A extrafiscalidade tributária para o imposto sobre serviço como instrumento de desenvolvimento municipal

Sumário: 1. Introdução; 2. O Brasil e o Sistema Federativo; 3. Autonomia Municipal; 4. A Tributação Extrafiscal; 5. Legitimidade Constitucional da Extrafiscalidade; 6. Reflexos da Lei de Responsabilidade Fiscal na Extrafiscalidade; 7. Justificativa da Extrafiscalidade no ISS; 8. Alternativas de Implementação da Extrafiscalidade no ISS (Isenção, Alíquotas Progressivas ou Seletivas); 9. Considerações Finais; Referência Bibliográfica.


A justiça fiscal conjugada com a social esta no cerne do Estado Democrático de Direito. Pode ser alcançada por meio da extrafiscalidade, que aplicada, especificamente, no Imposto Sobre Serviço, destaca-se como um valoroso instrumento jurídico-tributário de intervenção estatal. Abandona-se a política tributária meramente arrecadatória e fiscal. Busca-se o estímulo ou inibição de comportamentos dos contribuintes para realizar os ditames constitucionais de desenvolvimento regional. A aplicação da extrafiscalidade é dependente de requisitos formais e materiais para ser legitimo e admissível em nosso ordenamento jurídico.


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1 Introdução


Hodiernamente os Municípios brasileiros apresentam cenário econômico-sociais preocupantes. Resultado de anos de políticas administrativas falhas e também, de políticas tributárias fiscais, com o a intenção apenas de arrecadar.


Apresenta-se a extrafiscalidade aplicada ao ISS, como uma alternativa viável de apaziguar tais problemas econômicos e sociais. Entretanto, alguns obstáculos devem ser vencidos para a implantação deste instrumento de intervenção estatal.


Uma política tributária extrafiscal contém tratamento discriminado de contribuintes, pois, ao conceder isenções, reduções de alíquotas, dentre outros benefícios fiscais, o princípio da capacidade contributiva é deixado de lado frente às justificativas razoáveis que devem ser apontadas pela Administração Municipal.


Pesquisar a admissibilidade e legitimidade deste mecanismo em nosso ordenamento constitucional é fundamental para atribuir segurança jurídica ao ordenamento jurídico.


Atenção deve-ser concedida à Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece critérios formais e materiais para a viabilização da extrafiscalidade.


Busca-se nesta pesquisa, indicar alternativas para a implementação da extrafiscalidade no ISS, de modo a tornar-se um tributo propulsor do desenvolvimento regional, bem como ressaltar discussões sobre quais idéias que podem ser eficientes para este objetivo. 


A pesquisa bibliográfica faz-se imperativo, pois, destina-se a fundamentar os argumentos com a realidade do cenário tributário nacional. Por conseguinte, a linha de pesquisa segue a adequação das soluções com as normas constitucionais, visando sintonia no sistema federativo brasileiro.


Inicia-se a explanação sobre os princípios decorrentes do modelo federativo, passando pela autonomia Municipal, para enfatizar o tema da extrafiscalidade e as alternativas de seu uso aplicado ao ISS.


2 O Brasil e o Sistema Federativo


O Brasil é uma federação, ao ouvirmos esta frase, não sabemos se expressa uma afirmação ou uma dúvida. O Brasil aderiu a forma Federativa de Estado, porém, historica e culturalmente será que nosso país é mesmo uma Federação? Ou uma imitação infiel do modelo federativo americano? São perguntas que instigam todos os estudiosos do Direito, pois, atribui-se como uma das causas da atual crise político-econômica o desvendar destas questões.


Conforme Bastos (1998, p. 155) “A federação é a forma de Estado pela qual se objetiva distribuir o poder, preservando a autonomia dos entes políticos que a compõem”. No Brasil há controvérsias quanto a existência de racional distribuição do poder. O que se observa é um engrandecimento do poder central da União, frente aos entes federados. O autor, destaca:


O acerto da Constituição, quando dispõe sobre a Federação, estará diretamente vinculado a uma racional divisão de competência entre, no caso brasileiro, União, Estados e Municípios; tal divisão para alcançar logro poderia ter como regra principal a seguinte: nada será exercido por um poder mais amplo quando puder ser exercido pelo poder local, afinal os cidadãos moram nos Municípios e não na União. (grifo nosso)


O fortalecimento do poder local é desejável, especialmente em um país com dimensões continentais, como o Brasil. Fica difícil admitir que o governo federal conheça as particularidades de cada Município e principalmente, suas necessidades.


Entre as características da Federação, destaque-se as seguintes:


– descentralização político-administrativa;


– garantia de autonomia financeira política e administrativa  para os entes federados


– existência   de  um  órgão  que  reúna  os   representantes   dos   Estados membros da Federação, no caso brasileiro o Senado,  no qual se reúnem para construir decisões a serem observadas por todos entes federativos.


Todos os governos da Federação devem buscar realizar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantia do desenvolvimento nacional; erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais; promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º / CF).


3 Autonomia Municipal


Relevante para esta pesquisa, é identificar o Município e suas competências na estrutura federativa. O Município brasileiro é ente estatal integrante da Federação. Essa integração é uma peculiaridade, pois em nenhum outro Estado soberano o Município é constitucionalmente reconhecido como tal. Dessa posição singular do Município é que resulta sua autonomia político-administrativa, diversamente do que ocorre em outras Federações, em que os Municípios são circunscrições territoriais meramente administrativas.


A autonomia do Município brasileiro está assegurada na Constituição da República para todos os assuntos de seu interesse local (Art. 30) e se expressa sob o tríplice aspecto político (composição eletiva do governo e edição das normas locais), administrativo (organização e execução dos serviços públicos locais) e financeiro (decretação, arrecadação e aplicação dos tributos municipais). Confirma ainda esta autonomia o disposto no Art. 35 da CF, que proíbe a intervenção do Estado nos Municípios, salvo hipóteses autorizadoras (BARRETO, 2003).


Quanto às competências legislativas, em matéria tributária, respeitadas as normas gerais da União, podem os Municípios legislar quando seja de seu interesse (BALEEIRO, 2003).


Quanto aos aspectos administrativos, os mesmos defeitos apontados no âmbito federal e estadual são encontrados no municipal: ausência de racionalização dos serviços, agravada pela falta de planejamento e de pessoal técnico para a execução dos empreendimentos públicos reclamados pela comunidade. Urge uma reformulação dos métodos, sistemas e técnicas utilizadas pelos governos municipais, uma vez que as reformas empreendidas são superficiais e dirigidas, quase sempre, à reestruturação do quadro de servidores, com melhoria de vencimentos, sem atingir e aperfeiçoar especificamente a prestação de serviços e sua qualidade.


4 A Tributação Extrafiscal


Considere-se para o estudo da extrafiscalidade os ensinamentos do mestre do Direito Ataliba (1990, p. 233), que ensina:


Consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados.


É lícito recorrer aos tributos com o intuito de atuar diretamente sobre os comportamentos sociais e econômicos dos contribuintes, seja fomentando posicionamento ou inibindo certos procedimentos. Dá-se tal fenômeno (extrafiscalidade) por intermédio de normas que, ao preverem uma tributação, possuem em seu bojo, uma técnica de intervenção ou conformação social por via fiscal. São os tributos extrafiscais, que podem ser traduzidos em agravamentos ou benefícios fiscais dirigidos ao implemento e estímulo de certas condutas.


Nesse sentido, Ataliba e Gonçalves (1991, p. 167):


Os incentivos fiscais manifestam-se, assim sob várias formas jurídicas, desde a forma imunitória até a de investimentos privilegiados, passando pelas isenções, alíquotas reduzidas, suspensão de impostos, manutenção de créditos, bonificações, créditos especiais e outros tantos mecanismos, cujo fim último é, sempre, o de impulsionar ou atrair, os particulares para a prática das atividades que o Estado elege como prioritárias, tornando, por assim dizer, os particulares em participantes e colaboradores da concretização das metas postas como desejáveis ao desenvolvimento econômico e social por meio da adoção do comportamento ao qual são condicionados.


Importante faz-se ressaltar que o tributo, destacando-se o imposto extrafiscal não é inovação do Estado Social, pois que já no Estado Liberal, haviam os clássicos impostos aduaneiros protetivos, para proteger os espaços econômicos nacionais (NABAIS, 1998). A inclusão de tal mecanismo no Brasil, remonta a Constituição de 1933, cujo Art. 70º, § 1, prescrevia que, em matéria de impostos, a lei, determinará, inter alia, as isenções a que possa haver lugar. Não há tributo que se preste a realizar somente a fiscalidade ou a extrafiscalidade, os dois objetivos subsistem harmonicamente e requerem equilíbrio (CARVALHO, 2005).


Considerando-se superado pela doutrina a admissibilidade de uma política tributária extrafiscal, o foco passa a ser os limites dentro dos quais os benefícios fiscais podem ser admitidos, sejam eles formais (lei) ou materiais (isonomia p. ex). A utilização de tal mecanismo gera muitas controvérsias acerca da isonomia de tratamento distribuída aos contribuintes afetados, e principalmente, desencadeia problemática quanto à sua legitimidade constitucional.


5 Legitimidade Constitucional da Extrafiscalidade


A aplicação extrafiscal é resultado da conjugação dos princípios do Estado Democrático de Direito e um Estado Social, que têm como um dos maiores dogmas, a dignidade da pessoa humana. Permite que o legislador realize a justiça fiscal e o controle público das atividades financeiras através, respectivamente, da graduação dos tributos segundo a capacidade econômica do contribuinte e do uso extensivo da extrafiscalidade tributária. A Constituição Federal ao exigir lei específica para a concessão de benefícios fiscais (Art. 150, § 6º e 156, § 3º, III) confirma que a extrafiscalidade é constitucionalmente admitida no ordenamento jurídico constitucional.


A jurisprudência norte-americana, assim como a jurisprudência alemã e brasileira estabelecem determinadas condições à implementação de uma política tributária extrafiscal. A lei instituidora precisa basear-se em princípios justos aplicados ao caso concreto, não havendo possibilidade de existência de arbitrariedade. Costa (2003, p. 72) afirma que:


na tributação extrafiscal a incidência da capacidade contributiva é atenuada pela perseguição de outros objetivos. O mesmo cede ante a presença de interesse público de natureza social ou econômica que possa ser alcançado mais facilmente se se prescindir da graduação dos impostos consoante a capacidade econômica do sujeito.


Na extrafiscalidade o principio da capacidade contributiva é deixado de lado, de forma total ou parcial, já que nas isenções e demais benefícios fiscais os destinatários não são avaliados pela demonstração de riqueza, e sim, pela capacidade de melhor colaborar com a política de desenvolvimento econômico-social proposta, ou por possuir mérito econômico-social.


O mecanismo tributário da extrafiscalidade é legítimo e plenamente admissível utilizando-se do Princípio da Razoabilidade, segundo qual, o legislador deve elaborar leis razoáveis permitindo que suas determinações tenham uma razão de ser perante os valores estabelecidos pela CF, valores como a dignidade humana, a erradicação da miséria e a própria igualdade social.


A luz do Princípio da Razoabilidade, a seleção de critérios juridicamente fundamentados pode dar legitimidade à seletividade ou à progressividade de alíquotas, inclusive para o ISS, tornando-o compatível com a política de desenvolvimento financeiro e social para o Município. Assim, justifica-se esta desigualdade tributária individual pela persecução da igualdade social, paradigma do Estado Democrático de Direito.


Com o advento da Emenda Constitucional nº 37 de 12/06/2002, outorgou-se competência à lei complementar para fixar as alíquotas máximas e mínimas do ISS. No Art. 88 (Disposições Constitucional Transitórias) fixou-se a alíquota mínima em 2%, enquanto lei complementar não sobrevier, e a Lei Complementar 116/03 (art. 8º, II) estabeleceu alíquota máxima de 5%, sem excepcionar nenhuma espécie de serviço. Assim, visando uma política de implementação de comportamentos e investimentos em determinados setores econômico-sociais carentes, os Municípios podem realizar estudos e adotar alíquotas diferenciadas por atividade, desde que obedeçam tais limites.


Hodiernamente é possível legitimar uma disparidade de tratamento conjugado com o principio da capacidade contributiva desde que tal diferenciação seja necessária para a concretização de uma particular diretriz constitucional, tal como uma política de desenvolvimento municipal.


A interpretação dos princípios constitucionais resulta por admitir e legitimar a extrafiscalidade, ao mesmo tempo impede o legislador de proceder seleções arbitrárias e excessivas em sua aplicação, impondo-lhe o dever de realizar exame pormenorizado se tal instrumento tributário será um mecanismo eficiente ao objetivo econômico-social a que se destina.


6 Reflexos da Lei de Responsabilidade Fiscal na Extrafiscalidade


A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. Prevê que a responsabilidade pressupõe a ação planejada e transparente, baseadas no cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita.


Pela autonomia financeira atribuída ao Município, pode implementar sua legislação tributária (Art. 165, par. 2º / CF) de acordo com os limites concedidos na nossa Carta Magna, além de adequar suas metas de desenvolvimento de acordo com o equilíbrio entre receitas e despesas. Permite-se o desenvolvimento de uma política tributária municipal que fomente o desenvolvimento regional, para tanto o projeto de lei orçamentária deve ser acompanhado de demonstrativo regionalizado dos efeitos decorrentes de isenções, anistias, remissões e outros benefícios de natureza tributária e financeira (art. 165, par. 6º / CF), ou seja, o Município tem a faculdade de renunciar receitas concedendo ou implementando benefícios fiscais de natureza tributária, desde que elabore uma estimativa do impacto orçamentário-financeiro (Art. 14 da Lei 101/2000).


Para dar maior legitimidade à política tributária extrafiscal conta-se com a possibilidade de participação popular através da realização de audiências publicas, por ocasião do processo de discussão da Lei de Diretrizes Orçamentárias.


Para determinar uma política tributária extrafiscal aplicada ao ISS que seja eficiente, necessita-se de um estudo pormenorizado da situação econômica-social do Município, pois, mesmo com a participação popular, a Lei Complementar nº 101 de 2000 deixa claro que a renúncia de receita não pode ser concedida arbitrariamente.


O uso adequado da extrafiscalidade no ISS começa com a obediência às exigências orçamentárias: ao elaborar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (Art. 165, § 2º / CF), a administração municipal fará integrar à mesma, o Anexo de Metas Fiscais (Art. 4º, § 1º da Lei 101 de 2000), em que serão estabelecidas metas anuais, contendo ainda o demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita; o projeto de lei orçamentária anual constará em anexo, demonstrativo da compatibilidade da programação do orçamento com objetivos e metas constantes no Anexo de Metas Fiscais, deve acompanhar demonstrativo regionalizado do efeito, sobre receitas e despesas, decorrente da política extrafiscal que concede isenções ou benefícios de natureza financeira (Art. 165, § 6º / CF), estimando o impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes.


Quanto à descaracterização da conduta de renúncia de receita pela administração municipal, é preciso demonstrar que tal renúncia foi considerada na estimativa de receita da Lei Orçamentária e que não afetará as metas de resultados fiscais ou então, estar acompanhada de medidas de compensação, por meio do aumento de receita (MELO, 2005).


Há fundamento constitucional, legal e doutrinário para a extrafiscalidade, no modelo federativo brasileiro. É necessário a interpretação dos mandamentos normativos e capacitação dos técnicos dos setores de planejamento público, que normalmente não têm força política e administrativa para propor medidas de impacto em matéria tributária.


7 Justificativa da Extrafiscalidade no ISS


A regra no âmbito municipal é a elaboração de legislações tributárias exclusivamente fiscais, ou seja, com finalidade meramente arrecadatória visando a aglomeração de recursos nos cofres públicos, para que então sejam utilizados em programas sociais. Não há impedimentos para desenvolver legislação tributária que contenha uma política extrafiscal, incentivando comportamentos que trarão desenvolvimento social.


Os programas sociais, na sua maioria, são desvinculados da política de arrecadação tributária. São raros os exemplos, no Brasil, de Municípios que manejam seus instrumentos tributários para fins extrafiscais. Os agentes políticos e os servidores responsáveis pela arrecadação tributária trabalham somente com a meta e missão de aumentar a receita municipal, esquecendo-se que a principal finalidade dos tributos pode ser a intervenção estatal na economia privada e no meio social.


Soma-se a tais fatores o cenário econômico-financeiro no qual a maioria dos municípios brasileiros encontram-se submersos. Grandes endividamentos oriundos de administrações anteriores despreocupadas com o equilíbrio orçamentário; programas sociais ineficientes; desenvolvimento desproporcional entre determinados segmentos da sociedade; descrença dos contribuintes na política tributária. Tudo isto expõe um cenário explosivo, que necessita de alternativas para reversão. A extrafiscalidade para o ISS se coloca como uma opção viável, desde que com um planejamento estratégico.


O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza incide sobre as atividades prestadoras de serviços constantes em uma lista de serviços anexada à legislação federal (Lei Complementar 116/2003). A prestação de serviço indica na técnica jurídica, atividade em proveito alheio, sendo que só é serviço tributável, o esforço humano com conteúdo econômico (BARRETO, 2003). O Município tem a competência para tributar, utilizando alíquotas variáveis entre de 2% a 5% sobre a base de cálculo que é o valor do serviço.


Sugere-se que a atual aplicação desses percentuais por atividade desenvolvida pelo contribuinte seja interrompida. É necessário realizar estudos regionalizados para analisar quais serviços, em função de sua essencialidade, função social ou carência de prestadores, devem ter alíquotas menores. Avaliar se este incentivo realmente impulsionará o desenvolvimento social e econômico.


Enumera-se algumas incongruências encontradas na cesta de serviços para cobrança do ISS do Município de Londrina-PR: serviços que são de extrema importância ambiental e social, como florestamento, reflorestamento, limpeza e drenagem de rios e lagos; serviços propícios a auxiliar a comunidade, como serviços de assistência social; serviços funerários, que na maioria dos casos não estão acessíveis a grande parte da população pelo alto custo, todos sujeitos à alíquota de 5%. A desoneração de tais atividades traria mais benefícios sociais do que a simples arrecadação pode oferecer.


No Brasil, a política tributária com fins meramente arrecadatórios é regra, e o volume de recursos obtidos sempre é denunciado pelo governo como insuficiente. No entanto, mesmo possuindo todos os mecanismos tributários os recursos obtidos não são aplicados na satisfação dos anseios da comunidade. 


É possível utilizar a extrafiscalidade para o ISS por exemplo, como instrumento de intervenção na economia privada e na vida social substituindo a arrecadação de tributos e sua posterior aplicação por medidas antecipatórias extrafiscais, ou seja, no lugar dos recursos serem arrecadados e passar por toda máquina administrativa governamental para ulterior aplicação, a minoração ou supressão dos mesmos, como parte de um plano estratégico econômico-social,  viabilizaria comportamentos que gerariam os mesmo efeitos.


Diminui-se a burocracia na área tributária e a possibilidade de desvio de recursos. Soma-se à tal idéia, o fato de propiciar aos particulares a possibilidade de implementar a justiça fiscal e social.


8 Alternativas de Implementação da Extrafiscalidade no ISS (Isenção, Alíquotas Progressivas ou Seletivas)


A necessidade de renovação de políticas tributárias integradas ao desenvolvimento social está demonstrada. O problema é como transformar o ISS, num tributo extrafiscal realmente eficiente? As alternativas são diversas. Propõe-se aqui algumas sugestões, levando em conta um cenário fictício, pois a aplicação a casos concretos necessitaria de estudos pormenorizados, devido ás particularidades de cada Município e suas dificuldades.


O Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza oferece ótimas condições para ser um instrumento extrafiscal de geração de emprego e planejamento urbanístico. Imagine-se, por exemplo, um Município desenvolvido em determinadas regiões, onde concentram-se as classes sociais mais privilegiadas e subdesenvolvido nas demais. A manutenção de tal situação vai de encontro ao conceito de Estado Social Democrático, que busca a igualdade e a dignidade de todos brasileiros. Assim, poder-se-ia elaborar uma tabela de serviços para cobrança do ISS, utilizando-se de mais de um mecanismo extrafiscal, sejam eles, a isenção e a diferenciação de alíquotas. A isenção poder-se-ia ser concedida não a determinada atividade, mas sim à atividade prestada naquela região mais desfavorecida. Aqueles contribuintes que prestam serviços em seu próprio estabelecimento, seriam atraídos a instalar seus domicílios nestas regiões.


Utilizaria-se dois critérios combinados, a espécie do serviço conjugada com a região da execução do mesmo, ou seja, se um prestador se enquadra na situação de prestar aquele determinado serviço e naquela região desfavorecida, estaria isento. Seria o caso de atividades como educação, ensino, treinamento pessoal e algumas atividades culturais, como espetáculos teatrais, circenses, exibições cinematográficas, dentre outras, que necessitariam ser prestadas no próprio estabelecimento, para não dar margem ao desvirtuamento do benefício, tais como contribuintes estabelecidos em outras regiões emitindo notas fiscais de prestação de serviços na área que proporciona a isenção. Dois benefícios seriam concedidos a estas regiões desfavorecidas: tanto a instalação de empresas e conseqüente geração de renda e emprego, como a possibilidade de acesso a serviços antes inacessíveis. A concessão do beneficio fiscal deveria ser acompanhada e fiscalizada para analisar se os preços dos serviços praticados pelos contribuintes beneficiados contemplam este decréscimo tributário.


A seletividade de alíquotas deve ser implementada com planejamento estratégico, atendendo aos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, oferecendo contrapartidas a renúncia de receitas. As alíquotas além de seletivas (diferenciadas por atividade) poderiam ser progressivas (alíquotas variantes conforme o valor da base de cálculo) em determinadas atividades, tendo por critério a busca de desenvolvimento econômico e social do Município. Assim, para aquelas atividades de prestação de serviço deficitárias no cenário regional, a implementação de alíquotas progressivas seria de relevância para incentivar a abertura de novas empresas ou a maior oferta destes serviços. Tal iniciativa poderia atrair empreendedores a investir nessas atividades beneficiadas. 


Outra alternativa desenha-se da seguinte forma, para as atividades de prestação de serviço que o Município considera não influenciarem nas suas metas, a alíquota continua a ser proporcional, ou seja, uma alíquota fixa para uma base de calculo variante. Porém, nas atividades detectadas como cruciais e estratégicas na aplicação da política tributária extrafiscal, além de terem suas alíquotas minoradas, poderiam ser diferenciadas em razão da região do Município em que a mesma é prestada. Atividades como construção civil, engenharia, arquitetura, urbanismo, limpeza, saneamento, assistência social e serviços relacionados ao setor bancário e financeiro, poderiam ter alíquotas menores quando prestadas em áreas necessitadas de desenvolvimento.


A diferenciação da alíquota daria-se pelo local onde foi executado o serviço. Transfere-se assim, para as regiões onde as alíquotas são menores, o interesse e um fluxo maior de determinadas atividades. Diferente da isenção proposta neste trabalho, não importaria o local do estabelecimento do prestador, mas sim o local da prestação do serviço.


 Além desses benefícios pode-se citar outros que, ante o planejamento estratégico bem efetuado, podem surtir efeito: isenção de ISS para novas empresas, por determinado período de tempo; isenção ou redução do imposto para as micro e pequenas empresas, redução de alíquotas para situações e serviços especiais, dentre outras medidas a serem criadas.


Tais sugestões podem parecer inconcebíveis aos ditames constitucionais de isonomia, todavia, relembre-se que alguns princípios constitucionais aqui devem ser deixados de lado, em função da justificativa razoável das medidas adotadas oferecidas pela autoridade municipal.  Relembra ainda Bruno (2003, P.132):


A concessão de beneficio de natureza fiscal discriminatória, ante amplo planejamento e previsão legal, necessita de aumento de base de cálculo ou de criação de contribuição, que venha a substituir aqueles valores renunciados, ressaltando-se que todas estas medidas encontram-se sujeitas ao princípio da anterioridade e anualidade que regem as leis tributárias.


Ao adotar uma medida extrafiscal a administração municipal deve estar ciente das contrapartidas exigidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, e principalmente, deve acompanhar se os resultados comportamentais induzidos pelo instrumento da extrafiscalidade estão sendo satisfatórios e de acordo com os estudos prévios realizados.


É fundamental para o alcance de uma moderna e eficaz política tributaria extrafiscal, a reestruturação do quadro de servidores, com a contratação de pessoal qualificado e o incentivo ao constante aprimoramento técnico. Além disso, parece a primeira vista que a elaboração e manutenção de uma tabela de serviços do ISS conforme proposto, utilizando-se da seletividade, progressividade e proporcionalidade, seria trabalho dispendioso e muito complexo, entretanto, deve-se levar em conta as facilidades encontradas oriundas das áreas de informática e logística, que transformam grandes imbróglios em situações extremamente simples.


Aos militantes do direito, cabe a árdua, porém prazerosa e dignificante luta pelos ditames constitucionais, dentre os quais ressaltamos o disposto no Art. 3º, III da CF: “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Acredita-se que a extrafiscalidade seja uma alternativa viável, dentre várias possibilidades jurídicas, que nos dão esperança de uma justiça fiscal e social.


9 Considerações Finais


A doutrina jurídica majoritária orienta no sentido da admissibilidade da extrafiscalidade quando elaborada com cautela pela administração municipal. Deve ser acompanhada de justificativas razoáveis e contrapartidas para compensar a renúncia de receitas. O advento da Lei de Responsabilidade Fiscal vem por consagrar tal instrumento, prescrevendo expressamente as condições materiais e formais para uma política tributária de concessão de benefícios fiscais.


Para lograr êxito em tal empreitada faz-se necessário conscientizar os agentes políticos e investir na contratação e capacitação de servidores, para elaborar planos orçamentários compreendendo a tributação extrafiscal do ISS e de outros impostos municipais. Estrategicamente planejados, trarão benefícios econômico e sociais, como desenvolvimento de regiões carentes ou ampliação de oportunidades aos segmentos da sociedade desprovidos de recursos. A característica política tributaria meramente fiscal (arrecadatória) não pode mais ser regra em nosso País.


Fundamental é demonstrar que a extrafiscalidade, especificamente no ISS, é um instrumento de intervenção estatal admissível e legitimo, e que deve ser considerado pelas administrações municipais ao traçarem seus planos estratégicos e governamentais. Os problemas de logística e de implantação de uma política tributária extrafiscal fica a cargo dos capacitados profissionais das áreas de integração tecnológica e sistema de dados.


 


Referências

ATALIBA, Geraldo.  IPTU : progressividade. Revista de Direito Público, v. 23, n. 93,  p.233-238, jan./mar., 1990.

ATALIBA, Geraldo; GONÇALVES, José Arthur.  Crédito-prêmio de IPI : direito adquirido; recebimento em dinheiro.  Revista de Direito Tributário, v.15, n.55, p.162-179, jan./mar., 1991.

BALEEIRO, Aliomar.  Direito tributário brasileiro.  11. ed.  Rio de Janeiro : Forense, 2003.

BARRETO, Aires F.  ISS na Constituição e na lei.  São Paulo : Dialética, 2003.

BASTOS, Celso Ribeiro.  Curso de direito constitucional.  19. ed.  São Paulo : Saraiva, 1998.

BRUNO, Reinaldo Moreira.  Lei de responsabilidade fiscal & orçamento público municipal. Curitiba : Juruá, 2004.

CARVALHO, Paulo de Barros.  Curso de direito tributário.  17. ed.  São Paulo : Saraiva, 2005.

COSTA, Regina Helena.  Princípio da capacidade contributiva.  3. ed. São Paulo : Malheiros, 2003.

MELO, José Eduardo Soares de.  ISS – aspectos teóricos e práticos.  4. ed. São Paulo : Dialética, 2005.

NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos.  Coimbra – Almedina, 1998.

Informações Sobre o Autor

Juliano José Rodrigues

Contador em Londrina – PR Membro do IDTL – Instituto de Direito Tributário de Londrina Especialista em Direito do Estado – UEL/PR Graduando no curso de Direito da Pontificia Universidade Católica do Parana


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Equipe Âmbito Jurídico

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