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A ética e a justiça sob o prisma aristotélico

Resumo: O escopo do presente artigo é construir uma linha interpretativa a respeito da Ética e da Justiça aristotélicas, observando-se o meio-termo como elemento fundamental para a compreensão de ambas. A Ética relaciona-se com a Justiça na medida em que traz conceitos que permitem classificar as ações humanas como justas ou injustas.[1]


Palavras-chave: Ética; Justiça; Meio-Termo; Aristóteles.


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Abstract: The aim of this present issue is to build an interpretative line about Ethics and Aristotle´s Justice, taking the middle term as a basic element to understand both. Ethics relates with Justice as long as it brings concepts that allow the classification of human acts into fair or unfair.


Keywords: Ethics; Justice; Middle term; Aristotle.


Sumário: 1. Introdução. 2. Para uma tentativa de conceituar a ética. 3. A ética aristotélica. 3.1. A Felicidade. 3.2. O homem como um animal político (zoon politikon) e o espaço público. 3.3. O meio-termo. 4. A Justiça. 4.1. Justiça Universal. 4.2. Justiça Particular. 4.2.1. Justiça distributiva. 4.2.2. A justiça corretiva. 5. Conclusão. Referências bibliográficas


1. INTRODUÇÃO


Pretende-se mostrar o posicionamento aristotélico a respeito da Ética e da Justiça. Tais idéias perpassaram o tempo e, hodiernamente, ainda são utilizadas como ponto de partida para as incursões no tema.


Nesta senda, primeiro se fará um estudo geral da ética, para então adentrar a concepção de Aristóteles. Os conceitos que o autor utiliza para considerar um ato condizente com a Ética são os mesmos utilizados para classificá-lo como justo. Também será analisada a concepção do “homem como um animal político”, que talvez seja o pensamento mais conhecido do autor, observando-se as implicações que esta deverá exercer nos campos da Ética e da Justiça.


Num segundo momento, será tratada a Justiça. Tal conteúdo foi um dos mais importantes que o filósofo tratou, ao ampliar a idéia que Platão já havia desenvolvido. A Justiça é um tema de grande discussão nas searas da filosofia do direito, bem como é uma das maiores aspirações dos povos.


Utilizamos como referência a obra “Ética a Nicômaco”, na qual Aristóteles tratou de forma mais precisa o tema.


2. PARA UMA TENTATIVA DE CONCEITUAR A ÉTICA


Nós somos seres emotivos. Tal condição nos permite avaliar os hábitos e, assim, classificá-los como bons ou ruins, justos ou injustos. A qualidade de classificar valorativamente os atos forma a convicção moral ou a consciência do indivíduo, bem como influencia o caráter deste. Tal fato fez com que o homem criasse um estudo teórico do comportamento humano, relacionado com o aspecto moral, denominado ética. Comportamento este, ressalte-se, autônomo, ou seja, que não é imposto por uma força coercitiva. É bem verdade que existem determinados princípios morais que nos são impostos pela sociedade, a qual dispensa um ostracismo espontâneo para quem os viola (REALE, 2006, p. 46); entretanto, não possuem força coativa que possa obrigar seu cumprimento por meios violentos.


É comum no uso diário utilizarmos indistintamente os termos moral e ética. De fato, etimologicamente, não há diferenças entre ambos. Ética deriva da palavra grega ethos, que significa costume. Moral, por sua vez, adveio da palavra latina mores, que também se refere a costume (NALINI, 2008, p. 29). Por essa razão, alguns estudiosos não distinguem os dois termos. No entanto, optamos pela distinção, posto que a palavra ética tomou espaços propriamente científicos que possui como objeto a moral.


Nesse sentido, Nalini, inspirado em Sánchez, conceitua ética como “a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade”[2] (2008, p. 28). Ao definirmos ética como ciência, inferimos que esta é um conhecimento teórico, racionalmente sistematizado. Por essa razão, a preocupação ética reside no fundamento do comportamento humano, enquanto a moral apresenta um caráter mais pragmático – analisando as regras que verdadeiramente se efetivam na sociedade (Idem, Ibdem, p. 30). Logo, a ética apresenta um campo mais abrangente que o da moral.


Percebendo a primazia da ética em relação à moral, o insigne professor paraibano Luiz Augusto Crispim nos legou a seguinte definição:    


“A ética é a matéria dos princípios. E a malha dos princípios forma o elemento metamoral capaz de realizar a plenitude do dever-ser”.[3]


Ao afirmar o elemento “metamoral”, isto é, além da moral, o autor sugere a primazia da ética em relação à moral. No tocante aos princípios e ao dever-ser, inferimos que a ética é uma ciência normativa. 


Aristóteles considera o elemento normativo (deontológico, que impõe um dever moral) da ética, mas dá primazia ao aspecto teleológico, ou seja, mais importante do que agir por uma máxima ou regra moral é pautar a conduta de acordo com um fim, qual seja o bem (FARIAS, 2004, p. 2). Devido a isso, a ética aristotélica é classificada como ética dos bens, conforme trataremos no decorrer do texto.


Por ser a “matéria dos princípios”, a ética estuda os juízos de valor. Estes avaliam as condutas, as coisas etc. e as tipificam como boas ou más, ou seja, definem os valores positivos ou negativos (LEITE, 2007). Daí se condena ou aplaude certas atitudes em nome da ética.


3. A ÉTICA ARISTOTÉLICA


A ética é classificada pelos estudiosos em diversos ramos (ética empírica, ética dos bens, ética formal, ética dos valores etc.; pode ainda ser dividida de acordo com o critério de ser absoluta ou relativa). Dentre as possíveis classificações da ética, resolvemos elencar a denominada ética dos bens. Tal escolha não foi arbitrária, pois é constante na obra do autor a referência a um bem supremo. Entende-se que “a finalidade da ética é descobrir o bem absoluto, a meta definitiva, que é ponto de convergência e chegada e não pode ser ponto de partida de mais nada. O bem é a plenitude da essência” (NALINI, 2008, p. 61). O bem, por sua vez, é definido como “aquilo a que as coisas tendem” (ARISTÓTELES, 2006, p. 17).


Aristóteles considera como bem supremo a felicidade. Todas as ações humanas devem possuí-la como finalidade. Mas o que seria a felicidade? Como torná-la possível?


3.1. A Felicidade


“Quase todos estão de acordo (…) que esse bem supremo seja a felicidade; porém divergem a respeito do que seja a felicidade” (Idem, Ibdem, p.19). Esta é relativa a cada sujeito. Um trabalhador, que exerce a atividade para a subsistência, pode identificá-la com o prazer; já um cidadão indica a honradez da vida política. Mesmo se existir um bem único, os homens não são capazes de alcançá-lo, assim como não faria parte desta dissertação, pois o objeto da ética aristotélica é algo alcançável ou realizável (Idem, Ibdem, p. 24).


Por ser o bem supremo, a felicidade é observada sob vários ângulos. Primeiramente, “(…) o que constitui a felicidade são atividades virtuosas, e as atividades viciosas nos conduzem à situação oposta” (Idem, Ibdem, p. 33); ou seja, a felicidade só é efetivada por meio da virtude expressa em ações. Estas devem ser duradouras, não bastando uma ação esporádica para caracterizar um homem como feliz. Neste sentido, a felicidade é uma atividade duradoura; mesmo em períodos de maior dificuldade, o homem bom jamais deixará de ser feliz, pois saberá tirar algum proveito da situação em que se encontra. Senão, vejamos o fragmento in verbis:


“(…) pois nenhuma função humana é dotada de tanta permanência como as atividades virtuosas, que são consideradas até mais duradouras que o próprio conhecimento das ciências. (…) No entanto, mesmo na adversidade a nobreza de um homem se deixa mostrar, quando aceita com resignação muitos e grandes infortúnios, não por ser insensível à dor, mas por nobreza e grandeza da alma. (…) Pensamos que o homem verdadeiramente bom e sábio suporta com dignidade todas as contingências da vida e sempre tira o maior proveito das circunstâncias, como um general que faz o melhor uso possível do exército sob o seu comando, ou um bom sapateiro que faz os melhores calçados com o couro que lhe dão; e o mesmo acontece com todos os outros artífices (Idem, Ibdem, pp. 33 e 34)”.


É importante ressaltar que Aristóteles (2006, p. 40) não considera a virtude moral, que proporciona a felicidade, como um elemento inato à condição humana. Isso significa que o homem não nasce propenso a ser ético, é a partir dos hábitos virtuosos reiterados que esse será feliz. A virtude é, pois, uma faculdade. 


Por fim, a felicidade é o bem absoluto, que está acima de qualquer outro. Ela é perquirida em si mesma, nunca em função de outra coisa. Se procurarmos a honra, a razão etc., estaremos, na verdade, em busca da felicidade; por essa razão, ela é um bem auto-suficiente (Idem, Ibdem, p.p. 25 e 26).


Destarte, Aristóteles desenvolveu a ética dos bens ou teleológica, cujo objetivo é a felicidade, a qual é efetivada por meio de ações virtuosas reiteradas. A felicidade é auto-suficiente, relativa ao sujeito, duradoura e realizável.


3.2. O homem como um animal político (zoon politikon) e o espaço público


Esta talvez seja a idéia mais conhecida do autor. Repousa no fato do homem ser, por sua natureza, criado para viver na cidade, na polis. É nesta que se desenvolve a atividade política.


A ética só é efetivada ao se considerar o homem em relação com os demais, posto que esse é um animal político. E o local onde é possível exercer a plenitude das atividades virtuosas é na polis. É apenas nesta que o sujeito possui liberdade, pois deixa de ser indivíduo e se torna cidadão. A vida privada é limitada pela necessidade da subsistência. Neste espaço, que é o familiar, tanto o pater quanto os demais membros da domus estavam sujeitos às necessidades básicas do homem. Já no espaço público, o homem está em contato com os iguais, bem como era livre para tomar suas decisões (FERRAZ JR., 2008, p. 3). A moral passa então a ser definida pela política, uma vez que a virtude só é realizável na esfera pública (FARIAS, 2004, p.5).


Por valorizar o espaço público em detrimento do privado, Aristóteles dedicou muitos estudos para a Retórica, a Política etc. À primeira vista, poderíamos pensar que essa produção intelectual era favorável à forma democrática de governo, posto que o filósofo afirmara a esfera pública como aquela que proporciona a liberdade do homem, e que este estava em contato com os iguais. No entanto, Aristóteles combateu a democracia vigente em Atenas; ele considerava como forma ideal de governo a politéia, a qual era comandada por uma classe média.


3.3. O meio-termo


Conforme dissemos anteriormente, o bem supremo (a felicidade) só poderá ser atingido por meio de uma ação virtuosa. Aristóteles considera a virtude como um meio-termo, isto é, uma posição mediana entre posições extremas, um princípio ponderativo. É constante no Livro II da obra Ética a Nicômaco a referência à ação mediana:


“Comecemos por considerar, pois, que está na natureza das virtudes o serem destruídas pela deficiência ou pelo excesso, tal como se observa no vigor e na saúde (porque para explicar as coisas invisíveis, devemos recorrer à evidência das coisas sensíveis); tanto a prática excessiva de exercício quanto a deficiente destroem o vigor; e, da mesma maneira destroem a saúde o alimento ou a bebida que ultrapassem certos limites, tanto para mais como para menos, enquanto seu uso nas devidas proporções, produzem, aumentam e preservam a saúde e o vigor. E o mesmo acontece com a temperança, a coragem e as outras virtudes. O homem que tem medo de tudo e de tudo foge, não enfrentando nada, torna-se um covarde; e de outro lado, o homem que não teme absolutamente nada e enfrenta todos os perigos, torna-se temerário (ARISTÓTELES, 2006, p.42). (…) em todas as coisas o meio-termo é louvável e os extremos nem louváveis nem corretos, porém censuráveis (Idem, Ibdem, 51). (…) Existem, então, três espécies de disposições; duas delas são vícios que envolvem excesso e carência respectivamente, e a terceira é uma virtude, ou melhor, o meio-termo” (Idem, Ibdem, p. 53).


 Percebemos que o filósofo é muito cauteloso ao tratar das ações, pois considera que essas devem representar o ponto de equilíbrio entre as idéias. Agir eticamente é, pois, procurar um sincretismo entre posições diametralmente opostas; caso não aconteça, se cairá na escassez ou no excesso. Poderíamos encontrar o embrião do meio-termo aristotélico na obra de Heráclito (devendo-se resguardar as diferenças), que considerou a harmonia como fruto do conflito entre os opostos. 


Essa noção da proporcionalidade que nos induz a idéia do meio-termo será imprescindível para compreender a Justiça aristotélica. Tal noção perpassa a noite do tempo e passa a compor as modernas concepções de Justiça.


4. A JUSTIÇA


Este tema está presente na condição humana desde os primeiros estágios da vida; já na infância existe um sentimento que clama por meios justos, que possam proporcionar às pessoas a realização do que é correto. Percebe-se desde já que a noção de Justiça envolve as convicções de cada povo, de cada indivíduo. A ordem jurídica é concebida como um instrumento de materialização da Justiça; por essa razão, dizer se um direito é legítimo ou não, é observar se este corresponde ao que os destinatários denominam de justo.


Dissemos, ao tentar conceituar a ética, que nós seres emotivos tipificamos determinados atos como justos ou injustos. É a partir dessa premissa que percebemos a relação entre a ética e a justiça, daí dizer-se que “a ciência moral não tem outro objeto senão ensinar o que é justo fazer e ao que é justo renunciar” (PERELMAN, 2005, p. 7). Nesse sentido, não podemos separar o estudo das virtudes éticas de sua concepção de justiça, pois “devemos indagar com que espécie de ações se relacionam elas, que espécie de meio-termo é a justiça, e entre que extremos o ato justo é meio-termo” (ARISTÓTELES, 2006, p.103).


É no Livro V da Ética a Nicômaco que Aristóteles trata especificamente do tema Justiça. Ele a dividiu em duas grandes correntes, a Justiça Universal e Justiça Particular. A primeira já havia sido tratada por Platão, seu mestre, que a considerava como a única Justiça.


4.1. Justiça Universal


A Justiça Universal ou Geral, até mesmo pelo significado do termo, é aquela que leva em consideração o todo, é a realização plena das virtudes (Idem, Ibdem, p. 105). Ela é aplicada na organização da comunidade. Por essa razão, a maneira precípua de respeitá-la é pela obediência legal, posto que estas são destinadas à todos. “Há, portanto, uma espécie de injustiça que é a parte da injustiça em geral, e um dos sentidos da palavra ‘injusto’ que corresponde a uma parte do que é injusto no sentido amplo de ‘contrário à lei’” (Idem, Ibdem, p. 106).


A forma de materializar a Justiça seria que os Estados promovessem leis justas para os cidadãos (FLEISCHACKER, 2006, p. 17). Como o faria? O pensamento de Santo Agostinho nos legou a fórmula de que “a justiça é aquela virtude que dá a cada um o que lhe é devido” (Idem, Ibdem, p.17). Nessa passagem, percebemos a generalidade dessa forma de justiça, bem como sua aplicabilidade para qualquer civilização. De fato todos os povos definiram o que é devido a cada um, só que divergiram nessa quantidade. Para os antigos gregos, a cidadania só era devida aos homens livres que deveriam possuir uma série de requisitos para que fossem considerados como tais; atualmente, nosso espírito democrático concedeu a cidadania para vários grupos sociais, a exemplo das mulheres.


4.2. Justiça Particular


Aristóteles (2006, p.106) começou a perceber que a acepção da palavra Justiça poderia tomar múltiplos significados. A partir daí classificou a Justiça Particular, que é própria da relação privadas, sendo por isso uma parte da virtude; ela promove a igualdade que a lei, por ser destinada à coletividade, não consegue resolver. É improvável que um preceito abstrato possa ser justo em todas as situações existentes, pois há desigualdades entre os destinatários.


Percebe-se desde já que essa forma de justiça está contida na idéia de justiça universal, posto que a primeira é uma parte da virtude, e a segunda é a virtude como um todo; portanto, o transgressor particular também viola a parte geral, o inverso nem sempre acontece. Vejamos os exemplos que o estagirita utilizou:


“É evidente, então, que existe mais de uma espécie de justiça,e uma delas se distingue da virtude no pleno sentido da palavra. Devemos buscar determinar o seu gênero e a sua diferença específica. Distinguimos o ‘injusto’ em ilegítimo e ímprobo, e o ‘justo’ em legítimo e probo. Ao ilegítimo corresponde o sentido da injustiça que examinamos há pouco. Mas já que ilegítimo e ímprobo não são a mesma coisa, diferenciando-se entre si como a parte é diferente do todo (tudo que é ímprobo é ilegítimo, mas nem tudo que é ilegítimo é ímprobo), o injusto e a injustiça no sentido de improbidade não se identificam com a primeira espécie, mas diferem dela como a parte do todo. Efetivamente, a injustiça neste sentido é uma parte da injustiça no sentido amplo, e igualmente a justiça que estamos investigando agora é uma parte da justiça no sentido amplo” (Idem, Ibdem, p. 107).


Foi a partir das idéias aqui trazidas que se pôde conceber uma justiça própria do saber jurídico, assim como foi possível estabelecer o estudo do direito de modo autônomo sob o ponto de vista epistemológico (CUNHA, 2003). Neste sentido, é a justiça própria dos juristas. 


A Justiça Particular, por sua vez, foi dividida em dois ramos: distributiva e corretiva. “A discussão que Aristóteles faz dessa distinção tem por objeto as diferentes maneiras segundo as quais a justiça distributiva e a corretiva representam uma norma de igualdade” (FLEISCHACKER, 2006, p. 30)


4.2.1. Justiça distributiva


A justiça distributiva é tratada no capítulo 3 do livro V da Ética a Nicômaco. Prega a igualdade pela proporção, pela distribuição daquilo que é justo, que cabe a cada um. É a distribuição das vantagens e encargos da vida social. Essa proporção, como já foi dito anteriormente, não considera que os bens devem ser distribuídos na forma aritmética absoluta, concedendo partes iguais para pessoas diferentes. “Se as pessoas não são iguais, não receberão coisas iguais; mas isso é origem de disputas e de queixas (como quando iguais têm e recebem partes desiguais, ou quando desiguais recebem partes iguais)” (ARISTÓTELES, 2006, p. 109). Tal colocação revela mais uma vez que o filósofo grego percebeu que o conceito de igualdade depende da concepção de quem está definindo-a.


Cada pessoa deve ser recompensada de acordo com os seus méritos (FLEISCHACKER, 2006, p. 30). É a virtude do indivíduo que irá determinar que parte lhe é devida. Um homem que age de forma virtuosa deverá receber uma quantidade de bônus maior do que aquele cujas condutas são viciosas; já este deverá receber um maior ônus do que o primeiro.


4.2.2. A justiça corretiva


Também denominada de sinalagmática, busca a correção das injustiças tentando restabelecer a igualdade. Ressalte-se que a igualdade ora pretendida não se confunde com a proporcional da justiça distributiva:


“Esta forma do justo tem um caráter diferente da primeira, pois a justiça que distribui bens públicos está sempre de acordo com a proporção mencionada (…). Com efeito, é indiferente que um homem bom tenha lesado um homem mau, ou o contrário, e nem se é um homem bom ou mau que comete adultério; a lei considera apenas o caráter distintivo do delito e trata as partes como iguais, perguntando apenas se uma comete e a outra sofre injustiça, se uma é autora e a outra é vítima do delito. Sendo, então, esta espécie de injustiça uma desigualdade, o juiz tenta restabelecer a igualdade, pois também no caso em que uma pessoa é ferida e a outra infligiu um ferimento, ou uma matou e a outra foi morta, o sofrimento e a ação foram desigualmente distribuídos, e o juiz tenta igualar as coisas por meio da pena, subtraindo uma parte do ganho do ofensor” (ARISTÓTELES, 2006, p.110).


Pelo que vimos no fragmento, trata-se de uma justiça punitiva. Que promove a igualdade não por retirar o bem de um e repassá-lo para outro, mas de sancionar aquele que prejudicou outrem, sem que isso promova um bem ao prejudicado. A vantagem que este teria é o sentimento de que foi efetivada a Justiça por haver sido penalizado o homem que agiu de má-fé.


A justiça corretiva é própria dos juízes, pois é necessária a intervenção de um terceiro para consertar a injustiça. Levando em consideração que Aristóteles idealizara uma tripartição de poderes (ALMEIDA FILHO; SOUSA, 2008, p. 36), não necessariamente nos moldes que hoje conhecemos, é possível encontrá-la no nesse conteúdo. A Justiça Geral seria própria do poder legislativo (já que as leis representam a virtude absoluta), a Justiça Distributiva faria parte do poder executivo (por distribuir os bens), e por último a Justiça corretiva que iria compor o poder judiciário.


5. CONCLUSÃO


Diríamos, ao tratar da ética, que um grande avanço de Aristóteles foi relativizá-la em relação ao sujeito. Tomá-la como algo absoluto iria torná-la abstrata. Nesse sentido, só uma ação pode tornar possível a ética.


A idéia do homem como animal político requer uma concepção mais restrita do que considerá-lo apenas como um ser sociável. A intenção é tratá-lo como um ser que procura o espaço público. Nesse sentido, se falássemos apenas em sociabilidade, incluiríamos o espaço privado. Foi a primeira distinção entre público e privado que temos registro.


A presença do meio-termo foi de grande valia para o estudo. Todas as ações devem fugir das posições extremas, que nos induz o princípio ponderativo.


Foi a partir do pensamento do estagirita que concebemos um estudo propriamente jurídico, ao tratar da Justiça Particular. Nesta, inferimos uma forma relativa a cada estrutura de poder. Destarte, trouxemos o fato da tripartição de poderes como elemento idealizado por Aristóteles, não por Locke e Montesquieu.


 


Referências bibliográficas

ALMEIDA FILHO, Agassiz; SOUSA, Fábio Henrique. A política em Aristóteles: influxos na modernidade. In A. Almeida Filho; V. S. de C. Barros (orgs.). Novo Manual de Ciência Política, São Paulo: Malheiros, 2008.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Texto integral. Tradução: Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2006.

CABRAL, André. Ética – conceitos gerais. Texto não publicado.

CUNHA, Paulo Ferreira da. Aristóteles – Filosofia do homem: Ética e Política. Porto: Revista Internacional d’Humanitats n° 8, 2003.

FARIAS, José Fernando de Castro. Ética, Política e Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6º Ed. São Paulo: Atlas, 2008.

FLEISCHACKER, Samuel. Uma breve história da justiça distributiva. Tradução: Álvaro de Vita. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

LEITE, Gisele Pereira Jorge. Breves reflexões sobre ética. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 37, 02/02/2007. Disponível em url = location;document.write(url); https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2404. Acesso em 05/12/2009.

NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. 6º Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. Tradução: Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2002.


Notas:

[1] Trabalho realizdo sob a orientação do Professor Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Jr.

[2] Poderá haver divergências ao colocar a ética num campo científico. É plausível considerá-la num campo filosófico, ou na seara científico-filosófica. Embora seja importante, essa discussão não irá compor o conteúdo do presente artigo.

[3]  Esta passagem foi retirada de um texto não publicado do Professor André Cabral, intitulado: Ética – conceitos gerais.

Informações Sobre o Autor

Pedro Henrique Sousa de Ataíde

Acadêmico de Direito pela Universidade Federal da Paraíba


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Equipe Âmbito Jurídico

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