Lisiane Guerin da Rocha – Bacharel em Direito pela Universidade Luterana do Brasil e Pós Graduada em Benefícios e Prática Previdenciária (email: lisianeguerin@gmail.com)
Resumo: O presente artigo tem como objeto demonstrar a desigualdade nos critérios de concessão de dois benefícios de cunho assistencial, e suscitar a aplicabilidade do critério de idade de 60 anos,para concessão de Benefício de Prestação Continuada, previsto no artigo 20 da lei 8.742/93. Considerando a similaridade do BPC e do benefício assistencial concedido aos trabalhadores portuários com 60 anos de idade que não preencheram os requisitos de aposentadoria e comprovam incapacidade de prover sua subsistência. Desta forma entende-se aplicável a ambos os benefícios à mesma idade, por respeito ao principio da igualdade consagrado pela Constituição Federal.
Palavras – chave: Benefício de Prestação Continuada. Beneficio Assistencial ao Trabalhador Portuário. Principio da Igualdade.
Abstract: The purpose of this article is to demonstrate the inequality in the granting of two welfare benefits and to raise the applicability of the age criterion of 60 years, for granting the benefit of continuous provision, provided for in Article 20 of Law 8.742 / 93. Develop a similarity of BPC and obtain assistance benefit granted to port workers with 60 years of age who do not fulfill the retirement requirements and prove the inability to prove their subsistence. In this way, it is possible to apply both benefits of the same age, out of respect for the consumption principles enshrined in the Federal Constitution.
Keywords: Continued Installment Benefit. Port Worker Assistance Benefit. Principle of Equality.
Sumário: Introdução 1. As singularidades entre previdência social e assistência social. 1.2 Criação de benefícios sem previsão constitucional. 1.3 Critério de idade que melhor atende aos princípios constitucionais e assistenciais de isonomia. Conclusão. Referências.
Introdução
O presente trabalho tem o objetivo de analisar a aplicação desigual de critérios de concessão de benefícios assistenciais, além de discutir o conflito legislativo na criação de leis que impõem limitadores de direitos. Nesta senda, é perceptível que o beneficio de prestação continuada – BPC, regulado pela lei 8.742.93, Lei Orgânica da Assistência Social, concede benefício ao deficiente ou idoso maior de 65 anos de idade, e que comprovem não possuir meios de prover sua subsistência ou tê-la provida por sua família, estando em situação de verdadeira miserabilidade, com critério de concessão do benefício com renda de ¼ de salário mínimo per capita. De outro lado, compara-se com o benefício assistencial concedido ao idoso maior de 60 anos, que não tem condições de prover sua subsistência, e foi trabalhador portuário avulso, conforme previsão da lei 9.718/98 e Lei nº 12.815 de 2013.
O conflito de normas em questão viola o princípio da igualdade previsto na constituição Federal e também a finalidade para que foram criados os benefícios assistenciais, qual seja a vulnerabilidade social dos indivíduos.
Para tanto, no primeiro capítulo inicia-se porarrazoado das principais distinções entre a Assistência Social e Previdência Social, bem como, sintetizando os princípios norteadores de avaliação e concessão de benefícios e seu real propósito.
O segundo capítulo ocupa-se em discorrer sobre a constatação de que leis infraconstitucionais causam limitações de direito, que não estão contempladas pela Constituição Federal e seguem com plena aplicabilidade no mundo jurídico, com critérios que não são isonômicos e geram injustiça social.
O terceiro capítulo se discute sobre a falta de previsão constitucional de criação de normas e por fim, no último capitulo levanta-se diametralmente a reflexão acerca do beneficio assistencial do trabalhador portuário, benefício este que não consta na lei 8.742/93 – LOAS, comparando ao próprio benefício de prestação continuada, e suscitando a aplicabilidade da faixa etária de 60 anos para a concessão de ambos os benefícios. Demonstrando que os princípios basilares, os verdadeiros fundamentos de proteção ao mínimo existencial, nascidos com a Constituição Federal, e ensejadores de benefícios assistenciais, possuem maior efetividade, concretizando seu verdadeiro intuito. Provoca-se a reflexão quanto à razão que leva a definição da idade de 65 anos para concessão de um beneficio, regulado com limitações infraconstitucionais divergentes, tratando com desigualdade pessoas de idêntica situação social de vulnerabilidade.
A Previdência Social, e a Assistência Social são institutos jurídicos diferentes, que fazem parte do sistema de Seguridade Social Brasileiro, juntamente com a saúde.
Ao pensarmos em Previdência Social, uma fria análise do termo já pode nos remeter ao sentido da mesma. A Previdência Social vem do termo previdente, ou seja, demanda planejamento previdenciário, planejamento de contribuições para o sistema custear benefícios, seguindo o princípio da solidariedade.
Todos os benefícios concedidos pela Previdência Social pressupõem uma contribuição previdenciária prévia dos segurados, com exceção aos casos de dependentes que também podem receber benefícios como, por exemplo, a pensão por morte, entretanto, de maneira geral a Previdência Social é alavancada por seu caráter de contribuições advindas de diversas fontes de custeio. Assim, muito bem leciona Soares (2016):
A previdência social possui lógica totalmente diversa da saúde e da assistência social. Tanto a saúde como a assistência social independem de contribuição direta para que o individuo possa delas usufruir; já a previdência social possui um caráter contributivo, isto é, somente pode gozar de seus benefícios quem contribui diretamente para a previdência social na qualidade de segurado, ou se caracteriza como seu dependente. Portanto, a primeira característica da previdência social é a contributividade (SOARES, 2016, P35.).
A lei 8.213/91, que dispõe sobre o plano de benefícios da previdência social, traz em seu artigo 1º a definição de finalidade da previdência social:
A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.
Neste sentido, a autarquia federal – Instituto Nacional da Seguridade Social – INSS, tem como dever, assegurar ao requerente a concessão do melhor benefício, objetivando resolver a situação de vulnerabilidade que o segurado está exposto.
Um dos fundamentos que regem a previdência social é a solidariedade, desta forma a preservada dignidade da pessoa humana, protegida pelo sistema não é tarefa apenas do poder estatal, mas de todos. O sistema de seguridade social traz em seu bojo a intenção de garantir ao segurados (tratando-se sobre previdência) e aos que não são segurados e estão incapazes de prover sua vida por deficiência ou idade superior a 65 anos (resguardados pela assistência social), um mínimo existencial, assim coloca Bittencourt (2019):
De plano, parece restar claro que o mínimo a ser verificado em casos de benefício previdenciários é diverso do que se deve plantear em casos de benefício assistencial. Deve-se, decididamente, garantir também esse mínimo existencial fundamental, porém, muitas vezes, deve o interprete ir além. A título de exemplo, a verificação de efetivação de dignidade nos casos de aposentadoria por invalidez, após a constatação de impossibilidade de readaptação para a atividade que lhe garanta subsistência, é diversa daquela a ser observada nos benefícios assistências a pessoa com deficiência […] (BITTENCOURT, 2019, P.36)
Além disso, deve-se destacar que a Previdência Social não se limita ao Regime Geral de Previdência Social, possui caráter contributivo e é de filiação obrigatória aos que exercem atividade laboral, diferentemente da Assistência Social.
Neste sentido consta a lição de Ibrahim (2015):
A Previdência Social brasileira compreende os regimes básicos (compulsórios) e os regimes complementares (facultativos). Os regimes básicos são o Regime Geral de Previdência Social e os Regimes Próprios de Previdência Social. O INSS ocupa-se tão somente do RGPS (IBRAHIM, 2015, P.253).
Visto isso, ao adentrarmos nas características da assistência social, pode-se dizer que a mesma é bem mais sensível as questões sociais dos indivíduos do que a previdência, uma vez que seus benefícios visam definitivamente auxiliar aos desamparados, os que passam por situação social de vulnerabilidade, a ponto de não conseguir viver de forma minimamente digna, princípio fundamental assegurado pelo artigo 1º, inciso III da Constituição Federal.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 1988)
Os benefícios assistenciais amparados pela Lei Orgânica da Assistência Social, são fundados em preceitos constitucionais, sendo a Constituição expressa a garantir amparo a quem dela necessitar. Assim leciona Bittencourt (2019):
A interpretação da expressão constitucional já demonstra o alto grau de vulnerabilidade social dos destinatários das prestações assistenciais, pois todo e qualquer pessoa que venha a necessitar auxílio devera receber essa especial proteção do Estado, independentemente de ter vertido contribuições para o sistema de proteção social (BITTENCOURT, 2019, P.32).
Seu fundamento pauta-se no fato de que todas as pessoas devem prestar assistência mútua. A solidariedade é um dos princípios mais importantes que norteia a assistência social, sendo forte a característica da proteção coletiva. Conforme dispõe o artigo 4º da Lei 8.742/93 são princípios da Assistência Social:
Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:
I – supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica;
II – universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;
III – respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;
IV – igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;
V – divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão (BRASIL, 1993).
Além de seus próprios princípios elencados na Lei Orgânica da Assistência Social, a Assistência Social, é norteada por princípios constitucionais, como: solidariedade, igualdade, legalidade e dignidade da pessoa humana, cidadania, liberdade, respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana.
De forma geral, a Previdência Social vem para amparar riscos sociais como, incapacidade por doença, idade avançada, morte, desemprego, no entanto abarca apenas aos que fazem parte do sistema de contribuição, ou seja, enquanto o trabalhador estiver apto para exercer suas funções laborativas, faz parte do sistema previdência social. Neste sentido, quando não estiver mais em condições de seguir a sua vida laborativa, ou em caso de morte, a previdência social lhe dará assistência, concedendo beneficio aos seus segurados ou aos seus dependentes.
De outrora, a assistência social, te o intuito de manter as necessidades básicas dos indivíduos sem qualquer distinção, considerando apenas critérios deficiência ou idade superior a 65 anos, cumulativamente com a comprovação de situação de extrema pobreza, conforme artigo 2º alínea “e” da LOAS.
Em outras palavras, a assistência deve servir a quem dela necessita para suprir suas necessidades básicas, mas o que seriam essas necessidades, Bittencourt (2019), explica:
Não há, em verdade, como trabalhar o termo “necessidades básicas” dentro de uma visão limitada, hermeticamente fechada, objetiva, pois a necessidade básica de cada um se altera diante da multiplicidade de situações reais que se apresentam na vida das pessoas, seja em decorrência do local (espaço geográfico) em que vivem, seja pela questão cultural que os cerca, o grau de deficiência, enfim, pelas contingências da vida (BITTENCOURT, 2019, P.32).
A grande diferença entre a previdência e a assistência social se encontra em sua abrangência de cobertura, sendo a previdência para um grupo seleto que verte contribuições e mantem-se com qualidade de segurado para que possa pleitear qualquer benefício, e de outro lado à assistência que concede apoio aos mais necessitados, que estão desamparados, em situação de verdadeira vulnerabilidade.
Nota-se que a Assistência Social tem o objetivo de atender a todos que necessitarem sem distinções inclusive, a lei 8.742/1993, não possui qualquer impedimento para esta concessão de benefícios ia estrangeiros,partindo do pressuposto que a Constituição Federal determina igualdade entre estrangeiros e nacionais, é admitido que o beneficio de prestação continuada seja concedido a estrangeiros, respeitando o princípio fundamental constitucional da dignidade da pessoa humana.
1.2 CRIAÇÃO DE BENEFÍCIOS SEM PREVISÃO CONSTITUCIONAL
Por vezes, nosso Poder Legislativo cria leis incongruentes e as normas acabam por ser contraditórias entre si. Assim, cabe aos juristas e ao Poder Judiciário a análise hermenêutica a fim de, à luz da finalidade da norma, determinar sua aplicabilidade e garantir sua efetividade.
Nesta senda, encontramos no âmbito da Assistência Social situações que não se coadunam com a realidade fática, e assim geram desigualdades, ferindo o princípio constitucional da isonomia, como no caso em tela em que se discutem dois benefícios semelhantes de caráter assistencial com critérios de concessão por idade distinta.Benefício de Prestação Continuada – BPC – instituído pela Lei Orgânica da Assistência Social possui previsão constitucional do art. 203, inciso V da Constituição Federal, ex vi:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (BRASIL, 1988).
Conforme se verifica no inciso V, a Constituição estabelece agarantia de um salário mínimo àpessoa portadora de deficiência e ao idoso, ambos que não puderem prover aseu sustento. Este benefício veio a ser regulado por lei conforme já dispunha a constituição.
Ocorre que a lei 8.742/93 – LOAS instituiu o critério de idade de 65 anos de idade para concessão deste benefício. No entanto, a Carta Magna ao mencionar apenas “idoso”, qual juridicamente em observação ao estatuto do idoso, este se trata da pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, embora no mesmo CODEX seja feita distinção de benefícios para idade de 60 e 65 anos de idade.
A lei 10.741 de 2003, em seu artigo 1º assim define: “Art. 1o É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos” (BRASIL, 2003).
A Constituição Federal, como se depreende do texto supra colacionado, não estabeleceu restrição quanto à idade, apenas utilizando como referência a expressão “idoso”. Isto é, para concessão do benefício bastaria a pessoa se enquadrar como pessoa idosa. O Estatuto do Idoso estabelece como requisito objetivo a idade igual ou superior a 60 anos.
Além disso, as incongruências no caso em discussão não se limitam a criação de leis restritivas de direitos, mas também incoerências na criação de leis que permitem tratamento desigual a pessoas semelhantes. A lei 9.719/98 prevê em seu art. 10-A, um benefício assistencial ao trabalhador portuário, vejamos:
Art. 10-A. É assegurado, na forma do regulamento, benefício assistencial mensal, de até 1 (um) salário mínimo, aos trabalhadores portuários avulsos, com mais de 60 (sessenta) anos, que não cumprirem os requisitos para a aquisição das modalidades de aposentadoria previstas nos arts. 42, 48, 52 e 57 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e que não possuam meios para prover a sua subsistência. (Incluído pela Lei nº 12.815, de 2013) (BRASIL, 1988).
A lei 9.71998, dispõe sobre normas e condições gerais de proteção ao trabalho portuário, entretanto, cria um novo benefício de caráter assistencial semelhante ao BPC acima descrito, não fazendo parte da Lei Orgânica da assistência Social, tampouco possuindo previsão constitucionalpara sua criação.
Esta lei regula benefício semelhante ao BPC, porém direcionado ao trabalhador portuário e preconiza a idade de 60 anos ou mais para concessão do mesmo.
A lei 95/98 que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos, e leciona em seu artigo 7ºinciso IV:
Art. 7o O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios:
I – excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto;
II – a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão;
III – o âmbito de aplicação da lei será estabelecido de forma tão específica quanto o possibilite o conhecimento técnico ou científico da área respectiva;
IV – o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subseqüente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa (BRASIL, 1988).
Conforme visto, o mesmo assunto não pode ser disciplinado por mais de uma lei exceto quando a posterior servir para complementar a anterior.
No caso em comento a lei 9.719/98 é posterior à lei 8.742/93, e embora não discipline benefícios idênticos, ambas regulam um benefício assistencial ao idoso.
O erro legislativo é latente neste caso, contrariando ao que preceitua o artigo 7º da lei 95/98, o benefício concedido ao trabalhador portuário deveria estar inserido no texto da Lei Orgânica da Assistência Social.
A jurisprudência também já vem discutindo o assunto, analisando a falta de previsão constitucional do benefício:
Anoto, diante da argumentação específica traçada em razões de recurso, que o artigo 10-A, da Lei 9.718/98, não é aplicável
neste caso, pois a autora não foi trabalhadora portuária avulsa. Além disso, a constitucionalidade de referido dispositivo legal é
duvidosa, uma vez que cria uma categoria especial não prevista na Constituição Federal para a concessão de benefício
assistencial, cuja nítida intenção é substituir uma aposentadoria não alcançada, ofendendo também o princípio da igualdade.
O que se extrai é que o dispositivo em comento pretende assegurar um benefício de caráter não contributivo para os
trabalhadores portuários que não lograram alcançar a aposentadoria pelo RGPS.
(5022917-71.2013.4.04.7000, TERCEIRA TURMA RECURSAL DO PR, Relatora FLÁVIA DA SILVA XAVIER, julgado em
16/10/2014)
Como visto no referido acordão, a Relatora Flávia da Silva Xavier, menciona que o dispositivo legal que concede o benefício assistencial ao portuário é de constitucionalidade duvidosa, no entanto, vem sendo concedido normalmente aos trabalhadores portuários que preenchem os requisitos previstos na lei 9.719/98 e posteriormente ratificados pela lei 12.815/03 e regulada pela Portaria Interministerial MDS/SEP/MPS/MP/MF Nº 1 DE 01.08.2014, que traz os requisitos de concessão do benefício:
Art. 2º Para fazer jus ao benefício assistencial o interessado deverá comprovar junto ao INSS – Instituto Nacional do Seguro Social:
I – idade de sessenta anos ou mais;
II – renda média mensal individual inferior ao valor de um salário mínimo mensal, calculada com base na média aritmética simples dos últimos doze meses anteriores ao requerimento, incluindo-se no cômputo a renda proveniente de décimo terceiro salário, se houver;
III – domicílio no Brasil;
IV – quinze anos, no mínimo, de cadastro ou registro ativo como trabalhador portuário avulso;
V – comparecimento, no mínimo, a oitenta por cento das chamadas realizadas pelo respectivo órgão de gestão de mão de obra; e
VI – comparecimento, no mínimo, a oitenta por cento dos turnos de trabalho para os quais tenha sido escalado no período (BRASIL, 2014).
Neste caso, incumbe aos operadores do Direito refletir e levar ao judiciário as incongruências verificadas as diversas leis brasileiras, sendo esta apenas um exemplo.
No entanto, no próximo capítulo busca-se refletir sobre os princípios aplicados a seguridade social e sua melhor utilização comparando os dois benefícios aqui mencionados ecomo vem se manifestando a jurisprudência dos tribunais.
1.3 CRITÉRIO DE IDADE QUE MELHOR ATENDE AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E ASSISTENCIAIS DE ISONOMIA
A Lei 12.815/13 trouxe ao ordenamento jurídico um tratamento diferenciado ao trabalhador portuário, estes normatizados por uma regulamentação específica, que compreende critérios singulares de concessão de benefício assistencial.
O dispositivo legal acima referido veio alterar a Lei nº. 9.719/1998, estabelecendo o recebimento de um benefício assistencial para os trabalhadores portuários. Conforme preceitua o art. 10-A da referida lei, sendo este visto como um avanço importante no aspecto social, dos benefícios de caráter assistencial.
O benefício em tela busca assegurar uma renda mínima aos trabalhadores portuários, principalmente considerando a sazonalidade de cargas de alguns portos, zelando assim pelo seu sustento. Tal benefício é concedido também aos que não alcancem os requisitos do Regime Geral de Previdência Social para aposentadoria.
Importante salientar que a norma que instituiu o benefício assistencial ao trabalhador portuário veio regulamentar a garantia de uma renda mínima que está prevista na Convenção 137 no item 2 do artigo 2 da OIT – Organização Internacional do Trabalho assinada pelo Brasil em Genebra em 27 de junho de 1973, e ratificada em 31 julho de 1995 por meio do Decreto n°. 1.574, in verbis:
Art. 2.(…)
2 – Em todo caso, um mínimo de períodos de emprego ou um mínimo de renda deve ser assegurado aos portuários, sendo que sua extensão e natureza dependerão da situação econômica e social do país ou do porto de que se tratar.
Visto isso, é clarividente a semelhança entre o benefício assistencial concedido ao Portuário, e o BPC concedido nos moldes da Lei n°. 8.742/93 – LOAS.
Sobretudo a maior diferenciação, além do trabalhador portuário em si e que chama a atenção no mundo jurídico, é a idade que cada lei disciplina e qualifica como idoso para fins de concessão do benefício, sendo que no BPC da LOAS, deve o requerente ter 65 (sessenta e cinco) anos, enquanto que no benefício assistencial dos Portuários deve o requerente ter 60 (sessenta) anos.
O tratamento diferenciado concedido ao trabalhador portuário faz emergir uma grande discussão, no sentido de que não somente os operadores portuários teriam direito a referida benesse, mas ecoando os princípios constitucionais de isonomia, o critério de 60 anos de idade utilizado neste benefício, deve ser estendido para outras categorias de trabalhadores, em respeito ao principio da isonomia trazido pela Constituição Federal, qual proíbe tratamento desigual entre as pessoas.
Além disso, deve se considerar também o princípio da igualdade contido no Art. 194, inciso II da Constituição Federal:
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais (BRASIL, 1988)
Sobre os princípios acima debatidos, leciona Mello que:
A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes (MELLO, 2008, P. 14).
O princípio da isonomia que deve nortear a criação de leis pátrias é classificado em isonomia formal e material. Sendo considerada formalaquela igualdade perante a lei vigente e a lei que venha a ser editada. Já a igualdade material é uma igualdade real, verdadeira, concreta, isto é, algo pleno, que resguarda as peculiaridades culturais, emocionais, religiosas de cada ser, em outras palavras a igualdade material é a igualdade formal concreta, utilizada no plano real.
O direito previdenciário, conforme dito possui diversas desigualdades no que concerne as suas normas, entretanto,as desigualdades só se justificam quando foi para efetivar a isonomia material, consagrando o princípio da igualdade.
Diante do aqui exposto, é de se concluir que o requisito etário de concessão de benefício assistencial ao portuário, deve ser estendido aos pretensos recebedores do Benefício de Prestação Continuada, para que não seja admitida a situação atual de desigualdade e injustiça, indo de encontro com o princípio da isonomia.
Conclusão
Este artigo procurou analisar e trazer reflexão, sem esgotar o tema, as desigualdades contidas no ordenamento jurídico, causando prejuízo aos direitos sociais dos mais necessitados, que são os requerentes de benefícios de caráter assistencial. Diante da sistemática incoerente de requisitos para concessão de benefícios e a violação do principio da igualdade consagrado pela Constituição Federal.
Diante da desigualdade legislativa aqui reconhecida, a aplicação dos princípios constitucionais caberá ao poder judiciário, e aos juristasavaliar as questões de realidade fática para melhoria da utilização dos dispositivos legais, que hoje se encontram em contradição latente. O critério de concessão de benefício assistencial não pode conter limitador que gere dificuldades de concessão de benefícios ou desigualdades que não são conhecidas pela lei maior.
Desta forma, a Lei Orgânica da Assistência Social, contraria a própria Constituição Federal, desencadeando uma notável desigualdade de tratamento entre os mais necessitados.
Nesta senda é de clareza solar que o beneficio de prestação continuada – BPC, regulado pela lei 8.742.93, Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, deve ser analisado e concedido levando em conta os critérios de concessão de benefício assistencial ao portuário. Reitera-se que o parâmetro para concessão de benefícios assistenciais, uma vez que a Constituição Federal não determinou qualquer limitação de idade, referindo-se apenas ao termo idoso. Assim fica a reflexão para aplicação da faixa de etária de 60 anos ou mais, conforme o trabalhador portuário, nos Benefícios de Prestação Continuada regidos pela Lei Orgânica da Assistência Social.
Evitando assim que o conflito de normas existente hodiernamente, prejudiquea vida dos cidadãos violando o principio da igualdade e da dignidade da pessoa humana, desconsiderando o intuito maior para criação dos benefícios de caráter assistencial da Seguridade Social que é a proteção dos Direitos Sociais do individuo em situação de vulnerabilidade.
Referências
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BRASIL. PORTARIA INTERMINISTERIAL MDS/SEP/MPS/MP/MF Nº 1 DE 01.08.2014. Dispõe sobre a concessão e manutenção do benefício assistencial devido aos trabalhadores portuários avulsos de que trata o art. 73 da Lei n° 12.815, de 5 de junho de 2013, o art.45 do Decreto n° 8.033, de 27 de julho de 2013.Disponível em: http://www.normaslegais.com.br/legislacao/Port-intermin-mds-sep-mps-1-2014.htm. Acesso em: 24/11/2019.
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