The forgotten fundamentality of the labor rights: a constitutional guideline still pending
ANTONIO BRAGA DA SILVA JUNIOR
RESUMO: A proteção justrabalhista enfrenta delicado momento de questionamentos e relativizações, mormente no atual contexto econômico-político autodenominado ultraliberal. É nesse cenário que se destaca o estudo do regime jurídico-constitucional aplicado às normas sociais trabalhistas. O presente artigo, portanto, ao perquirir acerca do caráter da fundamentalidade desse importante ramo jurídico, examinará em que medida o regime jurídico atinente aos direitos fundamentais pode dar voz e efetividade aos direitos sociais trabalhistas, no sentido de não se admitir que o robusto rol constitucional de direitos laborais se transforme em mera carta retórica de intenções. Pretende-se ao final, sem pretensão de esgotamento deste vasto problema de pesquisa, demonstrar que o Direito do Trabalho, instrumento constitucional fundamental de distribuição de poder e de riqueza e, assim, de resguardo da dignidade humana, possui a favor de si plena eficácia protetiva, de modo a demandar do Estado e mesmo dos particulares um exercício contínuo contra tendência de retrocesso na proteção e na efetividade da tutela laboral.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos fundamentais. Direitos sociais. Direitos Trabalhistas. Eficácia.
ABSTRACT: The Labour Law faces a delicate moment of questioning and relativization nowadays, especially in the current context of economic liberalism. In this context, the study of the constitutional regime applied to labor social norms emerges. This article, therefore, while it asserts about the character of the fundamentality of this important legal branch, it also examines to what extent the legal regime about fundamental rights can give voice and effectiveness to labor social rights, in order not to admit that the constitutional labor rights become mere rhetoric letter of intent. Without intending to exhaust this vast research problem, we intend to show that the Labour Law, fundamental constitutional instrument of power and wealth distribution, and thus of human dignity, has full protective efficacy in order to demand the state and even individuals a continuous exercise against regression in the protection and effectiveness of labor protection.
KEYWORDS: Fundamental rights. Social rights. Labor rights. Effectiveness.
INTRODUÇÃO
Passados mais de trinta anos da promulgação do texto constitucional de 1988, ainda muito se tem discutido acerca do conteúdo formal e material da Constituição, mormente em razão da sua robustez quanto aos direitos fundamentais. Essa robustez se denota não apenas no aspecto quantitativo, relacionado ao vasto número de direitos fundamentais individuais e sociais previstos implícita e explicitamente no rol constitucional, mas também no aspecto qualitativo atinente ao regime jurídico a eles relacionado. A abertura material da Constituição a outros direitos fundamentais ainda que não previstos em seu analítico texto (art. 5º, §2º), a previsão de aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, §1º) e o limite ao poder de reforma do constituinte (art. 60, §4º) são apenas exemplos dessa ênfase à fundamentalidade, que se torna tão mais evidente quanto mais se adentra nos estudos do tema.
Contudo, no decorrer desses longos anos de vigência constitucional, bem se sabe que muitas foram as discussões e teorias que conspiraram contra essa robustez constitucional, principalmente no que concerne aos direitos fundamentais sociais. Apenas a título exemplificativo, vale recordar as discussões acerca dos limites da Revisão Constitucional havida cinco anos após a promulgação da Constituição da República, consoante artigo 3º do ADCT, em que uma importante corrente de constitucionalistas (chamada ala dos conservadores da Constituinte), em grande medida influenciada pelo ideário neoliberal[1], defendia o ponto de vista de que a Revisão Constitucional poderia e deveria ser ampla, sem qualquer limitação, de modo a emplacar o interesse político de diminuição do tamanho do Estado e de enxugamento dos direitos fundamentais sociais.[2]
Nos dias atuais essas sucessivas investidas contra os direitos sociais – em grande medida associadas ainda ao pensamento neoliberal – longe de cessarem, intensificaram-se diante do cenário de longa e persistente crise econômica. A propósito, de acordo com dados macroeconômicos oficiais, em 2016 o Produto Interno Bruto – PIB do Brasil retraiu 3,6% em relação ao ano anterior, com redução do PIB per capita de 4,4%[3], e, ainda, desemprego atingindo o índice de 12,0%[4], empurrando às ruas 12,3 milhões de desempregados em busca de ocupação – números estes que denotam tempos difíceis pelos quais a economia brasileira atravessava, com repercussões ainda no ano corrente.
E, se antes as investidas contra os direitos fundamentais sociais dirigiam-se à própria afirmação constitucional dessas garantias sociais, atualmente apresentam-se no cenário jus-político com estratégia diversificada, ora relacionada ao reconhecimento da fundamentalidade – e respectivos efeitos jurídicos – dos direitos sociais. Não são poucas as teses jurídicas modernas que insistem na objeção da constitucionalização de direitos e deveres em matéria social, tanto no tocante à extensão do conteúdo quanto, e principalmente, à aplicação do regime jurídico dos direitos fundamentais.
Oportuno registrar que, ainda que minoritariamente e com pouca expressividade entre os doutrinadores que se debruçam sobre o tema, há autores que negam aos direitos sociais a condição de autênticos direitos fundamentais. Cita-se, exemplificativamente, o autor chileno Fernando Atria e seu provocativo artigo “Existem Direitos Sociais?”[5]. Na doutrina nacional, importante registrar, ainda, o posicionamento do autor Roger Stiefelmann Leal, que, apesar de afirmar a existência e importância dos direitos sociais no âmbito constitucional, ao tratar dos limites e restrições aplicados aos direitos sociais, flexibiliza o instituto da vedação ao retrocesso social, de modo a admitir a possibilidade inclusive de total e absoluta supressão de legislação vigente concretizadora de direitos sociais quando insuficientes os recursos públicos.[6]
Quando observado o enfoque trabalhista no contexto dos direitos sociais, essa problemática de objeção quanto à fundamentalidade do direito laboral se intensifica, tendo em vista o caráter privado das relações trabalhistas. É dizer, o fato de os custos sociais para a tutela do valor trabalho originarem-se em grande medida da iniciativa privada, por meio de um custeio direto do empregador, faz com que essa resistência à fundamentalidade do trabalho e aos seus consequentes efeitos jurídicos se intensifique no ideário econômico nacional.
A trajetória deste artigo, portanto, será traçada no sentido de se explorar em que medida os direitos sociais trabalhistas de fato possuem a favor de si o caráter da fundamentalidade, e, dessa forma, como o regime jurídico atinente aos direitos fundamentais podem dar voz e efetividade[7] aos direitos sociais trabalhistas, no sentido de não se admitir que o extenso rol constitucional de direitos trabalhistas se transforme em mera carta retórica de intenções em plena fase democrática do Estado de Direito.
Para tanto, o trabalho abordará inicialmente a centralidade do trabalho humano na Constituição da República de 1988 e a associação do Direito do Trabalho ao intuito de afirmação da dignidade da pessoa humana, para, daí, perquirir acerca da marca da fundamentalidade tanto formal quanto material desse ramo jurídico.
Na segunda parte do trabalho, será desenvolvida a controvérsia em torno do regime jurídico constitucional dos direitos fundamentais aplicado aos direitos sociais trabalhistas, mais especificamente o postulado da aplicabilidade imediata a que se refere o artigo 5º, §1º, da Constituição da República, o dever dos poderes constituídos à eficácia protetiva dos direitos laborais e, por fim, a vedação ao retrocesso social atinente às normas laborais.
A Constituição da República de 1988 deixou clara a inserção do Direito do Trabalho em seu núcleo essencial, relacionado aos direitos e garantias fundamentais sociais[8].
E esse fato se explica, de um lado, pela matriz de um Estado Democrático de Direito em que foi estruturado o Texto Maior, com destaque para os direitos fundamentais da pessoa humana. De outro lado, figura o Direito do Trabalho, assegurador em grande medida da prevalência dos direitos fundamentais da pessoa humana no âmbito individual e comunitário, da subordinação da propriedade à sua função social, da valorização do primado do emprego na ordem social e, em suma, da justiça social.[9]
Tendo em vista que o ideal democrático distingue-se e destaca-se como regime diferenciado na história constitucional por conferir poder também aos seguimentos de indivíduos e grupos sociais hipossuficientes, por meio de pioneira atribuição de voz e resguardo aos antes desamparados, o trabalho destaca-se por ser o mais eficiente meio garantidor de um patamar mínimo de poder e de distribuição mínima de riqueza à grande massa da população.
A matriz democrática da Constituição da República associada ao evidente caráter tutelar das normas trabalhistas no âmbito individual do trabalhador e na dimensão familiar e social, portanto, levou o Texto Magno a exaltar o valor trabalho em sua corporificação, erigindo-o a um dos princípios cardeais da ordem constitucional democrática brasileira.[10]
Essa centralidade do valor trabalho na Constituição se verifica já na sua porta de entrada, quando no Preâmbulo encontramos referência expressa no sentido de que a garantia dos direitos individuais e sociais, da igualdade e da justiça constitui objetivo permanente de nosso Estado.
Igualmente se destaca a ênfase às normas sociais trabalhistas no introito da parte normativa da Constituição (Título I – Dos Princípios Fundamentais), quando em seu primeiro artigo “os valores sociais do trabalho” e a “dignidade da pessoa humana” são assentados como fundamentos da República Federativa do Brasil no contexto do Estado Democrático de Direito.
Mais à frente, no núcleo fundamental (Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais), o Direito do Trabalho é cuidadosamente listado como direito social no artigo 6º do Texto Magno para, em seguida, ser exaltado a ponto de compor a integralidade do artigo 7º, com o esmiuçamento analítico de todos os direitos fundamentais trabalhistas assegurados indistintamente aos trabalhadores urbanos e rurais.
Como se não bastasse à evidenciação da intenção do constituinte, o ramo jurídico juslaboral e o respectivo valor do trabalho humano compõem igualmente o não menos importante Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira, ao serem expressamente previstos como fundamento da ordem econômica.[11]
Por fim, natural que seria de sua vocação social, o Direito do Trabalho e o valor trabalho compõem, ainda, o Título VIII – Da Ordem Social, figurando como base da ordem social dirigida ao bem-estar e à justiça social.[12]
Observado sistematicamente, portanto, as diversas menções e referências ao primado do trabalho ao longo do texto constitucional, tem-se a clara exaltação da valorização do trabalho humano na Constituição da República de 1988.
Diversas são as vertentes de abordagem da valorização do trabalho humano, tal como o viés econômico-produtivo, o psicossocial, o filosófico ou da dignidade da pessoa humana trabalhadora. Elemento ontologicamente essencial e fundante da existência do homem, e, por isso, imprescindível e indissociável da vida humana[13], o trabalho pode ser aferido como gerador de riqueza para o prestador e para a sociedade em geral, como fator altruístico de engrandecimento e satisfação pessoal, ou, ainda, como fator de dignificação do ser humano. Em razão do recorte temático do presente artigo, aqui será abordado o trabalho humano como suporte da dignidade da pessoa humana.
O desenvolvimento do conceito e limites doutrinários sobre a dignidade da pessoa humana configura uma árdua tarefa, que naturalmente demanda um esforço de pesquisa incompatível com o fim deste trabalho. Assim, sem a pretensão de exaurir o tema, partiremos da concepção mais abstrata, porém universal, da dignidade da pessoa humana relacionada, em suma, com a respeitabilidade que o cidadão, como pessoa humana, é possuidor no meio em que vive, independentemente de suas condições materiais ou seu status social.
Ingo Wolfgang Sarlet, frisando a inexistência de definição universal sobre a temática, assim expõe a dignidade em um conceito propositalmente analítico:
(…) temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.[14]
Destaca o autor, portanto, a dignidade enquanto qualidade intrínseca do ser humano, revelada pela própria condição humana, refletida em seu meio social a partir de um tratamento com igual respeito e consideração. Enxerga-se, daí, duas dimensões da dignidade: a individual e a social (intersubjetiva).
Maurício Godinho Delgado, destacando a dimensão social da dignidade, argumenta:
(…) a ideia de dignidade não se reduz, hoje, a uma dimensão estritamente particular, atada a valores imanentes à personalidade e que não se projetam socialmente. Ao contrário, o que se concebe inerente à dignidade da pessoa humana é também, ao lado dessa dimensão estritamente privada de valores, a afirmação social do ser humano. A dignidade da pessoa fica, pois, lesada caso ela se encontre em uma situação de completa privação de instrumentos de mínima afirmação social. Enquanto ser necessariamente integrante de uma comunidade, o indivíduo tem assegurado por este princípio não apenas a intangibilidade de valores individuais básicos, como também um mínimo de possibilidade de afirmação no plano social circundante.[15]
A partir dessa premissa conceitual, tem-se que o Direito do Trabalho, ao tutelar a prestação de serviços realizados por um ser humano e ao mesmo tempo garantir sua afirmação econômico-social, dirige-se à exigência formalizada da condição de dignidade no trabalho tanto na dimensão individual como social. Fixa o “patamar civilizatório mínimo”[16], abaixo do qual se vulnera a valorização mínima deferível ao trabalho (condição social) e, em decorrência, ao próprio ser humano trabalhador (condição humana).
E, sendo certo que não se concebe falar em dignidade apenas no plano abstrato, o trabalho evidencia sua importância por se apresentar como meio capaz de, no mundo dos fatos, afirmar a dignidade da pessoa humana. É nesse ponto que entra o trabalho digno como proporcionador de uma contraprestação remuneratória justa, de um ambiente laboral saudável e equilibrado adequado à permanência humana, do repúdio ao trabalho infantil, da fixação de jornada e descansos condizentes com os limites fisiológicos humanos, dentre tantas outras condições associáveis à adequada vida humana.
Nesse contexto, o Direito do Trabalho apresenta-se como um fundamental instrumento de concretização da dignidade da pessoa humana, mormente por possibilitar a criação de condições reais para que não apenas o Estado provedor, mas a própria pessoa seja autora e partícipe da sua própria inclusão – e de sua família – no seio social.
A “nota da fundamentalidade” assume especial relevância para se compreender a diferenciada exaltação, dignidade e proteção que direitos fundamentais adquirem no sistema jurídico. A importância de se discutir a fundamentalidade cinge-se às prerrogativas de centralidade no ordenamento jurídico que os direitos assim caraterizados assumem, na medida em que: torna os direitos hierarquicamente superiores em relação às demais normas do ordenamento jurídico, em uma natureza supralegal; submete os direitos fundamentais aos limites formais e materiais de revisão e emenda constitucional; confere aplicabilidade imediata a esses direitos especiais, vinculando todos os poderes públicos, de acordo com o disposto no § 1º do artigo 5º constitucional.[17]
De acordo com a lição do jusfilósofo alemão Robert Alexy[18], seguida na doutrina portuguesa por J.J Gomes Canotilho[19] e no Brasil replicada por Ingo Wolfgang Sarlet, a fundamentalidade pode ser observada por meio do sentido formal e do sentido material. Enquanto a fundamentalidade formal encontra-se ligada ao simples fato de o direito estar positivado no texto constitucional, a fundamentalidade material, por sua vez, decorre da circunstância de os direitos fundamentais conterem em seu cerne decisões fundamentais sobre a estrutura básica do Estado e da sociedade, “de modo especial no que diz com a posição nestes ocupada pela pessoa humana”.[20]
A fundamentalidade formal, portanto, define como direito fundamental tudo o que for regularmente criado por meio de procedimento e da forma constitucionalizada, a depender da vontade do legislador constituinte. Remete-se, dessa forma, ao modelo puramente procedimental embasado na já ultrapassada estrutura formal lógico-dedutiva do positivismo jurídico tradicional, que teve em Hans Kelsen, mais especificamente em sua Teoria Pura do Direito[21], sua maior expressão.[22]
Diante da vagueza da fundamentalidade no sentido formal, alheia aos valores dos bens jurídicos envolvidos e, portanto, ao reconhecimento do conteúdo da norma assim qualificada, nota-se que a definição meramente nominal de um direito fundamental evidencia sua insuficiência diante do atual paradigma pós-positivista do Estado Democrático de Direito.
E essa insuficiência da fundamentalidade no sentido meramente formal se destaca ainda mais no caso brasileiro, em que a Constituição da República admite expressamente sua abertura material a outros direitos fundamentais que não necessariamente expressos em seu texto (art. 5º, §2º).
Assim, necessário se mostra explorar um critério mais profundo e substancial, condizente com a importância e finalidade que os direitos fundamentais assumem perante o sistema jurídico no contexto democrático-constitucional.[23] É nesse ponto que se destaca a fundamentalidade material atrelada à dignidade da pessoa humana.
Não é outra a conclusão de Paulo Gonet, que de forma precisa assenta ser o princípio da dignidade da pessoa humana a inspiração da nota da fundamentalidade:
Não obstante a inevitável subjetividade envolvida nas tentativas de discernir a nota de fundamentalidade em um direito, e embora haja direitos formalmente incluídos na classe dos direitos fundamentais que não apresentam ligação direta e imediata com o princípio da dignidade da pessoa humana, é esse princípio que inspira os típicos direitos fundamentais, atendendo à exigência do respeito à vida, à liberdade, à integridade física e íntima de cada ser humano, ao postulado da igualdade em dignidade de todos os homens e à segurança. É o princípio da dignidade humana que demanda fórmulas de limitação do poder, prevenindo o arbítrio e a injustiça. Nessa medida, há de se convir em que os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa humana.[24]
Na medida em que o Direito do Trabalho visa garantir condições materiais para a afirmação social, buscando igualar situações sociais desiguais na tarefa de concretização do exercício das liberdades e igualdade material, a fim de realizar os princípios fundamentais dispostos nos artigos 1º a 4º da Constituição da República, tendo como norte um tratamento humano com igual respeito e consideração, figurando, enfim, como suporte da dignidade da pessoa humana tanto na dimensão individual como social – tal como registrado no tópico anterior -, resulta cristalina, portanto, a fundamentalidade material desse ramo sócio-jurídico, passível de ser concebido inclusive como fundamento dos demais direitos fundamentais.
Outrossim, ainda que o Direito do Trabalho não visse a favor de si a substancial fundamentalidade material, não se pode olvidar igualmente que nossa Constituição da República de 1988, inserida na tradição constitucionalista social-democrática do pós-guerra, fez questão de acolher expressamente os direitos sociais – dentre eles os direitos trabalhistas – no Título II relativo aos direitos e garantias fundamentais.
Como se não bastasse, o Constituinte fez questão, ainda, de estampar no texto do caput do artigo 6º e 7º a enunciação dos direitos sociais trabalhistas básicos mediante a inserção de expressões ao final da redação dos artigos que deixam às claras a intenção de considerar incluído no rol dos direitos fundamentais sociais outros dispositivos dispersos no corpo do texto constitucional. Nesse sentido, vide as expressões “(…) na forma dessa Constituição” e “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social” dos artigos 6º e 7º da Constituição, respectivamente.[25] E isso sem levar em conta, ainda, a cláusula geral de abertura prevista no artigo 5º, §2º, da Constituição, no sentido de inclusão de outros eventuais direitos sociais “decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Também por esses motivos formais – topográfico e redacional –, portanto, a fundamentalidade dos direitos trabalhistas não poderia ser sumariamente desconsiderada, na medida em que denotam a clara intenção do constituinte originário de, em seu “pacto constitucional fundante”, incutir, de plano, o manto da fundamentalidade ao amplo conjunto heterogêneo de direitos sociais trabalhistas que naquele momento se previa.
Evidenciado, daí, a “nota da fundamentalidade” das normas trabalhistas, quer no avalorativo sentido formal, quer pela vultosa fundamentalidade material decorrente da finalidade de resguardo da dignidade da pessoa humana.
Assentada a dupla fundamentalidade (formal e material) dos direitos sociais trabalhistas, cabe por ora perquirir acerca de um fértil problema: a aplicação do regime jurídico dos direitos fundamentais à categoria dos direitos sociais trabalhistas, problema este diretamente relacionado com a própria eficácia e efetividade das normas trabalhistas no mundo concreto.
Consoante a ideia-guia de Robert Alexy sobre a prerrogativa da fundamentalidade, diz o autor que os direitos fundamentais são posições jurídicas que, de tão importantes para o Estado Democrático, “não podem ter a decisão sobre garanti-las ou não garanti-las simplesmente relegada para a maioria parlamentar simples”.[26]
Há que se ter em mente, nesse sentir, que a marca da fundamentalidade só faz sentido a partir do momento em que se reconhece um privilégio de regime jurídico constitucional aos direitos assim caracterizados. Se assim não fosse, estaríamos a exaltar o simples nomen iuris “direitos fundamentais” em detrimento de seu conteúdo e, mais ainda, a desconsiderar o adjetivo “fundamentais” que o constituinte fez questão de exaltar.
Para tanto, deve-se reconhecer a tais direitos uma proteção contra um esvaziamento por parte do Poder Público, uma proteção contra a falta de normatividade. Ainda mais, para que se reconheça o privilégio da fundamentalidade, devem os direitos assim caracterizados estarem imunes contra uma supressão ou uma diminuição arbitrária por parte do Poder Público.
Vejamos, então, a aplicação desse regime jurídico dos direitos fundamentais aos direitos sociais trabalhistas.
Atenta a essa doutrina constitucional contemporânea, que, dentre outras decorrências, enxergava na marca da fundamentalidade uma posição privilegiada contra o esvaziamento de eficácia e normatividade, a Constituição da República de 1988 fez questão de estampar em seu artigo 5º, §1º, que “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, deixando claro o postulado da máxima normatividade, ou, em outras palavras, a plenitude eficacial dos direitos fundamentais.
Note-se que até mesmo mediante uma interpretação literal do texto constitucional podemos chegar à conclusão de que a destinação de aplicabilidade imediata aos direitos fundamentais é ampla, não se restringindo àqueles direitos individuais e coletivos elencados no artigo 5º constitucional. Isso porque a mencionada redação do artigo 5º, parágrafo 1º, utiliza deliberadamente a formulação genérica “normas definidoras de direitos e garantias fundamentais” como objeto da eficácia imediata, em referência expressa à epígrafe do Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), contemplando, portanto, os direitos fundamentais para além daqueles individuais e coletivos elencados no extenso rol do artigo 5º da Constituição.[27]
E como se comporta o postulado da plenitude eficacial decorrente do artigo 5º, §1º, da Constituição quando observados especificamente os direitos sociais trabalhistas?
Bem se sabe que o aparato constitucional de direitos trabalhistas pode se apresentar de modo dúbio e variável[28] perante a tradicional classificação funcional dos direitos fundamentais sociais em direitos de defesa (integrados principalmente pelos direitos de liberdade, igualdade e direitos políticos, de matriz liberal), que demandam uma atitude de abstenção dos poderes estatais ou mesmo dos particulares, e em direitos a prestações, que, por sua vez, podem ser subdivididos em direito a prestações jurídicas ou prestações materiais.[29]
Os direitos trabalhistas, então, a depender da perspectiva de análise a que estão sendo submetidos, podem ser comparados ora como direitos de defesa conformadores de verdadeiras liberdades sociais – quando se tem em mente, por exemplo, o dever do Estado e dos particulares de abstenção perante as liberdades sociais dos trabalhadores, como é o caso da liberdade sindical e associativa[30], do direito a não discriminação no labor[31], da limitação da jornada de trabalho[32], da vedação de trabalho nocivo ao menor de dezoito anos de idade[33] (direitos de liberdade) e da concretização do direito de igualdade salarial no ambiente laboral[34] (direito à igualdade material) –, ora como direitos prestacionais de natureza jurídica – quando se observa o dever de produção normativa do Estado ou dos entes coletivos sindicais para proteção do obreiro contra afrontas por parte do Poder Público ou de particulares, como é o caso da redução dos riscos do meio ambiente laboral[35] e do direito ao fundo de garantia por tempo de serviço[36] – , e, ainda, ora como direitos prestacionais de natureza material – quando se tem em vista, por exemplo, o dever do empregador particular de remunerar seu empregado com o piso salarial mínimo[37].
A partir do enfoque na perspectiva dos direitos trabalhistas identificados majoritariamente como direitos fundamentais de defesa – quando vistos pela perspectiva do empregador – , ou, no máximo, como direitos fundamentais de proteção jurídica – quando vistos pela perspectiva do dever de proteção do Estado -, a tese de plena eficácia dessa tipificação de direitos fundamentais não encontra maiores resistências[38]. E, na esteira de Ingo Wolfgang Sarlet, isso pode ser explicado por dois principais motivos. Primeiro, os direitos fundamentais sociais de defesa em regra independem de políticas públicas alocadoras de recursos para a concretização desses direitos. São, assim, imunes a alegações de limitação de recursos disponíveis. Segundo – e em consequência do primeiro motivo -, os próprios dispositivos constitucionais que consagram esses direitos fundamentais sociais de defesa receberam do Constituinte suficiente exequibilidade, sem a necessária dependência de intermediação legislativa para a plena eficácia.[39]
Podemos concluir, pois, que diante de direitos fundamentais trabalhistas – via de regra alheios à dependência de recursos, principalmente no tocante ao dever do Estado de implementação –, prevalecerão as diretrizes da máxima efetividade possível e da aplicabilidade imediata. Tendo em vista que o Estado se comprometeu à promoção da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da justiça social, tal como se observa do Título I – Dos Princípios Fundamentais da Constituição da República, tem-se que nada produzido pelo seus Poderes poderá se furtar à efetividade dos direitos trabalhistas, sob pena de se desvirtuar a vontade constitucional estampada expressamente no artigo 5º, §1º, da Lei Maior.
Os direitos fundamentais em geral assumem uma dupla perspectiva – ou dimensão – perante o sistema jurídico, na medida em que podem ser considerados tanto como direitos subjetivos individuais (dimensão subjetiva), quanto como elementos objetivos fundantes da ordem social (dimensão objetiva).[40] Especificamente quanto às relações laborais, quando a Constituição destina aos direitos trabalhistas a nota da fundamentalidade ela assim o faz não apenas com vistas à proteção do indivíduo trabalhador em sua individualidade, mas também por exaltar a necessidade de proteção objetiva dos valores do trabalho humano como condição da ordem democrático-constitucional vigente.
Essa consideração acadêmica da dupla perspectiva dos direitos fundamentais robusteceu-se a partir da paradigmática decisão da Corte Constitucional Alemã no caso Lüth (1958), em que a doutrina e jurisprudência alemã – influenciadora de grande parte da doutrina do mundo ocidental – passou a considerar que a eficácia produzida pelos direitos fundamentais perante o Estado não se limitava ao âmbito subjetivo da relação entre indivíduos e Estado. Para além da importante função de defesa do indivíduo contra atos do Poder Público, os direitos fundamentais passaram a ser vistos como componentes de uma ordem objetiva de valores, capazes de irradiar eficácia por todo o ordenamento jurídico e, assim, constituir diretrizes para a aplicação e interpretação do direito infraconstitucional pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.[41]
Destaque-se que o reconhecimento da força jurídica objetiva autônoma dos direitos fundamentais não se exaure na abstrata observância da dimensão valorativa da ordem jurídica e na eficácia irradiante acima citada. Como desdobramento da perspectiva objetiva, emerge ainda e principalmente o que a doutrina alemã convencionou chamar de dever de proteção dos direitos fundamentais pelo Estado, relacionado ao múnus do Estado de adotar medidas concretas com o objetivo de proteção dos direitos fundamentais. [42] Nas palavras de Konrad Hesse, os direitos fundamentais, conformadores de uma “ordem estatal jurídica” objetiva, determinam concretamente “o objetivo, os limites e o modo de cumprimento das tarefas estatal-sociais”, apresentando-se vinculativos para todos os poderes estatais.[43]
Partindo da premissa de Hesse, o também o alemão Claus-Wilhelm Canaris, maior expoente sobre a teoria dos deveres de proteção, assenta que os direitos fundamentais vinculam os poderes públicos dos Estados de forma direta e imediata por força de duas principais razões: primeiramente, decorre de previsão expressa de vinculação jurídica dos direitos fundamentais prevista no texto constitucional alemão, mais especificamente no artigo 1º, nº 3, da Lei Fundamental da República Federal Alemã[44], correspondente ao nosso artigo 5º, §1º, da Constituição da República de 1988; segundo, decorre do próprio princípio da supremacia constitucional.[45]
Dessa forma, tanto durante sua atividade legiferante quanto durante a atividade executiva e de jurisdição, o Estado obriga-se não apenas a se abster de violar os direitos fundamentais dos cidadãos – ao que denomina de proibição de intervenção -, mas obriga-se também e principalmente a protegê-los diante de ameaças oriundas inclusive dos particulares, em busca da efetiva proteção. É dizer, a proteção da dignidade humana a ser promovida por meio dos direitos fundamentais abarca não apenas garantias negativas, mas também garantias positivas, imputando ao Estado um dever de fazer tendente à promoção da cidadania. A esta última função dos direitos fundamentais Canaris emprega a designação imperativo de tutela, recepcionado na doutrina nacional pela já consolidada expressão dever de proteção.
A partir do dever de proteção, compreende-se que uma vez garantido constitucionalmente, os direitos fundamentais receberão do Estado uma proatividade no sentido da densificação e consolidação jurídicas. De acordo com o reconhecimento do dever de proteção, portanto, ao Estado incumbe zelar, inclusive preventivamente, pela proteção dos direitos fundamentais, o que ocorre não exclusivamente diante de ações do próprio Poder Público, mas igualmente contra agressões provindas de relações particulares. Para tanto o Estado deve se utilizar de medidas positivas de diversas naturezas, dentre elas prioritariamente a atividade legiferante concretizadora de uma vigilante e persistente proteção jusfundamental.[46]
É mediante a noção de conexão entre os direitos fundamentais e o dever de proteção do Estado, então, que vislumbramos particularmente nos direitos sociais dos trabalhadores o múnus do Estado de, prioritariamente pela atividade do legislador, concretizar de forma paulatina a proteção do trabalhador diante do ameaçador cenário de interesses ultraliberais em que se encontra. É dizer, observado a já referida centralidade do trabalho na Constituição da República de 1988, com ênfase na proteção social do trabalhador estampada expressamente nos Títulos dos Princípios Fundamentais (art. 1º), dos Direitos e Garantias Fundamentais (arts. 6º e 7º), Da Ordem Econômica e Financeira (art. 170) e Da Ordem Social (art. 193), desponta o dever do Estado de proteção concreta e efetiva do trabalhador hipossuficiente.
Nesse sentido, o legislador, ao editar as normas trabalhistas equalizadoras da relação assimétrica entre empregado e empregador, normatiza com considerável espaço de manobra uma série de determinações que visam concretizar o dever de proteção do Estado perante o trabalhador. Essa tarefa do Estado legiferante – complementado, frise-se, pela materialização diligente do regramento trabalhista pelo Poder Executivo e pela interpretação e aplicação das normas pelo Poder Judiciário no sentido pretendido pela Constituição – certamente não se exauriu e não se exaurirá com o tempo, demandando um exercício contínuo do Estado para eficácia da proteção dos direitos fundamentais trabalhistas.
Observado o dever contínuo de proteção, portanto, impera a favor dos direitos fundamentais trabalhistas o dever do Estado de protegê-los concretamente diante das crescentes investidas patronais atualmente observadas no cenário legislativo nacional a favor de flexibilizações das regras laborais, ora intensificadas diante do momento de crise econômica nacional – como notadamente o intenso lobby no Congresso Nacional para ampliação das propostas extremistas de total desregulamentação juslaboral inspiradas na dura realidade laboral da China, da Índia, ou dos Tigres Asiáticos, e, por fim, a crescente exaltação legislativa do tratamento favorecido às micro e pequenas empresas em detrimento da proteção social dos respectivos trabalhadores[47] –, que neste trabalho citamos apenas superficialmente para que não escapemos do foco temático.
Com inspiração na doutrina estrangeira, mormente a portuguesa e a alemã, a doutrina nacional tem cada vez mais se ocupado com o que veio a ser chamado no Brasil de proibição – ou vedação – ao retrocesso social, sendo este mais uma das nuances do regime jurídico aplicado ao gênero dos direitos fundamentais.
A proibição do retrocesso social não se refere a fenômeno exclusivo da seara dos direitos fundamentais sociais. Entretanto, é na espécie dos direitos fundamentais sociais que se concentra a problemática do tema, mormente porque é nessa esfera social que se destaca a indispensável atuação proativa do legislador para regulamentação e consequente efetividade do aparato constitucional de direitos fundamentais sociais.
Partindo para sua caraterização doutrinária, convém de plano assentar uma observação conceitual quanto ao instituto. Em que pese a expressão “vedação ao retrocesso” possa nos conduzir a equívoco, vale registrar, para aclaramento do fim a que o instituto se propugna, que, ao menos no âmbito dos direitos sociais, o termo “retrocesso” denominador do instituto em comento não necessariamente corresponde a medidas legais de caráter retroativo. Para tanto, basta ter em mente que vedação ao retrocesso social não corresponde às conhecidas figuras constitucionais da proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. Ao contrário, por mais paradoxal que os termos possam se mostrar a essa altura, tem-se que a proibição de medidas retrocessivas na verdade tem por objeto medidas prospectivas, quando, por exemplo, o legislador em seu poder de reforma constitucional suprime ou restringe demasiadamente, com efeitos ad futurum, um direito fundamental, ou quando esse mesmo legislador em sua atividade típica legiferante no plano infraconstitucional deixa de regulamentar dispositivos constitucionais.[48]
Nesses primeiros contornos da caraterização da proibição do retrocesso social, já é possível notar sua intuitiva aproximação à noção de segurança jurídica. Isso porque o princípio da segurança jurídica, em que pese não estar positivado no texto constitucional, tem reconhecido a favor de si pela doutrina constitucional contemporânea a prerrogativa de se constituir como autêntico pilar do Estado de Direito por figurar como uma proteção contra medidas legais retroativas que afrontem direitos já conquistados.[49] No mesmo sentido, portanto, caminha o princípio da proibição do retrocesso social, que igualmente se propõe a gerar uma estabilidade para os projetos sociais dos cidadãos e, consequentemente, uma confiança na ordem jurídica, sustentando assim a esperança contra o desmantelamento das promessas do Estado democrático-constitucional de Direito.
Luís Roberto Barroso, embasado na precursora doutrina lusitana de J.J. Gomes Canotilho, assenta que, apesar de o princípio do não retrocesso social não se apresentar de forma explícita na ordem constitucional brasileira, tal como também ocorre com o princípio da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana, ainda sim possui plena aplicabilidade no cenário jurídico nacional no sentido de se manter o patamar civilizatório estabelecido pela própria Constituição. Diz o renomado autor que
por este princípio, que não é expresso, mas decorre do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido.[50]
Importante trazer a lume a ressalva do doutrinador pátrio Ingo Wolfgang Sarlet, no sentido de que essa vocação à confiança jurídica a que se propõe a proibição ao retrocesso social não se restringe à concretização infraconstitucional dos direitos fundamentais sociais. Mais que isso, essa confiança jurídica abrange amplamente todos os esforços no sentido da manutenção dos níveis sociais gerais de proteção alcançados pelo Estado Social, inclusive diante do poder constituinte reformador.[51]
Proibição ao retrocesso social pode, então, ser caracterizada como manutenção dos níveis gerais de proteção social, em qualquer dos seus planos normativos, a fim de se manter a confiança nas promessas do Estado que se diz democrático-constitucional de Direito.
Caracterizado os contornos da proteção social a que se compromete a proibição do retrocesso, tem-se que o cerne da celeuma que a envolve se relaciona, pois, com os limites do dever de proteção do Estado perante os direitos fundamentais, de modo a se perquirir até que ponto é possível ao Estado retroceder quanto à proteção social constitucionalmente estabelecida[52]. Dito de outro modo, a problemática da proibição ao retrocesso social cinge-se aos limites do Estado em sua liberdade de prognose e conformação do conteúdo dos direitos fundamentais sociais.
E a discussão acerca do adequado nível de proteção social a ser mantido pelo Estado torna-se ainda mais instigante quando a ela acrescentamos o atual contexto de diversas crises (não apenas econômica, mas também política, cultural) pela qual atravessamos no Brasil. No caso específico do Direito do Trabalho, a notável tendência de decréscimo da tutela protetiva fomentada pelo contexto de adversidade econômica patronal engrandece sobremaneira a importância da discussão da amplitude do dever de proteção estatal outorgado pela proibição do retrocesso social.
Com efeito, fato é que o próprio J.J Gomes Canotilho, em estudos mais recentes contextualizados pela crise financeira deflagrada em grande parte da Europa e com intensidade em Portugal no início desta última década, manifestou-se contrariamente à concepção absoluta e inflexível do princípio da vedação do retrocesso. De acordo com a atual reavaliação de Canotilho, a rigidez do “princípio da não reversibilidade”, definidor de um progresso contínuo de prestações sociais, não se mostra passível de sustentação absoluta no atual contexto de fragilidade econômica. Segundo o autor,
Deve relativizar-se este discurso que nós próprios enfatizámos noutros trabalhos. A dramática aceitação de ‘menos trabalho e menos salário, mas trabalho e salário e para todos’ [flexibilização trabalhista], o desafio da bancarrota da previdência social [reforma previdenciária], o desemprego duradouro, parecem apontar para a insustentabilidade do princípio da não reversibilidade social. [53]
Porém, apesar dessa guinada teórica de Canotilho, nota-se apenas que o autor cuidou em explicitar o fato de que a proibição ao retrocesso social não pode ser tida de modo inflexível, rígido. Tal como se extrai da definição supramencionada de Luís Roberto Barroso, o que a proibição ao retrocesso social veda é a supressão, total e absoluta, de direito incorporado ao patrimônio jurídico da cidadania, sendo juridicamente defensável, entretanto, certa conformação relativa desses direitos sociais pelo legislador infraconstitucional, mormente em contexto de crise, mas sempre observada a manutenção do conteúdo básico dos direitos sociais para que não se perca a essência de fundamentalidade.
Enfim, diante dessas nuances teóricas sobre os limites de manobra do Estado para a concretização dos direitos sociais, a fim de se evitar posições doutrinárias extremistas de absoluta liberdade de conformação do Estado[54] e, por outro lado, de intangibilidade dos direitos sociais concretizados, convém trazer a lume a doutrina de Gilmar Ferreira Mendes, para quem o princípio da vedação do retrocesso social pode ser visto a partir do princípio da proporcionalidade, de modo a vedar o Estado de exercer uma “proteção insuficiente” dos direitos fundamentais.[55]
Nesse sentir, o que deve ser exaltado na problemática atinente ao adequado nível de proteção social estatal é a interpretação das normas constitucionais sociais de acordo com suas especificidades e com o contexto fático em que se aplicam. É necessário, pois, a verificação cuidadosa das circunstâncias atinentes a cada espécie de direito social fundamental, bem como os interesses sociais e os bens jurídicos envolvidos na ocasião.
A propósito, no tocante aos direitos trabalhistas, em sua grande maioria identificados como direitos fundamentais sociais de defesa, mormente quando observados pela perspectiva do Estado – conforme visto acima –, o argumento de crise econômica perde força, pois em regra não se está a falar de direitos prestacionais dependentes de recursos materiais fornecidos pelo Estado. Ao contrário, por tutelarem a manutenção do equilíbrio de forças nas relações de trabalho, os direitos trabalhistas demandam essencialmente apenas uma atitude de abstenção dos poderes estatais ou mesmo dos particulares, sem que vicissitudes de caráter material os comprometa. É o caso, exemplificativamente, do direito à jornada limitada de trabalho, da repulsa ao trabalho degradante e da vedação de trabalho nocivo ao menor de dezoito anos de idade, que visam tão somente à defesa da dignidade, à valorização do trabalho humano e à justiça social no ambiente de labor, sem qualquer apelo direto a prestações materiais.
Some-se a isso, ainda, a característica peculiar dos direitos trabalhistas na Constituição brasileira de 1988, que, da forma como exaltou o valor do trabalho humano digno em seu núcleo essencial de direitos e garantias fundamentais – como igualmente visto acima –, procurou estabelecer claros limites ao poder de conformação infraconstitucional mediante amplo leque de normas laborais, algumas vezes de forma bastante detalhada. Tais normas denotam, pois, a intenção constitucional de se constituir balizadores – não apenas ao Legislador, mas também à Administração e ao Judiciário – dirigidos ao incessável objetivo de proteção do trabalhador brasileiro, independentemente de momentos economicamente críticos.
Afinal, não seria crível que a leviana alegação de crise – expressão essa já banalizada no discurso político a ponto de apresentar-se esvaziada de sentido, sem sequer sabermos se se trata verdadeiramente de crise financeira, política, moral, social, institucional – colocasse em xeque esse nítido arsenal de direitos fundamentais deliberadamente consolidados como concretização da intenção constitucional de proteção do trabalhador brasileiro.
CONCLUSÃO
Para se alcançar o pretensioso teor democrático[56] sobre a qual se erigiu a Constituição da República no contexto nascedouro de um Estado Democrático de Direito, essencial que a ordem constitucional reconhecesse os direitos fundamentais individuais, políticos e sociais não apenas no plano formal, tal como observado nas fases Liberal e Social anteriores. Mais que isso, essencial que se viabilizasse a todos os indivíduos condições efetivas para o alcance concreto do pleno exercício desses direitos fundamentais na prática social.
Foi nesse contexto que a Lei Maior reconheceu o valor trabalho e o Direito laboral como instrumentos essenciais de afirmação do ser humano, tanto no âmbito individual quanto familiar e social, capazes de garantir um patamar mínimo de poder e de distribuição mínima de riqueza à grande massa da população. Por possibilitar a criação de condições materiais para que não apenas o Estado provedor, mas a própria pessoa trabalhadora seja autora e partícipe da sua inclusão – e de sua família – no seio social, o Direito do Trabalho apresenta-se como um fundamental instrumento de concretização da dignidade da pessoa humana.
Atenta ao fascinante projeto emancipatório de distribuição de poder e de riqueza e, em suma, de resguardo da dignidade humana a que as normas tutelares do trabalho humano se propõem, a ordem constitucional vigente lhes reconheceu e incorporou a nota da fundamentalidade, dirigindo-as à centralidade no ordenamento jurídico e fazendo-as merecedoras da aplicação do regime jurídico típico dos direitos fundamentais. É a partir daí que se destaca o estudo da doutrina da eficácia imediata, do dever de proteção e da vedação ao retrocesso social aplicado às normas tutelares trabalhistas.
A primeira decorrência da aplicação do regime jurídico dos direitos fundamentais às normas trabalhistas corresponde à proteção contra a falta de normatividade, traduzido pela aplicabilidade imediata referida no artigo 5º, §1º, da Lei Maior. Tendo em vista que as normas constitucionais laborais identificam-se em grande maioria a direitos sociais de defesa, em regra independentes de regulamentação jurídica específica e sequer imunes a objeções relacionadas à escassez de recursos materiais e que, nesse sentido, receberam do constituinte suficiente exequibilidade em seus próprios dispositivos, resulta indene de dúvida sua plenitude eficacial, de modo que nada produzido pelo seus Poderes da República deverá se furtar à persistente busca pela efetividade dos direitos trabalhistas.
No tocante ao dever de proteção, tem-se a tarefa constitucional do Estado de manter-se vigilante e garantir a paulatina conformação aos direitos trabalhistas por meio não apenas da sua atividade legiferante, mas também mediante a interpretação e aplicação judicial das normas e pela materialização diligente do regramento trabalhista pelo Poder Executivo, a fim de realizar a diretriz constitucional de tutela dos trabalhadores a que se referem os Princípios Fundamentais (arts. 1º e 4º), os Direitos e Garantias Fundamentais (arts. 6º e 7º), a Ordem Econômica e Financeira (art. 170) e a Ordem Social (art. 193) da Constituição da República.
Esse dever de proteção, aliado à plenitude eficacial típica dos direitos fundamentais, demanda do Estado e até mesmo dos particulares um exercício contínuo contra tendência de retrocesso na proteção e na efetividade da tutela laboral. Fundamental, pois, que o Estado que se diz democrático-constitucional de Direito, diante de tão rico regramento jusfundamental trabalhista, se mantenha vigilante ao dever de proteção, à plena normatividade e à vedação ao retrocesso das normas laborais, malgrado toda a atual investida flexibilizante e desregulamentadora promovida pelos interesses capitalistas patronais embasados em matizes neoliberais, ora intensificados pela intensa e duradoura crise econômica a que estamos submetidos.
Afinal, não podemos coadunar com posicionamentos que, diante de momentâneas vicissitudes político-econômicas, insistem em dar prevalência a interesses setoriais econômicos, sob pena de minguarmos a proteção jusfundamental das normas trabalhistas que a ordem democrático-constitucional brasileira não hesitou exaltar.
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[1] Consoante o historiador Perry Anderson, o ideário neoliberalista é marcado pelo pensamento desregulatório do Estado de Bem-Estar Social. Seus defensores enxergavam as origens da crise econômicas localizadas no “poder excessivo (…) do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais”. A ideologia política neoliberal desenvolve-se a partir do governo de Margaret Thatcher na Inglaterra de 1979, de Ronald Reagan nos EUA de 1980, bem como de Helmut Kohl na Alemanha de 1982. No Brasil, a ideologia neoliberal influenciou principalmente os governos de Sarney (1985), Fernando Collor de Mello (1990), Itamar Franco (1992) e os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995). ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir (org). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p. 10 e ss.
[2] De acordo com o deputado Constituinte Aldo Arantes, apesar da grande pressão dos membros Constituintes da ala conservadora, nitidamente neoliberal, não houve força política suficiente para impor o que defendiam para a Revisão Constitucional. Apesar de toda articulação dos grandes empresários e defensores do pensamento neoliberal, a Constituição de 1988 incorporou o rico aparato de direitos fundamentais sociais ao seu texto. ARANTES, Aldo. O golpe da revisão constitucional ampla. Princípios: Revista teórica, política e de informação, São Paulo, Ed. Anita, n. 29, p. 04-12, maio/junho/junho de 1993. Disponível em < http://grabois.org.br/portal/cdm/revista.int.php?id_sessao=50&id_publicacao=128&id_indice=548>. Acesso em 19/12/2018.
[3]Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Disponível em <ftp://ftp.ibge.gov.br/Contas_Nacionais/Contas_Nacionais_Trimestrais/Fasciculo_Indicadores_IBGE/pib-vol-val_201504caderno.pdf >. Acesso em 03/03/2018. Anteriormente à confirmação dos dados pelo IBGE, o Banco central havia divulgado prévia do PIB com retração de 4,08% em relação ao ano anterior. Fonte: Índice de Atividade Econômica – IBC-Br, divulgado pelo Banco Central. Disponível em <http://www.bcb.gov.br/?INDECO>. Acesso em 19/12/2018.
[4] Fonte: Pnad Contínua, atualizada trimestralmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pnad_continua/>. Acesso em 8/01/2019.
[5] ATRIA, Fernando. Existem direitos sociais? Disponível em <http://www.amprs.org.br/arquivos/revista_artigo/arquivo_1273603159.pdf>. Acesso em 19/12/2018.
[6] LEAL, Roger Stiefelmann. Direitos sociais e a vulgarização da noção de direitos fundamentais. Disponível em <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/direitos-sociais-e-vulgariza%C3%A7%C3%A3o-da-no%C3%A7%C3%A3o-de-direitos-fundamentais>. Acesso em 19/12/2018.
[7] Importante ressaltar, desde já, a diferenciação entre eficácia jurídica – objeto de estudo diante do regime jurídico atinente aos direitos fundamentais – e eficácia social (ou efetividade), em que pese a íntima conexão entre aquela como pressuposto desta. De acordo com as clássicas lições de José Afonso da Silva, representativas da doutrina dominante sobre o assunto, eficácia jurídica “designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos” referindo-se, assim, à aplicabilidade ou exigibilidade da norma, ou seja, à possibilidade de sua aplicação jurídica. Por sua vez, eficácia social se refere à efetividade, vista como a realização concreta do direito na prática social. SILVA, José Afonso da Silva. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 55-56. Igualmente são as concepções da ilustre jurista Flávia Piovesan, que, utilizando-se da doutrina de Kelsen e Tércio Sampaio Ferraz Jr, afirma que eficácia jurídica corresponde às condições técnicas de aplicação da norma, enquanto a eficácia social diz com a efetiva aplicação da norma aos casos concretos. PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra Omissões Legislativas. São Paulo: RT, 1995. p. 47 e ss.
[8] Acerca do conceito de direitos fundamentais sociais, convém invocar a definição de Ingo Wolfgang Sarlet, que demonstra que os direitos sociais – dentre eles os direitos trabalhistas – encontram sua unidade na circunstância comum de que “todos consideram o ser humano na sua situação concreta na ordem comunitária (social), objetivando, em princípio, a criação e garantia de uma igualdade e liberdade material (real), seja por meio de determinadas prestações materiais e normativas, seja pela proteção e manutenção do equilíbrio de forças na esfera das relações trabalhistas” (grifos nosso). Considerando a abordagem do autor, então, podemos identificar os direitos sociais em um duplo aspecto: positivo (prestacional) e negativo (tutela para libertação da opressão social), de modo que o direito trabalhista, além de estar relacionado também ao caráter prestacional dos direitos sociais, se aproxima com mais ênfase ainda ao caráter negativo, de defesa, garantidor de uma existência digna protegida da opressão do poder do capital. SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988. In: _____ (Org). Direito Público em Tempos de Crise. p. 146 e ss.
[9] DELGADO, Maurício Godinho. Constituição da República, Estado Democrático de Direito e Direito do Trabalho Digno. In: ______; DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e Direitos Fundamentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2015. p. 47-48.
[10] DELGADO, Maurício Godinho. Direitos Fundamentais na relação de trabalho. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, nº 2, vol. 7, 2007. p. 13-16. Disponível em <http://www.fdv.br/sisbib/index.php/direitosegarantias/issue/archive>. Acesso em 19/12/2018.
[11] Com efeito, diz o artigo 170 da Lei Maior que “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, devendo ser observados, dentre outros, os princípios da função social da propriedade, redução das desigualdades regionais e sociais e busca do pleno emprego.
[12] Nos termos do artigo 193 da Constituição, “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.
[13] Acerca da centralidade do valor trabalho humano no mundo contemporâneo, vide ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e negação do trabalho. 3ª ed. São Paulo: Boitempo, 2000.
[14] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 62.
[15] DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2013. p. 43-44.
[16] Expressão emprestada de Maurício Godinho Delgado. Segundo o autor, “patamar civilizatório mínimo” é o limite mínimo de negociação da tutela laboral de qualquer seguimento econômico-profissional, abaixo do qual não se concebe relativização dos direitos trabalhistas, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima deferível ao trabalho (arts. 1º, III, e 170, caput, CF/88). DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14ª Ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 122.
[17] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11ª edição. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2012. E-book. ISBN 978-85-7348-789-3. p. 59.
[18] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 520 e ss.
[19] CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional. 5ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1992. p. 509.
[20] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11ª edição. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2012. E-book. ISBN 978-85-7348-789-3. p. 59-60.
[21] KELSEN, Hans. Capítulo V – Dinâmica Jurídica. In: _____. Teoria pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 135-194.
[22] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 520-521.
[23] No sentido da exaltação do aspecto material dos direitos fundamentais é a definição de Robert Alexy, que, em atenção ao conteúdo dos direitos assim qualificados, define-os como posições jurídicas que, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), foram integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 522-523.
[24] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 140.
[25] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11ª edição. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2012. E-book. ISBN 978-85-7348-789-3. p. 64-65.
[26] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 446.
[27] SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Sociais como Direitos Fundamentais: contributo para um balanço aos vinte anos da Constituição Federal de 1988. p. 12. Disponível em <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/artigo_Ingo_DF_sociais_PETROPOLIS_final_01_09_08.pdf>. Acesso em 17/12/2018. p. 236.
[28] Essa imprecisão de enquadramento classificatório pode ser justificada inclusive pela conexão e interdependência entre os direitos fundamentais, o que põe em xeque qualquer tentativa didática precisa de classificação.
[29] Nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet advoga que “o conceito de direitos fundamentais sociais no direito constitucional pátrio é um conceito amplo, incluindo tanto posições jurídicas tipicamente prestacionais (direito à saúde, educação, assistência social, etc.), quanto uma gama diversa de direitos [aproximado aos] de defesa (direitos de liberdade e igualdade)”. Especificamente quanto aos direitos trabalhistas, Sarlet aponta que “boa parte dos direitos dos trabalhadores, positivados nos arts. 7º a 11 de nossa Lei Suprema, são, na verdade, concretizações do direito de liberdade e do princípio da igualdade (ou da não discriminação), ou mesmo posições jurídicas dirigidas a uma proteção contra ingerências por parte dos poderes públicos e entidades privadas. É o caso, por exemplo, da limitação da jornada de trabalho (art. 7º, incs. XIII e XIV), do reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, inc. XXVI), das normas relativas à prescrição (art. 7º, inc. XXIX), das proibições consignadas no art. 7º, incs. XXX a XXXIII, da igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício e o trabalhador avulso (art. 7º, inc. XXXIV), da liberdade de associação sindical (art. 8º)”. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11ª edição. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2012. E-book. ISBN 978-85-7348-789-3. p. 146.
[30] Artigo 8º da Constituição da República.
[31] Artigo 7º, inciso XXX, da Constituição da República.
[32] Artigo 7º, inciso XIII, da Constituição da República.
[33] Artigo 7º, inciso XXXIII, da Constituição da República.
[34] Artigo 7º, incisos XXX, XXXI, XXXII e XXXIV, da Constituição da República.
[35] Artigo 7º, inciso XXII, da Constituição da República.
[36] Artigo 7º, inciso III, da Constituição da República.
[37] Artigo 7º, incisos IV e V, da Constituição da República.
[38] Importante rememorar, nesse aspecto, a histórica deliberação constitucional acerca da regulamentação do direito de greve no serviço público (art. 37, VII, da Constituição da República). Na oportunidade dos Mandados de Injunção 670, 708 e 712, o Supremo Tribunal Federal, a partir da solução proposta pelos votos dos ministros Eros Grau e Gilmar Mendes, declarou a omissão legislativa do Estado quanto ao dever constitucional em editar lei que regulamente o exercício do direito de greve no setor público e, por maioria, determinou aplicação da lei de greve vigente do âmbito privado (Lei nº 7.783/89). Segundo bem resumiu o ministro Celso de Mello, nesse julgamento a Suprema Corte “não só restitui ao mandado de injunção a sua real destinação constitucional, mas, em posição absolutamente coerente com essa visão, deu eficácia concretizadora ao direito de greve em favor dos servidores públicos civis”. Informação sobre o julgamento disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=75355>. Acesso em 04/01/2018.
[39] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11ª edição. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2012. E-book. ISBN 978-85-7348-789-3. p. 246.
[40] HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. 20ª edição alemã. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 228-232.
[41] Ingo Wolfgang Sarlet faz interessante comparação didática da eficácia irradiante dos direitos fundamentais à entre nós difundida técnica da interpretação conforme a Constituição, no sentido de utilizar a ordem objetiva de direitos fundamentais como parâmetro de constitucionalidade para aplicação e interpretação das leis. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11ª edição. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2012. E-book. ISBN 978-85-7348-789-3. p. 124-128.
[42] HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. 20ª edição alemã. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 239-244.
[43] Ibidem. p. 241.
[44] Lei Fundamental da República Federal Alemã, artigo 1, n.º 3: “Os direitos fundamentais, discriminados a seguir, constituem direitos diretamente aplicáveis e vinculam os poderes legislativo, executivo e judiciário”. Disponível em <https://www.btg-bestellservice.de/pdf/80208000.pdf>. Acesso em 16/12/2018.
[45] CANARIS. Claus-Wilhelm. A influência dos direitos fundamentais sobre o direito privado na Alemanha. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 223-244.
[46] SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Sociais como Direitos Fundamentais: contributo para um balanço aos vinte anos da Constituição Federal de 1988. p. 12. Disponível em <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/artigo_Ingo_DF_sociais_PETROPOLIS_final_01_09_08.pdf>. Acesso em 17/12/2018. p. 128-129.
[47] Acerca da exaltação legislativa do tratamento favorecido às micro e pequenas empresas, convém expor a atual tendência do Poder Legislativo brasileiro, que, diante da intrigante tensão constitucional entre esse direito constitucional patronal (arts. 170 e 179 da CF) e a tutela jusfundamental dos respectivos empregados, entendeu por bem exaltar o primeiro e, consequentemente, concretizar o tratamento favorecido mediante lei que dispensa empresas com até 10 (dez) empregados do controle de jornada (art. 74, §2º, da CLT, com redação dada pela Lei nº 7.855/89), mediante a dispensa da obrigação legal de contratação de aprendizes (art. 51, III, da LC n.º 123/2006), bem como, ainda, mediante prerrogativa às micro e pequenas empresas do instituto da Dupla Visita em detrimento do Poder de Polícia da Inspeção do Trabalho (art. 55, §1º, da LC n.º 123/2006). Nesse sentido, cite-se o trabalho recentemente publicado: SILVA JUNIOR, Antônio Braga da. O tratamento favorecido a pequenas empresas: um custo social que não cabe a seus empregados. São Paulo: Novas Edições Acadêmicas, 2018.
[48] Ibidem. p. 398.
[49] Ibidem. p. 396.
[50] BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 158.
[51] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11ª edição. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2012. E-book. ISBN 978-85-7348-789-3. p. 397.
[52] Tem-se como exemplo da proteção constitucionalmente estabelecida os fundamentos e objetivos da República Federativa Brasileira estampados nos artigos inicias do texto constitucional, mais especificamente no já referido Título I – Dos Princípios Fundamentais (mencionado quando neste trabalho se tratou da centralidade do trabalho humano na Constituição da República).
[53] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina, 2004, p. 111.
[54] Cita-se como exemplo de doutrina contrária ao reconhecimento da proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais Roger Stiefelmann Leal, que, ao partir da premissa de incapacidade prestacional do Poder Público em concretizar os direitos sociais – mormente aqueles prestacionais, ante os limites impostos pela reserva do possível -, admite a possibilidade de total supressão de legislação já vigente concretizadora de direitos sociais. Diz o autor, ao tratar da proibição do retrocesso social: “Há de se ressaltar, contudo, que, ao se tratar de efetivação de direitos sociais, fala-se sempre na concretização dentro de uma reserva do possível, a fim de recordar que tal efetivação depende de determinados fatores como a existência de recursos. Desse modo, deve-se ter presente que, se não for possível custear o serviço público da maneira exigida pela norma concretizadora de um direito social, faz-se imperativo a redução do grau de concretização adquirido ou até a sua total desconcretização”. LEAL, Roger Stiefelmann. Direitos sociais e a vulgarização da noção de direitos fundamentais. Disponível em <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/direitos-sociais-e-vulgariza%C3%A7%C3%A3o-da-no%C3%A7%C3%A3o-de-direitos-fundamentais>. Acesso em 19/12/2018.
[55] Diz Gilmar Ferreira Mendes, com base no doutrinador alemão Bernhard Schlink, que “a conceituação de uma conduta estatal [dever de legislar ou qualquer outro dever de proteção] como insuficiente, porque ela não se revela suficiente para uma proteção adequada e eficaz, nada mais é, do ponto de vista metodológico, do que considerar referida conduta como desproporcional em sentido estrito”. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 228.
[56] Ao tratar do teor democrático da Constituição da República de 1988, não poderia deixar de registrar a memorável palestra proferida pelo ex-ministro do STF e ex-deputado constituinte Nelson Jobim, ocorrida em abril de 2012 no Instituto de Direito Público – IDP, em Brasília. Àquela oportunidade, dizia Nelson Jobim que no momento inicial de elaboração do texto constitucional de 1988, os constituintes perguntaram-se: “o que de mais moderno e diverso existe mundo afora acerca de direitos constitucionais?”. Colocaram à volta, então, no chão mesmo, uma coleção de recortes de variados tipos de normas constitucionais em voga no planeta. Algumas normas mais liberais, oriundas da Constituição Norte-americana, com enfoque em Direitos Fundamentais de 1ª dimensão. Outras mais democráticas, como as experiências europeias, com enfoque em Direitos Fundamentais sociais. Outras normas, ainda, atinentes a Direitos Fundamentais metaindividuais. A seguir, questionaram: “o que colocar na Constituição de 1988?”. “Tudo!”, foi a pronta resposta dos constituintes. Eis, portanto, a multiplicidade como marca da matriz democrática sobre a qual se construiu a Constituição de 1988. Ainda segundo Nelson Jobim, essa multiplicidade – e quiçá falta de coesão – das normas presentes no texto constituição “é o preço que se paga em um verdadeiro processo democrático”. Palestra relatada pela revista Consultor Jurídico. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2012-abr-13/origem-constituicao-democratica-racional-nelson-jobim>. Acesso em 01/02/2018.
Com a permissão de se analisar todo esse procedimento constituinte de modo crítico, tem-se que a mencionada multiplicidade como marca democrática gerou um completo e avançado texto constitucional, que, de tão extenso, sequer coube em si diante de tamanha pretensão abarcadora (vide, nesse sentir, o artigo 5º, §2º, da CF). Mas, a nosso ver, gerou-se uma Constituição avançada demais para a sociedade a que ela visou reger. Hoje temos um texto distante da realidade nacional, que, por isso, necessita de imensos esforços de efetividade – esforços estes que até hoje instigam estudos acerca da efetividade constitucional, tal como este artigo que ora se conclui.
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