O artigo 2, inciso 1, da Lei de Falências estabelece que:
Este artigo quando mal interpretado, ou seja, de forma restrita e literal acaba gerando um grande número de falências. Quando ele é interpretado de forma global, verificando se um comerciante está ou não em estado de insolvência, muitos comerciantes acabam sendo salvos da falência (III).
Desta forma, nos atendo ao fato do devedor não nomear bens à penhora dentro do prazo legal no processo de execução, iremos verificar se este fato por si só serve para demonstrar sua falência (I) e também se foram exauridos todos os meios necessários para o recebimento do crédito pleiteado no processo de execução (II) antes de ser declarada sua falência.
I – A AUSÊNCIA DO ESTADO DE INSOLVÊNCIA IMPEDE A DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA DO DEVEDOR COMERCIANTE
O artigo 4º prevê:
A ausência do estado de insolvência é o maior motivo ( art. 4, VIII LF ) que exclui o devedor do processo de falência.
A) A insolvência se demonstra pela irreversibilidade do estado econômico do devedor comerciante
As maiores autoridades do Direito Comercial na França, RIPERT e ROBLOT, na obra Traité élémentaire de droit commercial, t. 2. , atualizada por Philippe Delebecque e Michel Germain. Paris: LGDJ, 1998, nº 2873 esclarecem que:
“A idéia de cessação de pagamentos corresponde freqüentemente a uma “situação irremediável”[1], o que leva o devedor a uma liquidação de bens.“
PIERO PAJARDI, juiz junto a Suprema Corte Italiana, conceituadíssimo autor em matéria falimentar, in Manuale di diritto fallimentare, 5ª edizione. Milano: Giuffrè Editore, 1998, p. 687, lembrado por nós, in Robson Zanetti, Direito falimentar: A prevenção de dificuldades e a recuperação da empresa. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 31, reconhece que:
“Na vida de uma empresa poderão existir crises que impeçam de pagar pontualmente e regularmente suas obrigações sem que se possa dizer que ela é insolvente ou então, que ela não poderá reencontrar seu equilíbrio financeiro“.
Neste sentido é o entendimento do Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, integrante da 4ª T do STJ, que ao proferir seu voto no Rec. esp. nº 157637-SC ( Reg. 97871894 ) em 01/09/98, afirma que:
“Comungo da preocupação manifesta mais de uma oportunidade pelo r. Tribunal de origem, quanto ao desvirtuamento do processo de falência. Esta deve ser o resultado de uma situação de insolvência que não possa ser de nenhum modo superada a não ser com a quebra da empresa, com todos os danos daí decorrentes…”
A dificuldade que um devedor pode estar passando pode ser de disponibilidade imediata de caixa para fazer frente ao valor que lhe está sendo pleiteado e sendo sua dificuldade passageira e reversível não deve ser declarada sua falência.
Se adotando o critério intitulado “da insolvência absoluta“ (defendido por dívidas (Wanderley Pinto de Medeiros. In: Revista de Direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, n. 72. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 49) para se determinar a liquidação de bens do devedor, sendo esta caracterizada pela insuficiência de bens para garantir suas a falência do devedor comerciante, não poderá ser declarada a falência do devedor diante da existência de bens suficientes para garantia do débito mesmo frente a sua nomeação intempestiva de bens no processo de execução singular.
B) É a insolvência que determina a falência do devedor e não a impontualidade prevista no artigo 1 ou a ausência de nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal
O estado de insolvência é que serve para constituir o estado de insolvência do devedor (a) e ser declarada sua falência (b)
a) A demonstração da falência através do estado de insolvência
Os artigos 1 e 2, inciso 1 da Lei 7661/45 que tratam da impontualidade e da ausência de nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal pressupõe, porém, não determinam o estado de insolvência. Entendemos que os julgados abaixo que estejam se referindo somente a impontualidade também devam ser aplicados por analogia ao fato do devedor não nomear bens à penhora dentro do prazo legal.
“Portanto, embora o não pagamento de obrigação constante de título executivo possa ensejar o pedido de falência, não é a impontualidade que caracteriza a quebra do devedor comerciante. O que determina a falência é a insolvência. A impontualidade é somente um fenômeno capaz de configurar a situação de insolvência, e não propriamente a causa determinante…”.
O STJ nesta decisão demonstra que a impontualidade não é a causa determinante da falência e sim o estado de insolvência. O STJ afirma que a impontualidade é apenas um “ fenômeno “, o que podemos também chamar de presunção ou indício.
Da mesma forma que o processo de concordata preventiva não é aberto quando o devedor se encontra em estado de insolvência “ sua falência não poderá ser declarada quando o devedor não está em estado de insolvência “, conforme decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo em 16.02.1989, através da 4ª Câm. Civ., MS nº 111.200-1, tendo esta decisão sido publicada na RT nº 643, pág. 81 e junto a obra Falências e concordatas, de Wilson de Campos Batalha e Silvia Marina Labate Batalha, publicado pela LTR em São Paulo, no ano de 1996, na p. 736.
Com sabedoria também julgou em 30.09.1999, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, através de sua 5ª Câmara Cível, tendo como relator o Exmo. Sr. Des. Clarindo Favretto, a Ap. civ. nº 599300217, ao permitir que o devedor prove através de sua contabilidade sua possibilidade de recuperação, impedindo-se a declaração de sua falência .
O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, através de sua 1ª Câm. Cív., tendo como relator o Exmo. Des. Walter Carlos Lemes, ao julgar no dia 13/03/2001 a Ap. civ. nº 55365-0/192 reconhece que a falência se caracteriza pela insolvência ao decidir que “o pedido falimentar consubstanciado no art. 2º, I, da legislação correspondente funda-se, precipuamente, no estado de insolvência”.
b) Não existe estado de insolvência do devedor, logo, não pode ser declarada sua falência em virtude da falta do elemento constitutivo da falência.
A ausência do estado de insolvência que é o elemento constitutivo para que seja declarada a falência do devedor impede este acontecimento. A falência do devedor somente é declarada se estiver constituído seu estado de insolvência.
A natureza jurídica da falência possui efeito declaratório porque seu efeito constitutivo se dá com a insolvência.
O artigo 4º estabelece que:
“A falência não será declarada”…
A natureza jurídica do processo de falência revela que a sentença proferida é declaratória e não constitutiva. Isto revela a importância de verificar se uma empresa está ou não em estado de insolvência para então ser declarada a sua falência.
Se uma empresa é viável não existe a condição constitutiva da insolvência, impedindo-se assim que seja declarada a falência do devedor em virtude da ausência do elemento constitutivo.
C) Não devem ser confundidos os conceitos de insolvência, impontualidade e da ausência em se nomear bens à penhora dentro do prazo legal prevista no artigo 2, inciso 1 da LF.
Os conceitos de insolvência e impontualidade são distintos e o resultado desta distinção também deve ser aplicado para se diferenciar a insolvência da falta de nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal no processo de execução.
Segundo afirmam outros grandes nomes do direito italiano em matéria falimentar GIUSEPPE RAGUSA MAGGIORE e CONCETTO COSTA, in Le procedure concorsuali: Il fallimento. Torino: UTET, 1998, p. 262: “o inadimplemento é somente um indício“ que deve ser avaliado dentro de um quadro mais amplo da empresa para saber se ela é ou não insolvente.
Como muito bem afirma DOMENICO MAZZOCCA, presidente da Corte de Cassação Italiana, in Manuale di diritto fallimentare, 3ª ed. Napoli: Jovene Editore, 1996, nas pags. 54 e 55 o inadimplemento não se confunde com o estado de insolvência, “O pressuposto objetivo da falência é o estado de insolvência…o inadimplemento por si só representa uma lesão a um direito subjetivo do credor, que encontra no ordenamento jurídico a sua tutela na execução forçada individual, através da qual se pode ou não obter a satisfação do crédito…é errado igualar inadimplemento e insolvência“.
Para um aprofundamento maior na questão da impontualidade ver o artigo publicado pelo autor A flexibilização do depósito elisivo no direito falimentar. São Paulo: RT ano 90, março de 2001, vol. 785, p. 135 e s.
DOMENICO MAZZOCA (cit. prec.) ainda afirma na p. 59 que:
“aos fins da falência pode se afirmar que não integra de modo completo o estado de insolvência ao qual se refere o artigo 5 um ocasional momento de dificuldade de caixa, que tenha determinado o inadimplemento“.
Sem sombra de dúvidas também podemos afirmar que é errado igualar a falta de nomeação tempestiva de bens à penhora dentro do prazo legal a insolvência. Os conceitos e as decisões acima mencionadas devem ser estendidos ao artigo 2, inciso 1 da Lei de Falências, ou seja, não é a ausência de nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal que demonstra a falência do devedor comerciante, mas sim, seu estado de insolvência.
II – DA NECESSIDADE DO EXAURIMENTO DE TODOS OS MEIOS DE SATISFAÇÃO DO CRÉDITO
Antes de buscar a ação falimentar “o credor deve buscar todos os meios de satisfação do crédito“, como decidiu no dia 05.09.1995 o Tribunal de Justiça de São Paulo, através de sua 1ª Câm. Cív., no ac. nº 258.141-1, tendo como relator o Exmo. Sr. Des. Guimarães e Souza.
Na ação executiva singular quando o devedor não nomear bens à penhora dentro do prazo legal cabe ao Sr. Oficial de Justiça dar cumprimento integral ao mandado para encontrar bens a serem penhorados ( A ), podendo ele encontrar ( B ) ou não ( C ) estes bens.
A. Da obrigação legal do Sr. Oficial de Justiça realizar uma segunda diligência quando não houver nomeação de bens no processo de execução singular
Quando não houver nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal, cabe ao meirinho diligenciar para obter bens passíveis de constrição para penhorá-los e se assim ele não o fizer, mas simplesmente comunicar o juízo da execução singular que o devedor não nomeou bens à penhora dentro do prazo legal, seu mandado não estará sendo cumprido de forma integral.
Diante da ausência de nomeação de bens à penhora na primeira diligência realizada pelo Sr. Oficial de Justiça este deverá realizar um segunda diligência para penhorar tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios (art. 659), como ensina Humberto Theodoro Júnior:
“Passadas as vinte e quatro horas da citação sem que o devedor resgate a dívida ou nomeie bens à penhora, o oficial de justiça encarregado do mandado “penhorar-lhe-á tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios“ (art. 659).
O mandado executivo é um só, para citação e penhora, de modo que, após a primeira diligência não é juntado aos autos. Permanece em poder do Oficial que, comprovando em cartório que não houve no prazo legal o pagamento ou a nomeação de bens, realizará a segunda diligência: a penhora de bens que encontrar“.
“Na escolha dos bens a penhorar, o oficial procurará evitar prejuízos desnecessários ao devedor, atentando para a regra do art. 620, que determina seja a execução feita pelo modo menos gravoso para o executado. Dará preferência aos bens livres e observará, quanto possível, a gradação legal“ (“Curso de Direito Processual Civil“, vol. II, Forense, Ed. Universitária, nº 822, p. 929).
No mesmo sentido, o magistério de Amílcar de Castro:
“O mandado executivo, depois de citado o devedor, não deve ser junto aos autos, logo que volte a cartório com a fé de citação, uma vez que, após o decurso das vinte e quatro horas assinadas ao executado, deverá ser devolvido ao oficial de justiça, se houver necessidade de efetiva a apreensão dos bens“ (“Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, Revista dos Tribunais, 1974, nº 306, p. 277“).
Ainda leciona Paulo Furtado (“Execução“, Saraiva, 2ª ed., 1991, nº 150/152, p. 215/218):
“Costuma-se dizer que a nomeação se devolve ao credor em duas hipóteses: a) quando não feita pelo devedor, em 24 horas da citação; b) quando declarada ineficaz ou inválida. Em verdade, porém, nada autoriza a sustentar que a nomeação se devolve ao credor, quando não a faça o devedor, no prazo. Neste caso, a penhora se dará pelo Oficial de Justiça ( art. 659 ), tanto que este serventuário continua, feita a citação, de posse do mandado, que é também de penhora, para prosseguir na diligência, omisso que seja o devedor no exercício do direito de nomear.
A nomeação devolve ao credor, sim, apenas verificada a situação prevista no art. 657, do Código de Processo Civil, segundo o qual, “cumprida a exigência do artigo antecedente”, isto é, o art. 656 (fazer a nomeação eficaz e exibir certidão negativa de ônus), “a nomeação será reduzida a termo, havendo-se por penhorados os bens: em caso contrário, devolver-se-á ao credor o direito à nomeação” (grifamos). A que “caso contrário” se reporta a norma? Evidente que se trata da nomeação ineficaz e incomprovação da propriedade e do desembaraço dos bens.
Se o devedor não pagar, nem fizer nomeação válida, o Oficial de Justiça penhorar-lhe-á tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios (art. 659).
Neste caso, confirmando o Oficial que o executado não compareceu em cartório para pagar ou proceder a nomeação válida, toma a iniciativa (porque não se devolveu, como afirmam muitos, ao credor o direito de nomear) de realizar a penhora, em bens do devedor, tantos quantos bastem (evitando penhora excessiva e penhora inútil) ao pagamento do principal e acessórios “.
Segundo decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Resp. 17765/RS, em 31/05/1993, cuja decisão foi publicada em 28/06/1993 no DJ, através da 4ª Turma, tendo como relator o Exmo. Sr. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira:
“Processo civil. Execução. Nomeação intempestiva de bens a penhora. Arts. 657 e 659, CPC. Recurso desacolhido. – Se o devedor, citado para execução deixa de pagar ou nomear bens a penhora no prazo legal de (24 horas), deve o oficial de justiça, munido do mesmo mandado utilizado para efetivação da “ius vocatio”, penhorar-lhe “tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios“ (art. 659, CPC). Nesses casos de nomeação inexistente ou intempestiva, não se devolve ao credor o direito de indicar os bens do executado que devam sujeitar-se a constrição, diversamente do que ocorre nas hipóteses de nomeação ineficaz (art. 657, CPC)“.
Havendo nomeação intempestiva de bens deve se aplicar o artigo 659 do CPC e mesmo que esta nomeação não venha a ser aceita, cumpre ao Sr. Oficial de Justiça com base no mesmo mandado no qual procedeu a citação, a obrigação de procurar bens em nome do devedor, conforme se verifica abaixo no voto do Exmo. Sr. Min. Sálvio de Figueiredo e penhorá-los. Se isto não for feito não se pode presumir o estado de insolvência do devedor e nem sua falência ser declarada.
“não se havendo de conceder ao credor oportunidade para apontar bens do devedor sobre os quais entenda deva recair a penhora. Esta, uma vez verificado o transcurso in albis das 24 horas, é levada a efeito, ato contínuo, pelo meirinho, valendo-se este, para tanto, do mesmo mandado com base no qual procedeu a citação”.
Não sendo indicados bens à penhora dentro do prazo legal ou feita esta nomeação intempestivamente e não aceita pelo credor, cabe ao Sr. Oficial de Justiça realizar a diligência constritiva, podendo inclusive penhorar o bem indicado pelo devedor intempestivamente.
Ainda que fora do prazo legal e antes do cumprimento integral do mandado, poderá haver a nomeação de bens à penhora no processo de execução singular e posteriormente ser lavrado o auto de penhora garantindo-se em valor suficiente o crédito pleiteado. Esta nomeação retira a presunção do estado de insolvência do devedor.
A presunção de insolvência não existe quando o credor sabe que o devedor possui bens livres para nomear à penhora e resolve pedir a suspensão do processo de execução antes que o oficial de justiça tenha realizado de forma integral o cumprimento de seu mandado.
Se dentro do prazo de suspensão e na ausência da continuidade do meirinho em diligenciar na busca de bens em nome do devedor, ainda que intempestivamente o devedor vier a nomear bens à penhora no processo de execução singular sua presunção de insolvência é descaracterizada.
Ao ser nomeado este bem, ainda que fora do exíguo prazo legal o devedor está descaracterizando a falência demonstrando que tem bens para garantir seus débitos e continuar suas atividades.
O Exmo. Sr. Ministro da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Ruy Rosado de Aguiar, ao julgar o Resp. nº 316232/SP, publicado em 05/11/2001, em seu voto demonstra que a existência de bens a serem penhorados desconstitui o estado de insolvência diante do desinteresse do credor
“Na espécie, a requerente da falência apresentou título e comprovou que estava movendo processo de execução ( certidão de fls. 19 ), mas o egrégio Tribunal rejeitou o pedido de quebra, pois “ não houve penhora, segundo certidão de fls. 20, porque o requerente não se interessou pelos bens da requerida, que lhe foram exibidos pelo Oficial de Justiça. Essa situação descaracteriza a hipótese legal que autoriza o pedido de quebra. Ela não é o não pagamento ou a não indicação de bens à penhora em execução, mas, se há bens a serem penhorados e a credora não se interessa por eles, o estado de falência não se caracteriza”.
A existência de bens para garantir de forma suficiente o valor pleiteado na execução singular afasta o estado de insolvência do devedor e sua falência não pode ser declarada, como muito bem decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através da 3ª Turma, tendo como relator o Exmo. Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, ao julgar no dia 12/06/2001 o Resp. 233569/SP, cuja ementa é a seguinte:
2. Recurso especial não conhecido.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no dia 13/05/1997, através de sua 6ª Câm. Cív., tendo como rel. o Exmo. Sr. Des. Osvaldo Stefanello, ao julgar o recurso de Ap. civ. nº 597046051, reconhece que a falência é caracterizada pela insolvência do devedor e decide que:
“Ementa: pedido de falência com fulcro no inc. I do art. 2º da lei de quebras, enquanto pendente execução do valor, suspensa a pedido do credor em face a nomeação tardia de bem a penhora. Insolvência da devedora não comprovada. Sentença que desacolhe pedido. Confirmação”.
Sendo verificado após a penhora que os bens não são suficientes para garantir a execução singular deverá haver o reforço de penhora, para que novos bens possam ser penhorados para garantir a execução singular.
C. Da inexistência de bens em valor suficiente para garantir a execução singular
Não havendo bens livres para serem penhorados em valor suficiente para garantir a execução singular estará caracterizada a insolvência do devedor. Se o devedor não tem bens para serem penhorados, como falar da viabilidade econômica de sua empresa?
III – A lei de falência atualmente deve ser interpretada de forma a preservar e não de falir empresas
A atual legislação falimentar não pode ser utilizada como um instrumento rápido de cobrança de dívidas (A), mas ela deve ser interpretada de forma global para que as empresas viáveis sejam preservadas (B).
A) A falência não pode ser considerada o mecanismo mais rápido existente no direito brasileiro para se cobrar dívidas de comerciantes
A lei de falências vem sendo utilizada muitas vezes como o mecanismo mais rápido de cobrança de dívidas de comerciantes existente no direito brasileiro porque ao requerer a falência do devedor o credor obriga o devedor a realização do depósito elisivo ou a efetuar o pagamento do valor pleiteado. Quando não há o pagamento e é feito o depósito elisivo o recebimento do crédito pleiteado fica facilitado e o problema de se verificar se o devedor é ou não insolvente é esquecido, o que passa a ser analisado é somente o crédito pleiteado, ou seja, o direito subjetivo de crédito.
Para receber seu crédito de forma rápida o credor converte um processo ( executivo – ação de execução ) em outro ( cognitivo – ação de falência ) para forçar o devedor a efetuar de forma rápida o pagamento e isto não pode ser feita segundo o entendimento do Tribunal de Justiça de Goiás, que ao decidir no dia 16.12.97 através da 1ª Câm. Cív. , tendo como relator o Exmo. Sr. Des. Arivaldo da Silva Chaves o recurso de agravo de instrumento nº 13110-5/180 afirma:
“Ementa: Execução. Conversão em falência. Art. 2ª, inc. I da LF. IMPOSSIBILIDADE. I- Incomportável em nosso ordenamento jurídico a conversão de um processo (executivo – ação de execução) em outro (cognitivo – ação de falência), que só admite conversão de procedimento dentro do mesmo processo. II – O art. 2º, inciso I da Lei de Falências caracteriza o estado falencial do executado que “não paga, não deposita a importância, ou não nomeia bens à penhora dentro do prazo legal “, sem contudo, autorizar a conversão do processo executivo em ação falimentar. Agravo conhecido e improvido”.
O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, integrante da 4ª T do STJ, ao proferir seu voto no Rec. esp. nº 157637-SC ( Reg. 97871894 ) em 01/09/98 demonstra sua preocupação com o desvirtuamento do processo de falência, onde credores apressados se utilizam deste instituto como o meio mais rápido para se cobrar dívidas judicialmente e esta atitude vem sendo reprimida:
“Comungo da preocupação manifesta mais de uma oportunidade pelo r. Tribunal de origem, quanto ao desvirtuamento do processo de falência. Esta deve ser o resultado de uma situação de insolvência que não possa ser de nenhum modo superada a não ser com a quebra da empresa, como todos os danos daí decorrentes; no entanto, tem servido a mais das vezes como instrumento de coação para a cobrança das dívidas. É preciso, portanto, examinar com certo rigor os pedidos de falência, para que não seja desvirtuada por credores apressados”.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, através da 19ª Câm. Cív., tendo como relatora a Exma. Sra. Desembargadora Elba Aparecida Nicolli, ao julgar o recurso de agravo de instrumento nº 70000245068, decide no dia 21/12/1999 que “não pode o devedor sofrer os efeitos da quebra, nem esta servir como meio coercitivo para a obtenção de crédito que pode ser recebido através de ação executiva. Agravo provido. “
A legislação brasileira até pouco tempo atrás vinha sendo considerada extremamente formalista, mas hoje, após tantas falências injustamente declaradas por este apego ao formalismo, o judiciário começa a deixar de lado a questão formalista para salvar as empresas da falência (a), preservando os empregos e atendendo o interesse social de toda a coletividade (b).
a) O formalismo da legislação falimentar vem sendo superado
A não indicação de bens à penhora dentro do prazo legal de 24 horas não prova, a priori, que o comerciante esteja em estado de insolvência. Mas, porque o credor pede a suspensão da ação executiva singular antes do cumprimento integral do mandado?
Certamente que se atendo a uma interpretação restrita e literal do artigo 2, inciso I da LF, no que se refere a ausência desta nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal, ele requerer a falência do devedor para buscar receber seu crédito com urgência porque ele não quer esperar pelo procedimento normalmente demorado do processo de execução singular.
Até há pouco tempo atrás a legislação falimentar vinha sendo interpretada de forma restrita e literal. Esta forma de interpretação trouxe inúmeros problemas a muitas empresas, vindo a falí-las aos invés de recuperá-las. Atualmente, muitos de nossos julgadores, conscientes do papel que as empresas possuem para as coletividades, começam a interpretar a legislação falimentar visando a preservar a continuidade das atividades dos comerciantes que passam por dificuldades reversíveis. Vejamos alguns artigos que seguem esta nova orientação:
-O artigo 8º estabelece que:
Como podemos ver, o legislador impõe ao devedor a obrigação de requerer sua própria falência se ele não pagar sua obrigação após 30 (trinta) dias da data de seu vencimento. Certamente que se este artigo fosse aplicado por todos os comerciantes de forma literal e restrita teríamos muitas empresas falidas.
Este artigo não é interpretado de forma restritiva, com exceção do pedido de autofalência e os devedores em atraso procuram seus credores para resolver seus problemas e evitam pedir sua própria falência, demonstrando assim, que suas dificuldades são passageiras dando prosseguimento as suas atividades.
-Esta interpretação também deixa de ser literal quando se trata de aplicarmos o artigo 140, inciso II, da Lei Falimentar, o qual estabelece que:
Imagine só se este artigo fosse interpretado de forma limitada quantas empresas não teriam falido? A Lei de Falência não pode ser utilizada como um instrumento necessariamente destinado a falir o devedor comerciante, mas ela deve também ser vista como uma forma de preservar suas atividades e a recuperá-lo dos momentos econômicos difíceis e transitórios.
-O artigo 158, inciso IV da Lei 7661/45 estabelece que o devedor para pedir concordata preventiva não poderá ter títulos protestados:
Não é o número de protestos que impede o devedor comerciante de requerer concordata e sim o grau de sua dificuldade, ou seja, o devedor pode ter um título protestado por falta de pagamento no valor de R$ 5.000,00 ( cinco mil reais ) ou 10 (dez) de R$ 500,00 (quinhentos reais) e ser lhe concedida a concordata preventiva ou então ter somente um título protestado de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil) e ter seu pedido negado. Tudo depende do estado econômico do devedor e de sua capacidade de recuperação.
-Assim como os artigos mencionados acima deixam de ser interpretados de forma restrita e literal, o mesmo deve ocorrer na falta de nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal no processo de execução.
O artigo 2, inciso 1 no que se refere a parte de nosso estudo, não pode ser interpretado de forma simples, pois, a falência do devedor esta ligada ao seu conteúdo “ estado de insolvência “ e não a sua forma “ o fato do devedor não ter nomeado bens à penhora “. É preciso que o mandado tenha sido integralmente cumprimento, pois, se não o foi, não se pode declarar a falência do devedor.
O Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo que não deve ser feita uma interpretação literal do artigo 2, inciso 1 da LF, evitando-se “a destruição da empresa”, como ficou expresso no julgamento do Resp nº 125398/RS proferido em 27/03/2000 pela Terceira Turma, tendo como rel. o Exmo. Sr. Min. Eduardo Ribeiro ficando claro que neste caso mesmo diante da nomeação intempestiva de bens “se recomenda que se prossiga a execução” e não se declare a falência. O Exmo. Sr. Min. Eduardo Ribeiro, no julgamento do Resp. 125399/RS realizado em 12/06/2000, através da Terceira Turma afirmou que “deve-se, entretanto, recusar interpretação literal ao constante desse dispositivo ( artigo, 2º, inciso 1 da LF )”.
O artigo 2º, inciso 1 se for interpretado literalmente não permite que o devedor faça o depósito elisivo porque a defesa quando o pedido de falência for formulado com base no artigo 2, deve ser apresentada conforme o artigo 12 e este artigo não prevê a possibilidade da realização do depósito elisivo, previsto somente no artigo 11, §2º, quando o pedido for feito com base no artigo 1. A interpretação literal deste artigo também foi superada, admitindo-se o depósito elisivo ou o pagamento no caso do artigo 2, inciso 1, conforme se verifica na decisão proferida no Resp. nº 51855, proveniente da 3ª Turma do STJ, tendo como relator o Exmo. Sr. Min. Nilson Naves e publicada em 13/02/95. Ainda neste sentido vemos as seguintes decisões: Rec. Extr. 90.764-RJ, in RTJ 94/362-366; STJ, Resp. 6782-0-RS, RT, vol. 699/177-183.
Se o artigo 2, inciso I, da LF fosse interpretado em sentido estrito não precisaria nem haver defesa do devedor no processo falimentar porque o comerciante seria considerado falido pelo apego ao formalismo, pouco importando tomar conhecimento da sua situação econômica. Uma empresa com um patrimônio de R$ 10.000.000,00 ( dez milhões de reais ) e devendo somente R$ 100.000,00 ( cem mil reais ) seria considerada falida. Ao invés da empresa ser preservada a lei estaria sendo a maior produtora de falências de empresas viáveis!!!
Todos estes artigos não devem ser interpretados de forma literal e restrita porque o devedor que deixa de pagar sua obrigação pontualmente ou mesmo após 30 dias do seu vencimento, não pode, em princípio, ser considerado falido. Esta mesma situação se passa com o devedor comerciante que tem títulos protestados porque se sua dificuldade for passageira e não definitiva ele não pode ser considerado falido. Esta mesma interpretação deve ser feita dos artigos 1 ( ver Robson Zanetti. A flexibilização do deposito elisivo na legislacao falimentar. Cit. prec. ) e 2, inciso 1 da Lei Falimentar diante da ausência de nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal, ou seja, quando a dificuldade do devedor for passageira e reversível, sendo a empresa viável, ela não pode ter sua falência declarada.
b) A lei falimentar deve preservar a continuidade das empresas viáveis
A Lei de Introdução ao Código Civil em seu artigo 5º estabelece que:
“Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
CONCETTO MARIA RUGGERI, L’amministrazione controllata dopo la novella legislativa del 1978: bilanci ed esigenze di mutamento, in Il fallimento nº 4/1.190, p. 357, renomado autor italiano ( Robson Zanetti, obra citada anteriormente, p. 31 ) escreve:
“interesse em salvar a empresa e demonstrar sua viabilidade não pode se restringir somente aos interesses dos credores e do devedor mas, da coletividade”.
O interesse que vem movendo a atual legislação falimentar é de preservar a empresa e não destruí-la. Os interesses particulares não estão acima dos interesses da coletividade.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina decide através da sua 4ª Câm. Cív., tendo como rel. o Exmo. Sr. Des. Trindade, no ac. nº 00.007541-8, publicado no DJ em 05.02.2001 que:
“De todo inadmissível é que os credores de determinada empresa comercial, apenas em razão de disporem de título executivo levado a protesto, se utilizem do processo falitário como meio coercitivo de cobrança quando esgotados os meios suasórios para haver o crédito que têm. Na atual conjuntura econômica atravessada pelo país, faz-se inadmissível que o interesse de um único credor sobrepuje o interesse coletivo, levando à bancarrota, …, uma empresa comercial, gerando o caos social para aqueles que, diretamente ou indiretamente, dela dependem e que, por certo, engrossarão mais ainda a já interminável fila dos desempregados”.
O Exmo. Sr. Min. Nilson Naves, da 3ª Turma do STJ, ao julgar o Resp. nº 51855/SP em 13/02/1995, afirmou que:
“Pondere-se que a falência não há de ser perseguida como um fim em si mesmo, pois o escopo primordial reside na preservação da atividade empresarial”.
O interesse em preservar a empresa esta acima dos interesses individuais do credor e do devedor, pois deve ser do interesse da coletividade esta preservação.
A falência do devedor comerciante não deverá ser declarada diante da ausência de seu estado constitutivo de insolvência.
Entendemos que não é possível ser declarada a falência do devedor comerciante somente porque ele não nomeou bens à penhora dentro do prazo legal se não for dado cumprimento integral ao mandado na busca de bens a serem penhorados.
Não devemos nos apegar estritamente aos aspectos formais da atual legislação falimentar somente avaliando seu rótulo esquecendo-se do seu conteúdo, pois, se sempre nos prendermos aos seus aspectos formais, muitas empresas viáveis falirão.
[1] Todos os grifos realizados neste artigo são de nossa autoria.
Advogado. Doctorat Droit Privé pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo em Diritto Processuale Civile e Diritto Fallimentare pela Università degli Studi di Milano. Autor de mais de 150 artigos , das obras Manual da Sociedade Limitada: Prefácio da Ministra do Superior Tribunal de Justiça Fátima Nancy Andrighi ; A prevenção de Dificuldades e Recuperação de Empresas e Assédio Moral no Trabalho (E-book). É também juiz arbitral e palestrante
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