Resumo: A discussão sobre a configurabilidade de um sistema de normas destinado a disciplinar as atividades humanas e a justificação do dever de observância aos relativos preceitos, constituiu uma temática de reflexão filosófica ao longo dos anos. Porém, a primeira vista, a temática sobre a qualidade da regulação é um fenomeno que surge há alguns anos nas democracias ocidentais, fruto de uma emergência normativa típica dos Welfare State. Mas, teoricamente as questões relacionadas com a clareza e razoabilidade das normas sempre acompanharam as regras para a confecção das leis. O problema quantitativo da legislação não apresentava preocupações para o período, mas no entanto, o da qualidade redacional das leis já demonstrava claramente a sua preocupação desde a época bíblica seguida pela Grego-romana, tornando-se posteriormente um modelo para a Ciência da Legislação no período dos Iluministas. Destas reflexões, a doutrina contemporânea acrescentou apenas aquelas relativas à hipertrofia normativa, ou melhor, a quantidade, e não tão somente a qualidade, de uma legislação que ao invés de ser fonte de certeza, transformou-se em uma fonte geradora de insegurança jurídica. Este artigo procura demonstrar a grande preocupação com a qualidade regulatória e a utiliazação de instrumentos e o uso da avaliação de impacto legislativo no processo de elaboração das leis no contexo da União Européia. Para tanto, são abordados alguns aspectos doutrinais do período dos grandes teóricos iluministas sobre o tema de uma crise da legislação, para se chegar aos remédios da contemporaneidade sobre a temática.
Palavras chave: Iluministas – Ciência da Legislação – Hipertrofia – Qualidade legislativa
1. Apresentação
O debate sobre o metodo de formulação das leis possui raizes distantes como bem observa Zachariae, dirigindo um olhar às reformas legislativas da classe Hellenica[1]. Tal debate é retomado no século do Iluminismo por Montesquieu, Filangieri e Rousseau, mantendo intacta a sua estringente atualidade e que nos parece destinado a perdurar devido a sua complexidade. Em muitos países ocidentais se assiste, por muitos anos uma progressiva articulação de novas fontes do direito que vem substituindo e incorporando-se ao histórico pólo normativo dos sistemas parlamentares de estampa monista, isto é a lei[2].
A afirmação de tais fontes, e provavelmente a causa disto, se registra a gradual perda por parte da lei do seu caráter prescritivo-normativo por excelência, representado pela generalidade e autonomasia e o critério de individuação de todas as outras fontes normativas[3]. A lei representava, a expressão do monopólio estatal da produção do direito, suprema expressão do poter soberano, e estava intrinsicamente ligada e condicionada a sua preventividade, generalidade, abstração e estabilidade[4].
Tal concepção iluminista de lei-fonte do direito, assume hoje somente um significado histórico, e nos termos do dever ser, mas não encontra correspondência na realidade, o que na verdade à luz dos valores da igualdade e da certeza, quanto mais uma norma é geral, mais igualitária ela é, quanto mais abstrata for, mais estável e certa se será.
Mas é sobretudo em relação ao estado de crise de uma legislação que se apresenta cada vez mais inflacionada, inquinada, ingovernável, que iniciou-se uma atenção e uma reflexão global tanto no campo científico como no plano político, tanto que, em quase todos os países europeus os poderes públicos em nível estatal, regional, sentiram a necessidade de efetuar estudos sobre o modo de legiferar, e sucessivamente preparar soluções mais incisivas no âmbito politico-institucional como por exemplo, a redefinição das relações Governo-Parlamento em matéria de produção legislativa, programação da politica legislativa, com particular ênfase no tocante a simplificação, deligificação e instituição de orgãos de monitoração para a qualidade da legislação. Com efeito, a melhoria na qualidade da legislação tornou-se um dos objetivos politicos primários, que deu vida pela primeira vez em um tratado internacional[5]
Esta mudança radical de perspectivas vivenciada pela crise do modelo de Estado-legislador do Séc. XVIII, como fonte potencialmente exclusiva de direito, é o fruto de uma ordem jurídica na qual tiveram voz, na formação das leis, interesses diversos e contrapostos representados nas assembléias parlamentares habilitados pelo voto popular, através da dinâmica do sufrágio universal. Ao modelo de legislador onipotente, substituiu-se pelo modelo de uma ordem jurídica de vários níveis, que dentro do Estado, se articula em nível legislativo e constitucional, mas também prevê, através de baixo em nível regional e verticalmente em um nível mais elevado o europeu.
O redimensionamento do papel da legislação (que paradoxalmente parece ter andado de mãos dadas com a sua enorme e patológica dilatação quantitativa em quase todos os países europeus), foi acompanhada pelo resurgimento considerável dos juristas de duas outras fontes.
De um lado a consuetudine, de outra, a doutrina, que são reconhecidas como elementos inelimináveis não somente de conhecimento, mas de produção do direito positivo. Nesta dinâmica jurídica extremamente complexa – na qual se alinham constituições, leis ordinárias, leis regionais, diretivas européias, mas também consuetudines e doutrinas – a legislação, assumiu um papel fundamental de equilibrio entre lei, direito e justiça. É quase que desnecessário acrescentar que tal complexidade – que é quase sempre um fator de enriquecimento em vista da edificação de um renovado humanismo jurídico – torna-se cada vez mais laborioso o controle sobre o processo de formação das fontes normativas[6].
2. Os iluministas: os ideais da certeza normativa
Na verdade podemos questionar sobre o que restou do espírito que animou o século dos iluministas? O que permaneceu da crítica implacável e radical de Volteire, de Rousseau, e de muitos outros ainda, ao vírus da incerteza que corrói o corpo do ordenamento normativo abrindo um fosso ao dispotismo dos interpretes?.
Certamente, há uma distância intransponível entre os projetos utópicos dos pensamentos iluministas – que através da “Ciência da legislação[7]” encorajava-se a distinguir os traços de uma sociedade feliz – e as atuais e bem (mais estreitas) visões da legística, que determinam as dimensões do único terreno pelo qual até o momento tem corroborado a maturar algumas formas de reação ás imperfeições do direito positivo.
Mas se de fato, a utopia representa o motor da história, ocasionalmente é sempre bom revisitá-la: portanto, com o intuíto de demonstrar aqui de forma rápida e sumária a ilustração de como pela primeira vez (e talvez última) os ideais de transparência das leis manifestou-se plenamente na experiência histórica, permeando o sistema jurídico vigente. A este respeito, Gaetano Filangieri – comentando uma ordem Napolitana de 1774, imposta ao ministro Tanucci – sintetizava os ideais do “ilumismo jurídico” (como esta doutrina foi sucessivamente batizada)[8].
“O rei quer que tudo seja decidido segundo um texto expresso; que a linguagem do magistrado seja a linguagem da lei; que ele fale quando estes falarem e que fique em silencio quando esse não falem, ou quando não falam de modo claro; que a interpretação seja proibida; a autoridade dos doutores banida do foro, e o magistrado forçado a apresentar publicamente a razão da sua decisão”.
Desta passagem, emerge antes de mais nada a aversão radical em desfavor do complô da atividade interpretativa, descartada enquanto meio subjetivo que pode distorcer o real significado la lei. Como bem asseverou Montesquieu: “não é lícito interpretar uma lei em detrimento de qualquer cidadão, quando se tratar de seus bens, de sua honra, ou de sua vida”. E ainda, mais precisamente Volteire “que toda a lei seja clara, uniforme e precisa: inerpretá-la equivale quase sempre a corrompê-la”[9].
Com a exceção da linguagem dos iluministas, o termo em questão assumia uma conotação negativa, que foi sucessivamente moldada no léxico moderno, designando que toda a atividade criativa ou integradora do direito escrito, e a sua hostilidade era ligada portanto, não muito conexa à interpretação em si, mas aos seus excessos, nas ações dos juízes e juristas quando deixados livres para (de)formar os princípios do sistema normativo. Uma passagem na qual tal exceção se revela de forma clara foi escrita por Pietro Verri em 1765: “interpretar, quer dizer substituir-se no lugar de quem escreveu a lei, e indagar o que o legislador teria decidido verosimilmente neste ou naquele caso, quando a lei não fala claramente. Interpretar significa dizer ao legislador mais do que ele disse, e aquele acréscimo, vem ser a medida da faculdade legisladora que se derroga ao juíz[10].
A única forma de interpretação definitivamente admitada era portanto aquela literal ou seja, toda direcionada na letra dos textos normativos, e com a explícita proibição de adentrar igualmente no espírito; isto porque – segundo a celebre expressão de Montesquieu – o juíz deveria ser somente “a boca que pronuncia as palavras da lei”[11], baseado em uma concepção puramente mecânica e ilusória dos processos que regulam a aplicação do direito.
Portanto, a primazia delineada pelos iluministas em tornar o poder judiciário, “tão terrivel entre os homens” e de certa forma “invisível e nulo” – segundo os objetivos declarados explicitamente no Esprit des lois[12] – e de constrangí-lo à mera interpretação literal, tinha como pressuposto a absoluta clareza da lei; neutralização dos juízes, empurrando na direção de um direito mais certo e intelegível, que era na verdade uma, o falimento da outra.
Na atualidade, sabemos que tal acertiva é inaceitável, e que o mundo permanece inexorávelmente mudo até que não venha a ser questionado. Visto que, um processo intelectual voltado a extrair o significado de muitos fatos e símbolos, a interpretação representa de fato o prelúdio de qualquer atividade cognitiva, e neste sentido a proibição anunciada pelos iluministas não pode deixar de soar de modo paradoxal. Utilizando-se da afirmativa de Zagrebeslki, “o legislador deduz, e o interprete induz”[13].
Mas o que entendiam os iluministas por clareza do direito? E em que medida continua sendo válida a lição dos progenitores? Em síntese, quatro virtudes: a) simplicidade; b) estabilidade; c) parcimônia; d) generalidade.
No tocante a ideia de simplicidade legislativa, refletia o motivo tipicamente iluminista de Natureza de Estado, o da natural expontaneidade das relações humanas que o legislador não deve complicar nem alterar: segundo tal concepção, as leis deveriam receber uma formulação extremamente concisa, distante de expressões vagas ou de motivações discursivas que pudessem exercitar a ação corrosiva dos intérpretes, sem tecnicismos e excessos especialísticos. Por sua vez, o atributo à estabilidade do direito, que visava promover a clareza: isto ocorre porque a cada lei nova gera inicialmente uma fonte de dúvidas e incompreensão, seguindo portanto, uma linha tendencialmente obscura. Aqui, utilizando-se da assertiva de Rousseau: “Qualquer Estado que tenha mais leis do que possa ser lembrado pelos cidadãos, é um Estado mal ordenado; e todo homem que não sabe literalmente sobre as leis do seu país, é um péssimo cidadão”[14].
Portanto, a terceira regra aconselhada pelos iluministas para o bom legislador: a parcimônia, que seria a economia do direito, o qual poderia assegurar a total codificação do sistema normativo. Mas a recuperação de clareza na disposição normativa baseava-se principalmente ao requisito da generalidade da lei, vigorosamente sustentada pelos maiores pensadores do período como por exemplo, Loke que já tinha teorizado a obrigação de governar mediante “leis invariáveis nas suas aplicações particulares”.
Mas a tais exigências, deu voz em seguida às doutrinas de Rousseau e de Montesquieu, que também veio influenciar a redação das cartas revolucionárias no final do Séc.XVII. Do primeiro, deriva a celebre afirmação: “não pode haver vontade geral sobre um objeto particular” de modo que; “toda atividade que se refira a um objeto individual não pertence ao porder legislativo”; do segundo, se extrai que: “a força da lei, consiste somente no fato de que esta é decretada para todos”[15]. Prevendo ainda Montesquieu, aquilo que será um dos piores flagelos da legislação contemporânea, advertindo de como: “as leis inúteis enfraquecem aquelas necessárias, e aquelas que podem ser contornadas enfraquecem a legislação. Uma lei deve poder explicar os seus efeitos, e não deve permitir em derrogar uma regra específica”[16].
3. Os fatores de uma crise na legislação contemporânea
Após dois séculos di distância, os ideais acalentados de transparência normativa pelos iluministas ainda ecoam de forma desconfortante. Foi apartir do Iluminismo, portanto, que as reflexões sobre de como redigir uma boa lei adquiriram um valor normativo, que tomará novos rumos com o surgimento do Welfare State. Um verdadeiro diálogo entre as instituições e a doutrina, no tocante a qualidade da regulação, e a busca do melhor modo em garantir e estabelecer-se como uma técnica normativa, bem como, uma ciência jurídica.
A lição dos iluministas continua viva: já que a pedra angular para satisfazer o anseio eterno da clareza do direito, reside exatamente no atributo da generalidade, como de fato, recomenda o precursor de todos os manuais de drafting legislativo – o Renton Report[17]. Por uma soma de motivos, este objetivo tornou-se quase que inatingível, ao menos nos termos em que foi colocada pelo pensamento dos iluministas; tanto é, que ao nosso tempo tem sido efetivamente definido como “a idade da decodificação”[18], para exprimir a fuga da normativa codicista, na qual durante o Séc.XIX incorporou a noção cara à generalidade pelos iluministas.
Buscando um ponto de partida para as causas do fenômeno de uma crise normativa, afirma-se em primeiro lugar, que o advento do Estado social-liberal, que representou sem dúvida um fator de emanciapação e de progresso, que de certo modo, tornou mais complexa e intrincada a trama normativa abrindo caminho à exceção e a necessidade de leis especiais ou setoriais. Ainda utilizando-se das proposições de Pagano “ Em síntese, as causas são individuadas em primeiro lugar pela mudança do papel do Estado com a progressiva passagem do Estado-liberal, que garantia a igualdade formal, e a manutenção da ordem interna e a defesa externa, para o Estado intervencionista e assistencial, com o objetivo de garantir aos cidadãos do berço à tumba um mínimo de segurança social, segundo uma expressão figurativa resumida do Welfare State”[19].
Com o surgimento do novo modelo de Estado, verifica-se conjuntamente uma alteração de finalidade no uso da lei, que de instrumento regulador preventivo das relações sociais, assume sempre mais o caráter de instumento operativo de transformação e de governo da sociedade, mediante intervenções diretas particularmente no campo econômico e social. Deste modo, isso reverte o papel do legislador e do Estado, que tinha sido entregue pela experiência liberal; não mais “guardião noturno”, usando a definição de Lassalle, não mais simplesmente um expectador dos processos econômicos e sociais; mas por sua vez, partícipe do jogo, com a função equilibradora que porém, multiplica a produção do direito e a fragmenta através de disciplinas específicas e detalhadas[20].
Em síntese, a mudança no papel do Estado, que naturalmente também há uma grande parcela histórica de lutas sociais ligadas às emergentes políticas de novas classes, e caracterizada ainda, por uma imponente expansão dos serviços públicos, pode ser considerado como um grande fator determinante, vindo a culminar em uma grande extensão e multiplicação das regulamentações.
Mas, é principalmente em relação ao estado de uma crise da legislação cada vez mais inflacionada, ingovernável, que dá-se o início a uma reflexão global sobre o modo de redação das leis, tanto no plano científico (onde a técnica regulatória assumiu particularmente uma forma doutrináriamente técnica no âmbito legislativo) como no plano político, refletindo em todos os países europeus, fazendo-os sentir a necessidade de efetuar uma observação profunda, sobre o modo de legiferar e de emanar regulamentos ou diretivas, e sucessivamente apurar soluções mais incisivas em nível político-institucional[21].
4. Os princípios da qualidade da regulamentação e simplificação normativa no âmbito das recomendações da OECD.
Nos principais ordenamentos da União Européia, a atenção dirigida à qualidade da legislação é plenamente observada, e tem-se colocada a frente da problemática das técnicas da normatização. Partindo deste contexo, sob os aspectos de uma qualidade da legislação, buscou-se examinar brevemente como os principais ordenamentos europeus tem procurado resolver as questões relacionados com a avaliação, qualidade, e os efeitos das leis.
Na inglaterra, a atividade legislativa é caracterizada por uma notável atenção para o drafting; que na verdade desde o final de 1868, no Ministério do Tesouro, possui um escritório do governo, o Parliamentary Counseul Office, que elabora os projetos de lei, analizando cuidadosamente a articulação dos textos, a sua forma jurídica e a compreensibilidade da linguagem usada. Como já citado anteriormente o Renton Report, conduzido entre 1973 e 1975 por uma comissão nomeada pelo Governo Inglês, teve como objetivo produzir um relatório intitulado A preparação das leis, apresentado ao Parlamento Inglês em maio de 1975[22], com a finalidade de conseguir maior simplicidade e clareza das leis governativas. Discorrendo sobre a experiência inglesa, não se pode negar que, como pano de fundo, existe nos ordenamentos Anglo-saxônicos uma forte tendência ao sistema de consolidation, ou seja, designadamente à elaboração de textos únicos sobre matérias específicas.
E também, outros significativos documentos oficiais no tocante a matéria nos países da União Européia, podemos citar a França, que procura potencializar os procedimentos de avaliação legislativa no âmbito parlamentar. Juntamente com esta iniciativa pode-se assinalar fortes tendências dirigidas à criar estruturas especiais que estudem a fatibilidade das leis com a intenção de melhorar a qualidade normativa como o L’office parlementaire d’evalutation de la législation’ e ainda o relatório intitulado La insoutenable application de la loi, redigida por uma comissão denominada (mission d’information) do parlamento francês de (1995).
Ainda uma breve referencia à experiencia alemã, no qual o problema da qualidade da lei, é plenamente viva, seja no âmbito federal, como em cada Länder, na ordem das avaliações legislativas, recebeu oportunas intervenções da Corte Constitucional Federal que censurou sistematicamente todas as leis que pela sua má qualidade, tinham produzido efeitos diversos daqueles pretendidos, considerando que nestes casos, o legislador tem a necessidade e a obrigação em modificar a norma, assim como foi por exemplo, com a legislação sobre a matéria de aborto em maio de 1993[23]. E ainda, a elaboração do relatório da comissão alemã “para a criação de um Estado mais enchuto), instituído pelo governo federal alemão em julho de 1955.
E em última análise, na Itália os documentos mais importantes que deram início à um percurso significativo com relação a qualidade normativa são: o Rapporto Giannini de 1979[24], e o Rapporto della commisione Barettoni Arleri de 1981[25]. Os trabalhos desenvolvidos por esta última, Comissão Barettoni Arleri, foi muito apreciado pela doutrina e pelos operadores do direito, constiuindo o ponto de partida de “quase todas as inovações, legislativas”. Graças a importante contribuição dada por esta Comissão, houve um rico florecimento dos estudos e pesquisas em matéria de drafting legislativo, também relacionado às experiências estrangeiras[26].
Mas é a partir dos anos 90 do Séc. passado, onde a consciência da relação entre a modernização dos orgãos públicos e da qualidade da regulação de um lado, com a competitividade dos países e sua capacidade de atrair investimentos por outro, tem sido a base da atenção crescente dedicada em nível internacional para a simplificação e ao melhoramento da qualidade da regulação.
Desta forma, o tema da qualidade da regulação agora, é imposto na agenda política dos governos europeus, [27] que nos últimos anos investiram recursos e empenho político-institucional em programas e iniciativas de “better regulation e good regulatory governance”[28]. O mérito, não tão somente da difusão de tais iniciativas, mas também o reflexo de tal rapidez com que a atenção a estas temáticas foi consolidando-se, deve sem dúvida ser atribuído à Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD)[29], que a partir dos anos 1990, desenvolveu uma constante ação para o desenvolvimento de incentivos e de promoções dirigidos à reforma da regulação bem como o importante projeto “Regulatory Reform” de 1995 .
O tema da simplificação e da qualidade da legislação, foi sempre certamente pressionado pela maior parte das instituições européias (Parlamento – Conselho – Comissão) além das recomendações sobre a temática por parte da OECD, para os trinta e quatro países membros[30]. Mais especificamento o white paper european Governance[31], além das Comunicações da Comissão Européia, a partir do plano de ação sobre “Simplificação e Melhoramento do Ambiente Regulatório”, e também, dos ciclos de encontros entre os Ministros para a Função Pública – Directors for Better Regulation – vieram a contribuir significattivamente para reforçar a exigência de uma regulamentação de qualidade, individuando ainda, uma série de princípios comuns dentre os quais: a necessidade, a subsidiaridade, transparência, acessibilidade e a simplicidade das normas[32].
Com a recomendação da OECD de 1995, a expressão qualidade da lei ganha força e incia-se assim, um percurso nos ambientes dos governos nacionais de forma interdisciplinar, buscando melhorar e aumentar o estado e o grau da democracia, através de uma legislação qualitativamente coerente.
Em sua essência, a referida recomendação efetua uma precisa escolha temática, por um lado, o da inflação legislativa, e por outro, a qualidade da lei. Desta forma a OECD, privilegia sua escolha convidando os Governos dos Estados Membros em assegurar decisivamente a qualidade da legislação levando em conta duas perspectivas diversas. Por um versante, faz-se necessário referenciar à qualidade da norma no próprio corpo do texto normativo, e por outro lado, implica igualmente em avaliar o impacto da própria norma sobre a realidade social, isto é, a atenta análise dos efeitos produzidos pela sua emanação e aplicação.
Analisando tal recomendação, pode parecer a primeira vista, muito genérica e caracterizada por uma visão “estratégica insitucional” com características globais, mas não absoleta. É também interessante verificar, que este documento pela primeira vez faz referência de maneira formal ao uso de Check-list. Na verdade, é propriamente neste texto que a OECD interroga os governos dos Estados membros[33]. Assim, esta instiuição, pela primeira vez convida os Governos a refletirem sobre o uso das normas e sobre o impacto que as mesmas possam vir a ter nas sociedades ditas complexas.
Deste modo, segundo alguns autores, não há dúvidas na verdade, que o conteúdo de tais recomendações da União Européia e também as orientações da OECD, venham a inspirar os princípios diretivos dos legisladores comunitários. Encontramos também na doutrina que ocupa-se de; regulação – decodificação – técnica de redação das normas e linguagem normativa, que a tais recomendações e orientações, fazem referência com habitualidade[34].
4.1. Política e técnica: instrumentos para a qualidade regulatória
Este último elemento possui na verdade um grande peso decisivo e suficientemente importante para determinar o aglomeradíssimo panorma das democracias doentias de complexidade jurídica. Nesta direção, Mattarela afirma que “se as próprias leis crescem em número e modo irreprimível, na esteira dos volúveis apetites normativos da burocracia e dos grupos de pressão, é porque um poder político incerto e frágil, não sabe opor algum filtro seletivo[35].
Deste modo, verifica-se que as soluções essenciais capazes de oferecer uma base firme e sólidamente dirigida para este mal hipertrófico, deve centrar-se antes de mais nada na forma de governo. É na verdade, uma questão de democracia, como dizia Hegel, “não há democracia se as leis estão penduradas tão altas que não podem nem mesmo serem lidas”[36]. Podemos citar ainda que o princípio expresso pela máxima “ignorantia iuris non excusat” ou “nemo censetur ignorare legem”, para que o conhecimento da lei se presuma, é inaceitável do ponto de vista democrático, se esta não for acompanhada pelo máximo esforço para tornar efetivo o conhecimento da lei.
Mas para que a produção normativa alcançe os seus verdadeiros objetivos de comprensibilidade, como já delineamos desde o início deste artigo, faz-se necessário também que a política faça a sua parte, não permanecendo surda a este intento de clareza, que em suma, esteja disposta em dar um passo atrás para pode aproximar-se mais dos objetivos dos cidadãos.
Assim, com isso, tocamos o verdadeiro ponto da questão, porque por um lado, qualquer estratégia para o melhoramento da legislação é ao mesmo tempo, um freio e um limite ao critério Jacobino da onipotência do legislador. Por outro lado, os titulares da atividade legislativa podem ainda responder aos seus críticos, que em uma democracia, é a política que prevalece sobre a técnica, e não ao contrário. Por trás dos bastidores do problema como bem demonstra Pizzorusso, “existe na verdade a difícil relação entre a técnica e a política, entre as razões para a correta redação das leis e a primazia da vontade representativa[37].
Neste sentido, dos instrumentos técnicos existentes, utilizados para afrontar o grande flagelo normativo, que procuramos discorrer de modo sintético em seguida neste artigo, não podem faltar para que se alcance o objetivo de uma legislação de qualidade.
4.2. Um padrão europeu sobre a clareza das leis?
Quase toda a literatura sobre a qualidade da legislação – se analizada em seus dobramentos mais eloquentes – caminha em direção ao implícito, e por muitas vezes tácitos pressupostos que o ordenamento jurídico deva aspirar ser um sistema de normas racionais, claras, facilmente aplicáveis, certas, coerentes entre si, e completamente sem lacunas. Se examinamos os vários aspectos da análise da qualidade da regulação, as váriadas operações de drafting formal e substancial e ainda, as diversas regras da legística, não se pode deixar de extrair que se trate de uma atividade tendencialmente direcionada em assegurar a montante, no momento da formação das proposições normativas, àquela da racionalidade, clareza, facilidade de aplicação, certeza, coerência, que assumem as caracteristicas de um sistema normativo ideal, que conforme discorremos anteriormente, recordando os princípios afirmados pelos autores “clássicos”.
No entanto, para o caso do nosso estudo, este objetivo permanece cunhado no código genético da União Européia, “a harmonização das legislações nacionais”[38] solicitada pelo Art. 100 ss. do Tratado CEE. Que na verdade, não poderá ser concretizado através de um modelo comum de referência, mas por um parâmetro compartilhado por todos os membros, não só sobre o conteúdo ou no raio da excursão do direito europeu, mas também, em relação à qualidade das suas regras jurídicas e o seu grau de clareza.
De certa forma, a partir deste artigo supra citado, nasce a exigência metodológica em afrontar os males que revestem a lei em uma dimensão integrada, nacional e européia ao mesmo tempo. Na verdade, o Tratado exige que a uniformidade seja estudada e perseguida com a finalidade de atingir os escopos comunitários, não uma uniformidade neutra, mas levando em conta os objetivos comunitários.
Porém, é bom frisar que estabelecer um padrão europeu à compreensibilidade das normas legislativas, que possa impor-se sobre os diversos Parlamentos da União, tanto da sede mais alta como das periféricas, corresponde também a dimensão integrada para a finalidade objetivada no artigo referido do tratado. A título de exemplo, citamos dois casos para reforçar a afirmação anteriormente citada; na Itália e na França o emprego de “hífens” para exprimir subdivisões aos parágrafos é proibido pelas diretivas nacionais sobre as redações das leis; já ao invés, às comunitárias consentem, colocando ainda a necessidade em estabelecer regras acordadas e aprovadas por unanimidade. Um segundo exemplo, (é positivo ou não que as leis sejam precedidas por uma motivação expressa?), na Grã-Bretanha o já citado Renton Report recomenda o uso, porque isso eliminaria a raiz das dúvidas e ambiguidades, sobre o escopo do qual o ato legislativo se dirige melhorando ainda, a clareza dos objetivos; ao contrário porém, nos países de língua germânica que preferem o oposto com esta atitude, ecoa sem dúvida a antiga máxima de Seneca que segundo ele “em uma lei o preâmbulo é inútil e desnecessário, porque introduz normas que disputam ao invés de comandar”[39].
De certa forma, para atenuar os exemplos acima, os regulamentos, as diretivas e outros atos comunitários são sempre motivados, procurando atenuar as controversias interpretativas que fatalmente acompanham a necessidade de transpô-las em vários idiomas dos Estados Membros da União Européia, porém como discorre Dickmann, “em um ordenamento normativo interlinguístico como aquele que vêm-se edificando, é de se esperar que a regra em questão, cedo ou tarde será generalizada[40].
Deste modo, pode-se deduzir que, dos casos emblemáticos que citamos anteriormente, a objetivação de uma unificação dos critérios para a confecção das leis, que emana da própria estrutura jurídica européia, poderá somente obter finalmente os êxitos pretendidos, quando consiguir alcançar um porto seguro na unidade política dos Países Membros. Sendo assim, mais uma vez, cabe portanto, à política a palavra decisiva.
5. Considerações finais
Em primeiro lugar portanto, prourou-se demonstrar na experiência européia o problema da qualidade da legislação, que é um tema de grande repercursão, e os esforços que têm sido feitos no sentido de melhorá-la, esforços que, deparam-se com notáveis resistências, sem obter consideráveis soluções para o problema. Conhecidos também, são os principais passos que marcaram o caminho percorrido a nível comunitário e que estabeleceram uma abordagem comum pelos países europeus para os problemas da qualidade da regulação. Os temas da; simplificação – seja normativa que administrativa – e da qualidade da regulação; entraram a pelo menos mais de uma década de modo estável na agenda politica e parlamentar das instituições da União Européia.
Desta forma, como já descrito no início do trabalho, não deve-se olvidar a priori, os esforços estabelecidos pelos clássicos em obter uma legislação condizente com a realidade mas, que também devem ser acrescentados outros, intimamente relacionados com a demanda da sociedade contemporânea em constante mudança na busca de uma legisção clara, concisa, eficáz, conexa com aquela da publicidade e da certeza do direito.
Diante do exposto, ainda se percebe que o esfoço está intimamente ligado ao compromisso em fortalecer o Estado de direito, como garantia para uma vida melhor para o indivíduo e para a sociedade. Sendo uma destas condições, senão a mais imporante, para uma “boa democracia” a aceitação que se obtém por parte dos indivíduos e dos sujeitos coletivos, que são governados pelas leis que se criam. A norma clara, não elimina a interpretação, mas sim a facilita. Saber qual ação condiz de acordo com as normas que são regidos tanto para os colaboradores do sistema governamental, como para os cidadãos, significa uma contribuição essencial para a paz e para o desenvolvimento dos povos. Não se pode haver uma norma clara em um sistema jurídico contaminado.
É claro também, que a política apoiada no critério de legislar menos para legislar melhor utilizada expressamente no acordo interinstitucional entre o Parlamento Europeu – Conselho – Comissão, denominado legislar melhor tem por objetivo cumprir com o que foi estabelecido para a criação da União européia. Porém, os anacronismos e as intenções ocultas, devem deixar espaços para a transparência e para a certeza. Não esquecendo ainda, que o Estado somente se ligitima servindo idoneamente os cidadãos.
Doutor em Ciencia Politica pela Università di Pisa, Itália; Pós-doutor em Direito no Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC
Dipartimento di Istituzioni, Impresa e Mercato “A. Cerrai” – IUS/08 Diritto Costituzionale – Universidade de Pisa – Itália
A aposentadoria por invalidez é um benefício previdenciário concedido a segurados que, devido a doenças…
A aposentadoria é um direito garantido a todo trabalhador que contribui para o sistema previdenciário.…
A aposentadoria especial por insalubridade é um benefício previdenciário destinado a trabalhadores que exercem suas…
A revisão de benefícios concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é um direito…
A reforma da Previdência, aprovada em 2019 por meio da Emenda Constitucional nº 103, trouxe…
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), também conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…