federal (CF): “É
dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, acolhida pelos arts. 4º e 5º do ECA.

21 “Se, na verdade, o Conselho Tutelar for
fazer o que as pessoas querem. Meu Deus! Tem que pegar,
botar um tijolo no pescoço e jogar no rio’, ‘botar na FEBEM’, ‘botar no São
Pedro’…“ (h).

22 “Nunca ninguém chegou e disse: ‘Olha, tem
que ter um tratamento pra criança, tem que colocar,
ter um tratamento com ela no sócio-educativo. Nunca. Sempre internar” (h).

23 “Esperam que o Conselho tenha a varinha
mágica que vai solucionar o problema” (e) e “O Conselho vai fazer alguma coisa
de imediato. (…) a expectativa de uma coisa rápida” (c).

24 “Se for necessário, juntamos os dois,
entram juntos para fechar realmente o que um tá…
porque às vezes há discordância de um e de outro. Então vamos ver juntos como é
que é isso mesmo” (b).

25 “Para chegar e encontrar o pai em casa, só
se for por desemprego, senão tão trabalhando e as crianças tão soltas na rua.
(…) então, até tu conseguir localizar a família já é um parto” (a).

26 “A gente tinha muito aquele jogo, assim,
também (não adianta tapar o sol com a peneira): eu era a conselheira que era
má, e tu era o bonzinho. A gente sempre fazia aquele jogo, assim, com a
criança, pra ela ficar, pra ela saber que tinha que se comportar, que ela ia
ter que ir onde a gente mandava fazer os tratamentos. E dava certo. Muitas
vezes” (h).

27 Arts. 106 à 111 e 171 à 190, todos do ECA.

28 Art. 107 do ECA.

29 Art. 111 do ECA.

30 “Homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações, nos termos desta Constituição”.

31 Ao projetarmos nossa pesquisa, entendemos
que a aplicação das medidas de proteção vinham se
calcando essencialmente em aspectos subjetivos e em valores pessoais dos
conselheiros.

32 Art. 5º, XLV, da CF: “Nenhuma pena passará
da pessoa do condenado”.

33 Art. 249 do ECA:
“Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder ou
decorrente da tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária
ou Conselho Tutelar”.

34 “Isso eu coloco porque acho que é obrigação
minha. Se os pais não tiverem contentes com a situação, a gente diz: ‘o Sr. constitua um advogado, vá no juizado e faça o pedido de
revogação da medida. E tem a Corregedoria ainda” (d).

35 “Só quando elas agrediam mesmo a gente, aí
a gente dizia mesmo. Senão, não dizia” (h).

36 “A lei permite que recorra? Não, não, nem
sabia que ele podia recorrer se ele não concordava com essa medida. Nem sabia.
Nunca falei pra ninguém isso aí” (g) e “Eu nunca me detive neste detalhe. Nunca
me chamou à atenção; é a primeira vez que eu tou me
chamando para esse detalhe” (a). Prescreve o art. 137 do ECA:
“As decisões do Conselho Tutelar somente poderão ser revistas pela autoridade
judiciária a pedido de quem tenha legítimo interesse”.

37 “Tem medidas aí que são brandas demais e tu
não tem outras para aplicar, e eles ficam ainda rindo da tua cara. (…) Eu
vejo as medidas sócio-educativas aplicadas: ‘vai pintar o colégio… pintar o
portão do colégio do teu bairro, onde tu mora’. Eu
acho que é uma coisa mais séria, que daí ele vai passar um pouquinho de
vergonha na frente dos colegas dele. (…) se aplicou tudo que foi medida,
inclusive se baixou até no Hospital São Pedro e não adiantou. Aí, resumo da
história, vou te pedir o quê? Tem outra coisa a não ser contenção?” (e).

38 “(As medidas) São boas, mas não têm… no papel
são muito bonitas, mas no cumprir e no ter onde encaminhar é que são elas.
(…) tudo é certo, tudo é lei, mas a lei é só no papel, não se consegue
cumprir a lei” (g).

39 “(casos crônicos) Existe sempre no
Conselho. Muitos, muitos, muitos, muitos” (h).

40 “Tá faltando
agora, pra nós, uma retaguarda eficiente, que dê conta da nossa demanda” (d).

41  “Às vezes, passa 1 (um) ano, passam 6
(seis) meses, e a gente pensa que aquela pessoa tratou o filho e quando eu
vejo: ‘Ah! Mas eu fui lá e ia demorar, não voltei mais’” (g).

42 “Uma coisa assim, o Conselho Tutelar
divulgado, mas divulgado duma maneira criteriosa – o que é o
Conselho Tutelar e qual é a sua competência. E junto o Estatuto” (e).

43 Art. 136, II, b, do ECA.

44 Arts. 191 e 194 do ECA.

45 “Não é 100%, mas uns 90% é respeitado. Respeitam, mesmo descontentes” (f).

46 “Nem sempre, nem sempre. Às vezes chegam a
vir 2 ou 3 vezes aqui pegar outro encaminhamento, porque aquele que a gente deu
não teve valor” (g).

47 “Têm pais aí que, infelizmente, não dão nem
pelota pro Conselho Tutelar. O Conselho Tutelar (com o perdão da palavra) e uma
merda, é a mesma coisa” (e).

48 KAMINSKI, 2001.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

André Karst Kaminski

 

Advogado na Procuradoria do Município de Porto Alegre/RS

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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