Resumo: Este arrazoado tem a intenção de expor algumas ideias sobre a denominada audiência de justificação, usualmente aplicada em casos de faltas cometidas por reeducandos durante o processo de execução das penas, nos moldes da Lei 7.210/84 – Lei de Execução Penal. Segundo observações, decorrentes principalmente do exercício da judicatura perante o Juízo das Execuções Penais por mais de seis anos, tem-se adotado a citada audiência com o fim de atender ao que dispõe o parágrafo 2.º do art. 118 da LEP[1]. Entende-se, de forma abrangente, que a oitiva do condenado deve ser feita na presença do julgador, em audiência especialmente designada para tal fim, pensamento este que se pretende questionar, apontando-se razões de ordem prática e teórica para o possível equívoco. No decorrer do texto será demonstrado que o processo de execução das penas destoa do de conhecimento, sendo esse um dos principais motivos pelos quais deve ser dada especial atenção para o tema em debate. Além disso, discorrer-se-á sobre as deficiências de ordem operacional e logística, intrínsecas do Poder Judiciário, as quais conduzem ao entendimento ora defendido, já que a audiência mencionada está diretamente ligada e depende do aparato do qual se serve o Judiciário para prestar o serviço público de distribuição da justiça. Por fim, busca-se provar que nossas conclusões não atentam contra disposições da Constituição da República, em especial aquelas que tratam dos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como devido processo legal, de modo que a audiência, como o deslocamento do interno, movimentação da segurança pública, julgador, membros do Ministério Público, Defensoria Pública, Advogados, entre outros, seria dispensável, podendo perfeitamente ser substituída pela oportunidade do reeducando prestar seus esclarecimentos por meio de defesa técnica, bem como pessoalmente, perante a direção do estabelecimento penal no qual se encontra.
Palavras-chave: Audiência de Justificação. Execução Penal. Princípio da Eficiência. Contraditório e Ampla defesa.
Abstract: Summary: This reasoning is intended to expose some ideas about the audience called justification, usually applied in cases of misconduct by reeducation during the execution of sentences, according to Law 7.210/84 – Penal Execution Law. According to observations, mainly due to the exercise of the judiciary before the Judgment of Sentence for more than six years, has adopted the aforesaid hearing in order to cater to the provisions of paragraph 2. Of art. 118 of lep1. Means, broadly, that the hearing of the offender should be made in the presence of the judge, in a hearing specifically designated for such purpose, thinking that it intends to question this, pointing to practical reasons and for the theoretical possible misunderstanding. Throughout the text will be shown that the process of enforcing penalties clashes of knowledge, being one of the main reasons should be given special attention to the topic under discussion. Furthermore, it will discuss about the shortcomings of operational and logistic intrinsic Judiciary, which lead to the understanding now advocated, since the audience mentioned is directly linked and dependent on the apparatus which serves to provide the judiciary public service delivery of justice. Finally, we seek to prove that our findings do not undermine the provisions of the Constitution, in particular those dealing with the principles of contradiction and ample defense and due process, so that the audience, as the displacement of the internal , handling of public safety, the judge, prosecutors, public defender, lawyers, among others, would be expendable, and can be perfectly substituted for the opportunity of re-educating provide clarification through their defense technique as well as personally, given the direction of the establishment in which it is criminal.
Keywords: Audience of Justification. Criminal Enforcement. Principle of Efficiency. Wide contradictory and defense.
1- INTRODUÇÃO
A Lei de Execução Penal foi elaborada em um período no qual nosso país era dirigido por sistema governamental conturbado, marcado pelo denominado regime militar, que vigorou entre os anos de 1964 e 1985. Como sabemos, a Lei de Execução Penal é de 11 de julho de 1984, quase um ano antes do resgate das instituições e valores democráticos nacionais.
Mirabete relata que foi com fundamento nas ideias da Nova Defesa Social e tendo como base as medidas de assistência ao condenado que se elaborou a então Lei de Execução Penal[2]. A LEP surgiu em um momento em que o país estava próximo do início da retomada da democracia, consagrada posteriormente por meio da denominada Constituição Cidadã, a Carta Política de 1988.
Como era de se esperar, o país não vivia a realidade social, econômica e política dos dias atuais. Perfeitamente viável entender-se que na época da elaboração da lei a disposição do parágrafo 2.º do art. 118 recebesse a interpretação segundo a qual a oitiva do preso que cometesse falta grave deveria ser perante o magistrado, pois não se tinha a complexidade de processos que temos atualmente, a demanda era infinitamente menor, além do que a tendência da época era a maior concentração dos atos na pessoa do julgador, sem delegações ou distribuições de funções, isso justamente em virtude do momento de resgaste da democracia.
Muito mudou desde então, sobretudo no que nos interessa de perto – a realidade do Poder Judiciário. Durante o decorrer dos anos, após a entrada em vigora da Lei de Execução Penal, o país tem experimentado grande crescimento industrial e populacional, acompanhado de muitos problemas sociais, tais como desestruturação das famílias, sexo e prostituição em tenra idade, consumo excessivo e exponencial de drogas, com o aparecimento, a cada dia, de novas substâncias mais nocivas e acessíveis à população de baixa renda, entre tantos outros fatores que poderiam ser aqui citados.
Com isso, o que temos presenciado é o espantoso crescimento do número de demandas criminais que aportam no Judiciário, de modo que vivemos tempos de crises, no nosso caso, do sistema punitivo e prisional do Brasil.
Como é de nosso conhecimento, o aperfeiçoamento das instituições estatais não acompanhou a evolução da sociedade, seja em nível quantitativo e qualitativo. Com isso, queremos dizer que o Poder Judiciário estava preparado para todas as novidades sociais pelas quais estamos passando.
A Emenda Constitucional 45, na tentativa de corrigir alguns desvios do Poder Judiciário, estabeleceu, entre tantas outras coisas, que a todos são assegurados a razoável duração do processo e a celeridade de sua tramitação.[3]
A previsão constitucional sobre a razoável duração do processo deixa claro que a maior preocupação da comunidade jurídica, nos últimos anos, tem sido a celeridade processual, pois dela depende a própria efetividade do processo.
Outra grande inovação da EC 45 foi a criação do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, órgão que passou a integrar a estrutura do Poder Judiciário, composto por representantes dos diversos seguimentos que atuam perante tal poder, tendo como uma de suas funções normatizar, regular, fiscalizar e otimizar a prestação jurisdicional nos diversos níveis.
Em 1984 o contexto social era muito distinto daquele que vivemos hoje. Os tempos eram outros, pois não se trabalhava em massa como hoje se faz. Os computadores eram realidade muito distante do Poder Judiciário. A internet também é algo muito recente na história desse poder.
Atualmente se trabalha com os denominados processos virtuais, os quais dispensam meio físico, ou seja, papel. As assinaturas são digitais e pode-se visualizar os autos de qualquer local no qual exista acesso à internet. Como vemos, vivemos situação diametralmente oposta à de 1984 e em razão disso é que entendemos, como faz a doutrina especializada[4], que a interpretação da legislação deve acompanhar a evolução da sociedade, pois o Direito, como sabemos, é dinâmico, não estático, cabendo ao intérprete retirar do ordenamento o melhor resultado possível, em termos de eficiência e resultados.
2 – AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO
A denominada audiência de justificação não está prevista de forma expressa em nosso ordenamento jurídico, tratando-se de criação doutrinária e jurisprudencial, em atenção ao conteúdo do já citado parágrafo 2.º do art. 118 da Lei de Execução Penal[5].
O dispositivo em questão diz que nos casos de crime doloso e falta grave o reeducando, antes do julgador decidir sobre eventual regressão de regime, deve ser ouvido (grifo nosso).
Desta disposição normativa que se originou a ideia de que o reeducando, quando pratica fato definido como crime doloso ou falta grave, deve ser trazido até a presença do juiz, a fim de que possa, pessoalmente e com suas próprias palavras, esclarecer os fatos a ele imputados e eventualmente apresentar suas justificativas. A interpretação que se tem dado ao termo “ouvido” é literal, ou seja, o reeducando deve ter a oportunidade de verbalizar, na presença do magistrado, as razões que o levaram a descumprir as condições do regime prisional.
Na prática, segundo a interpretação em questão, a oitiva pessoal do reeducando não dispensa a presença e manifestação da defesa técnica, sendo causa de nulidade a sua ausência no ato.
O entendimento de que é necessária a audiência mencionada funda suas raízes nos princípios do contraditório e da ampla defesa, porém, como tentaremos demonstrar no próximo tópico, a substituição da audiência pessoal do condenado pela manifestação da defesa técnica e mesmo inquirição do reeducando perante a direção do estabelecimento penal não causa nenhum prejuízo em relação aos princípios constitucionais citados. Trata-se de mera adequação do ato à própria sistemática do processo de execução penal, distinto em sua essência do processo de conhecimento, no qual se realiza o acertamento do mérito da acusação.
3 – RAZÕES PARA A DISPENSA DA AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO
Inicia-se o presente tópico com a afirmação de que o legislador, quando estabeleceu a necessidade de oitiva prévia do reeducando, não previu que o ato deveria se realizar na presença do juiz, por meio de inquirição pessoal do sentenciado. Tal fato caracteriza o que se convencionou denominar de silêncio eloquente (grifo nosso), ou seja, a lei não contém palavras inúteis e muito menos deixa de prevê-las sem razões para tanto.
O fundamento primordial da nossa tese está no fato de que no processo de conhecimento temos um título penal executivo, por meio do qual foi imposta uma pena ao sentenciado, decisão esta acobertada pelo manto da coisa julgada. Trata-se de realidade muito distinta do panorama que encontramos no processo de conhecimento, pois neste o Ministério Público ou a parte autora apresenta a acusação, bem como as provas que segundo eles são hábeis a comprovar os fatos descritos na denúncia. Em contrapartida, o acusado irá se defender, seja pessoalmente, por meio do ato denominado interrogatório, seja por meio da sua defesa técnica, imprescindível para a validade do processo e eficácia da sentença a ser prolatada.
No processo de execução penal, ao contrário, já se tem definição quanto à condenação, de modo que a solução dos incidentes não pode receber o mesmo tratamento dispensado no caso do processo de conhecimento, com abertura ampla para cognição, pois se assim for a integralidade do título executivo penal estará comprometida. Durante o processo de execução das penas, segundo pensamos, a solução das questões e incidentes deve ser sumária, com cognição limitada, porém sem ofensa aos já citados princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.
Prova de que o tratamento dado aos fatos jurídicos no processo de execução penal é distinto daqueles ocorridos no processo de conhecimento é que a jurisprudência não exige trânsito em julgado do processo tido por fato doloso e que teria dado causa à revogação do regime.[6]
No caso da necessidade de oitiva prévia do reeducando antes de eventual regressão de regime, a comparação inevitável a ser feita é entre a denominada audiência de justificação, por nós tida por dispensável, e o ato de interrogatório, próprio do processo de conhecimento.
O art. 185 do Código de Processo Penal estabelece que: O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.[7]
Percebe-se que a opção do legislador foi muito clara ao mencionar que o ato deve ser praticado na presença do julgador (grifo nosso) e não deixou qualquer margem de dúvida para entendimento em sentido contrário, o que não acontece com o § 2.º do art. 118 da LEP, no qual o legislador exigiu que o reeducando seja previamente ouvido, sem fazer qualquer menção sobre a necessidade de audiência e muito menos presença da autoridade judiciária.
Cumpre mencionar também que a jurisprudência tem dirigido o foco, quando o assunto é audiência de justificação, para sua exigência ou não, como condição de regressão cautelar do regime e quanto a esse aspecto o entendimento que se pacificou em nossos Tribunais Superiores é no sentido de que a regressão cautelar de regime, ou seja, aquela feita logo após comunicação da falta disciplinar, independe de oitiva do sentenciado.
Neste sentido:
“Habeas Corpus. Execução de pena privativa de liberdade. Cometimento de falta grave. Fuga. Regressão cautelar para regime prisional mais gravoso. Possibilidade. Inaplicabilidade da regra contida no § 2º do art. 118 da Lei nº 7.210/84. Precedentes. Procedimento administrativo disciplinar. Ocorrência. Ordem denegada. "A fuga do condenado justifica a regressão cautelar para o regime fechado, sendo certo que, por óbvio, se houve fuga não há como acenar com a oitiva prévia disposta no art. 118, § 2º da Lei de Execução Penal" (HC 84.112/RJ, rel. min. Ellen Gracie, DJ de 21.05.2004), a qual somente é exigida na hipótese de regressão definitiva. Ademais, constam dos autos informações acerca da regular realização de processo administrativo disciplinar destinado à apuração da falta grave e à regressão ao regime fechado para cumprimento da pena. Ordem denegada”.[8]
“EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. FALTA GRAVE. REGRESSÃO CAUTELAR DEREGIME, SEM A PRÉVIA OITIVA DO CONDENADO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DECONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. I. Caracterizada a prática de infração disciplinar de natureza grave, a cautelar regressão de regime pode ser realizada antes da oitiva do condenado, em razão do teor do § 2.° do art. 118 da Leidas Execuções Penais. II. Não ofende os postulados da ampla defesa e do contraditório aregressão do regime prisional imposto ao condenado, quando ocorre odescumprimento das condições impostas à manutenção do benefício, entre elas a de não praticar novo crime doloso ou falta grave. III. A conclusão do procedimento para apuração de falta grave, com a oitiva do apenado, antes da determinação da regressão do regime, somente se faz indispensável quando se tratar de medida definitiva. Precedentes. IV. Ordem denegada”.[9]
Ocorre que a questão específica da qual ora se trata, apenas vez ou outra é ventilada, normalmente de forma indireta, sem que exista debate mais aprofundado sobre algumas nuances que ora são colocadas para apreciação dos leitores.
As discussões sobre a imprescindibilidade ou não da audiência de justificação, a comparação entre ela e o ato de interrogatório, sua substituição por manifestação escrita, entre outras, são praticamente inexistentes na jurisprudência dos nossos Tribunais. Como se disse, o tema tem sido visto por outro prisma.
No que toca à regressão cautelar, não resta a menor dúvida de que ela é possível antes da prévia oitiva do sentenciado, mas o que se pretende perscrutar é como essa oitiva deve ser feita. Para o autor deste texto, como afirmado alhures, não é imprescindível a presença da autoridade jurisdicional, bem como não é causa de nulidade a ausência de oportunidade de verbalização pessoal do reeducando, perante o julgador, sobre eventuais justificativas que tenha em relação ao cometimento da falta disciplinar a ele imputada.
Assim é em razão da presunção de veracidade em favor do Poder Público, decorrente do título executivo penal pré-constituído, no caso uma sentença penal condenatória, a qual impôs ao reeducando a pena que aos órgãos da Execução Penal incumbe a fiscalização.
Em vista de existir tal presunção em favor do Estado, diga-se, guia de recolhimento, é que os Tribunais Superiores reconhecem a possibilidade de regressão cautelar, pois há inversão do ônus da prova, devendo o reeducando comprovar a não ocorrência da infração disciplinar que a ele é imputada. Pela mesma razão é que se acredita não ser necessária a inquirição prévia, pessoal, perante a autoridade jurisdicional, do reeducando, quando se estiver diante da situação prevista no inciso I do art. 118 da LEP.[10]
Percebe-se que a audiência de justificação foi uma prática que se disseminou no meio forense, fundamentada na necessidade de inquirição prévia do reeducando na presença do julgador, a fim de que, frente a frente com este, pudesse apresentar, verbalmente, eventuais justificativas pela falta disciplinar em apuração.
Mais uma vez afirmamos: em momento algum a Lei fala em audiência, muito menos presença do julgador para que o reeducando possa apresentar eventuais justificativas.
Na verdade, o que temos neste caso é uma daquelas situações nas quais o ato vem sendo praticado há anos no meio forense, pois em momento algum foi questionado em termos de efetividade prática e mesmo previsão legal. Toma-se a praxe como a única forma de se praticar o ato, deixando-se de se questionar sobre as consequências do hábito adotado.
O parágrafo 2.º do art. 118 da Lei de Execução Penal apenas prevê a oportunidade para que o reeducando possa apresentar suas justificativas, ou seja, exercer o contraditório e a ampla defesa.
No que se refere ao meio processual para tal defesa, entende-se, com a vênia necessária, que deve ser por meio da defesa técnica e da inquirição do reeducando, mediante declarações prestadas perante a direção do estabelecimento penal, ato este que pode ser perfeitamente acompanhado por seu defensor, seja ele público ou particular.
Aliás, sempre que uma falta disciplinar é cometida, é da praxe a instauração de procedimento próprio perante a autoridade administrativa incumbida da fiscalização do cumprimento das penas, embora a ausência deste não seja causa de nulidade, segundo entendem nossos Tribunais[11], desde que oportunizada defesa pelo órgão jurisdicional antes da decisão sobre regressão de regime.
Na Comarca na qual o autor do texto exerce a função jurisdicional, como é de conhecimento dos profissionais que por aqui militam, tem-se adotado a prática de expedir ofício à Unidade Prisional em que se encontra o preso, a fim de que sejam colhidas as declarações por termo, assinado pelo reeducando. Tais declarações são juntadas aos autos e logo em seguida é dada vista para a defesa técnica se manifestar, sendo que em tal oportunidade podem ser apresentadas todas as provas que se julguem necessárias para a apuração da falta imputada. Nada impede também que a própria defesa técnica antecipe-se e compareça à Unidade Prisional para a colheita das informações e justificativas do reeducando, as quais deverão ser apresentadas por escrito nos autos, evitando-se a designação da citada audiência de justificação (grifo nosso).
A insistência na referida audiência enfraquece a utilidade prática da defesa técnica, a qual tem o dever se assistir o reeducando durante todo o procedimento de cumprimento da pena.
As medidas adotadas decorrem da verificação, durante anos à frente da Execução Penal nesta e em outra Comarca, de que a designação e realização da audiência de justificação somente acarreta transtornos à máquina judiciária e vai contra a eficiência que se espera do Poder Judiciário. Ofende o mandamento da Emenda Constitucional 45, segundo a qual deve ser assegurado tempo razoável de duração do processo e meios que promovam a sua celeridade.
Não se pode comparar o processo de execução penal com o de conhecimento, bem como o interrogatório, típico deste, com a oportunidade do reeducando de ser ouvido previamente em caso de falta grave que pode, em tese, acarretar a regressão de regime prisional. No caso da execução penal há o título executivo já constituído, o qual é produto de um processo de conhecimento, razão pela qual o tratamento naturalmente é outro para os incidentes que vierem a ocorrer no curso da execução da pena.
Sobre a logística envolvida na realização de audiências de justificação, a título de exemplo, em nossa Comarca, relativamente pequena, o Estabelecimento Penal está localizado há alguns quilômetros do prédio do Fórum, o que demanda gastos em relação à realização da audiência e transporte de presos para audiências. Além disso, é necessária a utilização de uma viatura policial para o deslocamento, bem como a designação de no mínimo 02 (dois) policiais para realizarem a escolta, sendo de conhecimento público que esta pequena Comarca tem sofrido demasiadamente com a parca quantidade de policiamento ostensivo, de modo que uma viatura e dois policiais fora das ruas causa grande impacto no segurança pública. Cumpre salientar que esta não é uma realidade vivida somente por esta Comarca, mas é sentida por diversas outras, neste e nos outros Estados no país.
Ainda sobre o aspecto operacional que envolve a audiência questionada, segundo informações colhidas junto à Direção do Estabelecimento Penal da nossa Comarca, para a retirada e ingresso de presos no estabelecimento penal é necessária a movimentação da população carcerária e destacamento de agentes penitenciários para a realização do ato, o que exige logística por parte das autoridades públicas incumbidas da fiscalização do cumprimento da pena. Além disso, é de suma importância esclarecer que toda retirada de preso do estabelecimento penal gera riscos de fuga e de incidentes.
Talvez a utilização do sistema de videoconferência[12] poderia minimizar os problemas nos casos em que fosse necessária a inquirição dos réus, mas mesmo que tal sistema estivesse em funcionamento por aqui, pensa-se que não há razão para a insistência na realização de ato que tem se mostrado ineficaz e que somente gastos e ônus acarreta para a máquina judiciária, sobretudo em relação ao tempo gasto pelo magistrado, servidores e demais sujeitos processuais, bem como todo o aparato necessário para o transporte do preso.
Outro dado que merece ser considerado é que as justificativas que eventualmente são apresentadas pelos reeducandos em tais audiências são, em quase sua totalidade, despidas de qualquer fundamento, reforçando posição a afirmação da quase inutilidade prática da audiência de justificação nos moldes citados. Via de regra, a realização do ato constitui-se em medida meramente burocrática, podendo ser perfeitamente substituído pela manifestação escrita do reeducando e da defesa técnica.
Embora nossa jurisprudência seja tímida em apreciar a questão ora posta, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal já o fez, oportunidade em que endossou o entendimento que ora defendido. Pronunciou-se assim aquele órgão jurisdicional:
“Processo Penal: Execução penal. Regressão de regime. Ampla defesa do apenado. Não significa ser o mesmo levado fisicamente à presença do juiz. Ordem denegada. A LEP quando fala em seu artigo 118, § 2º em ouvir o condenado não quer dizer que o mesmo seja levado necessariamente à presença do Juiz para apresentar sua oposição técnica ao pedido de regressão requerido pelo MP. Quando a Constituição fala em amplo direito de defesa significa que o acusado tem todo o direito de ser ouvido pelo Juiz, mas não no sentido literal da palavra de ser levado ao vivo à frente do Juiz para expor pessoalmente suas razões, e sim o de ter acesso à defesa técnica que poderá defendê-lo da pretensão da outra parte da relação processual penal. Não há qualquer ilegalidade praticada pelo Juiz em não fazer audiência pessoal com o apenado nas hipóteses do artigo 118, § 2º, da LEP. Ordem denegada.”[13]
O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná também já decidiu neste sentido, conforme aresto abaixo transcrito:
“RECURSO DE AGRAVO. EXECUÇÃO PENAL. PRÁTICA DE FALTA GRAVE. FUGA DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL. REGRESSÃO PARA O REGIME FECHADO. OITIVA PESSOAL DO CONDENADO. PRESCINDIBILIDADE. JUSTIFICATIVA APRESENTADA POR ESCRITO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. IMPOSIÇÃO DE REGIME MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE. ART. 118, I, DA LEP. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Na regressão de regime, pelo cumprimento de falta grave, a apresentação da justificativa por escrito dispensa a prévia oitiva pessoal do condenado, mediante audiência de justificação, principalmente quando não demonstra que, na presença do juiz, possa acrescentar algum outro dado ou explicação. 2. O cometimento de falta grave, como é o caso de fuga de estabelecimento prisional, justifica a regressão de regime, ainda que mais gravoso do que o imposto na sentença”.[14]
Nota-se que o autor não é voz isolada, embora seja necessário reconhecer que o entendimento aqui exposto seja minoritário.
Por fim, a supressão da audiência de justificação, desde que exista garantia de manifestação escrita e eventual inquirição do reeducando perante a direção do estabelecimento penal, não ofende os primados do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. Nos dizeres de Eugênio Pacelli de Oliveira enquanto o contraditório exige a garantia de participação, o princípio da ampla defesa vai além, imponto a realização efetiva dessa participação, sob pena de nulidade, se e quando prejudicial ao acusado.[15]
Dos dizeres do doutrinador, assim como de toda a doutrina que trata do assunto, extraímos que contraditório significa possibilidade de participação e ampla defesa, para fins do direito processual penal, que tal participação seja efetiva. Em outras palavras, o reeducando deve ter a oportunidade de se manifestar sobre a falta disciplinar que lhe é imputada, seja pessoalmente, mediante eventual declaração a ser prestada perante a autoridade penitenciária, seja por meio da sua defesa técnica, imprescindível para a validade e eficácia dos atos a serem praticados no processo, sobretudo decisão sobre regressão ou manutenção do regime prisional.
Ainda da doutrina especializada[16] colhemos o seguinte ensinamento:
“Com relação à autodefesa, cumpre salientar que se compõe ela de dois aspectos, a serem escrupulosamente observados: o direito de audiência e o direito de presença. O primeiro traduz-se na possibilidade de o acusado influir sobre a formação do convencimento do juiz mediante o interrogatório. O segundo manifesta-se pela oportunidade de tomar ele posição, a todo momento, perante as alegações e as provas produzidas, pela imediação com o juiz, as razões e as provas.”
Do trecho acima percebe-se que quando é feita menção à presença do réu perante o julgador o ato é retratado como interrogatório e acompanhamento da produção das provas, isso no processo de conhecimento. A contrario sensu, no processo de execução penal não se aplica o mesmo regramento, sendo de todo dispensável a presença do réu frente a frente com o magistrado. A presença de defesa técnica efetiva, bem como a oportunidade do reeducando ser inquirido perante a autoridade penitenciária, supre e atende aos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.
4 – CONCLUSÃO
Em razão do que foi exposto, concluí-se que a realidade social e do Poder Judiciário não é mais a mesma do período em que a Lei de Execução Penal foi editada e entrou e vigor. Muitos fatores influenciaram na mudança de diversos paradigmas então existentes, trazendo a necessidade de que o modelo processual, especialmente da execução de penas, também fosse adaptado.
Conceitos e dogmas arcaicos não mais sobrevivem no atual cenário, sobretudo aqueles que vão contra os mandamentos constitucionais direcionados à melhoria da prestação jurisdicional, comandos que exigem tempo razoável de duração dos processos e meios que asseguram sua celeridade.
Com base em tais premissas é que se defende a inutilidade prática da audiência de justificação, podendo e devendo ser dispensado tal ato, uma vez que não há qualquer ofensa aos princípios do contraditório e ampla defesa, pois é assegurada, por outros meios legítimos, a participação pessoal do reeducando, bem como sua influência no resultado do processo, por meio da defesa técnica.
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