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A estrutura jurídica no Brasil colonial. Criação, ordenação e implementação

Resumo: Procuramos esmiuçar, neste artigo, toda a complexidade estrutural do sistema judicial brasileiro no período colonial, desde a sua criação, suas influências, a sua implementação e a sua consolidação, que reflete no modelo vigente nos dias atuais.


Sumário: 1. Introdução.  2. Estrutura jurídica do Império Português. 3. Início da Justiça no Brasil colônia. 3.1. Estrutura do judiciário no Brasil colônia. 3.1.1 primeiros tribunais no Brasil colônia. 4. Conclusão. Referências bibliográficas.[1]


1 INTRODUÇÃO


O período historicamente denominado Brasil Colônia – em que o Brasil esteve sob domínio de Portugal – compreende os anos de 1500 até 1822.


Procuraremos esmiuçar toda a complexidade estrutural do sistema judicial brasileiro neste período colonial, desde a sua criação, suas influências, a sua implementação e a sua consolidação, que reflete no modelo vigente nos dias atuais.


Para destrincharmos e compreendermos a estrutura judicial no Brasil Colônia é preciso, de antemão, conhecermos um pouco do que foi a estrutura jurídica portuguesa à época.


2 ESTRUTURA JURÍDICA DO IMPÉRIO PORTUGUÊS


Cabia ao rei a administração da justiça. Em muitos documentos e leis, a justiça é considerada a primeira responsabilidade do rei.


O ordenamento e toda a estrutura jurídica portuguesa estavam reunidos nas Ordenações.


“Três grandes compilações formavam a estrutura jurídica portuguesa. O primeiro a ordenar uma codificação foi D. João I, que reinou de 1385 a 1433. A elaboração atravessou o reinado de D. Duarte, a regência de D. Leonor, sendo promulgadas pelo recém-coroado Afonso V, que, apesar de nada ter contribuído para a obra, deu-lhe nome: Ordenações Afonsinas, que vigoraram de 1446 a 1521, ano em que D. Manoel promulgou a que levou seu nome: Ordenações Manoelinas, fruto da revisão das Afonsinas e da recompilação das leis extravagantes[2]. Depois das Manoelinas, Duarte Nunes de Leão recompilou novas leis extravagantes, até 1569, publicação muito conhecida por Código Sebastiânico, apesar de não ter havido participação ativa de D. Sebastião. Uma nova revisão das Ordenações foi encomendada pelo rei Filipe II a grupo de juristas chefiado por Damião de Aguiar, que as apresentou e obteve aprovação, em 1595, somente impressa e entrada em vigor em 1605 com o nome de Ordenações Filipinas.”[3][4]


As Ordenações abrangiam juridicamente não só a sede do império, mas também suas colônias, porém, nem todas as leis eram de fácil aplicação no Brasil (assim como em outras colônias, onde muitas leis precisaram ser adaptadas), devido às peculiaridades culturais ou à falta de condições (de aplicação).


3 INÍCIO DA JUSTIÇA NO BRASIL COLÔNIA


Em 1530 chega ao Brasil a primeira expedição colonizadora, chefiada por Martim Afonso de Sousa. Foi-lhe concedido plenos poderes, tanto judiciais quanto policiais; assim como aos donatários das capitanias hereditárias, que também gozavam dos mesmos poderes.


Devido a abusos nas funções judiciais que alguns cometiam, houve uma estruturação do judiciário (que iniciou-se em 1549, com a instalação do Governo-Geral, por Tomé de Sousa).


Junto com o Governador-Geral veio o Desembargador Pero Borges, que desempenhou a função de administrador da Justiça, no cargo de Ouvidor-Geral.


Cada capitania tinha um Ouvidor da Comarca, que solucionava as pendengas jurídicas nas vilas.


Caso alguém se sentisse prejudicado com alguma decisão do Ouvidor da Comarca, poderia recorrer ao Ouvidor-Geral, que ficava na Bahia.


Devido à complexidade e especificidades das funções judiciais da época (as funções judiciais confundiam-se com as funções administrativas e também com as funções policiais) haviam outros responsáveis pela efetivação das atividades jurisdicionais nas comarcas: chanceleres, contadores e vereadores, que formavam os Conselhos ou Câmaras Municipais.


Na Bahia surgiram os Juízes do Povo, que eram eleitos pela população.[5]


Também houve os almotacés[6], que tinham jurisdição restrita (assim como os Juízes do Povo). Os almotacés julgavam as causas relacionadas a obras e construções; e de suas decisões cabiam recursos para os ouvidores da comarca.


Com o tempo o Corregedor passou a ter mais poderes sobre os ouvidores e juízes, tornando-se a autoridade judiciária superior nas Comarcas.                                                          


3.1 ESTRUTURA DO JUDICIÁRIO NO BRASIL COLÔNIA


Com a chegada da corte real ao Brasil, vieram, também, os juízes, que eram chamados de ouvidores do cível e ouvidores do crime (o nome variava conforme a especialidade que julgavam). Estes juízes formaram o que denominou-se Casa da Justiça da Corte.


Além das Ordenações, as fontes normativas utilizadas pelo judiciário da época eram:


Lex Romana Wisigothorum – direito comum dos povos germânicos;


Privilégios – direitos assegurados aos nobres pelos reis;


Forais – leis particulares locais, asseguradas pelos reis.”[7]


Com a expansão do reino pela reconquista do território da península ibérica aos mouros, e a uniformização das normas legais, consolidadas nas Ordenações do Reino (Afonsinas de 1480, Manoelinas de 1520 e Filipinas de 1603), foram surgindo outras figuras para exercerem a função judicante e aplicarem as diversas formas normativas:


Juízes da Terra (ou juízes ordinários) – eleitos pela comunidade, não sendo letrados, que apreciavam as causas em que se aplicavam os forais, isto é, o direito local, e cuja jurisdição era simbolizada pelo bastão vermelho que empunhavam (2 por cidade).


Juízes de Fora (figura criada em 1352) – nomeados pelo rei dentre bacharéis letrados, com a finalidade de serem o suporte do rei nas localidades, garantindo a aplicação das ordenações gerais do Reino.


Juízes de Órfãos – com a função de serem guardiões dos órfãos e das heranças, solucionando as questões sucessórias a eles ligados.


Provedores – colocados acima dos juízes de órfãos, para o cuidado  geral dos órfãos, instituições de caridade (hospitais e irmandades) e legitimação de testamentos (feitos, naquela época, verbalmente, o que gerava muitos problemas).


Corregedores – nomeados pelo rei, com função primordialmente investigatória e recursal, inspecionando, em visitas às cidades e vilas que integravam sua comarca, como se dava a administração da Justiça, julgando as causas em que os próprios juízes estivessem implicados.


Desembargadores – magistrados de 2ª instância, que apreciavam as apelações e os recursos de suplicação (para obter a clemência real). Recebiam tal nome porque despachavam (“desembargavam”) diretamente com o rei as petições formuladas pelos particulares em questões de graça e de justiça, preparando e executando as deciões régias. Aos poucos, os reis foram lhes conferindo autoridade para tomar, em seu nome, as decisões sobre tais matérias, passando a constituir o Desembargo do Paço.”[8]


A Casa da Justiça da Corte passou, então, a se chamar Casa da Suplicação, mudando também sua função, constituindo-se um tribunal de apelação.


A Casa da Suplicação era formada por duas mesas, uma cívil (do Cívil) e uma criminal (do Crime), também conhecida como “casinha” e formalmente chamada de Desembargo do Paço (julgava as apelações criminais onde a pena imputada fosse a pena de morte, podendo ser agraciada, ou não, com a concessão da clemência real.


Em 1521 o Desembargo do Paço transformou-se em corte independente e especial.


Em 1532 foi criada a Mesa de Consciência e Ordens para resolver os casos jurídicos e administrativos que contavam com foro privilegiado, que eram os que referiam-se às ordens militar-religiosas: Ordem de Cristo, Ordem de Avis e Ordem de Santiago.


Com o tempo a Mesa de Consciência e Ordens excedeu suas funções e passou a julgar as causas eclesiásticas que envolviam os clérigos do reino.      


Com a instituição dos Tribunais de Relação[9] como cortes de 2ª instância, a Casa da Suplicação passou a ser a Corte Suprema para Portugal e as Colônias.


“Assim, a Casa da Suplicação passou a ser o intérprete máximo do direito português, constituindo suas decisões assentos que deveriam ser acolhidos pelas instâncias inferiores como jurisprudência vinculante.”[10]           


O Corregedor ou o Provedor é quem decidia o que podia ser considerado como instância última (a indicação das instâncias recursais variava pelo valor da causa) e, conforme o valor, a apelação poderia ser direta para o Tribunal de Relação.


“Essa é a origem do instituto da alçada como limite valorativo para revisão de determinada decisão.”[11]


3.1.1 PRIMEIROS TRIBUNAIS NO BRASIL COLÔNIA


Em 1587, Filipe II criou um Tribunal de Relação no Brasil: o Tribunal de Relação da Bahia.[12] Com a criação desse órgão colegiado, houve um declínio nos poderes dos ouvidores.


Sob pressão dos Governadores-Gerais (que controlavam os ouvidores[13]), o tribunal de Relação da Bahia foi extinto em 1626, voltando a ser reinstalado em 1652, desta vez como Corte Superior Brasileira.


Em 1734 foi criado o Tribunal de Relação do Rio de Janeiro[14] (para desafogar o   excesso de processos que comprometiam o bom funcionamento do Tribunal de Relação da Bahia).


O Tribunal de Relação do Rio de Janeiro era formado por 10 Desembargadores (divididos em 4 Câmaras de 2 ou 3 juízes).


Uma missa era celebrada antes das sessões “para que as decisões a serem tomadas fossem presididas pelo ideal de Justiça.”[15]


Em 1758 foi criado a Junta de Justiça do Pará, que era um órgão recursal colegiado de nível inferior aos Tribunais de Relações. Era presidida pelo Governador da província e formada por 1 ouvidor, 1 intendente, 1 Juiz de Fora e 3 vereadores. Adotavam uma forma processual sumária.


A partir de 1765 foram criadas outras juntas semelhantes, abrangendo localidades distantes. “Assim (…) foi se estruturando a Justiça no Brasil, através da criação de Cortes de Justiça responsáveis pela revisão das sentenças dos magistrados singulares de 1º grau.”[16]


“A partir do século XVII começam a funcionar tribunais e juizados especializados: Juntas Militares e Conselhos de Guerra (para julgar os crimes militares e crimes conexos); Juntas da Fazenda (para apreciar as questões alfandegárias, tributárias e fiscais); Juntas do Comércio (para apreciar as questões econômicas, envolvendo também a agricultura, navegação, indústria e comércio).”[17]


Já no fim do período colonial, o Brasil possuia seus tribunais e magistrados próprios, porém as instâncias recursais superiores encontravam-se em Portugal.


A estrutura da Justiça brasileira, no fim do período colonial era a seguinte:


1ª Instância


Juiz de Vintena (Juiz de paz para os lugares com mais de 20 famílias, decidindo verbalmente pequenas causas cíveis, sem direito a apelação ou agravo (nomeado por um ano pela Câmara Municipal).


Juiz Ordinário (eleito na localidade, para as causas comuns);


Juiz de fora (substituía o ouvidor da comarca).


2ª Instância


Relação da Bahia (de 1609 a 1758, teve 168 Desembargadores);


Relação do Rio de Janeiro.


3ª Instância


Casa da Suplicação;


Desembargo do Paço;


Mesa da Consciência e Ordens.[18]


Com a vinda da família real ao Brasil em 1808, a Relação do Rio de Janeiro foi transformada em Casa da Suplicação para todo o Reino, com 23 desembargadores (Alvará de 10 de maio de 1808), criando-se, então, as Relações do Maranhão, em 1812, e de Pernambuco, em 1821.


Como órgãos superiores das jurisdições especializadas, foram instituídos nessa época:


Conselho Supremo Militar (Alvará de 1 de abril de 1808);


Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens (Alvará de 22 de abril de 1808);


Juiz Conservador da Nação Britânica (Decreto de 4 de maio de 1808), como garantia de foro privilegiado para os súditos ingleses, sendo exercido por um juiz brasileiro, mas eleito pelos ingleses residentes no Brasil e aprovado pelo embaixador britânico (foi mantido após a independência brasileira, como parte do tratado de reconhecimento da independência pela Inglaterra, sendo extinto pela Lei de 7 de dezembro de 1831);


Intendente Geral de Polícia (Alvará de 10 de maio de 1808), com jurisdição sobre os juízes criminais, que recorriam para ele, podendo prender e soltar presos para investigação;


Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas, Navegação do Estado e Domínios Ultramarinos (Decreto de 23 de agosto de 1808).[19]


4 CONCLUSÃO


É de se notar – e impossível deixar que passe despercebido aos olhos mais atentos – que a burocracia está no âmago da Justiça brasileira desde o seu nascimento, desde a sua criação. O sistema judicial e o sistema jurídico (com diferenças entre ambos, no que tange à semântica) herdaram uma estruturação altamente burocrática e, talvez, por isso, devido aos vários postos e cargos que engendram a máquina judiciária – no passado e hodiernamente – temos uma Justiça arcaica e lenta.


Também não podemos deixar de frisar o papel que o sistema jurídico teve nos primeiros séculos, onde serviu tão somente como instrumento de manutenção do poder imperial português; onde não havia uma justiça plena e igualitária como a “conhecemos” nos dias modernos (ou pelos menos como pretendemos que ela seja).


“Segundo Wolkmer, durante o período colonial, os bacharéis brasileiros eram preparados e treinados para servir aos interesses da administração colonial. A arrogância profissional, o isolamento elitista e a própria acumulação do trabalho desses magistrados (…) motivaram as forças liberais para desencadear a luta por reformas institucionais, sobretudo, para alguns, no âmbito do sistema de justiça.”[20]


Não atentemos somente às críticas negativas, pois também é louvável a evolução que o sistema jurídico brasileiro experimentou neste período, com uma estrutura complexa (um sinal positivo, por que não?), pois é na complexidade que as várias formas de pensar se encontram e interagem, formando – ou ao menos tentando formar – e experimentando, um Direito moderno e evolutivo por natureza.                             


 


Referências bibliográficas

CARRILLO, Carlos Alberto. Memória da Justiça Brasileira. Salvador: Tribunal de Justiça, 1997.

MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Evolução Histórica da Estrutura Judiciária Brasileira. Revista Jurídica Virtual, Brasília, v. 1, n. 5, set. 1999. Disponível em:  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_05/evol_historica.htm>. Acesso em 22 de nov. de 2009.

OLIVEIRA, Adriane Stoll de. A codificação do Direito . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3549>. Acesso em: 21 dez. 2009.

WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos da História do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

______. Historia do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2000.


Notas:

[1] Artigo com tema proposto, apresentado à disciplina de História do Direito. Professor Doutor Eduardo Augusto Moscon Oliveira.

[2] Leis acessórias ao código.

[3] CARRILLO, Carlos Alberto. Memória da Justiça Brasileira. Salvador: Tribunal de Justiça, 1997, p. 37-38.

[4] As Ordenações foram expressamente revogadas pelo atual Código Civil, no artigo 1807.

[5] Existiram de 1644 até 1713.

[6] Foram extintos por Lei de 26 de agosto de 1830.

[7] MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Evolução Histórica da Estrutura Judiciária Brasileira. Revista Jurídica Virtual, Brasília, v. 1, n. 5, set. 1999. Disponível em:  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_05/evol_historica.htm>. Acesso em 22 de nov. de 2009. Acesso em 22 de novembro de 2009.

[8] Idem.

[9] Subsequentemente foram criadas as Relações do Porto, para Portugal; da Bahia, para o Brasil; e de Goa, para a Índia.

[10] MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Evolução Histórica da Estrutura Judiciária Brasileira. Revista Jurídica Virtual, Brasília, v. 1, n. 5, set. 1999. Disponível em:  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_05/evol_historica.htm>. Acesso em 22 de nov. de 2009. Acesso em 22 de novembro de 2009.

[11] Idem.

[12] O Tribunal de Relação da Bahia foi efetivamente instalado somente em 1609.

[13] Em 24 de março de 1708 foi expedido um Alvará versando que “os ouvidores das capitanias eram juízes da coroa e não dos donatários”.

[14] O Tribunal de Relação do Rio de Janeiro foi efetivamente instalado somente em 1751.

[15] MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Evolução Histórica da Estrutura Judiciária Brasileira. Revista Jurídica Virtual, Brasília, v. 1, n. 5, set. 1999. Disponível em:  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_05/evol_historica.htm>. Acesso em 22 de nov. de 2009. Acesso em 22 de novembro de 2009.

[16] Idem.

[17] Idem.

[18] Idem.

[19] Idem.

[20] WOLKMER, Antônio Carlos. Estados, Elites e Construção do Direito Nacional. IN: Historia do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 91.

Informações Sobre o Autor

Leandro Fazollo Cezario

Acadêmico do curso de Direito no Centro Universitário Vila Velha, UVV


Equipe Âmbito Jurídico

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