Resumo: Este trabalho objetiva analisar o conflito entre o direito à propriedade intelectual e o direito à saúde. O direito à propriedade intelectual não pode ser considerado absoluto; deve ser equilibrado com o direito à saúde – este, um dos maiores problemas dos países em desenvolvimento (em especial no que se refere ao acesso aos caros medicamentos fabricados por laboratórios estrangeiros, que detêm as patentes que permitem explorá-los em regime de exclusividade). Para isso, será analisado o direito da propriedade intelectual no âmbito da Organização Mundial do Comércio, desde o surgimento das primeiras regras, no acordo TRIPS, até a Declaração de Doha de 2001. Quanto ao direito à saúde, serão estudadas as normas da Organização das Nações Unidas, da Organização Mundial do Comércio e da Organização Mundial da Saúde. A Constituição Federal também receberá especial atenção, especialmente o artigo 6º, que elevou o direito à saúde à categoria de direito fundamental. O artigo tratará, ainda, do conflito deste direito com o direto à propriedade intelectual, também protegido pela Carta de 1988.
Palavras-chave: Saúde. Propriedade intelectual. Função social.
Abstract: This paper aims to analyze the conflict between intellectual property rights and the right to health. The intellectual property rights cannot be considered absolute, it must be balanced with the right to health – this, a major problem in developing countries (in particular the access to expensive drugs produced by foreign laboratories, which hold the patents that allow to explore them in an exclusive basis). For this purpose, will be studied the intellectual property rights under the World Trade Organization, since the emergence of the first rules in the TRIPS Agreement, until the Doha Declaration of 2001. Regarding the right to health, will be studied the rules of the United Nations, the World Trade Organization and the World Health Organization. The Brazilian Federal Constitution also receives special attention, in particular its Article 6, which raised the right to health to the category of fundamental right. The article also deals with the conflict of this right with the right to intellectual property, also protected by the Charter of 1988.
Keywords: Heath. Intellectual Property. Social role.
Sumário: Introdução. 1. O direito à saúde. 1.1 A positivação da saúde como direito fundamental – plano interno e internacional. 1.2. A saúde pública e o acesso a medicamentos. 2. As regras de proteção à propriedade intelectual na Organização Mundial do Comércio. 3. Os limites da propriedade intelectual: a saúde pública. 3.1 Os limites no plano internacional. 3.1.1 Na Organização das Nações Unidas. 3.1.2 Na Organização Mundial da Saúde. 3.1.3. Na Organização Mundial do Comércio. 3.2 Os limites no plano interno: legislação e jurisprudência. 4. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O acordo TRIPS, assinado em 1994, objetivava conferir maior proteção à propriedade intelectual. Este acordo foi assinado durante a Rodada do Uruguai, que teve como um de seus resultados a criação da Organização Mundial do Comércio. Abrange os direitos do autor e conexos, marcas, indicações geográficas, desenhos industriais, patentes, topografias de circuitos integrados, proteção de informações confidenciais e controle de práticas restritivas em contratos de licenciamento.
No presente trabalho trataremos especificamente das patentes farmacêuticas. Analisaremos que a proteção a essas patentes não pode ser entendida de forma absoluta; há limites que deverão ser respeitados como, por exemplo, a proteção ao direito à saúde. Veremos que a saúde pública é protegida tanto pelos tratados internacionais como pela legislação brasileira.
No que tange aos tratados internacionais, estudaremos aqueles oriundos da Organização das Nações Unidas, da Organização Mundial da Saúde e da Organização Mundial do Comércio. Analisaremos os principais dispositivos da Carta da ONU, da Declaração Universal de Direitos Humanos e a Carta de Constituição da OMS.
Daremos enfoque principalmente ao acordo TRIPS e à Declaração de Doha de 2001, firmadas no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Veremos que o acordo TRIPS se compatibiliza com o direito à saúde, por instituir, em seu artigo 8, que os Estados deverão tomar medidas para proteger a saúde pública.
A Declaração de Doha, por sua vez, foi assinada em 14 de novembro de 2001 e reforça a importância de se compatibilizar as normas estabelecidas no Acordo TRIPS com a saúde pública, por meio do acesso a medicamentos.
Por outro lado, no âmbito interno, nosso estudo terá como base a Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 6º, elevou o direito à saúde à categoria de direito fundamental. Este direito também é especificamente protegido pelos artigos 196 a 200.
Dispõe o artigo 196 que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
1.O direito à saúde
1.1 A positivação da saúde como direito fundamental – plano interno e internacional
A noção de saúde como um direito de todos surge, segundo Patrícia Luciane de Carvalho[1], nos Estados Unidos, no século XVIII. Já em 1851 foi assinada a Primeira Conferência Internacional Sanitária. Em 1864, por sua vez, foi criada a Cruz Vermelha Internacional.[2]
Somente após a 2ª Guerra Mundial e suas implicações no campo dos direitos humanos é que a saúde passou a ser tratada como um direito de todos, por meio da prestação pelo Estado de serviços relacionados com a saúde, como, por exemplo, o saneamento básico.[3]
Em 07 de abril de 1948 foi criada a Organização Mundial da Saúde, que ampliou de forma significativa o conceito de saúde. Para José Afonso da Silva, “a Constituição italiana foi a primeira a reconhecer a saúde como fundamental direito do indivíduo e interesse da coletividade (art. 32)”.[4] Depois dela, foi a vez da Constituição espanhola (art. 64) e a Constituição da Guatemala (art. 93 a 100).
No Brasil, o direito à saúde só surgiu expressamente no texto constitucional como direito fundamental na Constituição de 1988. Antes disso, porém, só havia a previsão da responsabilidade do Estado pela saúde pública. Neste sentido dispunha o artigo 10, II, da Constituição de 1934: “Art. 10 – Compete concorrentemente à União e aos Estados: (…) II – cuidar da saúde e assistências públicas.”
Nas Constituições de 1937, 1946, 1967 e na Emenda Constitucional de 1969 esta redação foi praticamente mantida. Todas elas limitavam-se a dispor que a União e os Estados são responsáveis pela saúde pública e que lei federal regularia o tema.
Somente na Constituição Federal de 1988 é que esse direito vem tratado de forma meticulosa e organizada. O direito à saúde integra, junto com a previdência e assistência social, um sistema de direitos chamado de seguridade social, conforme dispõe o art. 194 da Constituição Federal.
Esse mesmo artigo nos informa os princípios da seguridade, que são: a universalidade da cobertura e do atendimento; a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; a seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; a irredutibilidade do valor dos benefícios; a equidade na forma de participação no custeio; a diversidade da base de financiamento; e, finalmente, o caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregados, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.
De acordo com os Professores Vidal Serrano Nunes Júnior e Sueli Gandolfi Dallari, “a introdução da saúde no rol dos direitos sociais no Brasil foi, sobretudo, resultado da força dos movimentos populares no momento da redemocratização política, no final dos anos oitenta do século vinte.”[5]
Sobre a positivação de direitos sociais no direito moderno, afirma Paolo Caretti que
“é com a afirmação de modernos sistemas democráticos, nos quais a liberdade e a igualdade não são mais incompatíveis, que esta minoria é superada: não por acaso, a Constituição republicana prevê um catálogo de direitos sociais que apresenta amplitude e abrangência que não se vê refletida em outras experiências constitucionais contemporâneas.”[6]
1.2.A saúde pública e o acesso a medicamentos
Para José Afonso da Silva, “a saúde é concebida como direito de todos e dever do Estado, que a deve garantir mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos”.[7]
A OMS assim conceitua o termo saúde: “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças ou enfermidades”[8]. Já o termo “saúde pública”, no entendimento de Patrícia Luciane de Carvalho, “corresponde ao setor de interesse do Estado, por vincular-se a direito humano e por ser essencial a outros direitos humanos, como a vida, a dignidade, a liberdade, a igualdade e o desenvolvimento (…).”
O acesso a medicamentos, de acordo com o conceito de saúde pública, acima transcrito, é um dos elementos decorrentes do direito à saúde. O direito de acesso a medicamentos não é de simples resolução, pois envolve interesses público e privado, geralmente conflitantes entre si. Interesse público por ser decorrente de um direito fundamental, constitucionalmente protegido. Interesse privado por envolver vultuosas quantias de dinheiro dos laboratórios farmacêuticos, que investem em pesquisa para o desenvolvimento de drogas cada vez mais modernas, além de esbarrar no direito à propriedade intelectual, direito este também constitucionalmente protegido.
2.As regras de proteção à propriedade intelectual na Organização Mundial do Comércio
O acordo TRIPS foi um dos resultados da Rodada do Uruguai, realizada no âmbito do GATT, que também acabou por criar a Organização Mundial do Comércio. Segundo Durval de Noronha[9], o antigo GATT não inovou nessas regras, uma vez que já haviam sido assinados anteriormente diversos tratados a respeito da propriedade intelectual, além de já existir, desde 1967, uma organização própria para o tema, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual.
A principal atividade desta organização, de acordo com Noronha, é o registro de patentes, marcas, desenhos industriais, e designações de procedência[10]. O acordo TRIPS foi incluído na Rodada de Negociações, ainda segundo Noronha, por pressão dos Estados Unidos da América, que estavam descontentes com a atuação da Organização Mundial da Propriedade Intelectual e que queriam estabelecer sanções para as violações à propriedade intelectual.
Além disso, os países exportadores de bens de maior conteúdo tecnológico desejavam garantir que seus custos com pesquisas e desenvolvimento de novas tecnologias ficassem protegidos também nos países importadores dessas tecnologias[11]. O acordo TRIPS, como o próprio nome diz, abrangeu apenas os aspectos da propriedade intelectual relacionados ao comércio. Segundo Vera Thorstensen, “as negociações incluíram temas como difusão de tecnologia e promoção de inovações, e até mesmo ao investimento, uma vez que sem proteção aos direitos de propriedade, tais atividades acabam sendo restringidas.”[12]
Conforme lição de Vera Thorstensen, o objetivo do TRIPS era “estabelecer um quadro de referência para as negociações multilaterais de princípios, regras e disciplinas relacionadas com os direitos de propriedade intelectual, de forma que essas medidas não se transformem em barreiras ao comércio.”[13]
Como expõe Elisabeth Kasznar Fekete[14], o acordo é divido em 7 partes, a saber: Parte I: Dispositivos gerais e princípios básico; Parte II: Padrões relativos à disponibilidade, alcance e uso de direitos de propriedade intelectual; Parte III: Exequibilidade dos direitos de propriedade intelectual; Parte IV: Aquisição e manutenção dos direitos de propriedade intelectual e procedimentos relacionados; Parte V: Prevenção e solução de controvérsias; Parte VI: Disposições transitórias e Parte VII: Dispositivos institucionais e finais.
Com relação aos princípios gerais e básicos, podemos destacar as principais regras de comércio da OMC, como o princípio da não discriminação entre seus membros (artigo 4) e a do tratamento nacional, descrita no artigo 3 do Acordo. Foi também previsto no TRIPS um mecanismo de solução para as possíveis controvérsias que pudessem surgir.
Já no que se refere à proteção à saúde pública, importante ressaltar o disposto no artigo 8, que prevê a adoção pelos membros “de medidas necessárias para proteger a saúde pública e nutrição, e promover o interesse público em setores de importância vital para seu desenvolvimento sócio-econômico e tecnológico, uma vez que tais medidas são consistentes com as previsões desse Acordo.”[15]
De acordo com a lição dos Professores Vidal Serrano Nunes Júnior e Sueli Gandolfi Dallari,
“a implicação disso no estado de saúde das pessoas é evidente, pois o acesso ao medicamento será inviabilizado para quem viva num Estado que não possui o desenvolvimento sócio-econômico suficiente para lhe permitir o desenvolvimento de determinado medicamento, ou cuja opção política não faça valer as exceções previstas na ordem internacional sobre a proteção dos inventos”.[16]
Este dispositivo conferido pelo próprio TRIPS é uma flexibilização dos rígidos padrões de proteção à propriedade intelectual por ele impostos. Patrícia Luciane de Carvalho, comentando este artigo, afirma que
“este dispositivo protege a saúde, automaticamente envolve o acesso a medicamentos; ao descrever a nutrição e o interesse público, determina a importância da proteção preventiva, como elemento de atuação estatal precedente à existência do problema individual ou social; e relaciona estes elementos ao desenvolvimento socioeconômico e tecnológico. Portanto, o TRIPS não corresponde à salvaguarda dos países menos favorecidos apenas diante de uma problemática de interesse social – como o acesso a medicamentos; mas, mais corretamente, a uma orientação para melhorar atuação na esfera desses interesses”.[17]
Já no que tange à Parte II – Padrões relativos à disponibilidade, alcance e uso de direitos de propriedade intelectual –, esta é dividida em 8 seções, a saber: Seção 1: Direitos do autor e conexos; Seção 2: Marcas; Seção 3: Indicações geográficas; Seção 4: Desenhos Industriais; Seção 5: Patentes; Seção 6: Topografias de circuitos integrados; Seção 7: Proteção de informações confidenciais e Seção 8: Controle de práticas restritivas em contratos de licenciamento.
Conforme dispõe o artigo 27 do Acordo, são patenteáveis quaisquer invenções em todos os campos de tecnologia, desde que sejam novos, contenham uma etapa inventiva e sejam capazes de aplicabilidade industrial.
Já na Parte III do Acordo (Exequibilidade dos direitos de propriedade intelectual), os membros comprometem-se a assegurar medidas que permitam a ação efetiva contra infrações cometidas em desfavor dos direitos cobertos pelo Acordo. Essas medidas, prevê o Acordo, poderão ser tomadas tanto nas esferas cível, administrativa e criminal.
No que diz respeito à Parte IV – Aquisição e manutenção dos direitos de propriedade intelectual e procedimentos relacionados – o Acordo prevê a possibilidades de os membros exigirem procedimentos e formalidades razoáveis para aquisição e manutenção dos Direitos da Propriedade Intelectual.
A Parte V, por sua vez, prevê que às soluções de controvérsia serão aplicadas as regras criadas para solução de conflitos elaboradas na mesma Rodada do Uruguai que criou o Acordo TRIPS.
No que tange à Parte VI, os membros fixaram no Acordo o prazo para adequarem-se ao seu texto. Esse prazo varia de acordo com o grau de desenvolvimento do país, a saber: um ano para os países desenvolvidos, cinco anos para os países em desenvolvimento e em transição para uma economia de mercado e onze para os países menos desenvolvidos.
Deve-se ressaltar que em diversas ocasiões posteriores, a saber, nos anos de 2002, 2005 e 2007, a Organização Mundial do Comércio emendou o disposto nessa Parte VI do Acordo, para estender o tempo de adequação dos países menos desenvolvidos. Finalmente, na Parte VII, são trazidos alguns dispositivos institucionais e finais, como o artigo 68 que cria o Conselho para os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio, para “monitorar a implementação desse Acordo e, em particular, a submissão dos membros às obrigações aqui assumidas (…).”[18]
As regras estabelecidas neste acordo são regras gerais, padrões mínimos de proteção que os países necessariamente devem obedecer. Contudo, em vários artigos do Acordo, é conferida a possibilidade de os países estabelecerem proteção em níveis mais elevados, como, por exemplo, nos artigos 1.1[19], 27.1[20]. Da mesma forma, como já descrito acima, os artigos 65 e 66 permitem que os países em desenvolvimento e em menor desenvolvimento implementem as regras em um período de tempo maior.
Porém, de acordo com a lição de Maristela Basso[21], “para os países desenvolvidos, os ‘padrões mínimos’ do TRIPS não são ‘padrões ótimos’ de proteção dos direitos da propriedade intelectual, razão pela qual estruturas, esquemas, alternativas e modelos ‘TRIPS plus’ não tardaram a aparecer”.
Nos anos posteriores à entrada em vigor do Acordo TRIPS, surgiram muitos acordos de livre-comércio bilaterais e regionais, os chamados FTAs. Para Maristela Basso, isso ocorreu em razão da resistência dos países em desenvolvimento em aceitar a proposta dos Estados Unidos da América e de outros países desenvolvidos para aumentar os padrões de proteção à propriedade intelectual.[22]
Essa resistência foi endossada pela sociedade civil e grupos organizados e pelos países africanos, juntamente com o governo brasileiro, para lançar a iniciativa com o objetivo de analisar o papel dos direitos à propriedade intelectual no acesso aos medicamentos.
Essa união resultou na “Declaração de Doha” assinada pelas Estados-membros da OMC em novembro de 2001, sobre a qual trataremos no capítulo seguinte.
O Brasil ratificou o acordo TRIPS através do Decreto n.º 1355, de 30 de dezembro de 1994[23]. Sobre o acordo, pronunciou-se o então Presidente do Brasil, o Exmo. Sr. Itamar Franco[24]: “o acordo sobre propriedade intelectual atende os interesses do Brasil, na medida em que estabelece normas multilateralmente acordadas de proteção de direitos de propriedade intelectual. O acordo limita a capacidade individual de arbítrio por parte dos signatários, no que concerne à interpretação unilateral de medidas de defesa comercial.”
3.Os limites do direito à propriedade intelectual: o direito à saúde
3.1.Os limites do direito à propriedade intelectual no plano internacional
3.1.1.Na Organização das Nações Unidas
A Organização das Nações Unidas foi fundada em 24 de outubro de 1945, data em que foi promulgada a Carta das Nações Unidas. Foi assinada, na época, por 51 países. De acordo com a própria organização, seu foco de atuação é “a manutenção da paz e do desenvolvimento em todos os países do mundo.”[25]
A ONU contribui de forma significativa para o desenvolvimento dos direitos humanos, tema recorrente em todos os documentos assinados por seus países membros. Importante destacar que o artigo 76 da Carta da ONU estabelece duas características para o desenvolvimento humano: a sustentabilidade e a progressividade. Para Patrícia Luciane de Carvalho,
“sustentabilidade relacionada à produção de efeitos duradouros e não momentâneos ou mesmo com duração determinada, como, por exemplo, relacionado a políticas partidárias, afastando-o de interesses políticos que não estejam relacionados à consecução do bem comum (finalidade do Estado). Progressividade condizente com duas características dos direitos humanos, que são a irredutibilidade e a complementação. O desenvolvimento como direito humano deve acompanhar o crescimento populacional e receber atenção gradual para que os seus objetivos sejam atingidos no transcorrer do tempo.”[26]
Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, a ONU ampliou a proteção aos direitos humanos. Vejamos o que diz o artigo II desta declaração:
“Artigo II – 1. Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2. Não será tampouco feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.”
A Declaração Universal dos Direitos Humanos não é um tratado, mas sim uma resolução adotada pela Assembléia Geral da ONU que não apresenta força de lei. Segundo a Professora Flávia Piovesan, “o propósito da Declaração (…) é promover o reconhecimento universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais a que faz menção a Carta da ONU (…)”.[27]
Ainda de acordo com a Professora,
“além da universalidade dos direitos humanos, a Declaração de 1948 ainda introduz a indivisibilidade destes direitos, ao imediatamente conjugar o catálogo dos direitos civis e políticos ao catálogo dos direitos econômicos, sociais e culturais [como é o caso do direito à saúde]. (…) Combina assim o discurso liberal e o discurso social da cidadania, conjugando o valor da liberdade ao valor da igualdade. Consolida, desse modo, a concepção contemporânea de direitos humanos, pela qual esses direitos demandam uma visão integral, concebidos como uma unidade interdependente, inter-relacionada e indivisível”.[28]
O direito à saúde está explicitado nesta Declaração, mais precisamente no artigo XXV, que dispõe:
“Artigo XXV – 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. (…)”.
Segundo Patrícia Luciane de Carvalho, “a saúde é disposta de forma a ser compreendida por meio de uma análise sistêmica, ou seja, em conjunto com outros direito, visto que toda pessoa tem direito a alcançar, por meio do trabalho, uma condição de vida que lhe proporcione saúde e bem-estar”.[29]
Oportuna a definição do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU a respeito dos deveres dos Estados no que tange ao direito à saúde:
“Os Estados devem facilitar o acesso às facilidades essenciais de saúde, bens e serviços em outros países, sempre que possível e disponibilizar a ajuda necessária quando requisitada. Os Estados-membros devem garantir que é dada a devida atenção ao direito à saúde em acordos internacionais e, para este fim, devem considerar o desenvolvimento de futuros instrumentos legais. Com relação à conclusão de futuros outros acordos internacionais, os Estados-membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que estes instrumentos não representem impacto negativo no direito à saúde. Do mesmo modo, os Estados-membros tem a obrigação de garantir que suas ações como membros de organizações internacionais levem em consideração o direito à saúde.”[30]
Podemos notar que o direito à saúde é uma das maiores preocupações da Organização das Nações Unidas. Como veremos adiante, esse pensamento está em consonância com o pensamento de outros órgãos, como a Organização Mundial da Saúde e a Organização Mundial do Comércio.
A importância do direito à saúde no âmbito da ONU pode ser notada em várias resoluções adotadas pela organização para garantir o acesso a medicamentos como, por exemplo, a Resolução n.º 33 sobre acesso a medicamentos, o compromisso “Crise Global, Ação Global” de junho de 2001 e a Resolução n.º 29/2003.
Além disso, deve-se ressaltar que, em 2000, foi assinada pelos países-membros a Declaração do Milênio da ONU. Por meio desta declaração, os 191 Estados-membros assumiram o compromisso de, até 2015, erradicar a extrema pobreza e a fome, atingir o ensino básico universal, promover a igualdade entre os sexos, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna, combater o HIV/AIDS e outras doenças, garantir a sustentabilidade ambiental e estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.
Dentro da meta de combate ao HIV, uma das “submetas” era alcançar, até 2010, o acesso universal ao tratamento do HIV/AIDS para todas as pessoas que necessitem. No Brasil, no ano de 2009, 60% dos pacientes com infecção avançada faziam uso dos medicamentos que compõe a terapia antirretroviral.[31]
3.1.2.Na Organização Mundial da Saúde
A Organização Mundial da Saúde, fundada em 7 de abril de 1948, é o órgão das Nações Unidas responsável por desempenhar uma função de liderança a respeito dos assuntos sanitários mundiais, estabelecer a agenda de investigações em saúde, prestar apoio técnico aos países e vigiar as tendências sanitárias mundiais.[32]
A OMS, segundo o artigo 1º de sua Carta, tem como objetivo “o desenvolvimento do mais elevado nível de saúde de todos os povos”. Para esta organização, os medicamentos ditos essenciais devem estar disponíveis a qualquer momento, em quantias adequadas, em doses apropriadas, com boa qualidade e preços acessíveis à população em geral.
A OMS possui um conjunto de orientações disponíveis no Regulamento Sanitário Internacional (RSI), adotado pela 22ª Assembleia Mundial da Saúde, em 25 de julho de 1969, onde estão inseridas as diretrizes que devem ser observadas pelos Estados.
A entidade reconhece também a importância da Organização Mundial do Comércio no que diz respeito ao acesso a medicamentos, e desenvolve trabalhos nesse sentido, relacionados também à propriedade intelectual.
Deve-se ressaltar a criação, durante a 117ª sessão do Conselho Executivo da OMS, de um órgão temporário para a coleta de dados e propostas em matéria de propriedade intelectual, a Comissão de Direitos de Propriedade Intelectual, que, segundo Patrícia Luciane de Carvalho, tem como objetivos:
“reunir propostas dos diversos países interessados sobre os temas da comissão de acordo com as suas realidades e expectativas; e elaborar análise dos direitos de propriedade intelectual, da inovação e da saúde pública com a inclusão de mecanismos existentes e necessários para o financiamento e a criação de incentivos ao desenvolvimento de novos medicamentos e outros produtos necessários ao combate das doenças presentes nos países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo.”[33]
Como não poderia deixar de ser, a principal discussão desse comitê é o acesso a medicamentos. Todos os resultados produzidos no seu âmbito de atuação tem como objetivo incentivar e servir de parâmetro aos países, que deverão incorporar e executar essas orientações.
3.1.3.Na Organização Mundial do Comércio
A OMC foi criada durante a Rodada do Uruguai, e tem como objetivo regular e reduzir as barreiras do comércio internacional. Como veremos, a organização tem atuado bastante no sentido de ajudar os países mais pobres a desenvolver seu comércio internacional.
No que tange ao setor de propriedade intelectual, uma das preocupações da OMC é com a saúde pública. Conforme declaração do Diretor- Geral da Organização, Pascal Lamy, “a saúde representa o caso de maior obrigação de cooperação internacional.”[34]
Para ele, a Declaração de Doha a respeito do Acordo TRIPS ajudou os governos a fazer uso das regras flexíveis do TRIPS e contribuir para baixar os preços de certos remédios, especialmente os antirretrovirais de primeira linha.
Esta declaração, assinada em novembro de 2001 pelos países-membros da OMC, reconhece que a saúde é um direito que deve se sobrepor ao direito da propriedade intelectual e por isso, várias medidas deverão ser adotadas pelos países para garantir o acesso a medicamentos.
Conforme lição dos Professores Vidal Serrano Nunes Júnior e Sueli Gandolfi Dallari[35],
“essa Declaração versa especificamente sobre a questão das patentes farmacêuticas e a sua relação com a saúde pública e aponta a necessidade de implementar e interpretar o acordo TRIPS de maneira condizente e harmônica com a defesa da saúde, de modo a promover o acesso das pessoas aos medicamentos de que necessitam e incentivar a pesquisa e o desenvolvimento de novas drogas. Ela representou a pacificação das divergências entre os chamados países desenvolvidos e os em desenvolvimento, membros da OMC, acerca da interpretação do Acordo TRIPS no caso da proteção à saúde pública, principalmente em face da crise da pandemia da AIDS, que afetava drasticamente os países em desenvolvimento.”
De acordo com o então Ministro da Saúde José Gomes Temporão:
“Desde a aprovação da lei que assegurou o acesso ao tratamento a todas as pessoas que vivem com HIV em 1996, o Brasil tem enfrentado as pressões da indústria farmacêutica multinacional, que, amparada na legislação internacional sobre patentes, pratica preços francamente abusivos para as novas drogas, como é o caso dos antirretrovirais. A rodada de negociações de 2001 da Organização Mundial do Comércio, em Doha, Qatar, onde o Brasil defendeu a proposta vitoriosa de que as necessidades emergenciais de uma população se sobrepõem aos direitos de patentes, deu respaldo político e legal no Brasil nas suas negociações, levando a significativas reduções de preço.”[36]
Nesse sentido é o entendimento de Carlos Augusto Grabois Gadelha, para quem:
“o primeiro interesse de um país é ter a disponibilidade de medicamentos e fármacos para atender a saúde pública. Somente considerando estas relações entre saúde e desenvolvimento será possível pensar uma articulação entre a propriedade intelectual e a saúde que seja favorável ao processo de inovação. Mais importante ainda, o essencial é pensar um conjunto articulado de políticas e ações que contribua para o desenvolvimento da indústria nacional e estrangeira, investimentos em pesquisa e desenvolvimento de inovações no Brasil.”[37]
Podemos ver que a Declaração de Doha é o instrumento básico de acesso pelos países em desenvolvimento aos medicamentos, principalmente os antirretrovirais, de custos muitas vezes abusivos. A Declaração de Doha, na verdade, não inovou em nada.
Apenas eliminou as discussões sobre o artigo 30 do Acordo TRIPS, que trata da possibilidade de os países usarem uma série de mecanismos ali previstos para assegurar um maior acesso a medicamentos.
Outro importante aspecto no que se refere à Declaração de Doha é seu Parágrafo 6, que dispõe:
“Nós reconhecemos que os Países-membros da OMC com insuficiente ou nenhuma capacidade de fabricação no setor farmacêutico podem defrontar-se com dificuldades em tornar efetivo o uso de licenciamento compulsório segundo o acordo TRIPS. Determinamos que o Conselho do TRIPS encontre uma solução expediente para este problema e a relate ao Conselho Geral, antes do final de 2002.”
O Parágrafo 6 da Declaração de Doha, obtido em 30 de agosto de 2003, tinha como objetivo, segundo Daya Shanker, “facilitar a exportação de medicamentos a países sem capacidade para produzi-los”.[38]
De acordo com Pascal Lamy[39]
“o objetivo [deste Parágrafo 6] nunca foi emitir muitas licenças compulsórias como única finalidade. O objetivo era e continua a ser diminuir o custo de medicamentos para os pobres. O sistema, por sua vez, deve ser julgado em termos de preços e acesso. O sistema do Parágrafo 6 é uma das várias maneiras de garantir políticas de saúde pública no âmbito do TRIPS, e o TRIPS, por sua vez, é apenas um elemento nacional e internacional garantidor do acesso aos medicamentos”.
Podemos ver que o Parágrafo 6 é resultado do pensamento que tem sido adotado pela maioria dos países-membros da OMC de preocupação com a saúde pública, e sua consequente prevalência em casos de conflito com outros direitos, principalmente com o direito à propriedade intelectual.
3.2.Os limites no plano interno: legislação e jurisprudência
A Constituição Federal de 1988 pode ser classificada, segundo a doutrina de Gomes Canotilho[40], como uma Constituição Dirigente. Isto porque, rompendo com os modelos anteriores, passou a definir fins e objetivos para o Estado e para a sociedade, determinando a realização de políticas públicas. Na lição de Gilberto Bercovici, a Constituição procura estabelecer “um fundamento constitucional para a política”.[41]
Esse novo modelo de Constituição já vigorava em outros países do mundo. De acordo com Roger Stiefelmann Leal, “especificamente em relação ao direito à saúde, é visível a influência exercida pelo direito constitucional português, principalmente do texto que passou a vigorar a partir da Revisão de 1982 (contemporâneo ao período constituinte brasileiro)”.[42]
No que tange à propriedade intelectual, a Constituição assegurou, no artigo 5º, inciso XXIX,
“(…) aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como a proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes das empresas e outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país”.
Podemos observar que a Constituição Federal afasta uma interpretação eminentemente privatista dos direitos de propriedade intelectual, pois leva em consideração que tais direitos não são absolutos e devem ser balanceados com outros direitos também tutelados por nosso ordenamento jurídico.
Assim, a patente é um direito que objetiva propiciar o desenvolvimento social, tecnológico e econômico do país, de modo que os direitos do titular de uma patente devem ser interpretados à luz da função social da propriedade, tutelada pelo artigo 5º, XXIII, da Constituição Federal.
De acordo com Denis Borges Barbosa:
“Dessas manifestações da regra de balanceamento de interesses se pode depreender que a lei de patentes ou de direitos autorais não é um estatuto de proteção ao investimento – e nem dos criadores e inventores; não é um mecanismo de internacionalização do nosso direito nem um lábaro nacionalista; é e deve ser lida como um instrumento de medida e ponderação, uma proposta de um justo meio e assim interpretado. E no que desmesurar deste equilíbrio tenso e cuidados, está inconstitucional”.[43]
Nesse sentido é o entendimento da 1ª Turma Especializada em Propriedade Intelectual do Tribunal Regional Federal da 2ª Região[44]:
“Há que se ressaltar que a Constituição Federal assegura ao inventor de patentes, monopólio temporário para a sua utilização, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País (artigo 5º, XXIX), mas a mesma Lei Magna também determina que a propriedade deve atender à sua função social (artigo 5º, inciso XXIII). Ocorre que o direito ao acesso à saúde, constitucionalmente garantido, nos termos do artigo 196 – já que se trata de direito social, previsto no artigo 6º da Carta Magna, deve ser igualmente observado no presente caso. Considerando que o medicamento que, por meio da ação originária, se pretende impedir seja patenteado, destina-se ao tratamento do câncer, a alegada errônea concessão da patente pode vir a causar graves danos à saúde e à economia pública, especialmente pelo fato de que o monopólio de sua fabricação possibilitaria o aumento abusivo de seus preços (…)”.
Desse modo, o direito à propriedade intelectual deve ser balanceado com o direito à saúde, previsto nos artigos 6º e 196 a 200 da Constituição Federal. O direito à saúde, previsto na Carta de 1988, impõe ao Estado o dever de garantir esse direito à população.
Assim, como visto anteriormente, o direito à saúde não se limita à sua recuperação diante de uma doença, mas também a criação de políticas preventivas para evitar a doença.[45] Trata-se de uma função administrativa do Estado, que tem como principal finalidade preservar a dignidade dos cidadãos.[46]
No mesmo sentido, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes proferiu o seguinte voto na suspensão de segurança de n.º 268-9, originada no Rio Grande do Sul:
“É possível identificar na redação do artigo constitucional tanto um direito individual quanto um direito coletivo à saúde. Dizer que a norma do artigo 196, por tratar de um direito social, consubstancia-se tão-somente em norma programática, incapaz de produzir efeitos, apenas indicando diretrizes a serem observadas pelo poder público, significaria negar a força normativa da Constituição. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre tendo em vista uma omissão (legislativa) absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas em razão de uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas. Portanto, não se cogita do problema da interferência judicial em âmbitos de livre apreciação ou de ampla discricionariedade de outros poderes quanto à formulação de políticas públicas.”
Assim, a maneira encontrada pela Constituição Federal de balancear os dois direitos acima descritos sem prejudicar o direito à propriedade intelectual foi garantir o monopólio temporário aos autores das invenções. Isto porque até mesmo o direito à propriedade intelectual tem uma função social e esta deve ser atendida.
Para Patrícia Luciane de Carvalho
“Denota-se a necessidade do Estado agir preventivamente, como legislador e como agente social voltado para a consecução do bem comum, e incidentalmente, por meio do Poder Judiciário para a interpretação e aplicação da norma. Portanto o acesso a medicamentos como direito social deve ser assegurado para a consecução do bem-estar, para que o beneficiário possa ser um dos operadores do desenvolvimento social, tendo por base a igualdade de tratamento e de condições e a justiça social, conforme o preâmbulo.”[47]
Percebe-se, assim, o caráter de fundamentalidade do direito à saúde, prevalecendo, quando necessário, sobre outros direitos constitucionalmente protegidos, como é o caso do direito à propriedade.
4.Considerações Finais
A Rodada do Uruguai foi uma das mais significativas dentre as oito Rodadas no âmbito do GATT. Seus resultados que mais importam para este trabalho foram a criação da Organização Mundial do Comércio e a assinatura do acordo TRIPS.
A OMC, como o próprio nome diz, é a organização internacional responsável por ditar as regras do comércio internacional. Atualmente conta com 153 membros, de interesses econômicos e realidades sociais muito distintas.
Neste contexto, foi assinado o acordo TRIPS, ou “Aspectos da propriedade intelectual relacionados ao comércio”, na tradução para o português. O TRIPS tem como objetivo garantir uma proteção mínima à propriedade intelectual nos países-membros da OMC, e surgiu por pressão dos Estados Unidos da América, interessados em ver garantidos os direitos de seus inventores.
Uma das várias faces do TRIPS é a proteção às patentes, mais precisamente as farmacêuticas. Uma das principais questões referentes às patentes farmacêuticas é seu potencial conflito com o acesso a medicamentos. A questão do acesso a medicamentos tem sido objeto de intensa discussão tantos nos países em desenvolvimento quanto nos países desenvolvidos da Europa e até mesmo nos Estados Unidos.
O direito à saúde e, consequentemente, o acesso a medicamentos é garantido por diversas organizações internacionais, como a ONU, a OMS e pela própria OMC. No que diz respeito à OMC, vimos que, embora o TRIPS proteja as patentes farmacêuticas, não deixa de considerar que o direito à saúde, mais precisamente a saúde pública, vem em primeiro lugar.
No plano interno, o direito à saúde foi garantido de forma ampla e eficaz somente com a Constituição brasileira de 1988. Essa Constituição, também chamada de cidadão, trouxe uma efetiva proteção aos direitos sociais, que foram esquecidos nas constituições anteriores.
Constata-se no Brasil um forte conflite entre o direito à propriedade intelectual e o direito à saúde, mais precisamente o direito ao acesso a medicamentos. Isto porque, embora se reconheça a importância do direito à propriedade intelectual, e com ela o desenvolvimento tecnológico, também se constata que os elevados preços praticados pelos laboratórios farmacêuticos impõem um obstáculo que à saúde, e, como direito fundamental que é, não pode ficar desamparada.
Entende-se, portanto, que em eventual conflito entre o direito à propriedade intelectual e o direito à saúde, nos casos em que os altos preços praticados pelos laboratórios sejam um obstáculo ao direito a uma vida saudável, deve haver a primazia do interesse público (direito à saúde) sobre o interesse privado (direito à propriedade intelectual).
Mestranda em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP
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