Em acórdão recente, proferido pelo Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, os templos religiosos terão que obedecer aos limites impostos na Lei Estadual Gaúcha nº. 13.085, quanto à emissão sonora em suas atividades, em zonas residenciais, no limite de 75 (setenta e cinco) decibéis durante o dia e, à noite, 65 (sessenta e cinco) decibéis.
Isso porque Congregações Espíritas Umbandistas (Comunidade Terreira Ile Axé Yemonja Omi Olodo e C.E.U. Cacique Tupinambá, a Congregação em Defesa das Religiões Afro-Brasileiras – CEDRAB, o Africanamente – Centro de Pesquisa, Resgate e Preservação de Tradições Afro descendentes) propuseram uma ação no Tribunal, sustentando que supostamente estariam sofrendo “perseguições religiosas”.
Ora, a questão em voga não compreende a perseguição quanto à liberdade de crença, inerente aos valores e escolhas de cada cidadão, o que é indiscutível. É uma garantia constitucionalmente assegurada. O que vem a baila é o choque dessa liberdade de crença, quando se torna excessiva, causando danos de montas incomensuráveis a uma gama de pessoas em seus lares. Os ruídos excessivos são nocivos à saúde dos que no local residem.
Ninguém é obrigado a suportar, dentro do silêncio de sua residência, em momentos de lazer e descanso, barulhos ensurdecedores de batuques de atabaques, carros de som nas ruas pregando cultos em alto volume, padres fazendo homilias em volume excessivo, etc. A liberdade de crença tem limites, extrapolados com o fanatismo e a invasão ao íntimo, desde o momento em que tais abusos afetam, não só a garantia constitucional do silêncio, mas à saúde, o sossego, o ordenamento urbano e o meio-ambiente saudável.
Os princípios constitucionais entram em conflito: O direito à escolha da crença x direito à intimidade, privacidade e silêncio, previsto no artigo 5º, da Constituição Federal. E a força normativa da Constituição é tamanha, a tal ponto do magistrado, deparando-se com dois princípios constitucionais, não ver outra forma senão o de utilizar o método da ponderação de interesses, para uma sentença justa e equânime, prevalecendo um interesse sobrepesado sobre outro, e respeitando o princípio da hierarquia das normas constitucionais.
Portanto, é perfeitamente possível ocorrer, e viável a colisão, quando o conflito atinge a esfera do Judiciário.
Sobre a ponderação de interesses, conclui o professor e constitucionalista Daniel Sarmento:
“O método de ponderação é efetivado à luz das circunstâncias concretas em caso. Deve-se, primeiramente, interpretar os princípios em jogo, para verificar se há realmente colisão entre eles. Verificada a colisão, devem ser impostas restrições recíprocas aos bens jurídicos protegidos por cada princípio, de modo que cada um só sofra as limitações indispensáveis à salvaguarda do outro. A compreensão a cada bem jurídico deve ser inversamente proporcional ao peso específico atribuído ao princípio que o tutela, e inversamente proporcional ao peso específico conferido ao princípio oposto. Assim, a ponderação deve observar o Princípio da Proporcionalidade em sua tríplice dimensão: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito”.[1]
E estende, traduzindo a ponderação como causa potencializadora e ideal de uma Constituição Aberta, de tal sorte que concilia as tensões entre princípios constitucionais, sem estabelecer hierarquias rígidas entre estes. Assim, o método propicia o convívio entre valores e princípios antagônicos, fomentando o pluralismo em sede constitucional.[2]
O respeito à dignidade da pessoa humana também é um dos componentes da ordem pública. Barbosa Gomes entende que a decisão consagra um novo tipo de intervenção do poder de polícia, protegendo o próprio indivíduo contra si próprio. Assim, o Estado coercitivamente, impõe o uso da prevalência dos direitos fundamentais, para a garantia individual e atuação de um desidarato social.[3]
Quanto à colisão dos princípios, Teresa Negreiros cita um caso, que dá, como exemplo ilustrativo da importância de se configurar uma relação de precedência condicionada, ou concreta, entre dois princípios colidentes. Ela traz a hipótese na qual é discutida a admissibilidade da realização de uma audiência contra um acusado que, devido a uma cardiopatia, corre o risco de sofrer um infarto decorrente da tensão gerada por um ato daquela natureza. É evidente que a decisão final foi a de impedir a realização da audiência, vislumbrando-se princípios fundamentais, colidentes, por prevalecer um mais fundamental que outro, naquela dada situação. [4]
Quanto aos templos religiosos sulistas, alvos da sanção da Lei Estadual, o legislador trouxe um meio de prevenir e reprimir constantes abusos deflagrados, a fim de evitar que moradores sofram danos de montas incomensuráveis e ainda tenham que recorrer ao Judiciário.
Ao chegar nesse estágio, o mais importante, por parte do magistrado é a cautela redobrada, no método da ponderação, devendo deixar prevalecer os valores consagrados na Carta Magna, e não, a sua ideologia pessoal, prevalecendo, sem sombra de dúvida, a garantia constitucional do silêncio.
Advogada – Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá – Redatora responsável pelos impressos jurídicos de uma grande editora à nível nacional (COAD) – Membro da Equipe Técnica ADV dessa empresa – Consultora jurídica.
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