Resumo: Considerando a recente decisão majoritária proferida pelo Supremo Tribunal Federal – STF que considerou ilegal a desaposentação, argumentando que os aposentados que retornaram ao mercado de trabalho não terão direito à correção dos valores recolhidos à Previdência Social, torna-se salutar a discussão sobre a necessidade/obrigatoriedade de devolução dos valores recebidos a maior com a segunda aposentadoria, o que não foi explicitado pela Corte Suprema na decisão. Em que pese o desejo do trabalhador aposentado em retornar ao mercado de trabalho em busca de alcançar um benefício mais vantajoso, a impossibilidade do aproveitamento das contribuições previdenciárias, com o fim de majorar seu benefício anterior e novamente aposentar-se em melhores condições financeiras, causou uma problemática social no arcabouço jurídico brasileiro que, no presente trabalho científico, cinge-se por duas vertentes concomitantemente. A princípio, enfatizar-se-á o propósito de restituição aos contribuintes dos valores vertidos à Autarquia Previdenciária, no caso daqueles que conseguiram a desaposentação em sede judicial, através de concessão de tutela antecipada ou de decisões transitadas em julgado garantindo direito ao recebimento de nova aposentadoria.E, posteriormente, será devidamente demonstrado a impossibilidade de devolução aos cofres públicos dos valores percebidos pelos contribuintes a título de nova aposentadoria, haja vista que tais valores correspondem a verba de caráter alimentar e foram recebidas de boa-fé (legitimamente) pelo contribuinte, uma vez que estavam amparados pelo Poder Judiciário brasileiro.[1]
Palavras-chave: Desaposentação. Contribuição previdenciária. Decisão judicial. Devolução de valores.
Sumário: 1. Considerações Iniciais. 2. Desenvolvimento. 3. Considerações Finais. Referências.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Diante da conjuntura político-financeira por que passa o Brasil nas últimas décadas, muitas pessoas que trabalharam na iniciativa privada e contribuíram por, no mínimo, 30 (trinta) anos tiveram que retornar ao mercado de trabalho, sendo obrigadas a efetuar o recolhimento das contribuições previdenciárias de forma regular.
Acrescente-se que esse dilema sofrido pelos segurados aposentados está em consonância com a realidade porque passam com o avanço da idade e suas atuais necessidades, senão vejamos:
“(…) há uma crescente incompatibilidade entre os valores recebidos a título de proventos e os gastos que aumentam à medida que a idade do segurado aumenta. Com isso, “o aposentado atualmente vê-se obrigado a retornar ao mercado de trabalho e nele continuar exercendo atividade laboral com a necessidade de complementar sua renda, pois os proventos recebidos se mostram insuficientes para a mantença própria e de sua família”. (SOUSA, 2012).
Nesse ínterim, surgiu o instituto da desaposentação com a intenção clara de garantir direitos àqueles que retornaram à atividade laborativa e novamente contribuíram para a Previdência Social, no sentido de renunciar à aposentadoria recebida anteriormente e alcançar uma nova, levando-se em consideração o aproveitamento do tempo de contribuição para obtenção de nova aposentadoria mais vantajosa.
No entanto, com a recente decisão majoritária proferida pelo Supremo Tribunal Federal – STF que considerou ilegal a desaposentação, argumentando que aposentados que voltaram ao mercado de trabalho “não terão direito à correção do valor de seus benefícios por terem contribuído mais tempo com a Previdência” (MASCARENHAS, 2016) causou um grande embaraço na seara jurídica previdenciária.
Com a situação apresentada pela r. decisão da Corte Suprema, insurgem-se problemáticas acerca dos novos recolhimentos previdenciários vertidos pelos aposentados que retornaram ao mercado de trabalho e que, agora, não poderão aumentar o valor do benefício originário, assim como da obrigatoriedade do aposentado devolver ao Erário os valores percebidos quando da concessão do ato da aposentadoria.
No tocante aos novos recolhimentos previdenciários, tem-se que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 195, dispõe que todo empregado deverá contribuir para o financiamento da seguridade social, in verbis:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da Lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (…)
II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;”
Também dispõe a Lei n. 8.213/91, conforme abaixo:
“Art. 18. (…)
§2o. O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que permanecer em atividade sujeita a esse regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.”
Com relação à devolução dos valores recebidos com a nova aposentadoria mais vantajosa, percebe-se que os segurados que conseguiram o direito legal à desaposentação, tanto em sede de tutela antecipada, como em decisão transitada em julgado, estão acobertados pelo Poder Judiciário e não poderão ser prejudicados à vista do entendimento não modulado da Suprema Corte.
Ademais, o presente trabalho científico visa apresentar elações acerca da decisão do STF sobre o instituto da desaposentação e correlacionar com a necessidade/obrigatoriedade de devolução de valores à Autarquia Previdenciária, o que deve ser rechaçado de pronto por afrontar princípios constitucionais, a saber os princípios da segurança jurídica e da boa-fé.
2 DESENVOLVIMENTO
De forma introdutória e conceitual, o instituto da desaposentação foi apresentado originalmente em 1987, através de artigo científico, pelo professor e doutrinador Wladimir Novaes Martinez, porém com outra terminologia “Renúncia e irreversabilidade dos benefícios previdenciários”. No ano seguinte, o jurista publicou mais um artigo científico intitulado “Reversibilidade da prestação previdenciária”.
Após alguns anos, em 1996, essa abordagem foi retomada pelo citado estudioso da ciência jurídica previdenciária com o tema “Direito à desaposentação”, que assim definiu:
“É a renúncia às mensalidades da aposentação, se prejuízo do tempo de serviço ou do tempo de contribuição, per si, irrenunciáveis, seguida ou não de volta ao trabalho, restituindo-se o que for atuarialmente necessário para a manutenção do equilíbrio financeiro dos regimes envolvidos com o aproveitamento do período anterior no mesmo ou em outro regime de Previdência Social, sempre que a situação do segurado melhor e isso não causar prejuízos a terceiros”. (MARTINEZ, 1996)
A partir de então, alguns doutrinadores exemplificados nos parágrafos subsequentes passaram a aceitar a tese da desaposentação e, também, contribuir para a evolução desse instituto e suas ramificações atuariais e processuais, inclusive formulando novos conceitos.
O professor Fábio Zambitte Ibrahim assim define o instituto:
“A desaposentação, portanto, como conhecida no meio previdenciário, traduz-se na possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no Regime Geral de Previdência Social ou em Regime Próprio de Previdência Social, mediante a utilização de seu tempo de contribuição. Ela é utilizada colimando a melhoria do status financeiro do aposentado”. (IBRAHIM, 2009)
Seguindo essa mesma linha conceitual, os professores Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari afirmaram:
“(…) é ato de desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário”. (CASTRO; LAZZARI, 2006)
Oportuno destacar que os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais não foram capazes de, isoladamente, conquistarem o direito à desaposentação, restando dúvidas em vários aspectos práticos, esvaziando, por vezes, a tutela jurisdicional conferida àquele que buscou reconhecer a legitimidade do instituto.
Nesse sentido, vários foram os obstáculos acerca da aplicabilidade do instituto que o próprio Supremo Tribunal Federal – STF, nos autos do RE 661.256, declarou o tema de repercussão geral, sendo julgado apenas em 26 de outubro de 2016, pela não autorização da desaposentação, in verbis:
“Decisão: O Tribunal fixou tese nos seguintes termos: “No âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91”. O Ministro Marco Aurélio não participou da fixação da tese. Ausentes, justificadamente, o Ministro Celso de Mello, e, nesta assentada, o Ministro Gilmar Mendes. Presidência da Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 27.10.2016.”
Acerca dos parágrafos anteriores, deve-se saber que a falta de decisão unificada na jurisprudência pátria, principalmente pelo fato de não haver legislação que tratasse do tema e os meritíssimos juízes construíssem juízo valor próprio, contribuiu para a não ratificação da tese da desaposentação pelo STF.
Assim, o entendimento da Suprema Corte contrário à desaposentação trouxe à baila outras questões práticas que precisarão ser dirimidas, inclusive quanto aos valores referentes às contribuições previdenciárias que os aposentados recolheram no momento em que foram inseridos novamente no mercado de trabalho, as quais não poderão ser utilizadas no recálculo para um benefício mais vantajoso.
Ressalte-se que a modulação dos efeitos da decisão do STF deve ser prioridade na seara do Direito Previdenciário, haja vista que não existe legislação especialmente sobre o tema, mas que não se pode perder de vista que o benefício previdenciário mais vantajoso, que foi concedido àqueles litigantes que buscavam a desaposentação na justiça, tem caráter essencialmente alimentar.
Neste cenário de incertezas jurídicas quanto ao equilíbrio financeiro da Seguridade Social, em contraponto ao recolhimento de valores destinados ao Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS pelo contribuinte aposentado por quaisquer regime de previdência, torna-se relevante buscar meios legais que desonerem o aposentado-empregado de devolver os valores percebidos com a aposentadoria, haja vista que, de certo, tais cidadãos almejavam uma aposentadoria maior e que suprisse seus anseios futuros quanto a sua qualidade de vida.
Na íntegra do julgamento pelo STF, nada traz a respeito sobre a devolução dos citados valores à Autarquia Previdenciária pelos aposentados o que demanda grande repercussão, haja vista que os cidadãos que optaram em exercer atividade laborativa remunerada tinha em vista a certeza de que poderia reaver suas contribuições em forma de aumento no seu benefício previdenciário.
Saliente-se que as demandas judiciais buscando a desaposentação assoberbaram as varas da Justiça Federal espalhadas por todo País e, diante desse grande contingente, formaram-se as ações de repercussão geral outrora citadas e que findaram na decisão emanada pelos ministros da Suprema Corte de Justiça.
Apesar da ausência de legislação, os estudiosos do direito tinham convicção da procedência dos litígios, haja vista que a obrigatoriedade de recolhimento previdenciário quando do retorno do segurado ao mercado de trabalho demonstrava a certeza no aproveitamento de tais recolhimentos vertidos à Previdência Social no melhoramento do seu benefício de aposentadoria.
Assim, não lhes sendo possível a renúncia do benefício originário em detrimento de outro com melhor alcance financeiro, resta-lhes a certeza de que não poderão ser considerados devedores da Previdência Social, sob pena de afronta a princípios constitucionais relevantes, a saber o princípio da garantia dos direitos sociais e da dignidade da pessoa humana.
Analisando-se de maneira pontual a questão, tem-se que a Previdência Social justifica a restituição dos valores auferidos pelos aposentados no devido equilíbrio financeiro e atuarial do sistema protetivo, o que não deve proceder considerando o evidente caráter alimentar do benefício previdenciário.
A procuradora federal especialista em direito previdenciário Cláudia Sarturi afirma o que segue adiante, in litteris:
“O reconhecimento da possibilidade de utilização do instituto conhecido como “desaposentação” afronta o dever de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, uma vez que se estaria beneficiando duplamente um segurado em detrimento de toda a sociedade e do próprio sistema. Além disso, há ofensa direta ao princípio da legalidade, considerando a previsão contida no art. 181-B do Decreto 3.048/99”. (SARTURI, 2013)
Evidente, portanto, que a decisão emanada pelo Poder Judiciário deve ser analisada de forma restrita e específica, não podendo ser uma ponte de ligação com o INSS, tentando abarcar argumentos de enriquecimento sem causa do segurado, vez que a fruição do seu benefício pretérito estava dentro dos ditames legais e aquele continua integrado no sistema previdenciário através das novas contribuições previdenciárias vertidas regularmente.
Diante desse contexto, percebe-se a importância de refletir cientificamente sobre os direitos constitucionais dos cidadãos aposentados que buscavam na desaposentação um instrumento de auferir um aumento financeiro no seu benefício, com sua continuidade nos recolhimentos da contribuição previdenciária.
Entretanto, com a decretação da ilegalidade da desaposentação, observa-se que a Autarquia Previdenciária está na iminência de cobrar do segurado aposentado, que obteve direito na justiça, à devolução/restituição dos valores recebidos com o ato da aposentadoria, o que causaria um descompasso a sua dignidade humana, por se tratar de valores recebidos legitimamente e que devem ser caracterizados como verba alimentar.
Essa problemática em torno da devolução ou restituição de valores deve ser dirimida à luz dos princípios constitucionais que revelam o protecionismo social, tendo como objetivo principal demonstrar a ilegalidade quanto à cobrança de valores dos aposentados que requereram a desaposentação, a título de restituição financeira devida ao INSS.
O ilustre constitucionalista Theodoro Vicente Agostinho traz uma visão lúcida da desaposentação e corrobora que o segurado não pode ser prejudicado economicamente com o desfecho da tese sobre o instituto em comento:
“Urge ainda mencionar que a Desaposentação visa autenticamente o aprimoramento e concretização da proteção individual, não tendo o condão de afetar qualquer preceito constitucional, pois, jamais deve ser utilizada para a desvantagem econômica de quem quer que seja. Também é fato, que, por meio da Desaposentação, o indivíduo, diante de realidades sociais e econômicas divergentes, almeja em si, tentar superar as dificuldades encontradas, pugnando pela busca incessante por uma condição de vida mais digna”. (AGOSTINHO, 2011)
Levando-se em consideração o entendimento de um grupo de juristas mais conservadores, a desaposentação não poderia ser aceita com o argumento de que a aposentadoria é irrenunciável, e que afrontaria o disposto no artigo 18, §2o, da Lei n. 8.213/91 e nos artigos 181-B e parágrafo único do Decreto n. 3.048/1999, que asseveram respectivamente:
“§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.
Art. 181-B. As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis.
Parágrafo único. O segurado pode desistir do seu pedido de aposentadoria desde que manifeste esta intenção e requeira o arquivamento definitivo do pedido antes da ocorrência do primeiro de um dos seguintes atos:” (Redação dada pelo Decreto nº 6.208, de 2007)
Por outro lado, a maioria dos juristas se filiavam à tese da desaposentação respaldado na disponibilidade do benefício, pois se trata de verba pertencente ao segurado, a quem compete usá-la de forma a lhe atribuir maior vantagem pecuniária. Nesse sentido, o ato da desaposentação deve ser considerado como disponível, vez que está inserido no patrimônio jurídico do segurado/tutelado.
O ilustre professor Fábio Zambitte Ibrahim filia-se à tese da desaposentação com o seguinte entendimento, in verbis:
“A desaposentação, desde que vinculada à melhoria econômica do segurado, ao contrário de violar direitos, somente os amplia. Seu objetivo será sempre a primazia do bem-estar do indivíduo, algo desejado por toda sociedade”. (IBRAHIM, 2009)
Nesse diapasão, o segurado renunciava o benefício da sua aposentadoria e retornava ao mercado de trabalho, vertendo novas contribuições previdenciárias, por ter caráter compulsório, e, por óbvio, esperava ser beneficiado posteriormente.
No entanto, toda essa celeuma jurídica acerca do citado instituto findou-se quando do julgamento dos Recursos Extraordinários n. 661.256, 381.367 e 827.833 pelo Supremo Tribunal Federal – STF por 07 votos contrários e apenas 04 favoráveis.
O relator do recurso, Ministro Marco Aurélio foi vencido mas proferiu seu voto afirmando ser “favorável à possibilidade de desaposentação, assegurado ainda ao contribuinte o direito ao recálculo dos proventos de aposentadoria após o período de retorno à atividade”.
No mesmo sentido, a Ministra Rosa Weber vota de forma favorável à desaposentação afirmando “que a filiação à previdência social é um vínculo jurídico que gera direitos e obrigações recíprocas e as novas contribuições vertidas pelo aposentado, por sua continuidade ou retorno ao mercado de trabalho, devem ser consideradas para cálculo de novo benefício”.
Pela procedência da tese, foram parcialmente favoráveis os ilustres Ministros Luis Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski, como abaixo descrito de forma sequente:
“Relator do RE 661256, o ministro Luís Roberto Barroso reafirmou o voto proferido por ele em outubro de 2014 quando deu provimento parcial ao recurso no sentido de considerar válido o instituto da desaposentação. (STF, 2016)
(…) diante da crise econômica pela qual passa o país, não é raro que o segurado da previdência se veja obrigado a retornar ao mercado de trabalho para complementar sua renda para sustentar a família. Para o ministro é legalmente possível ao segurado que retorna ao mercado de trabalho renunciar à sua primeira aposentadoria para obter uma nova aposentadoria mais vantajosa. “A aposentadoria, a meu ver, constitui um direito patrimonial, de caráter disponível, pelo que se mostra legítimo, segundo penso, o ato de renúncia unilateral ao benefício, que não depende de anuência do estado, no caso o INSS”, concluiu”. (STF, 2016)
Contudo, na contramão da prática já consignada pelos Tribunais, insurgem-se problemáticas que não foram modulados pela r. decisão, como é o caso da demonstração de ilegalidade quanto à devolução de valores à Autarquia Previdenciária dos aposentados que requereram a desaposentação. Para alcançar tal perspectiva há a que se atingir a comprovação de que tais valores percebidos estão em consonância com a legislação e que a verba recebida tem caráter eminentemente alimentar.
Com a situação jurídica apresentada e sem modulação, torna-se angustiante para os segurados que conseguiram, através de decisões judicias favoráveis à desaposentação e, atualmente, está em gozo de benefício mais benéfico, mas se vê na iminência de ser obrigado a devolver valores auferidos, infringindo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e desconsiderando o caráter alimentar do benefício.
Nessa direção afirma o professor e presidente do Instituto de Estudos Previdenciários – IEPREV Roberto de Carvalho Santos:
“Em caráter sucessivo, garantir a estas pessoas o direito à desaposentação de acordo com a fórmula proposta pelo STF, sem lhes impor a obrigação de devolver os valores já auferidos por força das decisões judiciais favoráveis, algumas delas em sede de acórdãos proferidos em segunda instância. O que está em debate é o caráter de hipossuficiência dos segurados do RGPS e a própria credibilidade do Poder Judiciário. Há de se ponderar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no caso em tela diante dos direitos sociais tutelados pela Seguridade Social e a natureza alimentar dos benefícios auferidos, não se podendo atribuir caráter absoluto à possibilidade de reversão de uma antecipação de tutela concedida, sobretudo quando tais decisões foram proferidas com espeque em decisões de um Tribunal Superior (STJ). Esta visão inclusive tem respaldado vários entendimentos dos tribunais com base na teoria do fato consumado[2], sobretudo quando o prejuízo a ser proporcionado ao cidadão é maior do que a aplicação da estrita legalidade.” (SANTOS, 2014)
Insta consignar que a decretação de ilegalidade tardia da desaposentação não pode trazer quaisquer prejuízos ao segurado, que de boa-fé e respaldado em decisão judicial, obteve novo benefício (que tem caráter alimentar), razão pela qual é totalmente descabida e indevida a devolução de tais valores.
Além disso, o Superior Tribunal de Justiça – STJ proferiu decisão em 2013 consignando tal instituto, senão vejamos:
“RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DESAPOSENTAÇÃO E REAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA A APOSENTADORIA. CONCESSÃO DE NOVO E POSTERIOR JUBILAMENTO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. 1. Trata-se de Recursos Especiais com intuito, por parte do INSS, de declarar impossibilidade de renúncia a aposentadoria e, por parte do segurado, de dispensa de devolução de valores recebidos de aposentadoria a que pretende abdicar. 2. A pretensão do segurado consiste em renunciar à aposentadoria concedida para computar período contributivo utilizado, conjuntamente com os salários de contribuição da atividade em que permaneceu trabalhando, para a concessão de posterior e nova aposentação. 3. Os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento. Precedentes do STJ. 4. Ressalva do entendimento pessoal do Relator quanto à necessidade de devolução dos valores para a reaposentação, conforme votos vencidos proferidos no REsp 1.298.391/RS; nos Agravos Regimentais nos REsps 1.321.667/PR, 1.305.351/RS, 1.321.667/PR, 1.323.464/RS, 1.324.193/PR, 1.324.603/RS, 1.325.300/SC, 1.305.738/RS; e no AgRg no AREsp 103.509/PE. 5. No caso concreto, o Tribunal de origem reconheceu o direito à desaposentação, mas condicionou posterior aposentadoria ao ressarcimento dos valores recebidos do benefício anterior, razão por que deve ser afastada a imposição de devolução. 6. Recurso Especial do INSS não provido, e Recurso Especial do segurado provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.” (STJ – REsp: 1334488 SC 2012/0146387-1, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 08/05/2013, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 14/05/2013)
Reiteradamente, os eminentes estudiosos e doutrinadores Vladimir Novaes Martinez e Taís Rodrigues dos Santos explicam minunciosamente a ingerência dos recursos repetitivos como forma de estabilizar as relações jurídicas:
“O Recurso Repetitivo, com amparo nos princípios da isonomia, segurança jurídica, efetividade e duração razoável do processo, busca uniformizar a interpretação da lei federal nos demais recursos que discutam a mesma matéria, de modo a evitar decisões contraditórias, visa, portanto, diminuir os excessivos recursos que chagam ao STJ.
Portanto, é sabido que o efeito vinculante consagra a segurança jurídica e está fixada no plano subjetivo, ou seja, ao órgão de jurisdição ordinária recorrido em relação ao pronunciamento definitivo do STJ sobre a questão do direito objetivo do recurso especial representativo da controversa que ser aplicador aos demais recursos especiais respectivos sobrestados. (…)
Desta forma, as decisões dos recursos repetitivos, possuem efeitos vinculantes, haja vista a finalidade específica de estabilizar as relações jurídicas.” (MARTINEZ; SANTOS, 2016)
No tocante ao equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social, tem-se que a concessão da desaposentação em nada prejudicou o sistema de arrecadação, pois “as contribuições obrigatórias realizadas pelo segurado após sua aposentadoria são atuarialmente imprevistas, não sendo levadas em consideração para a elegibilidade do benefício” (MARTINEZ; SANTOS, 2016, p.121).
Inclusive, a ilustre representante do Ministério Público Federal Cláudia Sarturi tem entendimento similar e afirma que:
“O reconhecimento da possibilidade de utilização do instituto conhecido como “desaposentação” afronta o dever de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, uma vez que se estaria beneficiando duplamente um segurado em detrimento de toda a sociedade e do próprio sistema”. (SARTURI, 2013)
Pelo exposto, torna-se visível que a Autarquia Previdenciária assim como alguns estudiosos do direito vislumbram apenas a mantença do equilíbrio econômico do sistema, enquanto que outras correntes doutrinárias e jurisprudenciais ratificam a legalidade da desapropriação tendo em vista a natureza jurídica do ato em si, que caberia somente ao segurado aposentado modificá-lo para alcançar uma qualidade de vida na velhice mais dignificante.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, o julgamento pela ilegalidade da desaposentação trouxe discussões relevantes no mundo jurídico, uma vez que abarca inúmeras pessoas que alcançaram a procedência do litígio através de decisões judiciais, afora aqueles que estão em trâmite processual esperando para ter o mérito resolvido mas que gozam do instituto através de tutela antecipada.
Não há dúvidas que causar prejuízo financeiro aos segurados que buscaram o Poder Judiciário para ter garantido o direito à desaposentação é por demais incoerente. Principalmente porque agiram de boa-fé no momento em que renunciaram à aposentadoria originária e retornaram ao mercado de trabalho com o objetivo dealcançar novo benefício mais vantajoso economicamente.
Sem dúvidas, cobrar a devolução de valores recebidos com a segunda aposentadoria é totalmente descabido e afronta princípios constitucionais da boa-fé, da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e da proporcionalidade.
Com efeito, o STF proferiu decisão completamente genérica e pontual, não modulando efeitos e consequências previamente conhecidos, causando aflição aos segurados, que estão gozo dos benefícios da desapropriação, e conflitos jurídicos graves, vez que há possibilidade de serem obrigados a devolver os valores auferidos com a nova aposentadoria.
Aliás, a devolução de tais valores aos cofres públicos (nesse caso direcionada ao Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS) parece ter o condão de manter o equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social, o que resta comprovada sua incoerência tendo em vista que a desaposentação não trouxe prejuízos concretos àquela Autarquia, já que houve a continuidade de pagamento da contribuição previdenciária vertido ao órgão diante do retorno ao mercado de trabalho.
A celeuma sobre a obrigatoriedade da devolução de tais valores percebidos na aposentadoria renunciada ao Ente Previdenciário deve ser solucionada, restando evidenciado que uma decisão favorável da Corte Suprema estaria punindo o lado mais frágil da relação jurídica e, porque não dizer, estaria desmaterializando mandamentos jurisdicionais dos Tribunais Federais de todo País, inclusive do Superior Tribunal de Justiça – STJ.
Por conseguinte, é sabido que a natureza da legalidade antecede o próprio ato da aposentadoria, legitimando a concessão do novo benefício sem ressarcimento de quaisquer valores, ou seja, seria um contrassenso restituir o que foi concedido legalmente a diversos segurados quando preenchidos os requisitos necessários para concessão.
Acrescenta-se, ainda, que o benefício previdenciário tem natureza alimentar, haja vista ter sido incorporado ao patrimônio do aposentado, o que geraria uma série de consequências econômico-financeiras às famílias daqueles segurados que dependem do benefício para custear as despesas inerentes a cada indivíduo, principalmente se levar em conta que são pessoas, em sua maioria, com idade avançada e que necessitam ter uma renda maior para afiançar uma qualidade de vida condizente evolução etária.
Nesse aspecto, contrariando todas as correntes doutrinárias e jurisprudenciais, a Corte Suprema ratificou a constitucionalidade do artigo 18, §2º da Lei 8.213/91, mas,tão logo, deverá definir os efeitos práticos da decisão, descartando-se a possibilidade de devolução de valores sobre a rubrica de ressarcimento ao Erário Público e garantindo direitos àqueles que conseguiram alcançar benefício mais vantajoso através da desaposentação, antes mesmo do julgamento do recurso extraordinário supracitado, por seu uma questão de Justiça Social.
Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes 2007 Pós Graduada em Direito Processual Penal pela Universidade Gama Filho 2010 e Pós Graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC Minas Gerais 2015-2017. Atualmente é membro da Comissão de Defesa do Consumidor junto à Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Sergipe biênios 2013/2015 e 2016/2018 além de ser Assessora Jurídica da Procuradoria Jurídica do do Departamento Estadual de Infraestrutura Rodoviária de Sergipe – DER/SE 2010-2017 e Advogada
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