1. Introdução
O movimento Iluminista trouxe à tona a discussão sobre os direitos inerentes à condição humana e, com a Revolução Francesa, foi-se formando um Estado Constitucional de Direito fundado na limitação do exercício de poder pelo Estado. Com a adoção da teoria da separação dos poderes de Montesquieu, iniciou-se uma era de reconhecimento de direitos fundamentais em face do Estado Liberal. A noção de sociedade passa a fundar-se no relacionamento de indivíduos livres e iguais, com autonomia para a livre iniciativa baseada exclusivamente em suas vontades e interesses, com o pensamento de que, assim, todos teriam oportunidade de livre competição, ascensão social e aquisição de bens materiais.
Assim, para a teoria liberal, a esfera das relações sociais particulares deveria ser totalmente desvinculada da esfera política, podendo proprietários e trabalhadores dispor dos seus direitos e realizar negócios jurídicos como melhor lhes conviesse, sendo o papel do Estado apenas o de total abstinência de iniciativa social, devendo apenas assegurar que, aos particulares, fosse estabelecido o irrestrito espaço de autodeterminação.
Com a crise social despendida do modelo liberalista, emergiu-se o modelo de Estado Social de Direito, marcado, principalmente, pela exigência da presença do Estado e o surgimento dos direitos sociais ou direitos a prestações. Os direitos a prestações buscam obter do Estado as condições jurídicas e materiais imprescindíveis ao exercício concreto de tais liberdades, que pode referir-se a uma prestação jurídica ou a uma prestação material, caso o objeto da pretensão seja uma atuação normativa do Estado ou uma utilidade concreta (bens ou serviços) a ser proporcionada pelo ente estatal (CUNHA JUNIOR, 2011, p. 563).
A segunda dimensão dos direitos fundamentais, ou o status positivus/civitatis, como proposto por Jellinek, requer ao Estado uma ação positiva, que este forneça aos indivíduos condições mínimas de vida com dignidade, como forma de diminuir as desigualdades sociais.
Robert Alexy entende que os direitos fundamentais sociais também abrangem direitos à proteção por parte do Estado, que este os proteja de intervenções de terceiros e somente a subjetivação dos deveres de proteção faz justiça ao sentido original e permanente dos direitos fundamentais como direitos individuais. Ao contrário do que ocorre com os direitos sociais, ou direitos a prestações em sentido estrito, os direitos a proteção inserem-se inteiramente na
Com isso, os direitos fundamentais passam a ser fundamento funcional da democracia, deixando de ser vistos, primordialmente, como reservas contrapostas ao ente estatal, mas sendo compreendidos e aplicados com uma finalidade unificadora.
2. A evolução dos paradigmas proposta por Thomas Kuhn
A definição de paradigma científico foi proposto por Thomas Kuhn, na sua obra “A Estrutura das Revoluções Científicas”, de 1962, considerada um marco na história da ciência. Para entender o conceito, inicialmente devemos saber o que o autor considera “ciência normal”. Segundo ele, “ciência normal” significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações científicas passada, que são reconhecidas durante algum tempo por alguma comunidade científica específica como proporcionando os fundamentos para sua prática posterior (KUHN, 1998, p. 29).
Chegar a um paradigma reflete a maturidade de uma determinada pesquisa científica. Como solucionador de quebra-cabeças, o autor considera um empreendimento altamente cumulativo, extremamente bem sucedido no que toca ao seu objetivo, a ampliação contínua o alcance e da precisão do conhecimento científico. Contudo, a ciência normal não se propõe descobrir novidades no terreno dos fatos ou da teoria (KUHN, 1998, p.77).
Assim, particularmente em relação ao nosso tema, a sociedade atingiu um estado no qual as normas vigentes se tornaram insuficientes para as necessidades de uma maior efetividade dos direitos fundamentais. Dessa forma, o paradigma até então vigente, já convertido em ciência normal, precisaria de mudanças na sua orientação, o que o autor chama de “crises”, e explica:
“Suponhamos que as crises são uma pré-condição necessária para a emergência de novas teorias e perguntemos então como os cientistas respondem à sua existência. Parte da resposta, tão óbvio como importante, pode ser descoberta observando-se primeiramente o que os cientistas jamais fazem, mesmo quando se defrontam com anomalias prolongadas e graves. Embora possam começar a perder sua fé e a considerar outras alternativas, não renunciam ao paradigma que os conduziu à crise. Por outra: não tratam as anomalias como contra-exemplos do paradigma, embora, segundo o vocabulário da filosofia da ciência, estas sejam precisamente isso” (KUHN, 1998, p. 107).
O autor explica, ainda, que a transição de um paradigma em crise para um novo não consiste apenas em um processo cumulativo através de uma articulação do velho paradigma, mas é, antes, “uma reconstrução da área de estudos a partir de novos princípios, reconstrução que altera algumas das generalizações teóricas mais elementares do paradigma, bem como muitos de seus métodos e aplicações” (KUHN, 1998, p. 116).
Segundo Noberto Bobbio, o problema fundamental em relação aos direitos do homem não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. O mais importante, então, seria investigar qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados (2004, p. 45).
Os direitos fundamentais foram criados como uma forma de vincular, primordialmente, o Estado, limitando seu poder para evitar ingerências excessivas da vida particular dos indivíduos. Entretanto, foi-se verificando que as desigualdades entre as partes não se limitam às relações entre o Estado e o particular, mas também afetam as relações privadas, especialmente se um dos particulares detém um poder social ou econômico superior ao outro.
Assim, visualizamos a evolução de um paradigma e, conforme a teoria de Kuhn, uma revolução científica.
Então, na Alemanha (Drittwirkung), e posteriormente no Brasil, passou a se admitir a eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas.
Embora seja alegado o direito da autonomia privada para afastar a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas, entendemos que só pode existir efetivamente autonomia privada quando o agente desfrutar de mínimas condições materiais de liberdade. Porém, isso não acontece em grande parte dos casos de aplicação desses direitos nas relações entre particulares, nas quais a manifesta desigualdade entre as partes obsta, de fato, o exercício da autonomia, e as relações de trabalho são, quase em sua totalidade, de caráter profundamente assimétrico e excludente (URIARTE, p. 223).
Confirmada a possibilidade de aplicação dos direitos fundamentais sociais às relações trabalhistas, passaremos a analisar agora a forma de vinculação dos particulares a esses direitos.
3 A aplicabilidade direta dos direitos fundamentais sociais nas relações de trabalho
O art. 5º, §1º, da CRFB de 1988, dispõe que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata”.
Embora o dispositivo aludido não mencione qualquer exceção à norma, alguns doutrinadores negam a aplicação imediata da totalidade dos direitos fundamentais, já que se reservaria apenas àquelas normas completas, que prescindem de qualquer atividade legislativa. Segundo a teoria da eficácia mediata ou indireta (mittelbare Drittwirkung), formulada por Günther Dürig, a eficácia direta dos direitos fundamentais perante terceiros geraria um incremento do poder estatal sobre a autonomia privada, desvirtuando o Direito Privado. Para os adeptos dessa teoria, os direitos fundamentais não podem ser aplicados às relações particulares sem os chamados mecanismos de intermediação e suavização, que seriam, principalmente, a atividade legislativa e, em segundo plano, a atividade judicial.
Os direitos fundamentais seriam, então, meros instrumentos de interpretação das normas de Direito Privado e de controle do âmbito de extensão da autonomia privada, se reduzindo tão somente à conciliação desses valores com a liberdade geral e a liberdade negocial, representando um verdadeiro retrocesso aos mecanismos de proteção aos direitos do homem (ANDRADE, 1998, p. 289) e, por isso, partilhamos do entendimento de eficácia imediata ou direta dos direitos fundamentais nas relações particulares (unmittelbare Drittwirkung).
José Afonso da Silva, ao tratar do problema da eficácia jurídica dos direitos fundamentais sociais, subdivide as normas naquelas de eficácia plena, eficácia contida e eficácia limitada (SILVA, 2004, p. 85). Entretanto, as normas constitucionais são, sem exceção, dotadas de eficácia jurídica, variando apenas sua carga eficacial, de acordo com o grau de normatividade que lhe tenha sido outorgado pela Constituição. Uma interpretação que negue a eficácia das normas de direitos fundamentais desprestigia o princípios da máxima efetividade da Constituição (CUNHA JUNIOR, 2011, p. 637).
Para Ana Paula de Barcellos, o primeiro critério que orienta a identificação da eficácia jurídica aos enunciados normativos diz respeito à chamada fundamentalidade social da circunstância por ele regulada, que é seu grau de importância ou relevância social e esse é o parâmetro lógico que orienta a política legislativa de modo geral. Quanto mais fundamental para a sociedade for a matéria disciplinada pelo dispositivo e, consequentemente, os efeitos que ele pretende sejam produzidos, mais consistente deverá ser a modalidade de eficácia jurídica associada (BARCELLOS, 2008, p. 136). E os direitos fundamentais sociais do trabalhador tem, inegavelmente, um alto grau de fundamentalidade social.
A interpretação constitucional do caráter de abertura e pluralismo da Constituição de 1988, que culminou na redação do art. 5º, §1º, reflete a intenção do jurista em perquirir, no sistema normativo, até a exaustão, todas as potencialidades dos comandos normativo-constitucionais, independente de qualquer intervenção legislativa, confirmando a aplicação imediata de todos os direitos fundamentais (CUNHA JUNIOR, 2011, p. 643). A cláusula da aplicação imediata supracitada tem, portanto, uma extraordinária importância prática, como decorrência do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais.
Como consequência da vontade constitucional de se estabelecer ampla proteção aos direitos fundamentais sociais, estes não devem carecer de qualquer transformação para serem aplicados no âmbito das relações jurídico-privadas, assumindo diretamente o significado de vedações de ingerências no tráfico jurídico-privado e a função desses direitos oponíveis a outros particulares, acarretando a proibição a qualquer limitação aos direitos fundamentais contratualmente avençadas, ou, em último caso, gerando direito subjetivo à indenização no caso de uma ofensa oriunda de particulares (SARLET, 2004, p. 351).
Como meio de mitigar essa dicotomia entre eficácia mediata e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas, Ingo Wolfgang Sarlet sustenta que das normas definidoras de direitos fundamentais decorrem os chamados deveres de proteção. Esses seriam imposições ao Estado para que protegessem os particulares contra agressões aos bens jurídicos fundamentais assegurados constitucionalmente. Para alguns autores, a melhor forma de resolver o problema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais seria colocar o Estado como destinatário precípuo desses direitos, e que seria este o responsável por obrigar o particular a obedecê-los. Entretanto, na nossa opinião, a limitação à eficácia dos direitos fundamentais com essa intervenção estatal continua representando óbice à efetividade desses direitos (SARLET, 2004, p. 362).
Dessa forma, insistindo na vinculação direta dos particulares aos direitos fundamentais sociais, o mesmo autor nos traz a teoria dos “poderes privados” e se refere às relações entre particulares caracterizadas por um inequívoco e relevante grau de desigualdade, logo, dotada de expressivo poder social. Segundo a teoria, nesses casos, estaríamos, na verdade, diante de uma relação similar à travada entre o Estado e o indivíduo e, em razão do desequilíbrio do poder social e econômico na relação privada, se teria uma verdadeira vinculação direta com eficácia do tipo vertical, e não realmente horizontal, como já foi dito (SARLET, 2004, p. 368).
Independente de ser chamada eficácia horizontal ou vertical, os direitos fundamentais sociais do trabalhador, definitivamente, necessitam de uma séria proteção no âmbito das relações privadas de trabalho, principais destinatárias das referidas normas, dada manifesta desvantagem do trabalhador em relação ao empregador, detentor, por excelência, de um maior poder social e econômico.
O principal fundamento dos direitos fundamentais, aí incluídos os direitos sociais do trabalhador, já vem de antes da relação de trabalho, com os direitos fundamentais inerentes a sua condição de pessoa. O princípio da dignidade da pessoa humana pode ser utilizado para justificar as várias formas de eficácia jurídica e sua extensão, inclusive reconhecer a algumas normas a eficácia positiva ou simétrica, que busca identificar simetria entre o conteúdo da eficácia jurídica e os efeitos pretendidos pela norma, garantindo à pessoa humana, pelo menos, o mínimo existencial (BARCELLOS, 2008, p. 229). Ainda assim, apenas os direitos individuais, de não intervenção, não são suficientes para o alcance da dignidade da pessoa humana, se não lhe forem garantidos direitos positivos, tais como o direito ao trabalho e as demais garantias a ele inerentes, que, sem dúvidas, fazem parte do conteúdo essencial do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Além disso, a CRFB de 1988 também compreende o valor social do trabalho como fundamento da República, em seu artigo 1º, IV, e da livre iniciativa, consagrando a importância da efetividade dessas garantias no nosso Estado democrático de direito.
Outro importante fundamento constitucional que contribui para a aplicabilidade direta dos direitos fundamentais sociais às relações trabalhistas é a consagração da função social da propriedade, nos termos do art. 5º, XXIII, da CRFB/88. O nosso ordenamento jurídico garante, por um lado, a propriedade privada e a pluralidade de direitos de propriedade e, por outro, que a função social dos bens delimitará o conteúdo essencial do direito.
Em termos gerais, a liberdade de empresa se define, do ponto de vista trabalhista, na liberdade de entrar no mercado, na liberdade de organizar e desenvolver os recursos produtivos e na liberdade de abandonar total ou parcialmente o mercado. Sobre a primeira, a liberdade de entrar no mercado, se concretiza com a possibilidade de adotar livremente a decisão de iniciar atividades empresariais, decidindo o que se vai produzir, como vai e quanto vai e, portanto, a quantidade de trabalhadores que vai se precisar e quem vai ser contratado.
A liberdade de empresa pode sofrer restrições derivadas da proteção de outros direitos constitucionais, mas essa limitação não pode chegar a anular aspectos substanciais da liberdade nem pode infligir à mesma danos que resultem desproporcionais aos objetivos sociais perseguidos. Dessa forma, se impõe à empresa uma função eminentemente social, não se restringindo apenas à busca pelo lucro, mas de promover o desenvolvimento social de acordo com os ditames estabelecidos na Constituição.
Sobre o noção de efetividade dos direitos constitucionais, Luís Roberto Barroso, a distingue do conceito de vigência da norma, citando Kelsen, como o fato real de ela ser efetivamente aplicada e observada, da circunstância de uma conduta humana conforme à norma se verificar na ordem dos fatos. Dessa forma, a efetividade significa a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social e representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais, simbolizando a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social (BARROSO, 2002, p. 236).
Dessa forma, o problema da eficácia dos direitos sociais fundamentais do trabalhador não pode apenas se limitar ao estudo das normas positivadas, mas sim observando a totalidade das questões que tais direitos envolvem, principalmente sociais, políticas e econômicas.
Um dos problemas relativos aos direitos fundamentais sociais é o aprofundamento das políticas específicas para tutela, pois, apesar de a Constituição Federal prever uma série de direitos trabalhistas, no art. 7º e fora dele, alguns ainda permanecem pendentes de regulamentação e, por isso, não alcançam a devida e esperada efetividade social. No nosso modelo constitucional, aceitam-se normais constitucionais que definem direitos fundamentais com a fixação de programas, finalidades e tarefas a serem implementadas pelos poderes públicos e que reclamam mediação legislativa. Mas isso não autoriza afirmar que não são dotadas de aplicação imediata, já que podem ser complementadas pelos órgãos do Judiciário no exercício de sua atividade de garantia e efetivação dos direitos fundamentais (CUNHA JUNIOR, 2008, p. 644).
4 Concretização dos direitos fundamentais sociais do trabalhador pelo Poder Judiciário
A chamada dimensão jurídico-objetiva dos direitos fundamentais significa que esses direitos constituem valores que o Estado não deve apenas respeitar, mas buscar a promoção e proteção com a adoção de uma postura ativa. Dessa forma, ainda que não sejam os destinatários precípuos das normas, como no caso da incidência dos direitos sociais nas relações de trabalho privadas, o Estado deve atuar como um verdadeiro guardião dos direitos fundamentais e, por meio dos seus três Poderes, buscar a efetividade social que se espera desses direitos.
No entanto, as normas fundamentais de baixa densidade normativa, não conseguem atingir a eficácia social que esperamos delas e, por isso, deve o Poder Judiciário intervir nas relações de trabalho em prol da efetividade dos direitos fundamentais sociais do trabalhador. Com essa ideia de concretização máxima das normas constitucionais, o dever de efetivação que antes era dirigido apenas ao legislador, à sua oportunidade e conveniência, também se dirige ao Poder Judiciário.
Paulo Bonavides destaca que o Poder Judiciário não tem apenas a função de interpretar os dos direitos fundamentais mas, sobretudo, concretizá-los, tendo o juiz constitucional a incumbência de proteger os direitos fundamentais e sendo a concretização tarefa essencial, sob a égide de uma nova hermenêutica, de caráter material, baseada no valor da dignidade da pessoa humana (BONAVIDES, 1998, p. 518).
Entretanto, a atuação do Poder Judiciário é por muitos questionada, criticando-se uma chamada judicialização da política e até mesmo a quebra do princípio da separação dos poderes. No entanto, esse processo, no contexto brasileiro, é uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado da vontade política.
É importante destacar que a concretização dos direitos fundamentais pelo Poder Judiciário não tem como intenção usurpar as funções que são próprias do Poder Legislativo, ou do Poder Executivo, mas que, em face do princípio da supremacia da Constituição, a garantia prevista deve ser prontamente exequível e imediatamente aplicável, por isso, o Judiciário pode produzir o direito.
Além disso, a atividade de concretização pelos magistrados trata-se de verdadeiro poder-dever, uma vez que lesão ou ameaça a direito não podem ser excluídos da apreciação do Poder Judiciário, nos termos do art. 5º, XXXV, da CRFB/88. E, sem dúvidas, os direitos fundamentais, ainda que programáticos e de alta abstração, são direitos e, por isso, não pode o Poder Judiciário negar-lhe tutela, quando requerida, sob o fundamento de ser um direito não exigível ou invocar a não-imperatividade ou ausência de caráter jurídico da norma que o confere. A única hipótese, segundo o autor, em que pode o juiz negar-lhe o cumprimento coercitivo é no caso de impossibilidade material evidente e demonstrável pela utilização de uma interpretação sistemática influenciada pela teoria geral do Direito (BARROSO, 2002, p. 234).
Andreas J. Krell (2002, p. 72) considera, inclusive, os juízes como corresponsáveis pelas políticas dos outros poderes estatais, tendo que orientar a sua atuação para possibilitar a realização de projetos de mudança social. Segundo o autor, exige-se um Judiciário intervencionista que realmente ousa controlar a falta de qualidade das prestações dos serviços básicos e exigir implementação de políticas sociais eficientes. Dessa forma, onde os Poderes Legislativo e Executivo falham ou são omissos, cabe ao Poder Judiciário uma postura ativa na realização desses fins sociais e regras orçamentárias, reserva do possível ou ausência de recursos não podem justificar a falta de concretização dos direitos fundamentais sociais.
O próprio art. 8º da CLT privilegia a atividade criativa do magistrado:
“Art. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”.
Em relação ao processo de concretização dos direitos fundamentais sociais em si, precisamos ter em mente que, nas relações privadas, os particulares destinatários das garantias também possuem o direito fundamental da autonomia privada constitucionalmente protegido. Sendo assim, diante de um caso concreto conflituoso envolvendo os direitos fundamentais sociais e o princípio da autonomia privada, a análise tópico-sistemática se dará de forma semelhante às hipóteses de colisão entre princípios, com a busca de uma solução calcada na ponderação dos valores.
As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa das regras. Se dois princípios colidem, um deles terá que ceder, o que não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. O que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a precedência pode ser resolvida de forma oposta. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios ocorrem na dimensão do peso: os princípios tem pesos diferentes e os princípios com maior peso tem precedência (ALEXY, 2008, p. 93).
Um importante fator que deve-se considerar na ponderação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares é o grau de desigualdade fática entre os envolvidos. E a relação de trabalho é, por excelência, uma relação privada com um alto nível de desigualdade e, por isso, o direito fundamental social do trabalhador demandará uma maior proteção que o direito fundamental à autonomia privada, mas somente prima facie, dada a natureza desses direitos.
Considerações finais
O art. 5º, §1º, da CRFB de 1988 impôs a aplicação imediata dos direitos e garantias fundamentais e em momento algum restringiu sua aplicação apenas em face do Estado. A vontade constitucional em se conceder ampla proteção aos direitos fundamentais sociais não pode condicionar a sua efetividade à atividade legislativa, sobretudo numa relação de eminente desequilíbrio, como o é a relação trabalhista.
Embora a regulamentação pela atividade legislativa infraconstitucional seja a opção mais segura juridicamente, não podemos deixar os direitos fundamentais do trabalhador, que constituem o mínimo exigível à sua dignidade, à mercê da discricionariedade do legislador, razão pela qual entendemos que esses direitos devem incidir diretamente nas relações de trabalho particulares, cabendo ao Poder Judiciário a determinar os termos que essa incidência se dará, mas sempre privilegiando a efetividade das normas constitucionais e a concretização social das normas fundamentais sociais.
Advogada. Mestrado em Direito das Relações Sociais na Contemporaneidade pela Universidade Federal da Bahia – UFBA em curso. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia de Pernambuco – ESA/PE. Pós-graduação em Direito do Trabalho pela Universidade Cndido Mendes – UCAM
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