Sumário: I) Introdução. II) Origem Histórica da Exceção de Pré-executividade. III) Natureza Jurídica do instituto. IV) A Exceção de Pré-executividade no âmbito do Processo Civil; IV.i) Jurisprudência. V) A Exceção de Pré-executividade e a Execução Trabalhista; V.i) Correntes doutrinárias. V.ii) Jurisprudência; V.iii) Procedimentos. VI) A Exceção e a Reforma Processual; VI.i) Jurisprudência. VII) Conclusão; VIII) Referências Bibliográficas.
I) INTRODUÇÃO
O tema tem por objetivo identificar, através de critérios objetivos, as hipóteses de cabimento e conseqüências da exceção de pré-executividade no processo do trabalho.
Inicialmente, necessário registrar, à guisa de evolução, que o formalismo exacerbado, outrora defendido, já não mais se coaduna com o momento presente do direito processual, o qual nos dizeres de Chiovenda “deve conferir à parte exatamente o que obteria se o direito não fosse descumprido[1]”. Em outras palavras, já não se concebe mais, na processualística atual, exageros formais que apenas distanciam a parte da obtenção do seu direito material. Nesta esteira, desenvolve-se então o estudo das tutelas de urgência, tendo por fito evitar ou pelo menos minorar os efeitos maléficos causados pela demora na prestação da atividade jurisdicional.
Defendendo a grande importância que vem sendo dada ao estudo dessas medidas, Olavo de Oliviera Neto chega a equiparar a demora na prestação jurisidicional com a própria falta desta, aduzindo que “o tempo execessivo de duração de um processo acarreta dano de tal monta que, mesmo que a parte venha a obter uma tutela adequada, esta não mais será suficiente para recompor o direito violado[2]”.
Ademais, não se pode esquecer a natureza instrumental do processo. Nesse sentido, colhemos a lição de Cláudia de Abreu Lima Pisco[3] ao aduzir que “o processo, por ser um instrumento que o Estado se utiliza para a entrega da prestação jurisdicional invocada, tem natureza nitidamente instrumental e, como o instrumento que é, existe para servir ao que lhe é principal, qual seja, o direito invocado”.
Dentro dessa nova realidade, que reconhece a autonomia do direito processual, mas o quer como um instrumento útil à obtenção do direito da parte e não como arma que a impeça de obtê-lo, a doutrina brasileira criou e vem aperfeiçoando uma forma necessária de contraditar e fulminar, ainda na nascente, essas pretensões viciadas ou inexistentes, evitando assim que se perdesse tempo com ações que jamais deveriam ter tido início.
Emerge, por conta dessa necessidade, a chamada exceção de pré-executividade, que representa um instrumento de defesa processual como resposta a um outro paradigma: o de que o direito à efetividade do processo somente dispõe o propositor da ação que com isso poderia ter sua pretensão rápida e eficazmente satisfeita.
É cediço que com a progressiva e paulatina aceitação da exceção de pré-executividade, passou-se a defender também a parte passiva na fase de execução, possibilitando a esta impedir e fazer cessar os problemas causados pela demanda satisfativa, sem que para isso tenha que sujeitar-se a um prazo certo sob pena de preclusão, como o requer o procedimento dos embargos. Neste mesmo sentido, invoca-se novamente as lições de Olavo de Oliveira Neto: “a efetividade do processo, especialmente do processo de execução, também deve levar em conta a situação do executado que sofre a propositura da ação infundada, permitindo-lhe a utilização de instrumentos, ainda não positivados, que possam resguardar de modo rápido e eficiente, sua esfera de direitos, indevidamente atingida. Não basta a existência dos embargos do devedor como via única para atacar o título ou a execução, já que em inúmeras hipóteses, estes não permitem o rápido acesso à tutela que declare inexigível a obrigação”.
Nesta seara, não se pode deixar de sempre relembrar que o acesso à justiça é o objetivo cada vez maior da sociedade em um Estado de Direito.
Vale mencionar, por sua pertinência, a lição de Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco no sentido de que o acesso à Justiça não se limita à faculdade de estar em juízo: “o acesso à Justiça não se identifica, pois, com a mera admissão do processo ou possibilidade de ingresso em juízo. (…) Para que haja o efetivo acesso à Justiça é indispensável que o maior número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se adequadamente[4]”.
Trazendo este conceito à fase de execução brasileira, somente garante-se o tão almejado acesso à Justiça, no seu sentido mais amplo, quando se der ao executado a chance de participar efetivamente daquele processo, de forma que possa alegar matérias que tenham o condão de fulminar de plano a execução. A exceção de pré-executividade é um meio para se atingir esta efetividade.
Verifica-se, neste contexto, que os embargos à execução deixaram de ser a única forma de oposição de defesa perante uma execução, com a já extinta condição sine qua non da garantia do juízo, condição esta que não se verifica hodiernamente, diante de disposição expressa no artigo 736 do Código de Processo Civil Brasileiro, com a redação dada pela Lei nº 11.1382/2006.
Especificamente quanto ao processo trabalhista, em virtude das particularidades desta execução, que se revela distinta da civil em vários aspectos, embora deva se admitir cada vez mais uma aproximação maior, sobretudo, após as recentes reformas processuais (Leis n.º 11.232/2005 e 11.382/2006), com vista principalmente à celeridade e a simplicidade das formas, necessário tecer considerações sobre a execução trabalhista, dotada de características especiais.
II) ORIGEM HISTÓRICA DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE
Deve-se a Pontes de Miranda a adoção do instituto pelo Direito Processual Civil brasileiro. Foi ele quem o intitulou de “exceção de pré-executividade” e definiu sua finalidade: bloquear o desenvolvimento de uma execução anormal com título inexigível. O mestre traçou as diretrizes da oportunidade da defesa prévia em um parecer confeccionado em 1966 para a Companhia Siderúrgica Mannesmann, que estava sendo executada por títulos extrajudiciais com assinatura falsa de um de seus diretores. Nessas execuções, objetivava-se realizar penhoras sobre rendas e depósitos bancários da empresa, forçando esta a uma total paralisação. Eis um trecho do citado parecer:
“Quando se pede ao juiz que execute a dívida, tem o juiz de examinar se o título é executivo, seja judicial, seja extrajudicial. Se alguém entende que pode cobrar dívida que consta de instrumento público, ou particular, assinado pelo devedor e por duas testemunhas, e o demandado – dentro das 24 horas – argúi que o instrumento público é falso, ou que a sua assinatura, ou de alguma testemunha, é falsa, tem o juiz de apreciar o caso antes de ter o devedor de pagar ou sofrer a penhora. Uma vez que houve alegação que importa oposição de “exceção pré-processual” ou “processual”, o juiz tem de examinar a espécie e o caso, para que não cometa a arbitrariedade de penhorar bens de quem não estava exposto à ação executiva (…) pode o executado opor-se, legitimamente, à executória, com exceções de pré-executividade do título, exceções prévias, portanto, à penhora, que é medida já executiva”[5].
Alberto Caminã Moreira[6] cita ainda em sua obra o fato de que Pontes de Miranda teve como fonte inspiradora o Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, em que havia a seguinte previsão para o processamento da execução fiscal: “Comparecendo o réu para se defender antes de feita a penhora, não será ouvido sem primeiro segurar o juízo, salvo se exibir documento autêntico de pagamento da dívida, ou anulação desta.”
Em âmbito normativo, foi prevista, com certa cautela, no Decreto nº 5.225, de 31/12/32, do Estado do Rio Grande do Sul, que modificou alguns dispositivos dos antigos Códigos de Processo Civil e Comercial. Posteriormente, começou a figurar quase imperceptível na jurisprudência, tendo-se notícia de que um dos mais antigos julgados a tratar do assunto foi o Acórdão n. 80.754/S, do Ministro Moacir Catunda, da 5ª Turma do extinto Tribunal Federal de Recursos.
Também se tem notícia de que, durante a vigência do Código de Processo Civil de 1939, houve um estudo sobre um antigo tipo de defesa chamado na época de “oposição”, que era considerada ação declarativa enxertada no processo de execução, a qual consideram os atuais juristas ser uma fonte legislativa remota da exceção de pré-executividade[7].Contudo, apesar das anteriores tentativas, foi por meio do aprofundado posicionamento de Pontes de Miranda que acabou apresentado ao Direito pátrio o instituto da exceção de pré-executividade.
III) NATUREZA JURÍDICA DO INSTITUTO
Existem controvérsias quanto à natureza da exceção de pré-executividade. Há autores, como Marcos Valls Feu Rosa[8], que reconhecem a exceção de pré-executividade como apenas uma argüição de nulidades e não uma exceção, e outros, como Marcelo Lima Guerra[9], que equiparam o instituto a um pedido de reconsideração, desprovido de sentido técnico, apesar de equipará-lo a uma objeção.
Já outros, como Tarlei Lemos Pereira[10], afirmam que a natureza da exceção de pré-executividade é de objeção, pelo fato de as matérias alegadas serem de ordem pública e por sua oposição não ser limitada ao autor ou ao réu, estendendo-se a terceiros. Para Alberto Camiña Moreira[11], a natureza da exceção de pré-executividade é de incidente de defesa, não se tratando de ação ou mesmo de processo incidental, aproximando-se bastante da contestação, mas sem ter seus efeitos preclusivos e sem gerar os efeitos da revelia. Para Araken de Assis[12], é uma modalidade excepcional de objeção do executado.
Comunga-se do entendimento de Nery Jr. e Rosa Nery[13], onde exceção de executividade – admitida quando desnecessária qualquer dilação probatória para a demonstração de que o credor não possa executar o devedor, daí ser exceção de executividade e não de pré-executividade, pois o credor não tem execução contra o devedor – é instrumento de defesa de direito material na qual o juiz somente pode examinar a requerimento da parte, tal como o pagamento e qualquer outra forma de extinção da obrigação (adimplemento, compensação, confusão, novação, consignação, remissão, sub-rogação, dação etc). Neste sentido, invocam que: “(…) Havendo necessidade de dilação probatória para que o devedor possa demonstrar a existência da causa liberatória da obrigação, é inadmissível a exceção de executividade. Nesse caso, o devedor, caso queira defender-se, terá de segurar o juízo e ajuizar ação de embargos do devedor (…)”, afirmavam em obra anterior ao novo regime instituído pela Lei nº 11.232/05, a qual encontra fundamento específico no princípio constitucional da duração razoável do processo.
Para os supracitados autores, há nítida diferença entre exceção de executividade e objeção de executividade, sendo esta última meio de defesa apto a atacar matérias que envolvam normas de ordem pública, ou seja, que não dependeriam de “exceção” de direito material ou processual para serem examinadas, podendo o executado objetar tais matérias sem segurança do juízo – como se exigia para o ajuizamento dos embargos do devedor antes do novo regime instituído pela Lei nº 11.232/2005, quando a execução se dava através de título executivo judicial – porque dessas matérias o juiz tem de, necessariamente, conhecer, de ofício, independentemente de alegação da parte ou de segurança do juízo pelo depósito ou penhora, afirmavam em obra anterior ao novo regime[14].
Aduziam os precitados doutrinadores, sob a ótica do antigo regime, que tanto a objeção como a exceção de executividade, não se confundiam com a ação de embargos do devedor, pois elas podiam ser alegadas por “simples petição” aos autos denunciando o ocorrido – ou mesmo em juízo, oralmente, reduzindo-se a termo o alegado – independentemente da segurança do juízo, sendo que a objeção, por ser matéria de ordem pública, deveria ser reconhecida pelo juiz, de ofício, ainda que a parte a quem aproveitaria tal alegação não o fizesse.
De fato, o novo regime modificou a sistemática sobre a defesa do devedor-executado nas hipóteses em que o título executivo é judicial (regra geral), circunstância em que sua defesa se dará através de “impugnação”, que não tem natureza jurídica de “ação” como os embargos do devedor de outrora (nas mesmas hipóteses), sendo considerada incidente processual à fase de execução (art. 475-J, § 1º, do CPC). Relativamente à execução fundada em título extrajudicial, não há óbice quanto ao seu cabimento, sempre que o título suscitar dúvida quanto a sua validade, exigibilidade e legitimidade.
Desse modo, onde caberia ação de embargos à execução nas execuções imbuídas de título executivo judicial, agora eventual matéria de defesa pode ser alegada mediante incidente processual de impugnação, sem o rigor do direito público subjetivo da “ação de embargos à execução” como exigia o antigo regime, tornando dessarte o sistema mais simples, menos burocrático e menos oneroso às partes.
Vale mencionar por sua importância, neste contexto, que a prescrição extintiva antes reconhecida como exceção, agora se concebe como objeção de executividade, após o advento da Lei nº 11.280/06, que a transformou formalmente em norma de ordem pública, devendo ser reconhecida pelo juiz, independentemente, portanto, da alegação da parte a quem aproveitaria sua alegação.
Frise-se que a discussão doutrinária acerca da natureza jurídica da exceção de pré-executividade não perdeu o sentido – ao menos em relação à prescrição extintiva – apesar do disposto no art. 475-L, VI, do CPC – ainda que a norma tenha fundido num só artigo de lei matérias que antes do novo regime poderiam se diferençar entre “exceção” e “objeção” de executividade e que agora podem ser alegadas através de “impugnação” (incidente processual).
Assim, creio que a técnica processual admite que o juiz possa reconhecer de ofício matéria relativa à prescrição extintiva, independentemente do devedor-executado impugnar a matéria; note-se a diferença: antes, a exceção de executividade, apesar de prescindir da ação de embargos à execução e, portanto, da segurança do juízo, deveria ser alegada mediante “simples petição” pela parte a quem aproveitaria, sendo que somente em hipóteses de objeção de executividade é que o juiz poderia conhecer de ofício a matéria, em razão da ordem pública que a revestia.
A circunstância de a lei ter jungido matérias de diferentes matizes jurídicas (direito disponível ou não), como se pudessem receber o mesmo tratamento, não significa que o juiz permita que sobre sua barba eventual matéria de ordem pública – tal como ocorre com a prescrição extintiva, ainda mais depois do novo regime do art. 219, § 5º, do CPC – seja ignorada quando o direito positivo o obrigue a reconhecer a hipótese.
Com isso, creio que mesmo depois do advento da Lei n.º 11.232/05 versando sobre a impugnação – antiga ação de embargos do devedor – da matéria executada em juízo como fase processual de execução do julgado, pode o juiz reconhecer de ofício matéria relativa à prescrição extintiva do direito da parte, em virtude de sua inegável natureza de norma jurídica de ordem pública que tem a característica de não causar preclusão às partes e nem ao juiz, devendo o processo – depois do conhecimento de sua existência – ser extinto em primeiro grau de jurisdição com resolução (julgamento) do mérito, nos termos dos arts. 125, II, 262, 269, IV e 475-L, VI, todos do Código de Processo Civil.
Em que pese toda essa celeuma, não se pode porém deixar de registrar que a expressão mais empregada recentemente pela doutrina e pela jurisprudência é “exceção de pré-executividade”, termo que continuará a ser empregado neste trabalho.
IV) A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE NO ÂMBITO DO PROCESSO CIVIL
Durante a primeira fase do Direito Romano, o papel do Estado limitava-se apenas a declarar o direito, cabendo àquele que teve reconhecida a sua pretensão utilizar-se dos meios necessários à satisfação do seu direito. O monopólio do Estado sobre a execução remonta à criação do Estado moderno, dentro de suas diretrizes de substituição das partes e controle na aplicação da justiça.
Por meio da execução, o Estado completa a sua função jurisdicional, assegurando ao portador de um direito que já foi devidamente reconhecido, legal ou jurisdicionalmente, um provimento satisfativo. Não basta a um credor ter o seu direito reconhecido, se o Estado não disponibilizar meios para satisfazer esse direito.
Sem dúvida, com o início da fase de execução, inaugura-se uma agressão ao patrimônio do executado, devendo cercar-se de cautelas tanto o exeqüente, para evitar futura impugnação, quanto o Poder Judiciário, ao promover o cumprimento da sentença, intimando o executado, a fim de evitar uma demanda que proporcione transtornos às partes e à própria máquina judiciária.
No entanto, apesar de todas essas cautelas, ainda se verificam execuções indevidas, inviáveis. Portanto, há de ser garantido ao injustamente executado um instrumento jurídico capaz de impedir os efeitos da distribuição e da própria constrição de seus bens numa execução desfalcada de elementos essenciais, como são os pressupostos processuais, genéricos e específicos, e as condições da ação, conhecíveis de ofício.
Dessa feita, pelo amor à economia e à celeridade processual, emerge necessária a criação de um mecanismo que pudesse minimizar os transtornos trazidos ao executado: a exceção de pré-executividade. Na obra de Teresa Arruda Alvim Wambier foi ventilada a necessidade desse mecanismo de controle, in verbis:
“Seria absurdo que o sistema não contivesse freios, consubstanciados nas decisões negativas de admissibilidade, cujo objetivo é evitar que prossiga uma etapa procedimental gerada por um pedido fadado ao insucesso. É justamente a isso que se visa com o possibilitar que o executado alegue certo tipo de ‘defesa’, mesmo antes da citação, principalmente quando se trata de alegações que, se conhecidas e acolhidas, devem gerar necessariamente a extinção daquilo que nem execução chegou a ser”[15].
Vicente Greco Filho[16], quando enfrenta a matéria, admite a viabilidade de alegação de inexistência do título e, por conseguinte, agasalha a decretação da nulidade da execução.
Explana Franscico Fernandes de Araújo na Justiça Cível, hipóteses mais comuns possíveis de argüição de exceção de pré-executividade, dentre outras: falta de jurisdição, e dos pressupostos de constituição da execução, a falta de citação, da capacidade postulatória, ocorrência de coisa julgada, litispendência, perempção, legitimidade das partes, possibilidade jurídica do pedido, compensação, execução instruída sem o título original ou fundada em nota promissória preenchida corretamente, cheque sem data de emissão, letra de câmbio sem aceite, cheque furtado ou com assinatura falsa, título ainda não vencido, entre outros.[17]
A existência de circunstâncias exemplificativas em que o título executivo não se reveste das condições válidas ao seu fim não enseja o procedimento executivo, permitindo ao executado insurgir-se contra os atos típicos do procedimento executório através da exceção de pré-executividade, argüindo a ocorrência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do crédito executado.
IV.i) JURISPRUDÊNCIA
Tal admissibilidade é assente na jurisprudência dos Tribunais. Para tanto, trazemos à colação algumas ementas abaixo transcritas, com o objetivo de demonstrar a utilização do tema em estudo:
“Execução – Falta de liquidez – Nulidade (pré-executividade) – Admite-se a exceção, de maneira que é lícito argüir de nula a execução, por simples petição. A saber, pode a parte alegar a nulidade, independentemente de embargos”. (STJ, Resp. 187.195/RJ, Terceira Turma. Rel: Min. Nilson Naves. DJ 17/05/1999).
“Execução por título extrajudicial. Exceção de pré-executividade. Fatla de liquidez, certeza e exigibilidade do título. 1. Não ofende a nenhuma regra do Código de Processo Civil, o oferecimento de exceção de pré-executividade para postular a nulidade da execução (art.618 do Código de Processo Civil), independentemente dos embargos do devedor. 2. Considerando o Tribunal de origem que o título não é líquido, certo e exigível, malgrado ter o exeqüente apresentado os documentos que considerou aptos, não tem cabimento a invocação do art.616 do CPC. 3. Recurso Especial não conhecido”. (STJ, Resp. 160.107/ES. Terceira Turma. Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 16/03/1999).
“Execução de Título Extrajudicial. Exceção de pré-executividade. Iliquidez do título. Pagamento Parcial da Dívida. Nulidade da Execução. Acolhimento. Recurso não provido. Restando configurado, mediante provas concretas, de que o devedor efetuou pagamento parcial do débito antes que a demanda fosse movida, há que se acolher a exceção de pré-executividade suscitada pelo recorrido, ensejando assim, a nulidade e extinção da execução, nos termos do art.618, I, do CPC”. (TAPR. Apelação Cível n.0148020-8, 4ª Câmara Cível, Curitiba, Rel. Fernando Wolff Bodziak, DJ 02/04/2003).
“Execução. Exceção de pré-executividade. Cabimento. A exceção de pré-executividade, como forma atípica de impugnação de execução movida pelo objetivo de suscitar questão processual de ordem pública (requisitos, pressupostos e condições da ação executiva), permite também o exame de matérias pertinentes ao mérito, desde, é claro, que não haja necessidade de produzir outra prova além daquela carreada para os autos do processo executivo”. (TJMG, Apelação Cível n. 258588-3, 1ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Des. Franscico Lopes de Albuquerque, DJ 15.08.20002).
V) A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE E A EXECUÇÃO TRABALHISTA
Considerando-se que é justamente no decorrer da fase executória, tanto civil como trabalhista, que existe a possibilidade da interposição da exceção de pré-executividade, faz-se necessárias agora algumas considerações sobre a fase executiva especialmente no âmbito da Justiça Especializada do Trabalho.
Como é cediço, uma das funções do poder estatal é a atividade jurisdicional, que consiste em solucionar os conflitos que lhe são apresentados, através de um processo judicial. A jurisdição trabalhista é classificada como especial e tem seu limite fixado pelo artigo 114 da Constituição Federal de 1988, que determina à Justiça do Trabalho a conciliação e julgamento das lides advindas das relações de trabalho, bem como dos litígios decorrentes de suas sentenças. Tem-se, portanto, que a competência da Justiça do Trabalho abrange o processo de conhecimento e sua fase executória, desde que envolvam questões laborais.
Dirigindo-se de forma específica à execução – interessante para nosso estudo – a sua existência se presta a tornar efetiva a satisfação de um direito já reconhecido, sobre o qual não mais se discute. Para Humberto Theodoro Júnior[18], “há certeza prévia do direito do credor e a lide se resume na insatisfação do crédito”, de modo que a atividade do Estado limita-se à coação do devedor para cumprimento da obrigação estipulada, o que recai “sobre o patrimônio do devedor, e, independentemente da vontade deste, realizar a prestação” devida ao credor. Para que isso seja possível, deverá o credor estar munido de título líquido, certo e exigível, em virtude do inadimplemento do devedor, que não cumpriu com sua obrigação no tempo e modo devidos. Na esfera trabalhista, particularmente, a execução possui importante papel, vez que visa à satisfação de um crédito de natureza alimentar, do qual depende muitas vezes a própria sobrevivência do trabalhador. Leonardo Dias Borges[19] anota que no processo do trabalho o credor antes de atingir a condição de exeqüente, passou por um longo processo de conhecimento, não obstante deva ser o mesmo caracterizado pela celeridade, um dos princípios informadores da jurisdição trabalhista.
Dessa feita, a execução trabalhista não deve ser marcada por formalidade excessiva, sob pena de se tornar obsoleta, cabendo aos operadores do direito o desprestígio de medidas que revelem essa característica, merecendo destaque, neste particular, a lição de Wagner Giglio[20], no sentido de que “a execução trabalhista é o calcanhar de Aquiles do processo do trabalho, em razão de em muitas vezes não se saber a norma a ser aplicada, fazendo com que a execução seja mais demorada e haja a protelação da execução do julgado”.
V.i) CORRENTES DOUTRINÁRIAS
Fundamentando seu entendimento – a denominada aqui primeira corrente -justamente no fato de que no Processo do Trabalho não poderiam ser integralmente aplicados à execução, civil ou trabalhista, os princípios e garantias processuais previstos pela Carta Magna vigente, embora existam previsões legais que os garantam nesta fase, ainda que minimamente. Da mesma forma, esta corrente sustenta que na execução trabalhista não é correta a plena incidência dos princípios fixados para o processo comum, sob o risco de, mais uma vez, tornar este procedimento excessivamente formal e, conseqüentemente, inútil.
É com fulcro neste entendimento que se posicionam muitos juristas trabalhistas contrariamente à aplicação da exceção de pré-executividade ao procedimento laboral – a qual denomina-se aqui de primeira corrente – por entender que esta é também mais uma forma de se protelar a satisfação do crédito.
Convém registrar que, com relação ao juízo competente para promoção da execução trabalhista, é clara a legislação vigente (artigos 877 e 877-A da CLT) ao determinar que esta se processará perante o juiz prolator da sentença exeqüenda ou, no caso dos títulos extrajudiciais, o juízo que seria competente para o processo de conhecimento.
Outro ponto que se sustenta é a hipossuficiência do credor. A execução trabalhista é promovida pelo trabalhador, que é, geralmente, desprovido de maiores recursos financeiros e depende do valor executado para sua própria sobrevivência, o que não se vislumbra na justiça comum. Em contrapartida, há o devedor trabalhista, empregador, que, em geral, detém maior poder aquisitivo. Em virtude dessa característica, mais uma vez se retorna à necessidade de um procedimento célere, que não pode ser procrastinado em vão, ainda mais em virtude da interposição de medidas – como a exceção de pré-executividade – pela parte economicamente mais forte da relação jurídica estabelecida.
Assevera-se ainda o disposto no artigo 884 da CLT, que prevê como forma de defesa do executado a interposição de embargos, após garantido o juízo, não dando a lei margem a nenhuma outra possibilidade de defesa, de modo que incabível a exceção em comento, como mencionam Sérgio Pinto Martins[21] e Samuel Correia Leite, “porque implicaria na subversão do sistema que disciplina os embargos”[22].
Ao lado da corrente supracitada, encontra-se outra, a qual Carlos Henrique Bezerra Leite denomina de eclética, no sentido de que “porquanto admite a exceção de pré-executividade desde que a matéria versada diga respeito a questões meramente processuais e as condições da ação[23]”, capitaneada por Estevão Mallet[24].
Já para a terceira corrente, a qual em nosso entendimento detém caráter mais harmonioso, é possível o cabimento da exceção de pré-executividade na Justiça Especializada Trabalhista, tendo como defensores Manoel Antônio Teixeira Filho[25], Carlos Henrique Bezerra Leite[26], Amauri Mascaro Nascimento[27], Leonardo Dias Borges[28], Renato Saraiva[29] e Franscico Gonçalves Neto[30]. Aduzem que que não se pode ignorar também no processo trabalhista a existência de situações especiais em que a imposição de prévio garantimento patrimonial da execução poderá converter-se em causa de gritante injustiça, como quando o devedor pretende argüir, digamos nulidade, por não haver sido comprovadamente citado para a execução.
Outro defensor da aplicabilidade da exceção de pré-executividade é o Juiz Nelson Tomaz Braga[31], fundamentando sua tese sobretudo no fato de não haver incompatibilidade entre tal instituto e o processo do trabalho, pelo contrário, sendo aquele um remédio célere e informal, ajusta-se perfeitamente com os fins colimados por este.
Não há nenhuma incompatibilidade entre a execução trabalhista e a exceção de pré-executividade. Não se pode desconsiderar que os princípios do processo do trabalho, especialmente o do protecionismo, não podem se dissociar dos princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa, além dos princípios da economia, da efetividade e do “favor debitoris” (Art.620, CPC).
De outro giro, na profícua lição de Carlos Henrique Bezerra Leite, “não se deve admitir, por exemplo, a exceção de pré-executividade que verse matérias ou questões controvertidas ou que irão ensejar aprofundadas discussões ou que demandarão a produção de prova não documental[32]”.
V.ii) JURISPRUDÊNCIA
Não se pode deixar de considerar que tal admissibilidade encontra guarida na jurisprudência da Jusitça obreira, inclusive com previsão expressa de seu cabimento consagrada na Súmula nº 397 do Tribunal Superior do Trabalho, na hipótese de cláusula reformada em dissídio coletivo. A título ilustrativo, colacionam-se julgados que reconhecem a aplicabilidade da exceção de pré-executividade na trabalhista:
“(…) A jurisprudência do TST tem se consolidado no sentido de que, em casos semelhantes a esse, no Juízo da execução é que deve ser suscitada a exceção de pré-executividade, momento em que se verificará a confirmação ou não, da decisão do dissídio coletivo não transitada em julgada para que seja executada a decisão da ação de cumprimento, não cabendo ação rescisória, mas, sim, mandado de segurança, na hipótese de não se respeitar o comando da decisão final que transitou em julgado no Processo Coletivo”. (Tribunal Superior do Trabalho, Subseção II especializada em dissídios individuais, ROAR nº 540124, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, publicado no DJ em 08/06/2001)
“EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – Impugnação. A exceção de pré-executividade é figura advinda do processo cível, e traduz-se em favor concedido ao executado de, antes mesmo de qualquer constrição ou garantia, impugnar o título exeqüendo”. (TRT 2a Região, 2a Turma, AIAP nº 20010252252, Relator Leocádio Geraldo Rocha, publicado no DOE-SP em 21/08/2001).
“EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – Pode a parte, através de simples petição, suscitar ou o juízo conhecer, de ofício, questões concernentes a pressupostos (inclusive de nulidade do processo de conhecimento, que correu à revelia) e de condições para a instauração da ação executória, sem prévia necessidade da garantia do juízo ou da penhora”. (TRT 5ª Região, 5ª Turma, AP 01093/204-55, Relator Waldomiro Pereira).
V.iii) PROCEDIMENTOS
Inicialmente, convém registrar que não existe forma delienada rigorosamente para a apresentação das exceções de pré-executividade, podendo ser alegadas por simples petição. Neste quesito forma, por oportuno, registra ainda Leonardo Dias Borges que “podem ser arguídas oralmente[33]”
Quanto ao momento idela para a sua apresentação, penso que deva ser apresentada tão logo o devedor seja citado ou mesmo já na fase de liquidação.
Importante também tecer comentários acerca da natureza do ato juridicional que apreciar a exceção, cuja doutrina se revela como a de melhor escol, aquela sustentada por Bezerra Leite[34], diferenciando-se a natureza de acordo com o seu acolhimento ou a sua rejeição: se rejeitada pelo juiz a exceção, o ato jurisdicional terá natureza de decisão interlocutória, da qual, como é do conhecimento de todos, não caberá recurso imediato (§1º do art.893, CLT), mas as questões suscitadas poderão ser aventadas novamente em sede de embargos; se acolhida, o ato jurisdicional será considerado sentença, desafiando, por conseguinte, a interposição de agravo de petição.
VI) A EXCEÇÃO E A REFORMA PROCESSUAL
Como é do conhecimento geral, as Leis nº 11.232/05 e nº 11.382/06 alteraram diversos artigos do Código de Processo Civil relativos à execução de título executivo judicial (estabelecendo a fase de cumprimento da sentença) e extrajudicial, respectivamente.
Quanto ao título judicial, mister assinalar que o art. 475-L, acrescentado pela Lei n.º 11.232/05, elenca as hipóteses de impugnação, dentre as quais destacamos: falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia (inciso I); inexigibilidade do título (inciso II); ilegitimidade das partes (inciso IV); e qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição (inciso VI).
As matérias acima descritas de há muito já são consideradas suscetíveis de argüição de pré-executividade, logo não vemos como possa aduzir-se a impossibilidade ou a extinção da exceção nesta seara.
Com efeito, Jorge Pinheiro Castelo[35] explica, ao comentar o artigo 475-L, que “nas situações excepcionais que se admitem a objeção de pré-executividade, com inexistência do título – v.g., no processo do trabalho, no caso de cassada a sentença normativa que baseava a ação de cumprimento, continua tendo validade a Súmula nº 397 do TST – e outras matérias de ordem pública (pressuposto processual, condição da ação, objeção material) cujo conhecimento se verifique prima facie e sem necessidade de dilação probatória.
Com o advento da Lei nº 11.382/06, há quem defenda a eliminação da exceção de pré-executividade ou o esvaziamento do instituto, ante a possibilidade de “oposição à execução por meio de embargos, independentemente da penhora” (art.736, CPC).
Ora, esta não nos parece a melhor solução, sobretudo, porque a execução, se viciada ou nula, representará um obstáculo na prestação jurisdicional, inflando ainda mais o Poder Judiciário e violando o princípio da utilidade. Ademais, diante de prejudicialidade, não se vislumbra motivo para obrigar o jurisdicionado ao ajuizamento de embargos, que o onerará com prévio recolhimento de custas.
Neste sentido, Araken de Assis[36], Humberto Theodoro Júnior[37] e Theotonio Negrão[38] sustentam a total pertinência e subsistência da exceção de pré-executividade com o advento da Lei n.º 11.382/2006.
VI.i) JURISPRUDÊNCIA
No plano jurisprudencial, já se encontram julgados, sob a égide da Lei n.º 11.382/2006, que endossam a doutrina nesta temática, in verbis:
“A exceção de pré-executividade constitui instrumento idôneo à argüição de prescrição, bem como ao reconhecimento de nulidade de título verificada de plano, desde que não haja necessidade de contraditório e dilação probatória. Precendentes. 2. Recurso especial provido”. (STJ, 2ª Turma, Resp 617029/RS – 2003/221152-0, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 16.03.2007).
“A exceção de pré-executividade é servil à suscitação de questões que devam ser conhecidas de ofício pelo juiz, como as atinentes à liquidez do título executivo, os pressupostos processuais e as condições da ação executiva”. (STJ, 1ª Turma, AgRg no Ag 755160/SP – 2006/0049024-4. Rel. Ministro Luiz Fux, DJ de 01.03.2007).
VII) CONCLUSÃO
De todos os aspectos enfrentados ao longo deste trabalho, pode-se asseverar que os operadores do Direito devem buscar sempre medidas mais próximas da justiça, na tentativa de diminuir os efeitos lesivos ao devedor, quando submetido a uma transgressão patrimonial fundada em título que não esteja revestido das condições de exigibilidade.
Logo, de inegável, a importância acerca da admissibilidade, no processo laboral, da exceção ora estudada no caso dos títulos, judiciais ou extrajudiciais.
O presente artigo teve por escopo engendrar uma reflexão acerca de situações em que se possa demonstrar o prejuízo à parte lesada, não se responsabilizando a quem não deva.
A exceção de pré-executividade, mesmo não possuindo previsão legal, é um instituto extremamente necessário, sobretudo, à luz dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do acesso irrestrito à justiça, não sendo o meio adequado para criar-se uma fase de cognição a respeito da matéria gerado do título.
Para tanto, deve-se ter em vista que a sua adoção é endereçada às matérias passíveis de cognição de ofício pelo juiz e àquelas que por serem de ordem pública, alega-se a qualquer momento.
Por fim, alinha-se no horizonte a tese da total compatibilidade da utilização no processo do trabalho, guardadas as devidas proporções já comentadas alhures, com as cautelas que o magistrado deve nortear suas decisões no sentido de evitar o retardamento do processo executório.
Assistente Jurídico da Presidência do TRT/RJ – Analista Judiciário; Especialista em Direito da Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense e em Direito Processual Civil pela UVA; Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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