Resumo: O presente artigo é resultado parcial de pesquisa bibliográfica, caracterizando-se como um ensaio de cunho sócio jurídico. Tendo como ponto de partida a abordagem desenvolvida por Antônio Maria Iserhard¹ a cerca do caráter vingativo da pena. É traçada uma discussão acerca dos aspectos relacionados à ideia de reparação presentes na penalização ambiental, inserindo-se como um elemento tensionador da ruptura do paradigma penal hegemônico contemporâneo. Sendo que, motivado pelas às exigências relacionadas à questão ambiental, num movimento sócio-histórico e jurídico, se estabelece no seio da sociedade elementos que acabam por promover a (re)elaboração de uma ideia de pena operada constantemente na história da humanidade.
Palavras-chave: Questão Ambiental; Direito Penal Ambiental; Penalização Ambiental.
Abstract: This article is partially a result of literature review, which is characterized as a test of a socio legal. Taking as its starting point the approach developed by Antonio Maria Iserhard ¹ about the vindictiveness of punishment. It outlined a discussion of aspects related to the idea of repairing environmental penalty in the present, inserting himself as a tensioner break the paradigm of contemporary criminal hegemonic. Since, motivated by the requirements related to environmental issues in a socio-historical movement and legal help to establish which elements within society is to promote the (re) development of an idea worth constantly operated in human history.
Keywords: Environmental Question; Environmental Penal Law; Environmental Penalty.
Sumário: 1. Introdução. 2. A dimensão da pena enquanto vingança. 3. A perspectiva reparatória da penalização em matéria ambiental e a superação da visão da pena enquanto vingança. 4. Considerações finais. 5. Referências.
1.INTRODUÇÃO
O presente artigo é resultado parcial de pesquisa bibliográfica, caracterizando-se como um ensaio de cunho sócio jurídico, onde se partindo da abordagem desenvolvida por Antônio Maria Iserhard¹ a cerca do caráter vingativo da pena, discute-se os aspectos relacionados à ideia de reparação presentes na penalização ambiental, inserindo-se como um elemento tensionador da ruptura do paradigma penal contemporâneo. Estabelecendo no seio da sociedade elementos que devido às exigências da questão ambiental, acabam por promover o movimento histórico de (re)elaboração de uma ideia de pena operada constantemente na história da humanidade.
O trabalho está estruturado de forma que primeiramente trazemos alguns elementos referentes ao aspecto vingativo da pena, enquanto movimento sócio histórico e jurídico. Num segundo momento do texto, a discussão centra-se na dimensão reparatória intrínseca a questão ambiental, o que permeia a instituição de uma ideia de penalização ambiental, enquanto traço social de superação da visão da pena enquanto vingança. E num terceiro e último momento do texto, tecemos as considerações finais do trabalho.
2. A DIMENSÃO DA PENA ENQUANTO VINGANÇA
A perspectiva da pena como vingança diz respeito a um olhar interpretativo de caráter sócio jurídico, onde, busca-se no corpo social a construção da forma como em determinado tempo histórico a sociedade concebeu e concebe a penalização enquanto instituto sociocultural e jurídico. Compreendendo-se as (des)continuidades operadas no curso de sua construção.
Numa perspectiva interdisciplinar – valendo-se da contribuição da Filosofia do Direito, da Filosofia Política, da teoria Política, Sociologia, Antropologia, Semiologia, Criminologia e da Ciência Jurídica – segundo Iserhard (2005, p. 49), “Desde a origem do Direito dos povos, o castigo foi verificado através do tempo, pelas mais variadas sociedades, o que constitui um fato constatado historicamente”, verificando-se uma continuidade no decorrer da história da dimensão da pena enquanto vingança. Onde desde os primórdios da história humana, verifica-se a presença da pena enquanto castigo como instituto social, ou seja, sempre houve entre os povos o emprego do instrumento penal, o que dá um contorno de universalidade, tendo-se de acordo com Iserhard (2005, p. 49) “a pena é um instrumento antigo e universal, imprescindível à vida dos povos, já que nenhum povo coexistiu sem tal instituto”. Conferindo à penalização um status fundamental para compreendermos a sociedade como um todo.
A questão do traço vingativo presente na pena, segue no curso da história humana certa continuidade, que se reelabora enquanto forma de legitimação, seja fundada na religião, na política ou no judiciário, pois de acordo com Iserhard:
“A pena é o que nunca deixou de ser, ou seja, uma vingança social, eis que consiste numa obra de vingança da sociedade. Se a vingança está hoje mais organizada, nem por isso deixa de ser vingança, se vingamos melhor, nem por isso deixamos de vingar” (ISERHARD, 2005, p. 147).
Moldando-se conforme o caldo cultural, mas permanecendo com seu traço fundamental de se fundar num sentimento social de vingança, que permanece em sua essência, como um caminho buscado e legitimado pelos indivíduos em sociedade, onde, “olho por olho, dente por dente”, mesmo que sob outras formas, conserva em seu núcleo a razão última da vingança social.
Partindo desta ótica, fruto de um amplo e aprofundado estudo empreendido pelo referido autor, coloca-se nossa questão central, qual seja, a de pensar em que medida e em que sentido a penalização ambiental “rompe” com esse paradigma da pena como vingança?
3. A PERSPECTIVA REPARATÓRIA DA PENALIZAÇÃO EM MATÉRIA AMBIENTAL E A SUPERAÇÃO DA VISÃO DA PENA ENQUANTO VINGANÇA
Partindo-se do pressuposto de que não basta a prescrição legal para que uma determinada sociedade passe de um estágio a outro em relação às práticas empreendidas em suas vivências cotidianas, e sim, que as leis, representam ao mesmo tempo o reflexo desta sociedade e o ponto de partida para efetividade dos Direitos. Estes implícitos ao processo de convício social, estando presentes como algo que impõe padrões de convivência aos grupos a partir das relações sociais estabelecidas pelos indivíduos em sua intersubjetividade, processando-se de maneira dinâmica ao passo da história. Interessando-nos perceber e compreender os movimentos operados na dinâmica social em face ao fenômeno jurídico-social da penalização ambiental, enquanto produto que faz parte do “caldo cultural” de nossa contemporaneidade.
A preocupação ambiental figura-se como uma questão pertencente há tempos em que se coloca em “cheque” todo o “caldo cultural” formador do modo de vida moderno em sua amplitude, fazendo valer ideias como a de que se faz necessária à preservação do meio ambiente para as futuras gerações e que esta não pode ser delegada a um ente abstrato ou divino, mas, que se constitui em algo que pertence a cada um em nome de todos, a partir do seu local, pensando e vivenciando as questões globais.
Deste contexto temos uma visão acerca da pena em matéria ambiental que se funda em dimensões que estão para além daquelas presentes na concepção da mesma enquanto vingança, nos termos de Iserhard, estando fundada a penalização em matéria ambiental numa perspectiva social reparatória, no sentido de um desejo coletivo de reposição do estado biótico anterior ao crime propriamente dito. Não havendo sentido em penalizar um sujeito que causa um crime ambiental, buscando-se uma vingança social, pois, a violação ao meio ambiente equilibrado, seja, em que nível se dá, remete a violação de algo que pertence à totalidade social, sendo também delegada à mesma a tarefa de defesa e conservação com vias a manutenção do “habitat” para as gerações futuras, ou seja, o que está em jogo na penalização ambiental, é muito mais uma ideia de que o causador do dano deve recompor o estado do meio ambiente, do que de cultivar algo em torno da visão de dar o troco na mesma moeda.
Mesmo que se trate de algo dinâmico, ou seja, estamos tratando de algo que se encontra em processo de disputa por hegemonia social, onde uma visão se impõe sobre a outra no decorrer de um determinado tempo histórico, a penalização ambiental pela essência em que está enraizada não permite ao corpo social legitimar uma visão de pena enquanto vingança e sim fundar uma ideia de reparação.
No nosso ordenamento constitucional encontraremos no artigo 225 a expressão social daquilo que se espera em termos da questão do direito ao meio ambiente equilibrado e a dimensão da responsabilização do Estado e da sociedade com a capacidade de reprodução do meio ambiente enquanto tal, uma vez que, conforme o artigo 225:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (ART. 225 C.F. 1988).
Tendo-se claramente a dimensão da essencialidade da questão do Direito ao meio ambiente equilibrado, seu caráter de bem comum e do dever da coletividade quanto a sua defesa e preservação, segundo Virgílio Nogueira Diniz:
“O Meio Ambiente é considerado, juridicamente, como um bem comum, cuja incolumidade é tutelada pelo Estado de Direito e se constitui como obrigação também dos particulares” (Diniz, 2010, p. 01).
Trazendo implícito não somente a ideia de uma suposta pretensão política de dar uma conformação “verde” a lei maior, no sentido de um rótulo político-ambientalista, mas sim, convertendo o texto constitucional num pilar mestre na ação econômica, social, política e jurídica em prol da busca de um meio ambiente equilibrado, como algo que é bem de todos e a todos, sociedade e Estado, é imposto o dever de protegê-lo em nome das presentes e futuras gerações. Tendo-se, portanto, uma dimensão fundada na necessidade de preservação do meio ambiente para o desenvolvimento da vida em sua amplitude.
Neste sentido, para que se opere a desejada “preservação”, se faz necessário a adoção de instrumentos, visto que o meio ambiente como qualquer bem, é passível de degradação e mesmo que sua reparação concreta seja discutível, uma vez que implica na maioria das vezes, na reorganização de sistemas complexos, tornando-se imperativo a responsabilização, que no caso brasileiro pode ser civil, administrativa ou penal.
Acerca desta última, em torno da qual objetiva-se nosso trabalho encontraremos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (6.938/81), o elemento reparatório, conforme Virgílio Nogueira Diniz:
“A Lei de Política nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) consagra como um de seus objetivos a imposição ao poluidor da obrigação de recuperar o ambiente afetado e/ou indenizar os danos causados. Possibilita esta lei o reconhecimento da responsabilidade do poluidor, em indenizar e /ou reparar os danos causados ao meio ambiente originados em decorrência do desenvolvimento normal de sua atividade potencialmente poluidora” (Diniz, 2010, p. 02).
Não tendo uma vinculação da pena com uma ideia de vingança e sim de que o poluidor deve buscar recompor o meio ambiente, uma vez que a ideia de preservar é algo que está ligado diretamente à garantia da manutenção do habitat, que em última instância é a condição intrínseca a reprodução da existência, ou seja, em matéria ambiental, antes de se impor um desejo coletivo de vingança por uma regra social desrespeitada, impõe-se a necessidade da manutenção da vida, convertendo a punição que antes era fundada na vingança social, na busca da reparação.
Inclusive verificando-se na legislação, conforme nos demonstra Paulo Affonso Leme Machado, em relação à questão da objetividade, tratando-se de danificação ao meio ambiente, onde segundo o autor:
“A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o meio ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano-reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de reparar” (MACHADO, 2001, p. 324).
Segundo alguns autores como Herman (1998. p. 36.),“O Direito Ambiental Nacional, a partir da Lei nº 6.938/81, passa a proteger o individual a partir do coletivo”, o que no nosso entendimento reforça a nossa tese central, ou seja, de que a natureza da questão ambiental condiciona a sociedade a um novo pensar acerca de questões em que se encontra envolvida no decorrer do seu processo existencial, onde a questão da penalização figura-se como uma delas. Onde essa demanda coletiva pela manutenção do meio biótico leva a sociedade a conceber uma penalização que deve ser reparatória e não mais vingativa.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entende-se que a temática, merece e necessita de um estudo mais aprofundado, contudo, pretende-se neste momento conclusivo do trabalho elencar algumas questões acerca do objeto, que por ora nos preocupou.
Partindo-se do enfoque sócio jurídico desenvolvido por Iserhard, no que se refere ao caráter vingativo da pena, traçou-se a discussão acerca do que de novo nos traz a questão da penalização ambiental em relação à noção de pena presente na sociedade, onde se constata a presença de elementos no campo jurídico que nos apontam para um movimento, pelo menos em matéria ambiental, institui uma ideia sobre a pena que não se funda mais no paradigma da vingança, mas, numa perspectiva de reparação do status biótico, condição intrínseca para o desenvolvimento da vida em sua plenitude.
Certamente a questão ambiental condiciona a experimentação de um movimento sócio jurídico pertencente a um processo que se opera em nossa contemporaneidade, onde a pena que antes aparece como algo fundado num sentimento de vingança social, dá lugar a uma ideia de reparação com vistas à manutenção da vida de maneira geral.
Sociólogo. Especializando em Direito Ambiental (interdisciplinar) na Universidade Federal de Pelotas. Atua desde 2005 em consultoria e assessoria social, tendo atuado em projetos relacionados às áreas de Extensão Rural, Educação Ambiental, Habitação de Interesse Social e Monitoramento Social de Políticas Públicas. Colaborador do Instituto Pluris – Pesquisas, Consultoria e Assessoria – Ltda. em Assessoria Social em geral. Membro (discente) do Grupo de Pesquisa “A Efetividade dos Direitos Humanos”,
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