Resumo: O presente trabalho visa analisar a qualidade da educação no Brasil e seus reflexos sobre o Estado Democrático de Direito. Por meio de estudos acerca da necessidade de educação que todo ser humano tem, pretendemos demonstrar que o indivíduo não pode ser subdesenvolvido uma vez que tal circunstância levaria á sua morte existencial. Demonstraremos ainda que, para que haja um verdadeira democracia, faz-se mister que o indivíduo esteja devidamente instruído e capacitado para tal tornando-se um cidadão no sentido pleno da palavra. Caso contrário não teremos cidadãos, mas massa de manobra e nem Estado Democrático de Direito, mas Estado de não direito ou Tirania.
Palavras-Chave: Estado Democrático de Direito. Democracia. Educação.
Sumário: 1. Introdução. 2. Estado Democrático de Direito. 3. O Homem e a Educação. 4. Democracia e Educação. 5. Conclusão. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa questionar a existência de um verdadeiro Estado Democrático de Direito em nosso país. Demonstraremos que convivemos com uma democracia extremamente fraca a qual se limita praticamente ao campo teórico sendo que tal fragilidade advém da baixa qualidade da educação que nos é oferecida.
Quanto á metodologia valeremo-nos de pesquisa bibliográfica de várias áreas científicas, dentre elas a Ciência Política, a Filosofia, o Direito Constitucional, a Educação, entre outras necessárias à estruturação do presente artigo. Não é intenção deste estudo aprofundar-se em assuntos periféricos ao tema como os Direitos Humanos, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o Direito Internacional, a Filosofia, e a Ciência Política, mas abordá-los de forma tópica conforme a construção do raciocínio assim necessitar. De acordo com a natureza desta espécie de trabalho científico não se pretende tratar de forma exaustiva os temas centrais como o Estado Democrático de Direito, a Democracia, e a Educação.
Questionando-se a efetiva existência de um Estado Democrático de Direito, pretendemos eviscerar a principal debilidade que enfraquece a nossa democracia: a baixa qualidade da educação. Demonstraremos que o indivíduo necessita de educação para desenvolver todas as suas faculdades que ainda se encontrem tão só incubadas como quando vêm ao mundo. O não oferecimento de conteúdo educativo que possa desenvolver em plenitude o ser humano faz dele um ser fadado ao fracasso, uma vez que é por causa do processo educativo que um ser transmite ao outro experiências positivas que leva a espécie humana a um processo de constante aprimoramento.
Desta forma, para que alguém possa participar do sufrágio, da ação política mais engajada, dar opiniões e assimilar ações e opiniões dos demais, deve também possuir condições para tal, leia-se, deve ser plenamente capacitado pela educação.
2. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
A expressão Estado Democrático de Direito traz em seu bojo dois princípios Constitucionais: Princípio do Estado de Direito e Princípio democrático.
O termo Estado de Direito foi trazido no século XIX pelo alemão Robert Von Mohl tendo em si três vigas mestras: o império da lei, a separação dos poderes e a prevalência dos direitos individuais fundamentais. O Estado de Direito constitui um sistema tipicamente liberal onde o indivíduo está protegido pelas leis que estabelecem direitos bem como pelas normas que lhe sevem de meio para concretizá-los. Trata-se de uma “ordem juridicamente centralizada segundo a qual a jurisdição e a administração estão vinculadas à lei” (Kelsen, 1979, p. 35).
Neste contexto o Estado se apresenta com um papel mínimo tendo o indivíduo (súdito transformado em cidadão livre) ampla liberdade. Como salienta Canotilho (apud Martinez, 2006):
“A expressão Estado de direito é considerada uma fórmula alemã (Rechtsstaat) […] O Estado domesticado pelo direito é um Estado juridicamente vinculado em nome da autonomia individual ou, se se preferir, em nome da autodeterminação da pessoa […] Contra a idéia de um Estado de polícia que tudo regula a ponto de assumir como tarefa própria a felicidade dos súditos, o Estado de direito perfila-se como um Estado de limites, restringindo a sua ação à defesa da ordem e segurança públicas. Por sua vez, os direitos fundamentais liberais – a liberdade e a propriedade – decorriam do respeito de uma esfera de liberdade individual e não de uma declaração de limites fixada pela vontade política da nação”
Verificamos de forma notória que no Estado de Direito as regras são criadas para proteção do indivíduo de eventual agressão por parte do Estado; sendo que aos súditos somente poder-se-á exigir aquilo que se encontra previamente normatizado estando Soberano e Súdito subordinados ao império da lei. É a “superioridade do governo das leis sobre o governo dos homens, segundo a fórmula lex facit regem” (Bobbio apud Martinez, 2006).
“O Estado de direito cumpria e cumpre bem as exigências que o constitucionalismo salientou relativamente à limitação do poder político” (Canotilho, 1998, p. 94), porém:
“por outro lado, se se concebe o Direito apenas como um conjunto de normas estabelecidas pelo Legislativo, o Estado de direito passa a ser Estado de Legalidade […] o que constitui uma redução deformante. Se o princípio da legalidade é um elemento importante do Estado de Direito, nele não se realiza completamente […] Essa doutrina converte o Estado de Direito em mero Estado Legal. Em verdade, destrói qualquer idéia de Estado de Direito” (Silva, 1998, pp. 118 e 119).
O Estado de Direito controla o poder do Estado sobre os indivíduos, protegendo assim os Direitos individuais, mas não garante a participação dos destinatários em seu exercício (Sundfeld, 2001, p. 49). Assim, falta no Estado de Direito a legitimação democrática do poder.
O excesso de liberdade criado pelo Estado de Direito levou a abusos por parte dos economicamente mais fortes criando vigorosa oposição por parte das classes mais pobres que queriam o reconhecimento dos direitos sociais sedimentados na isonomia. Tal evento levou à instituição do Estado Social. O Estado deixa de lado seu papel “inerte” e passa a ter uma postura ativa como agente do desenvolvimento da justiça social (educação, emprego, moradia, previdência, etc.).
Se por um lado o Estado Liberal peca por ser omisso, dando grande autonomia a seus súditos, o Estado Social mostrou-se falho também por ser extremamente intervencionista, burocrático e pesado, uma vez que competia a ele prover praticamente tudo a todos, sendo em alguns casos um Estado Socialista (o que não seria mal, se tivéssemos a mesma qualidade de vida dos países nórdicos).
De todo modo, foi como forma de superação dos modelos Liberal e Social que surgiu o Estado Democrático de Direito. Neste sistema o Estado funda-se na legalidade democrática; está sujeito à imperatividade da lei, como no Estado de Direito, porém no Estado Democrático de Direito, a lei deve traduzir os anseios sociais pretendidos pelo titular do poder (povo). Conforme salienta Canotilho (1998, p. 95) “a articulação do “direito” e do “poder” no Estado Constitucional significa, assim, que o poder do Estado deve organizar-se e exercer-se em termos democráticos. O Princípio da soberania popular é, pois, uma das traves mestras do Estado Constitucional. O poder político Deriva do poder dos cidadãos que se manifesta, dentre outras formas, através da ação popular, lei de iniciativa popular, referendo, plebiscito e ação civil pública.
Conforme afirma Aristóteles (apud José Afonso da Silva, 1998, p. 133)
“Aristóteles já dizia que a democracia é o governo onde domina o número, isto é, a maioria, mas também disse que a alma da democracia consiste na liberdade, sendo todos iguais. A igualdade, diz, é o primeiro atributo que os democratas põem como fundamento e fim da democracia. E assim acaba concluindo que toda democracia se funda no direito de igualdade, e tanto mais pronunciada será a democracia quanto mais se avança na igualdade”
Assim, conforme se infere, o Estado Democrático de Direito não implica simplesmente no reconhecimento formal de que o povo é o titular do poder e que todos devem obediência à lei. Mais do que isso, para a efetividade de tal sistema não se pode prescindir de meios que visem efetivamente fazer do Estado uma instituição submissa à Constituição e verdadeiramente democrática. Além da existência de órgãos representativos, de eleições periódicas, do pluralismo partidário e da separação dos poderes a democracia pressupõe a “estruturação de processos que ofereçam aos cidadãos efectivas possibilidades de aprender a democracia, participar nos processos de decisão, exercer o controlo crítico na divergência de opiniões, produzir inputus políticos democráticos”(Canotilho, 1998, p. 282).
Acerca da democracia afirma Canotilho (1998, p. 283):
“As premissas antropológico-políticas da participação são conhecidas: o homem só se transforma em homem através da autodeterminação e a autodeterminação reside na participação política (orientação de input) […] a democracia é um processo dinâmico inerente a uma sociedade aberta e activa, oferecendo aos cidadãos a possibilidade de desenvolvimento integral, liberdade de participação crítica no processo político, condições de igualdade económica, política e social”
Não basta dar ao povo o direito de escolher se a este não é oferecida condições para tal. A Democracia pressupõe, além de possibilidades formais de participação, a existência real e material das mesmas. Também nunca é demais ressaltar que democracia e direito são pares que podem/devem caminhar juntos — ainda que a história política nem sempre os traga tão pertos ou com a mínima afinidade necessária. Portanto, podem ser acrescentadas ao escopo da discussão: i) a judicialização da política; ii) o regramento da chamada processualística dos direitos fundamentais à conservação da vida social organizada:
Afiguram-se de importância significativa a liquidez e certeza dos direitos fundamentais da vida, liberdade e dignidade, na linha constituinte de sua construção, porque a lei constitucional, nesse passo, é provimento de mérito não rescindível ou afastável por juízos cognitivos ou de conveniência ou eqüidade da decidibilidade judicial, cabendo a esta tão-somente cumprir e conduzir a execução dessa fundamentalidade jurídica titularizada ou protegê-la de ilegalidades supervenientes. Com efeito, a qualidade de liquidez e certeza, ao se liberar de conotações comercialistas, é asseguradora de presentificação contínua, em âmbito constitucional, de procedibilidade vinculante de mérito pré-decidido no nível constituinte pelos direitos fundantes (devido processo instituinte) da base conceptiva da democracia (Leal, 2003, p. 339).
Conforme salienta Gomes (2005, p. 77) “as instituições -e dentre estas está o Estado- são construções humanas destinadas a contribuir com o desenvolvimento e a realização do ser humano”. Assim se vivemos em um Estado em que as normas Constitucionais ora não são respeitas pelo Governo, ora têm seu conteúdo esvaziado pelos tribunais lesando gravemente o povo; um Estado que não busca o bem comum, o desenvolvimento e a realização do ser humano, mas o favorecimento de pequenos grupos que “representam” o povo graças a um sistema democrático frágil; logicamente não estamos diante de um Estado Democrático de Direito, mas perante um Estado de não direito: “aquele em que o poder político se proclama desvinculado de limites jurídicos e não reconhece aos indivíduos uma esfera de liberdade ante o poder protegida pelo direito” (Canotilho, 1999, p. 11).
3. O HOMEM E A EDUCAÇÃO
Para falarmos em educação, faremos algumas considerações breves, conforme a natureza deste trabalho, acerca do seu destinatário: o homem.
Para isso trazemos à baila um questionamento de cunho antropológico-filosófico: o que é e quem é o homem? As respostas a tal questionamento são inúmeras variando de acordo com o prisma daquele que a responde.
Conforme a Bíblia, o homem é imagem e semelhança de Deus, seu criador[i]. Aristóteles ao definir o homem, o faz segundo um prisma social; para o grande filósofo, “é evidente que o homem é naturalmente um animal político, destinado a viver em sociedade” (Aristóteles, 1995, p. 14). No Renascimento, entretanto, por força da crítica racional que se desenvolvia à época, sobretudo, pela laicização do mundo e afirmação do individualismo, o homem não mais seria a imagem de Deus. A partir de então, o mundo seria a imagem do homem: o antropocentrismo.
Para Admardo Serafim de Oliveira (apud Gomes, 2005, p. 59) existem dez características diferentes que diferem o homem dos demais seres da natureza:
“1ª …o homem possui certas características que o distinguem dos outros animais;
2ª …o homem é um ser inventivo e progressivo;
3ª …o homem emprega uma linguagem proposicional;
4ª …o homem é um animal pensante;
5ª …o homem é uma criatura que possui um senso ético com uma consciência moral;
6ª … o homem é um ente reflexivo;
7ª … o homem é um ser religioso;
8ª … o homem é um ser dotado de emoção estética;
9ª … o homem é um animal social e político;
10ª … o homem é uma criatura finita e inacabada;”
Frente às características do homem aqui elencadas, mais próximas do contexto que se elabora do Renascimento ao Iluminismo e até hoje em dia, podemos observar que o ser humano, diante delas, carece da satisfação das necessidades que o caracteriza. Desta forma o homem é um ser inacabado e não auto-suficiente (Gomes, 2005, p. 60), trazendo em seu bojo a necessidade de ser acrescido em valores, conhecimento e experiências. Canivez é categórico ao afirmar que “o animal já é tudo o que pode ser: seu comportamento e seus gostos são fixados pela lei da natureza em geral […] O homem tem de construir a si mesmo” (1991, p.40). Edgar Morin neste sentido afirma que:
“O homem é, portanto, um ser plenamente biológico, mas, se não dispusesse plenamente da cultura, seria um primata do mais baixo nível. A cultura acumula em si o que é conservado, transmitido, aprendido, e comporta normas e princípios de aquisição. […] O homem somente realiza plenamente como ser humano na cultura e pela cultura. Não há cultura sem cérebro humano (aparelho biológico dotado de competência para agir, perceber, saber e aprender), mas não há mente (mind), isto é capacidade de consciência e pensamento, sem cultura. A mente humana é uma criação que emerge e se afirma na relação cérebro-cultura” (Morin, 2000, p. 52).
O convívio do homem no meio social buscando realizar necessidades biológicas, espirituais e sociais propriamente ditas, faz ainda com que o mesmo se mostre capaz de aprender e ensinar. E é tal exercício que o faz se encontrar e se perceber como útil não sendo apenas mais um simples ser neste mundo: apenas um grão de areia a mais. Trata-se de um ser sedento de conteúdo e é tal sede que o impulsiona no meio em que vive encontrando um sentido para sua vida colocando-se em um “empolgante processo vital que Carl Rogers denominou tornar-se pessoa” (Gomes, 2005, p. 91).
O que sacia esta sede? Qual o nome do processo que dura a vida toda no qual o homem vive ensinando e aprendendo tornando-se sempre algo inacabado? A educação.
A palavra educação provém do latim educatio, educationes, que remete ao ato de criar, de constituir uma estrutura cultural. A educação, ao contrário do que alguns pensam, não constitui um plus social, ou algo destinado a poucos, mas se mostra como “requisito indispensável à concreção da própria cidadania” (Garcia, 2005).
Para Rousseau a educação é uma fonte que vinha saciar as “debilidades” humanas: “nascemos fracos, precisamos de força […], nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que não temos ao nascer e que precisamos quando grandes nos é dados pela educação” (Rousseau apud Gomes, 2005, p. 89). Para Hobbes a educação se fazia necessária para a formação da sociedade: “não é pela natureza que o homem se torna capaz de formar sociedade, mas pela educação” (Hobbes, 1993, p. 282).
A educação constitui um processo de constante aprimoramento uma vez que um transmite ao outro conhecimentos e experiências positivas que farão cada vez melhor os seres e o meio em que vivem.
Ao estabelecer as diretrizes básicas para a educação brasileira o constituinte de 1988 assim estabeleceu no Art. 205 da CF: A educação, direito de todos e dever do estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Conforme proposta deste trabalho, destacamos dois pontos do artigo 205: a educação como instrumento para o “preparo para o exercício da cidadania”, assunto que será tratado no capítulo seguinte; e a busca pelo “pleno desenvolvimento da pessoa” através da educação.
O constituinte seguiu o entendimento dos educadores segundo o qual a educação tem que ser oferecida em sua plenitude sob pena de trazer graves conseqüências para o homem. Desenvolver-se em sentido pleno significa dar vida a todas as faculdades da pessoa (físicas, racionais, volitivas, etc.) integrando a mesma no convívio social. Ao se oferecer educação de forma fragmentada está-se desconsiderando o homem em sua integralidade, e a conseqüência de tal debilidade é a extinção da faculdade humana não desenvolvida. Ao se fazer isso nega-se a essência do ser humano deixando este de se desenvolver e sendo ceifado das competências com as quais veio ao mundo e que careciam de impulso para serem desenvolvidas. Pensemos na barbárie que seria se nos fosse tirada a oportunidade de aprendermos a praticar o que de melhor fazemos. Imaginemos se ao poeta Machado de Assis não fosse ensinado ler e escrever. Não podemos abrir mão da oportunidade de desenvolvermos todas as nossas capacidades sob pena de estarmos privados de nossa essência.
Somente a educação pode nos mostrar o que fazer com o saber, uma vez que esta, quando oferecida em sua plenitude, nos leva a refletir criticamente sobre o conhecimento adquirido (passado pelos outros) conformando-se com o mesmo (caso concorde) ou criticando (caso discorde) propondo eventualmente uma nova idéia. Tal exercício faz com o que o ser humano seja dinâmico e cumpra com os anseios que a sua própria natureza propõe: a sua evolução e aprimoramento.
Uma das formas de expressão desta atuação é o exercício democrático que conforme mostraremos no capítulo seguinte requer a participação de cidadãos críticos e para que sejam críticos devem ser educados plenamente.
4. DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO
Após analisarmos a íntima relação de dependência entre o homem e a educação passaremos agora a considerar a educação como condição para a efetiva realização da democracia. Porém, para que tenhamos uma democracia plena e fortalecida mister se faz que disponhamos também de um sistema educacional pleno e fortalecido que transforme as pessoas que a ele se submete em verdadeiros cidadãos. Avaliemos alguns números sob a análise de Heliton Rocha (2005):
“Segundo o IBGE (SIS, 2003), a população na faixa etária de 25 ou mais, isto é, historicamente a população com maior incidência de pais e mães, era de 99 milhões de pessoas. Destas, 85 milhões enquadravam-se no analfabetismo funcional [ii]. Linhas gerais, significa imaginar que de cada 5 famílias brasileiras, 4 eram compostas de pais analfabetos funcionais.
A estes pais desprivilegiados da educação devemos agregar, proporcionalmente, outras 75 milhões de pessoas com idade entre 0 e 24 anos, que seriam os filhos, formando então 43 milhões de famílias de pais analfabetos funcionais.
Do universo de 75 milhões de filhos, somente 44 milhões freqüentam escolas (37 milhões delas no ensino público). Neste sentido, é licito calcular que de cada dois filhos destes pais apenas um é estudante.
Assim, os dados mostram que 80% das famílias brasileiras são formadas por pais analfabetos funcionais cujos filhos freqüentam escola. Destes jovens estudantes, 50% está em situação de distanciamento, posto que comporta jovens que trabalham durante o dia e estudam a noite (18 a 24 anos), e crianças em creches ou pré-escolas (0 a 6 anos). A outra metade dos filhos estudantes das 43 milhões de famílias educacionalmente desfavorecidas é composta pela faixa etária entre 7 e 17 anos, isto é, no ensino fundamental (7 a 14 anos), e ensino médio (15 a 17 anos)”.
Não podemos negar que nos últimos anos a educação no Brasil tem evoluído; porém a passos curtos, o que nos mantém ainda muito distante do nível ideal (vide a quantidade de semi-alfabetizados que hoje saem das escolas); sendo mais grave ainda a constatação quando nos deparamos com uma massa totalmente desprovida de qualquer conhecimento mínimo que deveria dispor um verdadeiro cidadão apto a participar ativamente de uma democracia.
Nos países em que há maior preocupação com a qualidade da educação observamos a adoção de medidas fomentadoras de cidadania. Segundo o U.S. Department of Education (Ministério da Educação americano) é obrigatória a disciplina História Americana até o ensino médio naquele país, sendo seu currículo também testado anualmente por aquele órgão governamental. O principal tópico desta disciplina curricular americana é o estudo da Constituição.
Ao elencar as dificuldades da Democracia, Hadfield (apud, Maria Garcia, 1997, p. 43,) afirma que “a única segurança contra a escravidão política é o obstáculo oposto aos governantes pela difusão da inteligência, atividade e espírito público entre os governados”. Tratando ainda dos problemas que desestabilizam a Democracia Regina Ferrari (1997, p. 253) afirma que “ o problema fundamental da democracia é a falta de previsão de meios que ofereçam ao cidadão oportunidades para aprender o que é a realização do ideal democrático, através da sua participação efetiva nos processos de decisão […]”.
A falta de instrução no sentido de capacitar o cidadão constitui, sem medo de errar, na completa anulação do ideal democrático. Seria como pedir a um animal que se manifestasse sobre a forma com que quer se alimentar, colocando como regra do “diálogo” a norma de “quem cala consente”. Ora, deixando de lado as impossibilidades biológicas; perguntamos: O animal tem condições de se manifestar? Possui conhecimento para deliberar? Para ele está tudo ótimo, afinal de contas ele não nem sequer consegue vislumbrar outra realidade.
Apesar das infinitas diferenças existentes entre um animal e o homem, quando verificamos a qualidade da educação no Brasil, somada à situação política atual, constatamos que não há diferença entre as ocorrências citadas. Temos uma massa populacional que sequer tem condições de avaliar o que é melhor para si, pois não tem subsídios intelectuais para analisar devidamente e depois escolher.
Ao ressaltar a necessidade de postura dinâmica dos cidadãos, Ignácio Burgoa (apud Ferrari, 1997, p. 214) afirma que “Em uma autêntica democracia o povo jamais deve permanecer indiferente frente à atuação dos titulares dos órgãos do Estado”
A democracia não pode prescindir de cidadãos verdadeiramente preparados para tal. O que temos hoje em nosso país são pessoas que constatam parcialmente (já que não possuem condições para ir além disso) as vergonhas políticas e achando que estão resolvendo o problema simplesmente se desinteressam pelas atividades políticas. Sobre esta postura escreve Martinez (2007a):
“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio, depende das decisões políticas. O Analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e o lacaio das empresas nacionais e multinacionais”.
Montesquieu (apud Weffort, 2000, p. 127 e 128) expressa de forma sublime a importância do papel do povo na Democracia, e ressalta a necessidade de o povo ter acesso às informações que lhes subsidiem no sufrágio.
“O povo, na democracia, é sob certos aspectos, o monarca; sob outros, é o súdito. Não pode ser monarca senão por meio de seus sufrágios que constituem suas vontades. A vontade do soberano é o próprio soberano. […] O povo é admirável para escolher aqueles a quem deve confiar parte de sua autoridade. Para deliberar, não dispõe senão de coisas que não pode ignorar e de fatos que são palpáveis”.
A Democracia exige, para que se cumpra plenamente, a participação de cidadãos preparados para ela. Parece exagero, mas não é. Os cidadãos necessitam aprender o que é democracia, conhecer a fundo o processo eleitoral, acompanhar a atuação dos políticos eleitos, verificar se há coerência em suas atitudes, observar se ele atua na defesa dos interesses públicos ou conforme o interesse do partido (grande parte das vezes estes dois últimos interesses não são congruentes) e a troco de quê eles defendem os interesses da “coligação”. É necessário que “ameacemos” os políticos; devemos incomodar. Diminuindo os espaços conseguiremos melhoraremos muito a nossa condição.
Sobre a postura ativa dos cidadãos na democracia afirma Canotilho (apud Martinez, 2004):
“Em primeiro lugar, o princípio democrático acolhe os mais importantes postulados da teoria democrática representativa. (…) Em segundo lugar, o princípio democrático implica democracia participativa, isto é, a estruturação de processos que ofereçam aos cidadãos efetivas possibilidades de aprender a democracia, participar nos processos de decisão, exercer controle crítico na divergência de opiniões, produzir inputs político-democráticos. É para este sentido participativo que aponta o exercício democrático do poder (…), a participação democrática dos cidadãos (…), o reconhecimento constitucional da participação direta e ativa dos cidadãos como instrumento fundamental da consolidação do sistema democrático (…) e aprofundamento da democracia participativa”.
Não podemos falar em democracia plena sem o mínimo conhecimento jurídico do sistema normativo que vivemos; como podemos afirmar que vivemos em uma democracia se homens e mulheres desconhecem seus direitos e deveres, se somos tratados como um bando desordenado, como coisas as quais fazem e desfazem como bem entendem. É triste a constatação, mas não somos nada além de uma massa manipulável.
Ao Estabelecer o Estado Democrático de Direito, a CF de 88 estabelece também a necessidade de participação ativa do povo o que leva a indispensável qualificação/preparação deste para tal. Analisando nossa realidade, é brilhante a constatação de Sampaio Dória (apud Gomes 2005, p. 94 e 95):
“Duas são as formas extremas dos regimes políticos: ou o poder é a vontade dos governantes impostas aos governados, ou o poder é a vontade dos governados delegada aos governantes. Ou autocracia, ou democracia. Nas autocracias, quanto mais afundar-se o povo na ignorância, melhor. Quando muito, monopolizar o governo a educação, para fanatizar as massas e silenciá-las no trabalho. Nas democracias, quanto mais educado o povo na escola da liberdade, melhor. (…) Tendo proclamado, no art. 1º da Constituição para si, o regime democrático, o que cumpre em conseqüência ao País, é tudo fazer por que o povo se eduque na escola da liberdade, na consciência do seu destino, na capacidade para o trabalho. A educação é o problema básico da democracia”
Olhemos para o Brasil de hoje. Quem elege nossos representantes? Cidadãos em sentido pleno da palavra ou a massa? Não há dúvida de que o que temos no Brasil hoje constitui uma massa manipulável produzida propositalmente por aqueles que deveriam fazer de nós uma nação esclarecida; mas a luz em nossas mentes leva ao escuro dos favorecimentos pessoais, da demagogia, do “levar o povo no bico”, etc. Nós queremos a democracia; até de forma inconsciente, mais ou menos como papagaio que fala, fala …, mas não entende nada do que está fazendo. As massas são ignorantes, “e a democracia é o regime das luzes e da publicidade. Todavia, os seus movimentos, a sua ansiedade, os seus ímpetos mais agressivos denotam a inclinação pendular que elas possuem para afirmarem direitos políticos e sociais” (Bonavides, 1980, p. 221).
O problema é mais grave do que parece. A massificação social constitui pressuposto da ditadura. Os ditadores se valem de tal para “acalmar os ânimos” da sociedade, que unida, ninguém pode nada contra ela. Formalmente, pelo menos, não vivemos sob uma ditadura, mas ao constatarmos que oferecemos o mesmo perigo para o presidente da república que uma nação pode oferecer ao seu ditador, é inegável que fazemos parte de uma democracia extremamente frágil. A diferença é que o “constitucionalismo democrático emancipou politicamente as massas com o sufrágio universal” (Bonavides, 1980, p. 227).
De posse de uma democracia de massas, o líder de um país, região tem o Estado sob o seu irrestrito domínio. Mascara-se a realidade com demagogias e mentiras enquanto o país vive “amamentando” classes políticas e grandes grupos empresariais.
Vivemos em um país despolitizado, onde o ato de ir às urnas se constitui uma mecânica e coletivamente desinteressada obrigação legal. O remédio para esta doença social é a educação. “O amor da democracia pela educação é um fato cediço. A explicação superficial é que um govêrno que se funda no sufrágio popular não pode ser eficiente se aquêles que o elegem e lhe obedecem não forem convenientemente educados” (Dewey, 1959, p. 93).
Somente através da educação é que podemos libertar os indivíduos das amarras da ignorância acerca daquilo que é direito, valor, dignidade, bem como sobre os direitos, valores e a dignidade do outro, de modo a ver neste um semelhante e não um inimigo (Gomes, 2005, p. 57).
“Educar não é só aprender; é mais, é “apreender”, ou seja, “tomar para si, mas agindo para fora”. É uma educação que inquire e revira o passado (re-aprende), desconfia do presente e aposta no futuro. É uma educação típica de quem visita, para reviver, os clássicos, sem se esquecer de quem é e de quem quer ser — ou daqueles que quer encontrar mais à frente, na vida futura” (Martinez, 2007a).
A “educação é o passaporte para a cidadania” (Garcia, 2005), sem ela, como já foi dito anteriormente, o indivíduo se encontra ceifado do desenvolvimento de suas habilidades, trata-se de uma obra incompleta que se torna inútil se não estiver concluída.
O Direito e o Estado devem ser considerados meios e não fins. Estes devem estar à disposição do homem e não o contrário. Conforme ensina Kant: o homem constitui um fim em si mesmo (aperfeiçoamento de seu ser); por esta razão que a educação é vital tanto para o desenvolvimento do indivíduo, como da democracia e conseqüentemente do Estado. (Gomes, 2005, p. 66).
5. CONCLUSÃO
A educação constitui elemento primordial no Estado Democrático de Direito. Sem ela não há direitos fundamentais em plenitude e em conseqüência não se realiza a determinação do Art. 1º, caput de nossa Carga Magna.
Antes que seja tarde, urge proclamar que o menosprezo do direito à educação fere gravemente a dignidade humana, vista esta com base vital dos ordenamentos jurídicos democráticos, razão de ser do Estado Democrático de Direito (Gomes, 2005, p. 58 e 59).
A ausência de educação tira a dignidade da pessoa e a partir do momento em que perdemos nossa dignidade passamos a ser tratados como meio para alcançar um fim que não nos privilegia (contrariando o mandamento Kantiano expressado no capítulo anterior). No mesmo sentido de Kant afirma Königsberg (apud Gomes, 2005, p. 80): “as coisas têm preço, mas a pessoa humana é dotada de dignidade”. Sem educação, sem conhecer direitos e deveres, não há que se falar em liberdade do indivíduo.
Se um Estado não disponibiliza educação de qualidade para seu povo e não se preocupa em desenvolver o ser humano em todas as suas faculdades, os membros deste Estado não têm condições de utilizar os direitos garantidos em sua Constituição, pois sequer os conhece uma vez constituem massa de manobra. Ao ilhar o povo de seus direitos, deparamo-nos com a Tirania que em linhas gerais é a negação do Direito: é o Estado de não Direito.
“Essa desfiguração há muito tempo tem permitido justificar o Estado de não-Direito, tão marcadamente presente no fascismo e no nazismo, como Estado de Direito. Essa inversão ideológica dos pólos, obviamente, é intencional e serve à produção de injustiças” (Martinez, 2006).
Desta forma é falsa a afirmação popular de que “cada povo tem o governo que merece”. É certo que o governo existente foi posto pelo povo, o que nos leva a pensar aleivosamente que a afirmação é correta; mas o Estado tem obrigação de instruir os seus membros, fazendo de seu povo um conjunto cada vez mais qualificado. Se isto não acontece, diga-se de passagem, de propósito, o povo passa a não dispor de condições intelectuais para escolher e em conseqüência constitui marionete da tirania.
Diante deste grave problema republicano, sugere Martinez (2007b) que “um “caminho” seria desenvolver e aprofundar o senso geral de que a educação pública deve conduzir à liberdade e autonomia política dos indivíduos, colaborando na sua formação enquanto sujeitos históricos (“responsáveis pelo mundo em que vivem”) e agentes políticos de transformação social (deste “mesmo mundo” em que se postam como seres ativos)”.
Pensamos que a educação deve ser tida ao lado da saúde e da segurança, como prioridade basilar de um Estado. Se a República é uma construção coletiva que se faz no dia a dia, então, é preciso pensar numa educação moral, uma educação para o público, para que se pense publicamente. Uma educação que combinasse ética mais democracia; uma educação que levasse à verdade.
Em especial no Brasil, a educação deve primar pelo desenvolvimento de ideais republicanos. Nosso povo tem que deixar de ter o “jeitinho brasileiro”, tem que deixar de ser “esperto” em detrimento do outro, para ser uma peça de um todo, pensando de forma coletiva, pois para que nos tornemos república devemos pensar e agir como tal sob pena de estarmos fadados a viver no estado de natureza hobbesiano.
Historicamente, desde a Grécia, a Democracia tem evoluído muito (lembremos das decisões nas praças de Antenas, do voto de cabresto restrito aos homens, dentre outras expressões democráticas precedentes). Uma educação verdadeiramente republicana talvez seja o mais necessário e iminente passo no sentido de aprimorar e nos levar ao verdadeiro Estado Democrático de Direito.
Especialista em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina-UEL- Concentração em Direito Constitucional; formado em Direito pela Faculdade de Direito de Araçatuba-SP
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