A efetivação dos direitos humanos, a dignidade da pessoa humana e o trabalho escravo contemporâneo no Brasil

Resumo: Desde os primórdios, a escravidão foi baseada em um forte preconceito étnico e racial. Era vista como uma situação aceita e logo tornou-se essencial para a economia e para a sociedade das civilizações antigas. Em 1888 o Brasil sancionou a Lei Áurea e aboliu a escravidão. Entretanto, esta prática nunca acabou. Em meados da década de 60 iniciou-se o trabalho escravo contemporâneo impulsionado pela a expansão da fronteira agrícola no norte do país. O escravo contemporâneo é aquele trabalhador que deixa sua terra natal devido as condições econômicas e vai em busca de uma vida melhor em outra região, porém ele é ludibriado e acaba encontrando outra realidade quando chega ao destino. Esta realidade é um problema de ordem moral que viola os direitos humanos em seu grau mais profundo, ferindo a dignidade da pessoa humana, no qual é um conjunto de direitos mínimos do homem, sendo inalienáveis e irrenunciáveis.[1]

Palavras-chave: trabalho escravo contemporâneo; efetivação dos direitos humanos; dignidade da pessoa humana, servidão por dívida, trabalho forçado e degradante.

Abstract:  Since the early days, slavery was based on a strong racial and ethnic prejudice. Was seen as a situation accepted and soon became essential to the economy and society of ancient civilizations. In 1888 Brazil signed the "Lei Áurea" and abolished slavery. However, this practice has never ended. In the mid-60s, came the contemporary slave labor driven by the expansion of the agricultural frontier in the north. The contemporary slave is one worker who leave their homeland because of economic conditions, and goes in search of a better life in another region, but he's duped and ends up finding another reality when it reaches the destination. This reality is a moral problem that violates human rights in its deepest level, hurting the dignity of the human person, which is a set of minimum rights of man inalienable and indispensable.

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Keywords: contemporary slavery; realization of human rights, human dignity, debt bondage, forced labor and degrading.

Sumário: Introdução. 1. Histórico. 1.1 Escravidão no mundo. 1.2 O surgimento da escravidão no Brasil. 2. Legislação em vigor. 3. Efetivação dos Direitos Humanos e a Dignidade da Pessoa Humana. 4. O Trabalho Escravo Contemporâneo. 4.1  O origem da escravidão contemporânea no Brasil. 4.2 Trabalho escravo contemporâneo. Conclusão. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

A dogmática da escravidão contemporânea foi escolhida como tema para este artigo principalmente por haver nele um intenso problema ainda não sanável em nosso País.

Após os primeiros estudos, foi identificada a pergunta: o porque da utilização da mão de obra forçada em um País onde se prioriza o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos objetivos da Constituição Federal de 1988?

Para se fazer uma análise sobre a celeuma da escravidão contemporânea temos que nos voltar aos princípios constitucionais e refletir sobre a falta de dignidade, de igualdade, de liberdade e de legalidade que hoje se encontram aqueles que vivenciam em condições análogas à escravidão.

Desta forma, para responder esta principal indagação, foi realizada uma pesquisa direcionada em livros e artigos de grandes renomados juristas brasileiros.

A autora, ainda, entrou em contato com a assessoria da CONAETE (Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, da Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª região) e obteve os mais recentes trabalhos e pesquisas sobre o tema.

Além disso, foi realizada uma intensa pesquisa nos sites da Organização Internacional do Trabalho (OIT), bem como às organizações não governamentais de combate ao trabalho escravo: Anti-Slavery e Repórter Brasil.

O presente trabalho está dividido em quatro (04) partes. O primeiro capítulo "Histórico" é sobre a parte histórica da escravidão no Mundo e no Brasil.        Nele o leitor encontrará uma pesquisa para saber o significado da Etimologia da palavra escravo, o surgimento desta prática no mundo e no Brasil, como também o surgimento da modalidade contemporânea de trabalho escravo.

No segundo capítulo, veremos sobre a legislação em vigor em nosso país. Todos os tratados internacionais já ratificados foram inseridos neste capítulo, dando base a todas as pesquisas realizadas. Inclusive as tipificações penais e normas da seara trabalhista.

Já no terceiro capítulo, falaremos sobre a efetivação dos direitos humanos e a dignidade da pessoa humana dentro do contexto da escravidão contemporânea. Traremos conceitos de renomados filósofos, sociólogos e juristas estudiosos da área.

Por fim, no quarto capítulo abordaremos o estudo do trabalho escravo contemporâneo, apresentando seu conceito, pontos polêmicos relacionados ao tema e o problema jurídico atual desta prática.

Em derradeiro, mostraremos as medidas governamentais adotadas para a erradicação, como a não concessão de créditos e o cadastro de empresas e empresários na chamada "lista suja" criada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

1. HISTÓRICO

A etimologia da palavra "escravo", segundo Meltzer (2003)[2], advém do nome eslavo, origem essa que remonta à "época em que germanos supriam os mercados da Europa com prisioneiros eslavos. O que antes significava um grupo de pessoas de um determinado território, um gentílico que significava "glória", passou, por acaso ou por maldade, a significar servidão".

1.1 Escravidão no mundo

Foram inúmeras as formas de surgimento da escravidão no mundo. Entre elas, a mais peculiar foi acumular prisioneiros de guerras entre nações e fazer deles escravos, há indícios de que desta maneira foi iniciada o comércio escravagista na era antiga.

Para Meltzer (2003)[3], a escravidão é instituição comum desde a pré-história, profundamente estruturada na história e na economia das sociedades humanas, continuamente transmutando seus parâmetros: "como demonstra a historiografia, a escravidão é uma categoria que transcende a cor e esteve presente na história da humanidade desde a mais remota antiguidade" (Rosa[4], 2004; p. 66).

Na antiguidade o trabalho escravo era considerado comum para alguns seres humanos. Estes seres humanos, considerados inferiores, eram propriedades de outros seres humanos, considerados superiores. Tal condição era realizada mediante a força e eram vistos como uma mercadoria, sendo que os valores variavam dependendo do sexo, idade e etc.

Desde os primórdios, a escravidão foi baseada em um forte preconceito étnico racial e como moeda de troca. Entretanto, nem sempre foi assim. Nos tempos mais remotos, os escravos de Esparta eram vistos como propriedade do estado, chamados de hilotas. O Estado concedia o direito de uso. Os hilotas não podiam ser comercializados. Já na Grécia antiga, a escravidão branca era oficial.

Ainda, na antiguidade, como já citado, era comum a escravização de povos conquistados em guerras entre nações. A escravidão era vista como um modo de produção, pois os senhores, proprietários dos escravos, alimentavam os seus e se apropriavam do produto realizado pelo trabalho dos escravos.

Durante o Império Romano a escravidão também foi utilizada de forma usual. Os escravos eram provenientes de territórios conquistados pelo Império Romano, muitos países que hoje são territórios correspondentes a Portugal, Espanha, Inglaterra e etc., foram derrotados pelo Império de Roma.

Na América, antes dos espanhóis e portugueses chegarem por aqui, também existia escravidão generalizada, as civilizações pré-colombianas da América, astecas, maias, incas, tupinambas, navajos, em todas as épocas mantiveram escravos, as tribos derrotadas eram feitas escravas[5].

1.2 O surgimento da escravidão no Brasil

A escravidão no Brasil iniciou-se com os índios. Eles aprisionavam seus prisioneiros de guerra muito antes da chegada dos portugueses[6].

Conforme os estudos realizados[7]:A escravidão na África foi iniciada entre os africanos, pois as tribos guerreavam entre si, e as populações derrotadas nestas guerras, serviam como recompensa. Os derrotados viravam escravos, para trabalharem ali mesmo ou para serem vendidos para outras regiões. Os reinos africanos do Segu e de Dahomé, a povo Ashanti e os Iorubas foram nações que tinham como principal atividade a caça de escravos. Promoviam rápidos ataques nos territórios vizinhos, onde aprisionavam populações isoladas. Principalmente na África Subsariana essa atividade praticada por séculos destruiu e desorganizou a produção agrícola e cultural de comunidades inteiras, fora as perdas de vidas nos combates. Uma enorme quantidade de cativos vendidos resultavam do seqüestro de crianças e jovens por africanos. Os próprios pais vendiam os filhos em troca de alimentos em momentos de dificuldades. A justiça africana foi responsável pelo envio de milhares de africanos para o cativeiro. Diversos crimes eram punidos com a perda da liberdade e com a venda do culpado. Um assassino era entregue aos parentes do morto para ser vendido. O adultero passava a ser propriedade do marido traído. Acusados de feitiçaria, roubo, devedores inadimplêntes, e outros delitos faziam com que os culpados se tornassem escravos. Enfim, a escravidão na África já existia muito antes dos europeus chegarem lá, praticada pelos próprios reinos negros e pelos árabes e otomanos que dominavam a África por séculos antes dos europeus chegarem.

Com a vinda dos portugueses ao Brasil, o comércio intercontinental de escravos já estava em andamento. Ao colonizar novos continentes, os europeus importavam mão de obra africana, pois, em grande parte, o povo local não supria a necessidade dos colonos.

Os primeiros negros africanos que vieram para o Brasil como mão de obra escrava foram trabalhar nas minas e plantações de cana de açúcar. Mas mesmo assim com a vinda dos negros, os índios ainda eram utilizados como mão de obra barata para aqueles que não detinham de dinheiro para comprar um escravo africano. Os índios eram chamados de escravos da terra e ao contrário dos negros, não eram comercializados.

Com o passar dos anos, a escravidão passou a ser vista como pouco produtiva entre os empresários e produtores do país e também moralmente incorreta. Desta forma, em 1850 foi sancionada a lei Eusébio de Queiroz que passou a punir os traficantes de escravos, proibindo a entrada de novos no país.

Posteriormente, em 1871, foi sancionada a Lei do Ventre Livre que tornava livre os filhos de escravos nascidos a partir daquele período e, por fim, em 1885 foi criada a lei dos Sexagenários, que concedia a liberdade dos maiores de 60 anos.

Nesta esteira, fez surgir no Brasil uma bandeira nunca antes levantada; a bandeira do abolicionismo.  Enquanto a maioria dos países do ocidente já não mais utilizavam da mão de obra escrava, o Brasil em 1888 resolveu sancionar a Lei Áurea e abolir de uma vez por todas a escravidão no território nacional. O país foi o último do ocidente a abolir a escravatura. "O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem um perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso.” (Darcy Ribeiro)"

A escravidão por dívida surgiu no Brasil ainda no século XIX, após adoção de medidas do governo para proibir o tráfico de escravos. Muitos fazendeiros começaram a contratar mão de obra assalariada dos europeus que vieram para o Brasil. Apesar de não saberem, estes Europeus estavam recebendo adiantamento para embarcarem ao Brasil, contraindo dívidas antes mesmo de iniciar o trabalho.

A título de curiosidade, a Dinamarca foi o primeiro país do ocidente a abolir a escravidão em 1803. Já os últimos foram Cuba em 1886, e por fim, o Brasil em 1888. A contrario sensu, na Mauritânia, que já foi alvo de tentativa por mais de três vezes para abolir a escravidão,  teve como a sua última vez em 1980, porém de acordo com o grupo suíço Christian Solidarity International (Solidariedade Cristã Internacional), a prática persiste com o domínio de uma elite muçulmana sobre negros nativos. Outro país com a mesma mancha é o Sudão, onde o governo americano estima que vivam 90 mil pessoas escravizadas, vítimas de conflitos étnicos no país[8].

2. LEGISLAÇÃO EM VIGOR

Ao longo do século XX o Brasil ratificou e promulgou diversas convenções e acordos condenando a prática do trabalho escravo. Dentre muitos, destaca-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e seus artigos IV e XXIII: "Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas". "Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego". 

A proibição também consta de outros documentos internacionais como a Convenção das Nações Unidas sobre Escravatura de 1926, cujas emendas foram inseridas pelo Protocolo de 1953 e a Convenção Suplementar sobra a Abolição da Escravatura de 1956. Há também a Convenção 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), proposta em 1930, ratificada pelo Brasil em 25 de abril de 1957 e promulgada pelo Decreto nº. 41.721, de 25 de julho de 1957,  que obrigou os países a suprimir o trabalho forçado: "Todos os membros da Organização Internacional do Trabalho que ratificaram a presente convenção se obrigam a suprimir o emprego do trabalho forçado ou obrigatório sob todas as suas formas no mais curto período possível".

A convenção 105 da OIT de 1957, ratificada pelo Brasil em 18 de junho de 1965 e promulgada pelo Decreto nº. 58.822, de 14 de julho de 1966, também diz respeito à abolição do trabalho forçado e fundamenta diretrizes: "Todo o país membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar esta Convenção compromete-se em abolir toda forma de trabalho forçado ou obrigatório e dele não fazer uso: a) como medida de coerção ou de educação política ou como punição por ter ou expressar opiniões políticas ou pontos de vista ideologicamente opostos ao sistema político, social e econômico vigente; b) como método de mobilização e de utilização da mão de obra para fins de desenvolvimento econômico; c) como meio de disciplinar a mão de obra d) como punição por participar em greves;  e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa."

Importa lembrar que o momento histórico em qual o mundo se encontrava durante a criação da Convenção de 1957 era do pós-guerra que fora marcado pelo totalitarismo e pelas constantes situações de trabalho escravo como no histórico caso dos judeus dentro dos campos de concentração.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 no Brasil, toda esta base de legislação internacional já mencionada foi inserida ao diploma normativo brasileiro, conforme o art. 5º§2º CF.

Dentro da legislação constitucional, o Brasil condena veementemente o trabalho escravo ao inserir como um dos fundamentos da república a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III CF), e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV CF).

Também inseriu em seu art. 5º, III a garantia de que ninguém será submetido à tortura, tratamento desumano ou degradante, garantindo ainda a liberdade para o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, conforme art. 5º, XIII.

Na legislação infraconstitucional, no Código Penal, em seu dispositivo 149 há tipificação para quem reduzir alguém a condição análoga de escravo: "Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem."

Em resumo, com referência nas melhores doutrinas, é de se destacar que a condição análoga à escravidão deve ser considerada gênero e tanto o trabalho forçado como o trabalho em condições degradantes deverão ser espécies.

Ainda neste mesmo código, há também os artigos 197, I; 203 e 207, sendo que o primeiro refere-se ao atentado contra a liberdade de trabalho: "Art. 197 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça: I – a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias: Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência;"

O segundo refere-se à frustração de direito assegurado por lei trabalhista, senão vejamos: "Art. 203 – Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena – detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º Na mesma pena incorre quem: I – obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida; II – impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental."

Por último, o art. 207 trata-se do aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional: "Art. 207 – Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional: Pena – detenção, de dois meses a um ano, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis.Pena – detenção de um a três anos, e multa. § 1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental".

Ainda, há a Lei 7.998/90 que regula o programa de seguro desemprego onde preceitua em seu art. 2º, I: Art. 2º O Programa de Seguro-Desemprego tem por finalidade:I – prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, inclusive a indireta, e ao trabalhador comprovadamente resgatado de regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo; (grifo nosso).

3. A EFETIVAÇÃO DO DIREITOS HUMANOS E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Os direitos humanos fundamentais não podem ser compreendidos como fruto das estruturas do Estado, mas da vontade de todos, ou seja, as liberdades não são criadas e não se manifestam senão, em sua maior parte, quando o povo as quer. Daí, a idéia de Bénoit: “as liberdades não nascem senão de uma vontade, elas não duram senão enquanto subsiste a vontade de as manter.”[9]

O conceito de dignidade da pessoa humana não é fácil de se dizer em palavras. Conforme alude o Procurador Regional do Trabalho, José Cláudio Monteiro de Brito Filho[10] "é mais fácil identificar o que atenta contra a dignidade da pessoa humana do que identificá-la em si mesma".

A dignidade é considerada como um atributo do homem, um conjunto de direitos mínimos do qual o homem é o seu garantidor, sendo este atributo um conjunto de direitos alienáveis e irrenunciáveis.

Kant, afirmava[11]: "No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra coisa como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto, não permite equivalente, então ela tem dignidade."

Assim, nas palavras de Ingo Sarlet[12], a dignidade finda por conduzir ao entendimento de que ela tem uma dupla face; de um lado o poder de fazer escolhas exercitando a autonomia; de outro, o direito de ter respeito mínimo por parte do Estado e de toda a comunidade.

O termo "escravo" é um conjunto de significados preconceituosos desenvolvidos ao longo da história da humanidade. "O epíteto "escravo", além de ser atribuído a pessoas em determinadas condições de trabalho, não existiria sem as concepções mais arcaicas e duradouras na história da humanidade acerca do que significa o trabalho e quais são as condições para o trabalho; desse modo, ninguém é escravo: alguns seres humanos estão escravizados."[13]

De acordo com o entendimento de Milton Meltzer[14], que utiliza a expressão "escravo teórico" para se referir à idéia de escravo definida pelas sociedades escravocratas, visto que, para estas, o escravo não é uma pessoa, mas um objeto despossuído de personalidade.

Esse escravo é teórico, segundo Meltzer, porque de fato nunca existiu, visto que a pessoa escravizada, por mais que fosse submetida a toda forma de infra-humanização e exclusão, não deixava de ser humana, "nenhuma submissão, por mais absoluta que fosse sua tendência, pôde esmagar ou extinguir essa humanidade".

Desta forma, dar trabalho em condições humanas e decentes aos trabalhadores é uma maneira de dar a eles um atributo que lhes são inerentes – a dignidade, tanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos, como a Magna Carta Constitucional já entenderam a importância da dignidade, neste sentido: "Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade." "Art. 1º, III CF: dignidade humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. "

Como aponta Dupas (1998)[15], a questão do emprego é uma questão de direitos humanos visto que "a renda obtida do trabalho é o instrumento pelo qual o homem tem acesso aos bens e serviços essenciais a uma sobrevivência digna".

Ante ao exposto, havendo trabalho em que se denota a presença da redução do homem à condição análoga à de escravo, violando a sua própria dignidade há de se concluir que não há trabalho decente quando este trabalhador é reduzido a à  condição ínfima de escravatura.

4. O TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO

4.1  O origem da escravidão contemporânea no Brasil

Apesar da escravidão ter saído do campo da legalidade, ela está presente na vida de muitos trabalhadores dentro dos bolsões de miséria do Brasil. Atualmente, a escravidão nos aparece de formas disfarçadas, maquiadas em possibilidades de emprego, quando na verdade, não passam de fraude para sonegar impostos e verbas trabalhistas.

Segundo José Martins (2002)[16], o trabalho escravo é uma realidade global, encontrado, inclusive nos países desenvolvidos como Estados Unidos (mão de obra latino americana em plantações do sul) e França (mulheres islâmicas no trabalho doméstico abusivo), e que se relaciona a fluxos migratórios e ao tráfico de seres humanos.

O trabalho escravo contemporâneo no Brasil se deu a partir da expansão da fronteira agrícola na década de 60 quando a região Amazônica se transformou em um grande cenário de super exploração da mão de obra com jornadas de trabalho exaustivas.

De acordo com o dossiê Amazônia Brasileira II, em seu artigo "A questão fundiária na Amazônia"[17]: "Até meados de 1960, as terras amazônicas pertenciam basicamente à União e aos estados. (…) Entre as décadas de 60 e 70 o Governo Federal elaborou propostas para atrair investidores para a Região Amazônica. (…) A proposta baseava-se em oferecer inúmeras vantagens fiscais a grandes empresários e grupos econômicos nacionais e internacionais que quisessem investir novos capitais nos empreendimentos que viessem a se instalar na região. Seu principal instrumento eram os incentivos fiscais, reorientados legalmente em 1967, principalmente para a pecuária, a extração madeireira, a mineração, atividades que, simultaneamente, requerem grandes quantidades de terra, destinam-se à exploração de produtos primários ou semi-elaborados e geram poucos empregos. Eram concedidos empréstimos (via Sudam e Basa) aos empresários por longos períodos (dez a quinze anos). (…) O Governo Federal comprometeu-se ainda em trazer mão-de-obra barata de outros pontos do Brasil (nordestinos que fugiam da seca, em especial), para atuar nas frentes de trabalho (abertura de estradas, desmatamento, construção de portos, aeroportos etc.). Esses milhares de trabalhadores, após concluídas as obras, ficaram na região em busca de terra e das oportunidades de trabalho que, de qualquer forma, lhes pareciam ser – na Amazônia –, mais promissoras do que aquelas que já conheciam e haviam enfrentado em suas terras de origem. A população da Amazônia, que era de 2.601.519 habitantes em 1960, havia ascendido a 4.197.038 em 1970".

Posteriormente, nos anos 80, a escravidão foi relatada no Brasil pela imprensa em empreendimentos agrícolas de grandes empresas como Bradesco, Bamerindus e Volkswagen.

Infelizmente, este tipo de denúncia ainda faz parte do cenário brasileiro atual. Cotidianamente é relato nos órgãos de imprensa denúncias sobre a exploração da mão de obra, nos trazendo à tona a problemática do Trabalho escravo contemporâneo.

Assim como chocou a noticia sobre morte dos fiscais do trabalho em Unaí – MG (janeiro de 2004), também choca a população brasileira os casos que envolvem as condições precárias dos bolivianos nas empresas de confecção de roupa, o trabalho cansativo e degradante dos peões em fazendas de cana de açúcar, entre outros.

Uma das mais recentes denúncias, no ano de 2013, foi de que a empresa Lelis Blanc, grande loja de artefatos femininos e artigos de decoração, fora alvo de denúncia da polícia federal em operação conjunta com os procuradores do trabalho.

4.2 Trabalho escravo contemporâneo

O trabalho escravo contemporâneo é conceituado como: "Um processo de exploração violento de seres humanos cativos por dívidas contraídas pela necessidade de sobrevivência e forçados a trabalhar porque não tem opção. Recrutados em bolsões de miséria, são levados para locais de difícil acesso, sem possibilidade de fuga, ás vezes vigiados por homens armados, atraídos através de falsas promessas."[18]

Neste diapasão, o escravo contemporâneo pode ser caracterizado por um trabalhador de qualquer idade ou sexo, que não tendo possibilidade de viver em sua cidade natal devido a suas precária condição econômica, é incitado a procurar trabalho em outra localidade muitas vezes distante da qual reside, através de aliciamento de agências ou pessoas que lucram com o fornecimento e utilização de sua força de trabalho.

Este trabalhadores são encaminhado para propriedades rurais, como também para atividades urbanas (indústria de vestuário, construção civil e etc). E, ainda é frequente estes trabalhadores serem aliciados através de intermediários em locais distantes daquele onde prestam serviços.

A mão de obra excessivamente baixa e precária favorece as migrações pelo país, de forma interna e muitas vezes sigilosas, englobando majoritariamente os estados da região Norte e Nordeste, onde a expectativa de vida é baixa e os empregos não são suficientes.

 Diante desta perspectiva, os migrantes deslocam-se de seu estado natal e se aventuram em uma falsa impressão de melhoria na condição econômica. Após a chegada destes trabalhadores, deparam-se com uma realidade diferente daquela oferecida.

Além de oferecerem um adiantamento como forma de quitarem a passagem de vinda, os equipamentos de proteção individual (EPI) também são cobrados, assim como as roupas, a alimentação, criando uma conta que nunca fecha. E tudo devidamente anotado na caderneta pelos proprietários e aliciadores.

Posteriormente ao endividamento, o trabalhador se vê preso ao local de trabalho e é obrigado a fazer jornadas exaustivas de trabalho até que seja quitada toda a dívida. Infelizmente esta dívida muitas vezes não acaba, o que constrói um círculo vicioso, ficando os trabalhadores a mercê da vontade do patrão.

A servidão por dívida é entendida pelos doutrinadores como a forma mais comum e corriqueira de trabalho escravo contemporâneo, muitos ainda alegam que esta foi a sucessora imediata da escravidão afrodescendente. É nítido o desrespeito à Magna Carta (artigo 7º e incisos),  à CLT (art. 458, caput e §2º) e aos direitos humanos.

Importa salientar que a assim como a CLT, art. 462§2º, a Convenção 95 da OIT veda expressamente a prática de comércio entre os empresários e os trabalhadores. Ou seja, nenhuma empresa poderá pressionar trabalhadores para que comprem produtos em suas lojas.

Enfim, em breve síntese[19], os percursos mais frequentes da escravidão já são bem conhecidos: primeiro, a cidade pequena, a falta de trabalho, as barrigas vazias; depois, o gato que chega, as promessas de dinheiro, a sensação de aventura; então, a mãe que implora, o pai que abençoa, o orgulho de se aventurar no mundo; depois o caminhão, o ônibus ou o trem, a cachaça alegrando a viagem, a noite escondendo os caminhos, a dívida subindo a cada prato de comida; por fim, a fazenda, o fiscal, a arma e às vezes a fuga, a volta e o recomeço.

Conforme estudo realizado no âmbito do convênio de pesquisa entre o Ministério do Trabalho e Emprego e a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas conveniada com o Departamento de Economia da USP em 2002 foram caracterizadas as formas de mecanismo de reprodução do tráfico humano para aliciamento do trabalho escravo, senão vejamos[20]: "São diversos os mecanismos de reprodução do tráfico de seres humanos. Em sua forma mais simples, envolve a movimentação de pessoas para a execução de um trabalho e mais provavelmente para engaja-las em atividades ou empregos a serem exercidos em condições de trabalho que contrariam normas laborais estabelecidas. Na maioria das vezes, as pessoas são ludibriadas e atraídas por falsas promessas de empregos registrados em estabelecimentos comerciais, como bares e boates, ou fábricas, plantações e residências. Todavia, uma vez no emprego e isoladas, podem acabar descobrindo que sua liberdade foi seriamente restringida. (…) Dessa forma, o tráfico humano envolve entre suas características: falsas promessas de trabalho no exterior em emprego registrado, pagamento de viagem transformado em dívida; prostituição forçada, ameaças e violência contra as vítimas e suas famílias no país de origem, cativeiro e confisco de documentos. Dentre os países da América Latina mais afetados por essa prática, conforme relatório da OIT estão: Brasil, Colômbia, República Dominicana e o Equador.

Para José de Souza Martins[21], "a escravidão atual é, no limite, uma variação extrema do trabalho assalariado". Ou seja, a escravidão contemporânea nasceu dentro do sistema capitalista de produção que visa sempre a otimização e maximização dos lucros, assim aqueles trabalhadores que vivem dentro do limite do assalariamento razoável são os que se inserem nestas atividades, trabalhando para grandes empresas.

As espécies de escravidão contemporânea são inúmeras, sendo que não é privilégio da zona rural. Há também trabalhos desta magnitude na área urbana. E todas se parecem por um único fim: exclusão da liberdade do trabalhador.

A partir deste contexto, visando deteriorar esta prática desumana foram criadas as portarias de n. 540, do Ministério do Trabalho e Emprego, e 1.150, do Ministério da Integração Nacional.

A primeira criou o cadastro de pessoas físicas e jurídicas que exploram o trabalho “em condições análogas à de escravo”, as chamadas "lista suja". Já a segunda recomenda aos órgãos financeiros que não lhes emprestem créditos. Estas portarias mostram um potencial de efetividade superior ao das próprias normas penais, senão vejamos: "1ª) Em 15 de outubro de 2004, a Portaria n. 540 oficializou o “cadastro de empregadores”, dispondo que: “Art. 2º. A inclusão do nome do infrator no cadastro ocorrerá após decisão administrativa final relativa ao auto de infração lavrado em decorrência de ação fiscal em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo. Art. 3º. O MTE atualizará, semestralmente, o cadastro a que se refere o art. 1º e dele dará conhecimento aos seguintes órgãos: I – Ministério do Meio Ambiente; II- Ministério do Desenvolvimento Agrário; III – Ministério da Integração Nacional; IV – Ministério da Fazenda; V – Ministério Público do Trabalho; VI – Ministério Público Federal; VII – Secretaria Especial de Direitos Humanos;  VIII – Banco Central do Brasil. A portaria prevê ainda que a fiscalização “monitorará” o infrator pelo prazo de dois anos depois de sua inclusão no cadastro. Não havendo reincidência, e pagas as multas e os débitos trabalhistas, o seu nome será então excluído. 2ª) A Portaria do MIN n. 1150, recomenda a agentes financeiros sob a supervisão do Ministério da Integração Nacional que se abstenham de conceder aos integrantes da lista: “financiamentos ou qualquer outro tipo de assistência com recursos…”

De acordo com o site do Ministério do Trabalho e Emprego[22], a atualização semestral do Cadastro de Empregadores, ocorrida em 28.06.13, indica 136 novas inclusões de nomes de empregadores que tenham sido flagrados mantendo trabalhadores em condições análogas às de escravo, 06 reinclusões em razão de determinação judicial e 26 exclusões por cumprimento dos requisitos administrativos. São nomes tanto de pessoas físicas quanto de jurídicas, seja de atuação no meio rural, como no urbano. Passam a constar do Cadastro 504 nomes.

Analisando os números, destaca-se a existência de 61 empregadores cuja atividade econômica preponderante é a pecuária, 14 relacionados à produção de carvão vegetal e 09 à extração de madeira. Destaca-se, ainda, que entre os 136 nomes incluídos nesta atualização, houve 46 ocorrências no estado do Pará, 19 no estado de Minas Gerais e 13 no Tocantins. Para ter acesso a lista, basta acessar o link: http://portal.mte.gov.br/trab_escravo/portaria-do-mte-cria-cadastro-de-empresas-e-pessoas-autuadas-por-exploracao-do-trabalho-escravo.htm#. [23]

Infelizmente, as leis brasileiras ainda não são suficientes para resolver esta celeuma e há relatos de que as grandes propriedades e indústrias já multadas, mesmo aplicando o corte do crédito, continuam reincidindo neste crime contra a dignidade da pessoa do trabalhador.

Na prática, muito dos proprietários e empregadores, ao serem flagrados, quitam as verbas trabalhistas que ou haviam suprimido ou sonegados e ficam por isto mesmo.

 Apesar disso, estas medidas criadas para atingir economicamente quem utiliza desta mão de obra, seja na intensificação das fiscalizações promovidas conjuntamente pelo Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Polícia Federal, seja na publicação das chamadas "listas sujas", são altamente eficazes.

Segundo os dados levantados pelas Delegacias Regionais do Trabalho (do Brasil, do estado de Mato Grosso do Sul e em todo país), o quadro geral de resgates de trabalhadores em condições análogas à escravidão, durante as Inspeções realizadas, somam 2.445 trabalhadores flagrados no estado de Mato Grosso do Sul, chegando a resgatar 11.163 trabalhadores na região Centro Oeste e 42.401 trabalhadores em todo o Brasil. Referidos dados são correspondentes aos anos de 2000 a 2012, esta quantidade de trabalhadores foram resgatadas em operações do grupo móvel combinadas com as ações regionais.

Afim de que haja medidas mais severas como forma de punição ao trabalho escravo, desde 1999 os defensores para a erradicação do trabalho escravo estão com uma proposta de emenda à constituição em andamento para confiscar propriedades rurais ou urbanas que sejam flagradas utilizando da mão de obra escrava.

A PEC 57-A/1999 encontra respaldo dentro do texto constitucional quando alude que toda propriedade rural ou urbana deve cumprir sua função social. Ou seja, cumprir a função social da propriedade é não utiliza-la como instrumento de opressão e submissão de um trabalhador.

Segundo o site Repórter Brasil[24]: "a aprovação imediata da Proposta de Emenda Constitucional 57A/1999, que prevê o confisco de propriedades onde trabalho escravo for encontrado e as destina à reforma agrária ou ao uso social urbano, é fundamental para combater esse crime. A proposta passou pelo Senado Federal, em 2003, e foi aprovada na Câmara dos Deputados em 2012, voltando ao Senado por conta de uma modificação."

Juntamente a PEC 57A, está em tramitação no congresso a PEC 438/2001 que estabelece a pena de perdimento da gleba onde for constada a exploração de trabalho escravo, expropriando a propriedade e entregando a área ao assentamento dos colonos que já trabalhavam na respectiva gleba. Este projeto de emenda a constituição dá nova redação ao art. 243 da Constituição Federal.

Ante o exposto, somente uma medida drástica coibirá com eficiência este crime que suja a imagem do Brasil. A expropriação das terras onde se constate a escravidão é medida que se impõe para eliminar de vez este câncer instalado em nosso país.

CONCLUSÃO

O tema proposto para este artigo surgiu após as primeiras pesquisas onde foi identificada a pergunta: o porque da utilização da mão de obra forçada em um país onde se prioriza o princípio da dignidade da pessoa humana?

Foram inúmeras as formas de surgimento da escravidão no mundo. A etimologia da palavra "escravo", segundo Meltzer (2003)[25], advém do nome eslavo, origem essa que remonta à "época em que germanos supriam os mercados da Europa com prisioneiros eslavos.

Na antiguidade o trabalho escravo era considerado comum para alguns seres humanos. Quando os portugueses chegaram ao Brasil os índios eram chamados de escravos da terra e ao contrário dos negros, não eram comercializados. Felizmente, com o passar dos anos, a escravidão passou a ser vista como pouco produtiva entre os empresários e produtores do país e também moralmente incorreta.

Assim, em 1850 foi sancionada a lei Eusébio de Queiroz que passou a punir os traficantes de escravos, proibindo a entrada de novos no país.      Posteriormente, em 1871, foi sancionada a Lei do Ventre Livre que tornava livre os filhos de escravos nascidos a partir daquele período e, em 1885 foi criada a lei dos Sexagenários, que concedia a liberdade dos maiores de 60 anos, e, por fim, em 1888 foi sancionada a Lei Áurea, na qual aboliu a escravatura de todo o território nacional.

Porém, fora da legalidade surgiu em nosso país o trabalho escravo contemporâneo, modalidade que se iniciou a partir da expansão da fronteira agrícola na década de 60, quando a região Amazônica se transformou em um grande canteiro de obras.

Dentro da legislação constitucional, o Brasil condena veementemente o trabalho escravo ao inserir como um dos fundamentos da república a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III CF), e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV CF).

Como forma de erradicação do trabalha escravo, o Ministério do Trabalho e Emprego, por meio de portaria, criou o cadastro de pessoas físicas e jurídicas que exploram o trabalho “em condições análogas à de escravo”, as chamadas "lista suja" e também, mediante portaria, criou uma listagem com restrição ao crédito aos órgãos financeiros para que não emprestem créditos a empresas flagradas utilizando da mão de obra escrava.

O que se entende destas portarias é que elas mostram um potencial de efetividade superior ao das próprias normas penais como forma de coibir o trabalho escravo, reduzir a desigualdade e efetivar os direitos humanos.

Desta forma, o problema da escravidão no Brasil é um problema de ordem moral que viola os direitos humanos em seu grau mais profundo, aniquilando os direitos adquiridos e relativizando as prioridades inadiáveis, tanto é que os empregadores flagrados utilizando desta prática não só cometem crimes na esfera penal, como também estão sujeitos a ter as suas empresas inseridas em listas sujas e, com a aprovação da PEC no futuro, ficarão sujeitos a terem seus imóveis urbanos e rurais confiscados.

Enfim, os motivos que ensejam a prática do trabalho escravo não são sanáveis com uma única resposta. Tem que haver um conjunto de medidas nas esferas penais, trabalhistas e cíveis. A expropriação das terras onde se constate o flagrante da escravidão é medida que se impõe para eliminar de vez este câncer instalado em nosso país.

 

Referências
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Notas:
[1] Trabalho orientado pela Profa. Profª. Luciana de Castro Ramos, especialista em Direito Civil, Processo Civil e Processo do Trabalho
[2] JESUS, Jaques Gomes. Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo: representações sociais dos libertadores. Pagina 09. UNB. Brasília – DF. 2005. Link: http://dhnet.org.br/dados/dissertacoes/a_pdf/disserta_jesus_trab_escravo_brasil.pdf. Acesso em: 28/07/13.  apud MELTZER, M. História ilustrada da escravidão. Pagina 16 e 17. Rio de Janeiro: Ediouro. 2003
[3] JESUS, Jaques Gomes. Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo: representações sociais dos libertadores. Pagina 09. UNB. Brasília – DF. 2005. Link: http://dhnet.org.br/dados/dissertacoes/a_pdf/disserta_jesus_trab_escravo_brasil.pdf. Acesso em: 28/07/13.  apud MELTZER, M. História ilustrada da escravidão. Pagina 16 e 17. Rio de Janeiro: Ediouro. 2003
³ ROSA, M.V.R. Espinho: a desconstrução da racionalização negra da escravidão. Brasília. Thesaurus.2004.
[5] Escravidão sempre existiu até o surgimento da democracia liberal . Disponível em: http://cordaescravidao.blogspot.com.br/ Acesso em 27/07/2013
[6] Escravidão sempre existiu até o surgimento da democracia liberal . Disponível em: http://cordaescravidao.blogspot.com.br/ Acesso em 27/07/2013.
[7] Escravidão sempre existiu até o surgimento da democracia liberal . Disponível em: http://cordaescravidao.blogspot.com.br/ Acesso em 27/07/2013.
[8] MUNDO ESTRANHO. Disponível em: http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-foi-o-primeiro-pais-a-abolir-a-escravidao. Acesso em: 05/08/2013.
[9] GUERRA,Sidney. EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant. Artigo: O princípio da dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial. Apud BÉNOIT, Francis Paul . Les conditions d‘ existence des libertes. Paris: La documentation française, 1985, p. 21 (tradução livre do autor). Disponível em: http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista09/Artigos/Sidney.pdf. Acesso em 12/08/13.
[10] BRITO FILHO, José Claudio Monteiro. Trabalho com redução do homem à condição análoga à de escravo e dignidade da pessoa humana. Texto publicado na revista GENESIS (Curitiba, nº. 137, pagina 673-682, MAIO/2004).
[11] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Traduzida do alemão por Paulo Quintela. Pagina 77. Lisboa – Portugal. Edições 70.
[12] SARLET, Wolfgang Ingo. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição da República de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 22.
[13] JESUS, Jaques Gomes. Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo: representações sociais dos libertadores. Pagina 15. UNB. Brasília – DF. 2005.
[14] JESUS, Jaques Gomes. Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo: representações sociais dos libertadores. Pagina 22. UNB. Brasília – DF. 2005. Disponível em: http://dhnet.org.br/dados/dissertacoes/a_pdf/disserta_jesus_trab_escravo_brasil.pdf. Acesso em: 28/07/13.  apud MELTZER, M. História ilustrada da escravidão. Pagina 16 e 17. Rio de Janeiro: Ediouro. 2003
[15] JESUS, Jaques Gomes. Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo: representações sociais dos libertadores. Pagina 44. UNB. Brasília – DF. 2005. Disponível em: http://dhnet.org.br/dados/dissertacoes/a_pdf/disserta_jesus_trab_escravo_brasil.pdf. Acesso em: 28/07/13.  apud DUPAS, G. A questão do emprego e da exclusão social na lógica da economia global. 1998.
[16] MARTINS, José de Souza. Fronteira – A degradação do outro nos confins humano. Editora Contexto. 2009. São Paulo – SP.
[17] LOUREIRO, Violeta Refkalefsky; PINTO, Jax Nildo Aragão. DOSSIÊ AMAZÔNIA BRASILEIRA II. A questão fundiária na Amazônia. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142005000200005. Acesso em: 16/07/2013.
[18] VIEIRA, Jorge Antonio Ramos. Trecho da palestra proferida no XVIII Congresso Brasileiro de Magistrados. 1º Painel: Trabalho Escravo. Título: Quem é o escravo, quem escraviza e o que liberta. 23/10/2003. Disponível em: http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/brasil/documentos/amb_escravos.pdf. Acesso em: 02/07/2013.
[19] VIANA, Marco Tulio. Possibilidades Jurídicas de Combate à Escravidão Contemporânea. Brasília: Organização Internacional do Trabalho, 2007. Artigo: Trabalho escravo e “Lista Suja”: um modo original de se remover uma mancha.
[20] CACCIAMALI, Maria Cristina e AZEVEDO, Flávio Antônio Gomes. estudo produzido no âmbito do convênio de pesquisa entre o Ministério do Trabalho e Emprego e a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas conveniada com o Departamento de Economia da USP em 2002. Trabalho Forçado: Exclusão ou opção pela Inclusão? Disponível em: http://www.observatoriosocial.org.br/arquivos_biblioteca/conteudo/1182trabalho_forc.pdf. Acesso em 01/07/2013.
[21] MARTINS, José de Souza. Fronteira – A degradação do outro nos confins humano. Editora Contexto. 2009. São Paulo – SP.
[22] __MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/trab_escravo/portaria-do-mte-cria-cadastro-de-empresas-e-pessoas-autuadas-por-exploracao-do-trabalho-escravo.htm. Acesso em 01/07/2013
[23] __MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/trab_escravo/portaria-do-mte-cria-cadastro-de-empresas-e-pessoas-autuadas-por-exploracao-do-trabalho-escravo.htm. Acesso em 01/07/2013
[24] REPORTER BRASIL. Disponível em: http://www.trabalhoescravo.org.br/conteudo/por-que-aprovar-pec-438. Acesso em 01/08/2013.
[25] JESUS, Jaques Gomes. Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo: representações sociais dos libertadores. Pagina 09. UNB. Brasília – DF. 2005. Link: http://dhnet.org.br/dados/dissertacoes/a_pdf/disserta_jesus_trab_escravo_brasil.pdf. Acesso em: 28/07/13.  apud MELTZER, M. História ilustrada da escravidão. Pagina 16 e 17. Rio de Janeiro: Ediouro. 2003

Informações Sobre o Autor

Ludmila Freitas Ferraz

Advogada, Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Complexo Damásio de Jesus, Bacharel em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco


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Equipe Âmbito Jurídico

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