Autora: Tayla Roberta Dolci Rossini Trubano – Advogada. Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho em pela Faculdade Legale (2020). Graduada em Direito pela Universidade Camilo Castelo Branco (2014). (e-mail: tayladolci@hotmail.com)
Resumo: A estabilidade provisória da gestante é um tema que sempre gerou diversas dúvidas e repercussões no mundo jurídico, principalmente quando entramos na seara dos contratos por prazo determinado. Diante das diversas mudanças no cenário econômico do país, houve um aumento na quantidade de contratações por prazo determinado, como por exemplo os empregos temporários, muito utilizados para suprir demandas que antecedem datas comemorativas. Juntamente com o aumento dos contratos de trabalho por tempo determinado, diversas dúvidas surgiram quanto aos direitos desses trabalhadores, principalmente quanto a estabilidade da gestante, pois de um lado deve-se levar em consideração a modalidade de emprego, na qual existe um termo final previamente ajustado entre as partes, porém, de outro lado temos a proteção a gestante e a vida da criança. Assim, tendo em vista as peculiaridades deste tipo de contratação e por tratar-se de um tema cujo posicionamento ainda gera bastante divergência na doutrina e na jurisprudência este artigo propõem analisar a garantia de emprego provisório às gestantes levando em consideração o atual cenário econômico e a necessidade de tratar com razoabilidade e proporcionalidade esta modalidade de emprego.
Palavras-chave: Estabilidade. Gestante. Contratos de trabalho. Prazo determinado.
Abstract: The provisional stability of pregnant women is a topic that has always generated several doubts and repercussions in the legal world, especially when we enter the field of fixed-term contracts. In view of the various changes in the country’s economic scenario, there was an increase in the number of fixed-term hirings, such as temporary jobs, which are widely used to meet demands that precede commemorative dates. Along with the increase in fixed-term employment contracts, several doubts have arisen regarding the rights of these workers, mainly regarding the stability of the pregnant woman, because on the one hand, the type of employment must be taken into account, in which there is a final term previously adjusted between the parties, however, on the other hand we have protection for pregnant women and the child’s life. Thus, in view of the peculiarities of this type of hiring and because it is a subject whose position still generates considerable divergence in doctrine and jurisprudence, this article proposes to analyze the guarantee of temporary employment to pregnant women taking into account the current economic scenario and the need to deal reasonably and proportionately with this type of employment.
Keywords: Stability. Pregnant. Employment contracts. Determined deadline.
Sumário: Introdução. 1. Contratos de trabalho por prazo determinado. 2. A estabilidade provisória da gestante. 3. A garantia provisória da gestante nos contratos por prazo determinado. 4. As mudanças no cenário econômico do país e o atual posicionamento TST quanto a temática. Conclusão. Referências.
Introdução
O ordenamento jurídico brasileiro com o intuito de proteger as mulheres que por muito tempo sofreram com a desigualdade de tratamento principalmente da seara trabalhista, criou alguns mecanismos a fim garantir a elas alguns direitos que auxiliariam na concorrência igualitária no mercado de trabalho.
Dentre os principais direitos criados, a garantia provisória da gestante nos contratos de trabalho ainda gera diversas dúvidas e conflitos tanto na doutrina quanto na jurisprudência.
A estabilidade provisória da gestante inviabiliza juridicamente a ruptura arbitrária do contrato de trabalho devendo o empregador mantê-lo até o fim da correspondente garantia, sob pena de compulsoriamente ter que reintegra-la ao trabalho ou indeniza-la pelo período equivalente à sua estabilidade.
O maior conflito envolvendo a temática não diz respeito aos contratos por prazo indeterminado, uma vez que neste tipo de contratação não existe um termo final a ser levado em consideração, isto é, uma vigência previamente estabelecida. A maior problemática envolve os chamados contratos por prazo determinado.
Em decorrência ao princípio da continuidade da relação de emprego as contratações por prazo determinado devem ser tratadas em grau de excepcionalidade haja vista que são consideradas prejudiciais ao trabalhador.
Porém diante da crise econômica vivenciada no país nos últimos anos e com as alterações trazidas pela reforma trabalhista houve um aumento significativo das contratações por tempo determinado.
Com o aumento dos contratos celebrados a termo, o tema suscitou diversas dúvidas e conflitos no âmbito jurídico, quanto a possibilidade de aplicação da estabilidade provisória da gestante nessas situações, tendo em vista tratar-se de uma modalidade excepcional de contratação na qual possui um exíguo prazo de vigência.
Sendo assim o presente artigo, propõe realizar um estudo sobre as especificidades do contrato de trabalho por prazo determinado, os principais requisitos e peculiaridades da estabilidade provisória da gestante, a garantia provisória da gestante nos contratos a termo levando em consideração a Súmula 244 do TST e por fim será realizada uma análise sobre as mudanças na economia do país, o aumento significativo das contratações a termo e o atual entendimento do TST quanto a temática.
Para atingir o fim proposto por este artigo foi utilizado o método dialético e o tipo de pesquisa teórico-bibliográfico realizado através de artigos jurídicos, jurisprudência e posicionamentos doutrinários.
1 Contratos de trabalho por prazo determinado
Os contratos de trabalho podem ser classificados de diversas formas, tais como, quanto a forma de manifestação de vontade que levou a sua celebração, quanto ao número de sujeitos ativos que compõem o respectivo polo da relação jurídica e quanto a sua duração.
Quanto à sua duração, os contratos de trabalho podem ser classificados em contratos de trabalho intermitente, contratos por prazo indeterminado e contratos por prazo determinado.
O contrato de trabalho intermitente, trata-se de uma novidade trazida pela reforma trabalhista que possui como objetivo regulamentar os conhecidos “bicos”, onde o trabalhador é convocado para prestar serviços com subordinação de maneira não contínua, ou seja, com períodos de inatividade de dias, semanas ou até meses.
Os contratos de trabalho por prazo indeterminado são aqueles que possuem duração indefinida de tempo, e são considerados como regra geral das contratações em decorrência ao princípio da continuidade da relação de emprego.
Já os contratos por prazo determinado, objeto do presente artigo, são aqueles na qual seu período de duração é definido desde o início da contratação e caracterizam-se como exceção à regra, tendo em vista que dependem de previsão legal para serem celebrados.
As hipóteses de contratação por prazo determinado são as previstas no art. 443 da CLT, ou em legislação extravagante, tais como, o contrato de safra e contrato rural por pequeno prazo (Lei n. 5.889/73); contrato de trabalho do atleta profissional de futebol (Lei n. 9.615/98 e Lei n. 12.395/2011); contrato de trabalho do artista (Lei n. 6.533/78); contrato por obra certa (Lei n. 2.959/56); contrato de trabalho de técnico estrangeiro (Decreto -lei n. 691/69); contrato por prazo determinado instituído por convenção coletiva ou por acordo coletivo de trabalho (Lei n. 9.601/98) e o contrato de trabalho temporário (Lei 6.019/1974), muito utilizado atualmente.
Dispõe o art. 443, parágrafo 1º e 2º da CLT: “§ 1º – Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada. (Parágrafo único renumerado pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) § 2º – O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando: (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; (Incluída pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967); b) de atividades empresariais de caráter transitório; (Incluída pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967); c) de contrato de experiência. (Incluída pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967).
Em análise ao presente artigo da CLT, verifica-se em seu § 2º, alínea “a” que as contratações por prazo determinado somente serão válidas quando a necessidade dos serviços prestados pelo empregado não sejam permanentes, como por exemplo quando o empregador contrata determinado empregado apenas pelo período em que ocorrerá aumento na demanda de trabalho, ou nos casos de substituição de algum empregado permanente que se encontra afastado, ou quando o trabalho a ser realizado for certo e delimitado no tempo.
Já no § 2º, alínea “b” a transitoriedade descrita diz respeito a atividade empresarial e não a atividade a ser realizada pelo empregado. Neste caso a atividade da empresa é provisória, e não convém a contratação permanente de um empregado, como por exemplo, as atividades empresariais sazonais que ocorrem na maioria das vezes próximo a datas comemorativas, tais como páscoa, natal e ano novo.
Por último, o § 2º, alínea “c” traz o chamado contrato de experiência, muito utilizado pela maioria das empresas para verificar o desempenho e entrosamento do funcionário nos primeiros meses de trabalho, antes que ocorra a manutenção do vínculo empregatício e referido contrato passe a ser por prazo indeterminado. Trata-se de um período “teste” utilizado pelo empregador para analisar se o empregado corresponde as suas expectativas e não poderá exceder noventa dia.
Nos casos de serviços transitórios e atividades empresariais transitórias o contrato não poderá ultrapassar dois anos.
Caso o contrato por prazo determinado seja celebrado por prazo inferior a dois anos, independentemente de sua modalidade, este somente poderá ser prorrogado, expressa ou tacitamente, uma única vez, sob pena de tornar-se por prazo indeterminado (art. 451, CLT). A soma dos dois períodos contratuais (primeiro período e período de prorrogação) não poderá ultrapassar o prazo máximo de duração de dois anos.
Cabe mencionar que os contratos a termo previstos em legislação extravagante, não se submetem a todas as regras referentes aos prazos e prorrogações previstos na CLT, tendo em vista possuírem uma regência normativa parcialmente distinta.
Quanto aos efeitos rescisórios nos contratos por prazo determinado, o rol de parcelas não é o mesmo se comparado aos contratos por prazo indeterminado.
As principais modalidades de ruptura contratual nos contratos a termo são: a extinção normal do contrato por cumprimento do prazo anteriormente fixado, a extinção contratual em face de dispensa antecipada pelo empregador sem justa causa, a extinção contratual antecipada em face do pedido de demissão antecipado solicitado pelo empregado sem justa causa, e por último a extinção contratual em face de pedido de demissão ou dispensa antecipadas, havendo no contrato cláusula assecuratória do direito recíproco de antecipação rescisória.
Na extinção normal do contrato por cumprimento do prazo prefixado, o empregado terá direito ao 13º proporcional, férias proporcionais acrescidas de 1/3 e liberação do FGTS, porém não terá direito a multa dos 40% sobre o montante do FGTS e ao aviso prévio.
Nos casos de extinção contratual em face de dispensa antecipada pelo empregador sem justa causa, o empregado terá direito a todas as verbas rescisórias acima mencionadas, além da indenização prevista no art. 479, da CLT, cujo valor corresponde à metade dos salários que seriam devidos até o término normal do contrato, sendo cabível também os 40% de acréscimo sobre o FGTS.
Na extinção contratual por pedido de demissão antecipado solicitado pelo empregado sem justa causa, as parcelas devidas serão apenas o 13º proporcional e férias proporcionais acrescidas de 1/3, não fazendo jus ao saque do FGTS, podendo o trabalhador ser compelido a indenizar o empregador pelos prejuízos resultantes da ruptura antecipada (art. 480, caput da CLT), não podendo referida indenização ser superior àquela que teria direito o empregado em idênticas condições (art. 480, parágrafo único c/c art. 479 ambos da CLT).
Por último, na extinção contratual em face de pedido de demissão ou dispensa antecipadas, havendo no contrato cláusula assecuratória do direito recíproco de antecipação rescisória, o trabalhador terá direito a todas as parcelas rescisórias típicas de contratos por prazo indeterminado, ou seja, no caso de dispensa pelo empregador, o empregado terá direito ao aviso-prévio, inclusive com projeção no contrato, 13º salário proporcional, férias proporcionais com 1/3, FGTS e multa dos 40%; já no caso de pedido de demissão pelo empregado, ele só terá direito as verbas rescisórias próprias ao pedido de demissão, fazendo jus o empregador realizar os descontos referentes ao aviso prévio.
Após breve análise sobre as principais regras que norteiam os contratos a termo, verifica-se suas principais diferenças bem sua incompatibilidade com alguns recursos utilizados nos contratos por prazo indeterminado.
2 A estabilidade provisória da gestante
A estabilidade no emprego nada mais é do que a vedação da ruptura arbitrária do contrato de trabalho pelo empregador, sendo este obrigado a mantê-lo até o fim da correspondente garantia.
Segundo o entendimento da doutrinadora Carla Teresa Martins Romar (2018, p. 619): “É o direito do trabalhador de permanecer no emprego, mesmo contra a vontade do empregador, enquanto inexistir uma causa relevante expressa em lei e que permita a sua dispensa. É o direito de não ser despedido. É a garantia assegurada ao empregado de que seu emprego somente será perdido se houver uma causa que justifique a dispensa, indicada pela lei. Funda -se, portanto, no princípio da causalidade da dispensa. Destina -se a impedir a dispensa imotivada, arbitrária, abusiva”
A estabilidade da gestante, trata-se de uma modalidade de estabilidade especial e provisória, uma vez que é dirigida apenas a um determinado grupo de pessoas definido pelo ordenamento jurídico e seus efeitos duram somente pelo período em que persistirem referidas causas que o originaram.
Referida estabilidade foi criada com o intuito de proteger as trabalhadoras de um tratamento discriminatório no exercício da sua fertilidade, assegurando a elas o direito de não serem dispensadas arbitrariamente durante este período de sua vida.
Conforme disposto no art. 10, II, “b” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias “[…] fica vedada a dispensa pensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.”
Após a leitura do artigo acima verifica-se que em relação ao termo final do período estabilitário o legislador optou por adotar o critério objetivo, bastando a simples contagem do prazo de cinco meses após o parto. Todavia o termo inicial “desde a confirmação da gravidez”, ainda gera divergência de entendimento doutrinário e jurisprudencial.
A primeira corrente doutrinária, sustenta a necessidade de conhecimento da gravidez pela empregada, sua comunicação e comprovação desta ao empregador para que ela possa garantir o direito à estabilidade.
A segunda corrente, considerada majoritária, leva em consideração a teoria do risco objetivo e sustenta a desnecessidade de qualquer comunicação da gestação ao empregador, bastando apenas a confirmação do estado gravídico. Para esta corrente ainda que a própria empregada não tenha conhecimento da gestação no momento da dispensa, o fato dela estar grávida no curso do pacto laboral, dará a ela o direito a reintegração ou indenização.
A jurisprudência pátria pacificou seu entendimento, dispondo que o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (Súmula 244, I, TST).
Nesse mesmo sentido o acórdão do ministro Francisco Fausto de Medeiros no ROAR 400356-75.1997.5.02.5555, publicado no DJ em 12.05.2000/J-11.04.2000, enfatiza que: “O artigo 10, inciso II, do ADCT não impôs qualquer condição à proteção da empregada gestante. Assim, o desconhecimento da gravidez, pelo empregador, no momento da despedida imotivada não constitui obstáculo para o reconhecimento da estabilidade constitucional. Dessa forma, viola o texto constitucional a decisão que não reconhece a estabilidade da empregada gestante em virtude do desconhecimento da gravidez pelo empregador no ato da sua demissão. 2. Recurso ordinário em ação rescisória provido.”
Cabe aqui mencionar também o caput do art. 391-A da CLT: “Art. 391-A. A confirmação do estado de gravidez advindo no curso do contrato de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante a estabilidade provisória prevista na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. (Incluído pela Lei nº 12.812, de 2013).”
Deste modo, verifica-se a jurisprudência brasileira também leva em consideração o critério objetivo, onde a estabilidade da gestante tem início desde a concepção, ainda que esta ocorra durante o curso do aviso prévio, independentemente da ciência do empregador ou da própria empregada, sendo vedada assim sua dispensa arbitrária ou sem justa causa.
Ainda sobre o tema cabe mencionar que a doutrina e jurisprudência majoritária entendem que a morte do bebê após o nascimento ou o nascimento sem vida, garantem a mãe o direito a licença maternidade e a garantia de emprego pelo prazo legal. No entanto, nos casos de aborto, prevalece a garantia de emprego apenas durante o período da gestação até duas semanas após a interrupção da gravidez. Nesse sentido manifestou-se o TST: “ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. ABORTO ESPONTÂNEO. DEMORA NO AJUIZAMENTO DA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. Segundo se extrai da decisão proferida pelo Tribunal Regional, a reclamante, na época da despedida, em 23/12/2009, já estava grávida e em 30/1/2010, após internação, sofreu aborto espontâneo. Esta Corte, ao interpretar os arts. 10, inc. II, alínea b, da Constituição da República e 395 da CLT, uniformizou o entendimento de que à empregada gestante é garantida a estabilidade provisória no emprego desde a concepção até cinco meses após o parto. Todavia, em caso de interrupção da gravidez por aborto espontâneo, essa garantia persiste desde a concepção até duas semanas após o aborto. O único pressuposto para que a empregada gestante tenha assegurado o seu direito à estabilidade provisória (ADCT, art. 10, inc. II, alínea b) é que esteja grávida, não se cogitando de outro prazo para o ajuizamento da ação, senão o de dois anos a contar da extinção do contrato de trabalho consoante dispõe o art. 7º, inc. XXIX, da Constituição da República. Recurso de Revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST – RR: 12368620115040382, Relator: João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 09/08/2017, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 18/08/2017)”.
Quanto A possibilidade de reintegração ao trabalho ou indenização pelo período estabilitário, conforme prevê a Súmula 244, II do TST a gestante terá direito a reintegração enquanto estiver em curso sua estabilidade, após o período estabilitário seu direito de restringe aos salários e demais vantagens do período.
Diante de todo o exposto, nota-se que a estabilidade da gestante se trata de uma garantia constitucional, que protege tanto a vida da gestante quanto do nascituro e possui suas próprias particularidades.
No próximo capítulo será realizado um estudo sobre o item III da súmula 244 do TST, onde se trata diretamente da estabilidade da gestante nos contratos por prazo determinado.
3 A garantia provisória da gestante nos contratos por prazo determinado
Nos capítulos anteriores foi possível analisar as principais características e peculiaridades da estabilidade da gestante e dos contratos de trabalho por prazo determinado de um modo geral. Agora neste capítulo será feito um estudo da compatibilidade da aplicação da estabilidade da gestante nos contratos a termo, levando em consideração o item III da súmula 244 do TST.
Inicialmente o item III da Súmula 244 do TST possuía a seguinte redação: “Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa”.
Nesta linha de raciocínio, a empregada que ficasse grávida durante o contrato de experiência, considerado um contrato por prazo determinado, não faria jus a garantia provisória, tendo em vista que nesta modalidade de contrato havia um termo final preestabelecido entre as partes e sua dispensa se daria neste caso, em virtude de extinção normal do contrato de trabalho, não constituindo dispensa arbitrária ou justa causa.
Nesse sentido assevera Vólia Bonfim Cassar (2018, p.250): “O termo final dos contratos a termo não se protrai em virtude da aquisição da estabilidade, pois o que a estabilidade impede é a despedida imotivada. Com o implemento do termo final o contrato morre naturalmente, não havendo dispensa, mas sim extinção normal”.
Plausível é o entendimento da doutrinadora ao enfatizar que nos contratos a termo a extinção natural do contrato não pode ser considerada uma dispensa imotivada. Neste caso referida garantia se daria apenas durante o curso do contrato de trabalho e se caso a trabalhadora gestante fosse demitida poderia apenas reivindicar sua reintegração ou indenização equivalente aos salários e demais vantagens que faria jus até o fim do contrato preestabelecido, e não até os cinco meses após o parto.
Apesar na súmula tratar somente sobre os contratos de experiência, referida regra também era aplicada as demais espécies de contrato de trabalho a termo, posto que, a predeterminação do prazo tornaria a dispensa lícita, ou seja, independentemente da superveniência da gravidez, o vínculo terminaria em uma data certa.
Nesse sentido, várias decisões apontavam para esta tese:
“CONTRATO DE EXPERIÊNCIA REGULAR. GESTANTE. INEXISTÊNCIA DE ESTABILIDADE. A empregada gestante, contratada por experiência, não goza da garantia a que alude o art. 10, II, “b”, do ADCT, quando o contrato é extinto ao término deste período. Infere-se que a proteção constitucional é contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, ambas inocorrentes quando o contrato por experiência não é transformado em contrato por prazo indeterminado. (TRT4. 8a. Turma, 0096200-50.2006.5.04.0381 RO, em 22/11/2007, Desembargadora Maria Cristina Schaan Ferreira – Relatora)”.
“GESTANTE. GARANTIA PROVISÓRIA DE EMPREGO. O contrato por prazo determinado apresenta-se incompatível com a estabilidade provisória conferida à gestante. Aplicação do entendimento jurisprudencial consolidado na Súmula n. 244, III, do TST. Recurso a que se nega provimento. (TRT4. 0000790-51.2010.5.04.0016. 8ª Turma. Rela. Desa. Ana Rosa Pereira Zago Sagrilo. Julg. em 09/06/2011)”.
Este entendimento perdurou durante alguns anos na doutrina e jurisprudência brasileira, porém após diversas discussões sobre o tema, em 2012, o item III da Súmula 244 foi alterado e passou a vigorar com a seguinte redação: “III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado”.
A nova redação da Súmula adotou posicionamento diverso daquele que até então estava sendo adotado nos contratos por prazo determinado, passando a considerar que nessa hipótese, caso a empregada se encontre grávida, o contrato de trabalho não poderá ser rescindido e, caso o seja e a empregada comprovar que engravidou durante o período do contrato de trabalho, caberá ao empregador reintegra-la enquanto estiver em curso sua estabilidade ou indeniza-la pelo o período correspondente, computando referido prazo para todas as finalidades.
Este novo posicionamento optou por salvaguardar o direito a maternidade e a vida do nascituro, porém deixou de lado o princípio da razoabilidade e da boa-fé do empregador, que ajustou referido contrato de trabalho por prazo determinado e acabou sendo surpreendido por um fato superveniente na qual não deu causa.
Estender a regra até então utilizada aos contratos por prazo indeterminado aos contratos a termo causou diversas problemáticas, como por exemplo: um empregador que contrata uma mulher para um trabalho temporário cuja duração seria de noventa dias e faltando quinze dias para o término do contrato de trabalho a empregada descobre que está gravida e informa ao seu empregador.
De acordo com o novo item III da súmula 244, a empregada faria jus ao período estabilitário, independente do fato de estar faltando apenas quinze dias para o término do prazo do seu contrato de trabalho, na qual desde o princípio ambas as partes tinham conhecimento.
Isto levaria aos empregadores optarem por contratarem homens ao invés de mulheres para esta modalidade de emprego, pois assim não correriam o risco de obrigatoriamente terem que estender o vínculo empregatício pelo período estabilitário mesmo contrário à sua vontade.
Segundo Eduardo Jansen Pereira (2013): “A proteção ao trabalho da mulher, e neste caso em especial ao trabalho da gestante, é medida justa e necessária. Contudo, qualquer ampliação dos direitos deve ser contextualizada para que não acabe por prejudicar justamente quem precisa do tratamento diferenciado. Não parece ser a melhor forma de proteção desvirtuar contratações por prazo determinado, pois essa modalidade de contratação, importante para empresas e trabalhadores, atendendo ambos em necessidades específicas, visa exatamente à pontualidade da contratação, ou, ainda, à experiência de adaptação ao trabalho dos dois lados, empregado e empregador, sendo assim absolutamente incompatível com a estabilidade no emprego”.
Concluindo o raciocínio, leva-se em consideração que ao invés desse novo posicionamento proteger a mulher, acabou prejudicando-a, gerando indiretamente uma reação de discriminação, pois os empregadores deixaram de contratá-las pelo fato de não saberem se ao termino do contrato de trabalho serão surpreendidos com a gravidez, que geraria portanto a estabilidade da empregada, e consequentemente mais encargos e despesas a empresa.
4 As mudanças no cenário econômico do país e o atual posicionamento TST quanto a temática
Devido à crise econômica que afeta o Brasil desde 2014, houve um aumento significativo de desempregados. Milhares de empresas finalizaram suas atividades e as que continuaram abertas reduziram seu quadro de funcionários.
Tudo isso fez com que houvesse a necessidade de reformas na legislação pátria, dentre as principais podemos citar a reforma previdenciária e a reforma trabalhista.
No ano de 2017, entrou em vigor a chamada reforma trabalhista (Lei 13.467, de 2017), que teve como principal intuito flexibilizar o mercado de trabalho e simplificar as relações entre empregados e empregadores, gerando assim mais empregos.
Outra importante mudança que ocorreu também no ano de 2017 foi a alteração da lei que trata dos contratos de trabalho temporário (Lei 6.019/74). A Lei 13.429/2017 aumentou o prazo de duração dos contratos de trabalho temporário para cento e oitenta dias, permitindo sua prorrogação por mais noventa dias e acrescentou a possibilidade de contratar trabalhadores temporários para o exercício da atividade-fim da empresa contratante.
Com a mudança na legislação trabalhista e em razão da crise econômica do país, as contratações por prazo determinado aumentaram, pois, as empresas optaram por manter seus empregados apenas durante o período em que realmente irão precisar, não estendendo assim os contratos desnecessariamente, diminuindo assim os encargos e despesas.
Em razão do aumento das contratações por prazo determinado, as discussões sobre a compatibilidade da estabilidade da gestante nessa modalidade de emprego voltaram à tona e o TST vem se posicionando em sentido contrário ao previsto na Súmula 244.
O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho decidiu no Incidente de Assunção de Competência 5639-31.2013.5.12.0051, j. 21/11/2019, que “é inaplicável ao regime de trabalho temporário definido nos termos da Lei 6.019/1974 a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante prevista no art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.(grifo nosso)
No caso em tela a trabalhadora contratada temporariamente, ajuizou uma reclamação trabalhista após ter sido dispensada enquanto estava grávida, alegando possuir direito a estabilidade gravídica conforme previsto no art. 10, II do ADCT de 1988. A mencionada reclamação foi julgada improcedente nas instâncias inferiores e ratificada pela 1ª Turma do TST, antes de ir ao pleno.
O relator do caso, ministro Vieira de Mello Filho, julgou procedente a reclamação proposta pela empregada, alegando que o “limite temporal do contrato cede em face do bem jurídico maior assegurado pelo instituto da estabilidade — a vida da criança”.
Todavia o voto vencedor, foi o da ministra Maria Cristina Peduzzi, que divergiu do posicionamento do relator, julgando improcedente a referida reclamação trabalhista. Conforme entendimento da ministra, “no contrato de experiência, existe a expectativa legítima por um contrato por prazo indeterminado. No contrato temporário, ocorre hipótese diversa — não há perspectiva de indeterminação de prazo”.
Conforme previsto no artigo 947, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil, aludida decisão passou a ter efeito vinculante, podendo inclusive ser aplicada em processos que ainda não transitaram em julgado.
A nova decisão do TST gerou polêmica entre os especialistas da área. Para alguns referida decisão foi um retrocesso no direito do trabalho e vai em desencontro com alguns princípios basilares previstos na Constituição Federal. Já para outros referida decisão foi positiva e merece destaque, tendo em vista que esse tipo de contratação possui regras e condições excepcionais e exigir que o empregador postergue o fim do contrato de trabalho por algo na qual não deu causa e que a empregada tinha prévia ciência do seu termo final não merece ser uma solução adequada.
Deste modo, nota-se que se por um lado deve ser levado em consideração à proteção à maternidade e à criança, por outro, não se pode esquecer a boa-fé do empregador, que ajustou contrato de trabalho por prazo determinado e no curso deste é surpreendido com a gravidez de sua empregada, o que lhe obriga involuntariamente a prorrogação do contrato de trabalho.
Cabe por último mencionar que a gravidez não pode ser considerada uma enfermidade, e ao contrário do acidente de trabalho que é considerado um evento fortuito que não se pode prever ou impedir, a mulher pode decidir o momento oportuno e conveniente para engravidar, já que hoje existem milhares de métodos contraceptivos eficazes.
Impor ao empregador um ônus superveniente ao previamente ajustado fere a boa-fé, e diante das particularidades dos contratos de trabalho por prazo determinado, nota-se sua incompatibilidade com a estabilidade provisória da gestante e, portanto, plausível o novo posicionamento do Pleno do Tribunal Superior do Trabalho.
Conclusão
Conforme fora visto no desenvolvimento do presente estudo, parece mais prudente a posição que sustenta a incidência da garantia provisória nos contratos por prazo determinado, apenas durante o período previamente estabelecido entre as partes, não podendo referida estabilidade ter o condão de estendê-lo contrariamente à vontade do empregador.
Os contratos a termo possuem suas próprias regras e peculiaridades, sendo a principal delas sua finalidade específica e previamente delimitada, deste modo não parece razoável, a aplicação da regra de estabilidade da gestante prevista no art. 10, II, “b” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias nesta hipótese de contratação.
Prorrogar involuntariamente um contrato de trabalho na qual possui um prazo final previamente fixado entre as partes, faria com que esse tipo de contrato passasse a ser considerado por prazo indeterminado.
Assim, considera-se um ônus excessivo e contrário à boa-fé, impor ao empregador a obrigatoriedade de procrastinar o fim do contrato de trabalho por ato que não deu causa, sem contar que a empregada estava ciente desde o início da contratação sobre o prazo de vigência do seu contrato, possuindo portanto livre arbítrio para decidir o momento certo para engravidar.
A alteração do item III da Súmula 244 TST que estendeu a estabilidade da gestante mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado, ao invés de favorecer as mulheres, acabou por prejudicá-las, pois muitos empregadores passaram a optar por contratar homens ao invés de mulheres para esta modalidade de contratação
É sabido que a intenção do legislador em relação a gestante foi de proteger não somente a vida dela, mas também da vida da criança que está por vir, garantindo sua subsistência durante todo o período de gestação e nos primeiros meses de vida, porém não parece ser a melhor forma de proteção alterar a essência das contratações por prazo determinado, uma vez que essa modalidade de emprego está sendo muito utilizada neste momento de crise econômica vivenciado no país, auxiliando muitas empresas a continuarem suas atividades e gerando diversos empregos.
Posto isto, referido tema merece ser revisto pelos legisladores a fim de tratar a estabilidade da gestante nos contratos de trabalho por prazo determinado com razoabilidade evitando assim prejuízos desproporcionais para somente uma das partes da relação de empregatícia, neste momento de dificuldade vivenciado por todos no país.
REFERÊNCIAS
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