Resumo: O presente estudo faz uma breve abordagem sobre o contrato de aquisição de imóvel, tendo como nota fundamental da referida compra a função de moradia de uma família, hipótese que se projeta como causa-fim e direito social consagrado na Constituição Federal brasileira. Na oportunidade, analisa-se que se no negócio jurídico houve a participação de uma empresa que intermediou o ato a avença civil das partes se convola em uma relação consumerista. Intenta revelar-se, portanto, a interpretação dinâmica e sistêmica do Direito Civil atual.
Palavras-chave: Compra, imóvel, função social, moradia, consumidor.
Resumen: En este estudio se hace una breve reseña sobre el contracto de compra de un inmeuble con la nota fundamental de la función del acerto era para la vivenda familiar y que así se proyecta como un derecho social en la Constitución Federal de Brasil. Se analiza aún que, si en el acto jurídico hube la participación de una empresa que medió en el acuerdo civil, ese hecho se convola a las partes en una relación de consumo. La intención es demostrar los cambios y la dinâmica en la interpretación sistémica del Derecho Civil.
Palabras-clave: Compra, inmeuble, función social, vivienda, consumidor.
Sumário: Introdução; 1. Da situação hipotética; 2. Do objeto e conteúdo da avença; 3. Da forma e ato contratuais: 4. Breve histórico do caso e do problema hipotéticos: 5. Dos fundamentos básicos da demanda: 5.1. Legitimidade qualificação jurídica e capacidade; 5.2. Detalhamento do objeto da proposta do objeto contratual; 5.3Detalhamento do contrato efetivamente assinado; 6. Sumário dos pedidos principais dos autores; 7. Solução da demanda: 1 2 3 e 4 argumento; 8. De outros efeitos derivados da causa-fim do contrato; Conclusões sintéticas; referências
INTRODUÇÃO:
Os avanços do Direito Civil implicam novas técnicas de interpretação, uso e proteção dos direitos privados ora conectados ao constitucionalismo. Nesta perspectiva, o tradicional contrato de aquisição de um imóvel, ainda que firmado entre duas pessoas que estejam em posição de igualdade jurídica como sujeitos, reger-se e se resolve segundo o cumprimento de sua causa-finalidade ou função social, não se definindo apenas como um simples pacto de aspectos econômicos das cláusulas sunt servanda.
Ultrapassando as antigas fórmulas que descreviam os elementos dos contratos, a ideia hoje de funcionalização do negócio jurídico incide sobre o objeto e relativiza, em parte, o dogma da absoluta autonomia da vontade das partes antes aceito na doutrina e na jurisprudência. Os novos pontos trazidos por esta corrente de pensamento ativam um modelo mais justo de justiça patrimonialista e sedimentam standards reflexivos para soluções de controvérsias civis. No caso concreto, vale observar as tutelas excepcionais oriundas da legislação consumerista que produzem uma realidade ainda mais favorável ao comprador, ratificando a transdisciplinaridade do Direito atual.
1. DA SITUAÇÃO HIPOTÉTICA:
Trata-se de uma hipotética ação ordinária de solução de contrato com adjudicação de imóvel, cancelamento de protesto e inexigibilidade de nota promissória, cumulado com pedido indenizatório e concessão de liminar ajuizada na Vara Cível de uma jurisdição local brasileira em que os autores são maiores e capazes na forma da lei civil que negociaram com duas empresas (que exercem atividades econômicas de compra e venda de imóveis) que contaram com o auxílio de um representante comercial de uma corretora independente.
2. DO OBJETO E CONTEÚDO DA AVENÇA:
Compra e venda de uma unidade habitacional em construção, para fins residenciais, com preço e condições a prazo para pagar, tendo sido emitidas notas promissórias para garantir o negócio jurídico.
3. DA FORMAE ATO CONTRATUAIS:
Contrato formal regular escrito e não registrado no Cartório de Imóveis.
4. BREVE HISTÓRICO DO CASO E DO PROBLEMA HIPOTÉTICOS:
Mediante parcerias comerciais, tácitas e expressas, os Réus faziam anúncios, autorizavam atendimentos pessoais, divulgavam propagandas e permitiam a circulação de informes de venda de imóveis do empreendimento onde se situa a unidade em questão, ora disponibilizada no mercado consumidor local, observando-se, de logo, que, através do uso de folders e materiais publicitários, exibidos em conjunto, objetivavam estes anúncios de mídia profissional atrair o maior número de compradores possível, ofertando condições de pagamento competitivas para um imóvel residencial com a previsão de um financiamento hipotecário para saldar a última parcela.
O mútuo bancário habitacional não saiu, porém, por culpa dos Réus e os Autores ficaram, assim, impedidos de finalizar o negócio e transferirem o bem para seus nomes, após quitar mais de 75% do valor total do imóvel.
5. DOS FUNDAMENTOS BÁSICOS DA DEMANDA:
5.1. Legitimidade, qualificação jurídica e capacidade:
Os Réus, de posse de nota promissória ainda faltante e querendo impor a critérios de ajuste do saldo devedor havido com a transação sub oculi, negam a condição de ser fornecedores de bem sujeitos às leis de consumo e exigem que os adquirentes complementem o preço combinado da aquisição do imóvel, independentemente de qualquer termo ou condição, sustentando que o contrato é potestativo e não previu expressamente o financiamento bancário.
Os Autores, por sua vez, com apoio no suporte fático colacionado das propaganda comerciais e pelo fato de uma das empresas exercerem atividade de intermediação de compra e venda de imóveis, arguem a qualificação de consumidores dos Réus, com base na situação fática e na de respectiva legislação doméstica e especial, razão pela qual, sob o alegado da natureza das atividades dos Réus, que, além de tudo, teriam ainda diligenciado em prol de objetivos e interesses comerciais comuns, desrespeitam a causa-fim do contrato e que desejam subtrair-se como empresários aos riscos do negócio.
5.2. Detalhamento do objeto da proposta do objeto contratual:
Não há dúvidas de que, na espécie, a comercialização da dita da unidade habitacional foi vendida para fins residenciais, a ser concretizada sob o pálio da seguinte proposta livremente aceita e subscrita pelas partes:
· Pagamento de um sinal de entrada e de intercaladas; e,
· Uma última parte, correspondente ao saldo devedor que seria quitado via concessão de financiamento bancário habitacional, por meio de hipoteca atingindo o próprio imóvel dado pelos credores.
5.3. Detalhamento do contrato efetivamente assinado:
·Pagamento de um sinal de entrada e de intercaladas; e,
· Uma última parte, correspondente ao saldo devedor (houve omissão escrita quanto à sua quitação via concessão de financiamento bancário e de alusão da hipoteca do imóvel garantidora do negócio, que foi substituída por apresentação de nota promissória e inclusão de juros de mora).
OBS: As empresas em questão podem estar com restrições creditícias e, por isso, não podiam ser beneficiárias de financiamentos bancários.
6. SUMÁRIO DOS PEDIDOS PRINCIPAIS DOS AUTORES:
a) Com esteio no poder geral de cautela do juiz previsto nos arts. 297 e 300, §1o, do CPC (Código de Processo Civil), requereram tutela de urgência para garantir da posse e da moradia de sua família e filhos no imóvel até definitiva decisão do processo e a imediata notificação ao Cartório de Registro de Imóveis do Primeiro Ofício, desta Capital, comunicando da existência da ação em curso e respectiva medida, para produção dos seus necessários efeitos protetivos e erga omnes;
b) Solicitaram a suspensão do débito referente ao valor do saldo devedor que ficaria ´sub judice´, com esteio nos arts. 475, 476 e 478, do CC (teoria do ´exceptio non admimpliti contractus, do Código Civil´), com oferta de caução em garantia à dívida de direito real de outro imóvel, para assegurar cancelamento de protesto, sustar a exigibilidade da promissória faltante e discutir o ´quantum´ a ser definido por perícia contábil ou por critério do juiz para que se definam os índices legais no cálculo dos juros da dívida, para, uma vez pago o preço restante, declarar a solução do contrato entre as partes e determinar a adjudicação compulsória do imóvel em tela, ou
alternativamente (acaso permanecesse a situação de restrição cadastral dos credores junto ao banco), fossem autorizados depósitos de prestações mensais sucessivas aos Réus de forma que as obrigações fossem cumpridas em valores sustentáveis tendo como referência o mútuo bancário se por acaso fosse à época liberado, aplicando-se, enfim, os critérios justos e devidos em favor do objeto prestacional final, com a possibilidade, ainda, última hipótese, de decretação de rescisão do negócio, ordenando aos Réus a devolução total das importâncias pagas pelos Autores e mais o ressarcimento pecuniário pelas benfeitorias voluntárias, úteis e necessárias comprovadamente feitas na residência em tela; afastando-se, em quaisquer dos casos, da cobrança de valores com a incidência de juros moratórios e/ou compensatórios, deduzindo-se as quantias já pagas pelos Autores e condenando-se os Réus a uma indenização por perdas e danos pela frustração do bem de família.
7. SOLUÇÃODA DEMANDA:
1º ARGUMENTO:
A proposta aviada contemplava uma oferta consumerista de aquisição de um imóvel para fins residenciais e que foi esboçada que a conclusão do negócio jurídico se daria através do pagamento de uma última parcela do preço que se daria via financiamento bancário habitacional da unidade em questão.
2º ARGUMENTO:
A promessa de compra e venda de um imóvel residencial foi celebrada a posteriore, com a presunção de boa fé dos compradores que acreditavam que iam pagar o bem ´pr meio de empréstimo bancário de mútuo habitacional
3º ARGUMENTO:
O pagamento de comissão de corretagem na transação transforma uma aparente prestação civilista em relação característica de consumo, pelo que o contrato e suas disposições devem reger-se pelas normas específicas.
4º ARGUMENTO: CAUSA-FIM” (como fonte real dos direitos e obrigações)
A noção de contrato, hoje, apresenta dois elementos: o estrutural, que requer a intervenção de duas ou mais pessoas externando suas vontades através de um ato jurídico para a composição de interesses; e o funcional, que pesquisa o conteúdo da vontade (que é elemento psicológico interno, subjetivo) e a declaração (que compreende ao elemento externo, de caráter objetivo), ambos apontando o sentido em que vai prevalecer a interpretação objetiva e material do contrato, ou seja, a aferição da motivação ou causa comum reveladora da declaração do contrato (e não naquela que se refere à vontade interna), dando-lhe, portanto, uma dinâmica prática ao objeto contratual, segundo lições de VERGARA (2014).
A resolução é reforçada em face dos paradigmas de resolução de conflitos privados da eticidade, da socialidade e da operabilidade propostos sob o marco de uma nova teleologia interpretativa do Direito Civil (ROSENVALD e FARIAS, 2013).
Com efeito, a presença do elemento fundamental novo que justifica o cumprimento e a solvibilidade do contrato reside em sua causa-fim, que pode ser tomado como elemento mais importante para a legalidade do pacto contratual, assim como para o seu efetivo cumprimento e regularidade eficacial.
In casu, considerando as circunstâncias peculiares da avença, a dinâmica civil e consumerista primitiva que anima a relação acordada tinha como objetivo a aquisição de uma unidade habitacional para fins residenciais, o que, doutras palavras, significa o cerne do direito relacional,
que lhe dá uma coloração jurídica bem especifica (art. 32, § 2o, Lei no 4.591/64).
Trata-se, pois de ligação do objeto do contrato ao seu fim objetivo: um bem destinado a satisfazer o direito de moradia, assinale-se que, como esta unidade habitacional já serve de residência para a família e filhos dos Autores, que, assim, haverá provimento de uma tutela judicial preventiva.
Das próprias consequências da identificação da causa-fim deste contrato, o direito de moradia, previsto na Constituição do Brasil, por meio de um processo simples de intelecção da realidade, gera-se o direito da manutenção de posse do imóvel até final decisão do processo (art. 6°, IV, da CF/88; STF, RE 407688/SP, Rel. Min. Cesar Peluso, j. 02 02 2006).
Ora, a causa-fim se converteu na própria ratio de qualquer ato de autonomia privada, como um limite interno próprio a qualificar a disciplina da relação negocial a partir da investigação das finalidades empreendidas pelos pactuantes do contrato, de onde a função social recebe a qualificação de fundamento para o exercício da liberdade contratual., consistindo essa na capacidade provocativa de repensar o mito da relatividade contratual em contraposição à eficácia erga omnes dos direitos reais e obrigacionais (ROSENVALD e FARIAS, cit. p. 213).
Desta forma, a causa-fim dá uma nova ideia e dimensão à compreensão da justiça contratual em que a conduta dos contratantes deixa de ser visualizada pelo monopólio de suas vontades, para serem submetidas a padrões objetivos de controle social da sua legitimidade. Este enunciado nos leva à conclusão de que, hodiernamente, o princípio da autonomia da vontade, que se funda na liberdade contratual, tem-se na ordem civil-constitucional um fator limitativo.
Neste quadro, é exatamente a função social que atua como regulador de direitos, fazendo com que tais conformações abstratas e de controle do ato tornem parte do conceito legal de contrato, como instrumento autolimitador de direitos, segundo os variados interesses práticos privados em jogo, o que induz que a relação obrigacional hoje é essencialmente dinâmica e plural.
Assim, de outro lado, no caso concreto, enquanto ficarem pendentes as dissensões pessoais obrigacionais e de direito real, a própria natureza e a finalidade especiais do contrato em tela assumem uma relevância maior pela sua causa-fim, que protege o bem comprado sob as mais diversas formas, como se convolasse em um verdadeiro direito de sequela ambulatorial.
Remarque-se que a parte adversa, ou seja, os vendedores, tinham ciência destes detalhes, tendo autorizado que a unidade habitacional fosse ocupada há mais de ano como residência da família e filhos dos Autores.
Isto significa dizer que é da própria substância do fato existente e do pacto firmado que, após pago uma determinada quantia do preço, o ordenamento jurídico não acata que os vendedores tomem medidas constritivas de execução ou mesmo que pleiteiem a retomada do imóvel, considerando primeiro a causa-fim que repousa sobre o núcleo contratual.
Neste ponto, a mesma linha de raciocínio espelha que virtual rescisão do contrato há de apurar se foram feitos no imóvel em destaque benfeitorias úteis, voluntárias e necessárias que melhoraram e valorizariam o aludido bem, até mesmo para que se examine o virtual locupletamento ilícito pretendido.
Deste modo, por mais que se diga que o fato e o ato jurídico sob análise não têm pouso em causas de índole subjetiva, assevere-se que a postura dos Réus atenta contra a segurança e agride a motivação do referido contrato, carreando prejuízos outros de ordem pessoal, econômica e emocional, passível de restituição ou mesmo indenização. A causa-fim, assim, garante aos jurisdicionados compradores ficarem a salvo de injustas violações contra seus direitos, resguardando-se-lhes de uma futura decomposição patrimonial da avença, que há de partir do reconhecimento desta premissa funcional.
Ao prestigiar a causa-fim, do contrato, dentro de uma solução de realidade, é de extrema relevância esta arguição para a medida protetiva liminar em favor das pessoas e do bem imóvel, que ficará invulnerável frente a eventuais dívidas, penhoras ou outros ônus marginais à conclusão do negócio.
A causa-fim também é decisiva para irradiar outros desdobramentos jurídicos que se desencadeariam desta contratação, como, por exemplo, promoveria a sustação da nota promissória e de ações adjetas.
Como extensão, o reconhecimento da situação fática de restrição cadastral dos credores, que mui provavelmente tiveram seus nomes reprovados para o recebimento de crédito bancário do mútuo habitacional, revela aqui novamente a importância da causa-fim para o enfrentamento de crises de inadimplemento, ou de conflitos contratuais análogos. Isto porque a ausência de cumprimento da obrigação dos Autores tem a sua causa-origem na falta de diligência do Réu de provar que está em condições de se habilitar ao recebimento do mútuo bancário dos Autores.
Destarte, justifica-se o receio dos Autores de assistirem ao seu imóvel vir a ser usado para garantir execuções ou dívidas de terceiros em face dos Réus, que configurem ausência de denodo, probidade e distorção da causa-fim que une os sujeitos, devendo-se neste sentido definir as responsabilidades contratuais e sanções (REsp n. 1454139/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª. Turma, DJe 17/6/2014).
Observe-se que a descrição da causa-fim do contrato pode influir, ainda, na apuração de provas no processo que, na quadra concreta, recairia sobre os Réus, em sua modalidade de culpa objetiva, consoante o Código Civil do Consumidor (CDC) e ex vi da lei brasileira, in verbis:
“Art. 427, do CC. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.
Art. 6º, do CDC, São direitos do consumidor: III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
Art. 7º, do CDC. Parágrafo Único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.
Art. 14. CDC. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam.”
8. DE OUTROS EFEITOS DERIVADOS DA CAUSA-FIM DO CONTRATO:
Como no acerto sub examen, o contrato é do tipo acaba sendo consumerista pelo fato de envolver empresas experimentadas e especializadas no ramo de negociação de imóveis (além de uma corretora), importa que a compra só foi levada a efeito graças à decisiva promessa de financiamento do bem vendido para a moradia dos compradores.
Sem a possibilidade de liquidação do saldo devedor via financiamento bancário habitacional, certo é que os Autores jamais anuiriam ao contrato de compra e venda do imóvel deixando de atender a esta causa-fim; que, aliás, foi a motivação e constitui a garantia de que o negócio fora celebrado mediante a confiança natural que os consumidores teriam nas propagandas, anúncios e propostas dos Réus, inclusive por contatos post factum.
Agregados a este vetor, o pagamento de uma última parcela através de hipoteca bancária era, então, absolutamente, preponderante para que os Autores aderissem ao negócio imobiliário proposto, até que se descobriu o contrário do marketing dos Réus, ou seja, que um imóvel que não se revelou financiável, tendo a proposta de venda, então, se tornado um ato jurídico irrealista, inexequível e, portanto, insuscetível de concretização, em face dos planos inscritos na sua causa-fim e a par dos recursos econômicos dos Autores, que, sem o imóvel dado em garantiria à obtenção do crédito bancário habitacional, não tinha como efetivar a compra do imóvel.
Impende repetir que estas condições já integravam a causa-fim contida desde a proposta dos Réus, sendo um fato condizente com as circunstâncias de tempo e dos usos dos vendedores imobiliários locais, pois este tipo de oferta correspondia à prática ordinária e habitual dos Réus no mercado, sobretudo nesta época de crise econômica.
Frise-se, neste aspecto, a condição de hipossuficiência financeira da maioria dos consumidores destes produtos (adquirentes de imóvel residencial) e em um momento que o Brasil enfrenta graves dificuldades financeiras e começa a decair, havendo sérias dificuldades comerciais de se firmar negócios de vendas à vista neste ramo.
Foi precisamente neste cenário que os Autores consentiram e emplacaram a compra do bem, tendo como causa-fim do contrato, o pagamento final do preço do imóvel via financiamento de juros habitacional.
Consulte-se o que reza a legislação brasileiro a respeito:
“Art. 429, do CC. “A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos”.
Neste panorama, além do diploma civilista abrigar a causa-fim, de forma implícita, constitui parte essencial do negócio, ainda mais se aos Autores assistiriam o direito do art. 30, do Código do Consumidor. Ei-lo com grifos:
“Art. 30, do CDC. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.”
Os Autores estavam, portanto, inteiramente convencidos da lisura da proposta e tinham certeza, com fincas na causa-fim, que as promessas das empresas vendedoras, acerca da financiabilidade do tal imóvel residencial, restariam amplamente corroboradas em declarações escritas.
Interessante que, neste tópico, muito embora o ordenamento jurídico brasileiro refira que “as declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor” (art. 48, do CDC.), aqui também aqui é de inegável importância a mensagem condensada no art. 422, do CC, segundo a qual os contratantes são obrigados a guardar, assim, na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e da boa-fé, sendo certo que a garantia do financiamento fincava a cláusula resolutiva da segurança e da causa-fim do tal pacto. De outro giro, o sistema civil brasileiro também agasalha a adoção da interpretação sempre mais favorável ao devedor, quando os fornecedores ou credores, depois de iludirem os compradores, passem a exigir obrigação excessiva derivada de error in negotio, mormente deixam de inserir cláusula não refletiva da vontade genuína das partes.
Neste painel, em preservação ao princípio da continuidade do contrato, o eventual vício objetivo que incomoda a natureza do próprio pacto, do objeto principal da declaração e de algumas das qualidades a ele essenciais, seria superado pelos deveres anexos e correlatos direitos formativos que advêm da causa-fim do próprio contrato (art. 139, do CC), na esteira dos arts. 110, 113 e 421, do digesto civilista, in verbis:
“Art. 110, do CC. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou,
Art. 113 do CC. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Neste prumo, afastando-se do princípio in claris non fit interpretatio, o aparente erro substancial que macularia o negócio jurídico em estudo se resolve da leitura do art. 112, CC, verdadeira construção legal da causa-fim como elemento fundamental e determinante dos efeitos do contrato, in verbis:
“Art. 112, do CC. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.
Afora tudo isto, pode-se cogitar se os Réus, sabendo e aproveitando-se da condição sócio-econômica dos compradores, quis, motu próprio, macular ou se divorciar da causa-fim para, assim, instruir o pacto com a omissão das ditas cláusulas que reverberavam a vontade primitiva dos Autores.
Nestas hipóteses, o art. 39, IV e VII do CDC veda ao fornecedor prevalecer-se da fraqueza ou do estado de saúde do consumidor, para impingir-lhe seus produtos ou serviço; tendo os Réus realizado um negócio de consumo, subscrevendo um contrato com promessa maliciosa e divergente da proposta original, para agora, desviando-se de sua causa-fim, afrontar as suas cláusulas ou ocultar condições de mora e cobrar juros abusivos, mormente se sabe de que suas pretensões colidem com a função social do contrato, sobretudo daquele pacto que possui finalidade habitacional.
A motivação dos Réus, por consequência, não pode ser usada para contrariar a causa-fim do acerto (princípio do venire contra factum proprium).
Com este artifício, o cumprimento do termo final do preço do imóvel está igualmente vinculado à sua causa-fim, que envolve também a garantia de obtenção de empréstimo dando-se o imóvel em hipoteca na oferta de compra.
De se ver, sob outro ângulo, que o consumidor espera que a promessa de um bem financiável, como proposta, seja reproduzida em cláusula contratual para, assim, a regular perfeição do negócio jurídico. Mas os Autores depois se depararam com uma armadilha, ora proibida no art. 6º, IV, V, e VIII, do CDC, que assegura proteção contra a publicidade enganosa, métodos comerciais e desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas, pelo que se impõe a revisão do contrato em razão de sua onerosidade excessiva unilateral e a subsequente inversão do ônus da prova.
No caso: com a adesão, os compradores estimavam que os vendedores, no momento oportuno, forneceriam aos adquirentes os documentos e as condições materiais imprescindíveis à concessão do mútuo bancário, sendo esse mais um item essencial à venda. Com efeito, neste quadrante, gravitam princípios, preceitos e Enunciados do Conselho de Justiça Federal:
“360 – Art. 421, do CC. O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre as partes contratantes.
363 – Art. 422, do CC. Os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, estando a parte lesada somente obrigada a demonstrar a existência da violação.
361 – Arts. 421, 422 e 475, do CC. O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475.”
De outra banda, é bom que se registre que, por mais que os Autores tenham velado pelos princípios da boa fé, da confiança e da probidade, da honestidade e da eticidade do contrato sub oculi.- de cunho inegavelmente social – a frustração dos deveres anexos e do equilíbrio são imputados aos credores que, além de estorvarem a retirada do empréstimo bancário habitacional (cabível para a quitação da prestação contratual remanescente), agora, também passam a exigir, por apropriação, juros compensatórios e cláusulas penais sem a mora dos compradores, atuando, por conseguinte, com desvio ou pleno abuso de direito em relação à causa-fim contratual.
De se ver que hoje se adota a concepção hodierna da socialização dos contratos civis e da natureza publicista das relações de consumo, como axiomas de mandamentos constitucionais que mitigam o pacta sunt servanda.
Assim, a funcionalização e eficácia dos contratos dependem hoje mais da integralização das vontades do que dos elementos volitivos das partes, realçando-se aqui, novamente, a relevância da causa-fim na operosidade do negócio, que lhe erige a uma categoria implícita de um verdadeiro dever.
Este dever, embora ainda não expressamente previsto no arcabouço jurídico brasileiro, ao contrário do que ocorre com a nova ordem contratual argentina, em seu “Código Civil y Comercial” (apud VERGARA), estabelece uma nova modalidade interpretativa à liquidação das prestações originadas do nexo resultante do vinculante jurídico e do liame obrigacional que une as partes.
Aqui se reaplicam os vetores da probidade, da confiança, da boa-fé objetiva, da probidade, da eticidade e da segurança jurídica, à luz da proposição da causa-fim que regeu o ato e que instrumentaliza a justiça contratual. Não é por outro motivo senão por esses que a jurisprudência e a doutrina, apesar de serem principiantes na matéria, dada à sua novidade, tenderão a acolher – e a temperar – a presença de cláusulas implícitas nos acordos entre particulares, ainda mais nos contratos de aquisição de um imóvel para fins de moradia, ora abstraído como direito social, que irradiam os direitos, os deveres e as responsabilidades patrimoniais às partes.
Neste contexto, a comutatividade das obrigações de uma avença e suas articulações jurídicas, devem ser vistas dentro sob uma perspectiva civil-constitucional, sendo a causa-fim fator condicionante da eficácia e da identidade da relação assentida.
É que a dimensão do fato, do valor e da norma formal não elimina os fins e as vontades assumidas pelos pactuantes. No caso, objetivamente: os Réus propuseram e fecharam uma venda cuja prestação derradeira estava subordinada à promessa de liquidação do seu saldo através da obtenção do financiamento bancário habitacional, pois o imóvel foi adquirido para fins de moradia, em que a garantia de pagamento seria o próprio imóvel que compunha a transação. No entanto, ao quebrar a confiança dos Autores, impossibilitando o compromisso da última parcela aviada, os Réus degeneram o art. 51, do Código de Defesa do Consumidor:
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada”
Dos imperativos legais supra, força é admitir que a causa-fim do contrato se reflete, inclusive, no adimplemento do negócio e influi, diretamente na continuidade, ou não, do contrato, tamanha a sua importância, ao ado do escudo da boa-fé, conduzindo, assim, a exegese solutiva do contrato. Logo, não é infactível inferir que os Réus, desde o princípio, tenham usado de artimanhas de duvidosa legalidade e honestidade para deixar os Autores ficarem à mercê de um arbítrio unilateral, rejeitado pelos sinalagmas de bilateralidade que informam a avença. A desconsideração, contudo, da causa-fim do contrato, por circunstâncias alheias à culpa dos Autores, tem, então, o importante efeito de excepcionar ao pagamento de um saldo residual eventualmente extorsivo cobrado como valor de quitação da dívida.
Há, por outro lado, a oportunizando, inclusive, que os devedores persigam outros meios jurídico-legais – e até extrajudiciais – para obterem a sua exoneração obrigacional (arts. 304, 313, 339, 340 e segus. do CC).
Neste escopo, obtempere-se que a recusa de um recebimento de um preço justo pode deixar o credor em mora, assim como da interpretação equivocada da causa-fim do objeto contratual pode induzir que o ânimo dos Autores é de inadimplemento proposital, ou seja, sendo passível de imputação de mora in debitoris que, desta feita, acarrete ônus ainda mais pesados ou excessivos à dívida.
A delineação da causa-fim no evento também se mostra, particularmente, crucial nesse aspecto, evitando ou rechaçando as eventuais manobras das partes que tenham o intuito de beneficiarem-se de forma ilícita, ou de causar uma indesculpável desvantagem ao outro contratante. Por reste raciocínio, certo é que a causa-fim, ainda eu não explicitamente redigida no contrato, impacta as condições e circunstâncias em que o instrumento foi assinado, a fim de que se obtenha, por meio da hermenêutica, o exato alcance de seu objeto e das formas de cumprimento das obrigações acertadas, expungindo, assim, possíveis desequilíbrios econômico-financeiros extremos, tais como a incidência de e exigibilidade da cláusula penal acessória.
Como é cediço, a cobrança dos juros, em caso de culpa ou mora das partes, dependem da concorrência, dentre outros fatores, de requisitos ligados à causa-fim:dos contratos, e não somente face à apuração da inexecução total da obrigação, constituição em mora e imputabilidade de culpa ao inadimplente. Neste diapasão, a fixação da mora (art. 408, do CC), contrariu sensu de entendimentos anteriores, hoje, em certa medida, subordina-se à avaliação da causa-fim do contrato.
Ratifica-se, então, que a causa-fim é mesmo fonte de interpretação do inadimplemento, e não mais somente um mero elemento inútil ou sem significado quanto à estipulação da vontade e das declarações externas das partes, pelo que qualquer ato ou fato jurídico que implique desproporcionalidade e onerosidade exagerada em desfavor de qualquer um dos pactuantes e que importe em desvirtuamento da sua motivação original, macula a raiz do objeto contratual e seus substratos jurídicos.
De outra banda, na hipótese de haver moras simultâneas, pelo art. 394, do CC, são compensáveis as penas pecuniárias convencionadas, o que por si só não exclui a possibilidade de prévia intelecção de quem é o culpado pela violação do contrato, o que se resolve também, em determinadas oportunidade, pela valoração da causa fim,.
Neste segmento, a exegese especial aplicada parece corresponder a técnica de apreciação cogente e de ordem pública, sobretudo para dosar a aplicação bilateral da cláusula penal, como, aliás, vem julgando o STJ em casos semelhantes (REs 1119740/RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª. Turma, Dj de 13/10/2011).
Para rematar, convém estatuir que a causa-fim se torna preponderante nos casos em que se alega a existência de fato superveniente ou imprevisível. As condições e a capacidade de pagamento das partes aqui podem ser alteradas sensivelmente e atinge a perfectibilidade executiva do ato jurídico contratado, podendo modificar o objeto pactuado, ou mesmo dissolver algumas prestações obrigacionais. Haverá nesta hipótese a necessidade de readequação do a acordo e dos valores abordados, isto é, a revisão ou extinção contratual, pelas formas com que são conhecidas no Direito.
Sendo assim, urge à causa fim manter-se intacta e não se desnature para que os acertos propostos sejam conservados; desta vez, recebendo as adaptações que se fazem necessárias para a conformidade da justiça avençada, segundo a vontade das partes. Novamente, a causa-fim é decisiva para a substanciação do pacto compromissório.
Conclusões sintéticas:
Do exame desta controvérsia, resta claro que a inserção da causa-fim como elemento contratual introduziu um amplo campo de técnicas jurídicas, de latitude de ordem pública, que reflete sobre a autonomia de vontade nas relações jurídicas contratuais, antes marcadas pela assimetria.
A interpretação contratual parece deixar de ser, em definitivo, uma via de mão única na solução dos problemas decorrentes da expressão de vontades pactuadas, funcionando a causa=fim, portanto, como referência e norma implícita regulamentadora das relações sociais e civis.
Ipso facto e ipso jure, a avaliação específica e conceitual causa-fim em cada caso contratual concreto passa a concorrer como condição de validade do negócio jurídico, porque projeta exatamente o verdadeiro sentido que o ordenamento requer;
A partir da análise da vontade, das condutas, da aferição das circunstâncias e do uso do tráfego de influência e suporte dos acontecimentos que incidem sobre a motivação e que afetam, ao fim, o suporte fático do objeto contratual, a causa-fim se posiciona não só como fator de modelagem do elemento volitivo da parte, mas também como elemento estrutural da composição contratual.
Estes dados devem ser sopesados, prudente e profundamente, pelo julgador diante de alguma hipótese de inadimplemento de regras pactuadas livremente, ou nos pedidos de desfazimento ou revisão do negócio face a motivos ou episódios que estejam no universo jurídico, mas que não foram aflorados no seio do contrato abarcado.
Do exposto, deve o intérprete e o exegeta, baseados nas regras comuns de experiência ou, se for o caso, auxiliados por perícia técnica, escavar a realidade prática da causa-fim em busca do cerne que constituiu o ânimo do contrato, diligenciando o espírito das partes e sua disponibilidade para cumprir e concluir a relação contratual.
É que a boa-fé, hoje em dia, é um critério multifuncional, desempenhando papel de paradigma hermenêutico vital na teoria dos negócios jurídicos.
No controle dos abusos, a causa-fim prestigia os direitos subjetivos que emanam da aferição da finalidade pessoal e social dos contratos, atendendo a uma função integrativa que mitiga, de certa forma, o pacta sunt servanda. Trata-se de um corte epistemológico e pragmático que incide sobre os princípios contratuais, mas que nem sempre estão explicitamente relacionados na legislação brasileira.
Embora não expresse, literalmente, a causa-fim como um componente de uma nova ordem contratual em sua legislação civil ou comercial, diferentemente do que se sucede com a Argentina, consoante ensina VERGARA, a função social de propriedade do contratual está presente na mesma ideia de justiça econômica e patrimonial.
O ideal seria que este princípio que eleva a causa-fim como elemento normativo deveria ser logo concretizado no Brasil, à vista dos inúmeros problemas e dúvidas que podem ser suscitadas em ações judiciais. Com efeito, nos casos concretos, sempre há necessidade de harmonizar estes pontos contrapostos de exegese para identificar o alcance das cláusulas pretendidas pelas partes em seus acertos privados, afastando-se, portanto, das dificuldades propiciadas pelo uso das teorias da vontade e da declaração.
A funcionalização social das situações jurídicas subjetivas e, especialmente, a funcionalização dos negócios jurídicos interparticulares mediante a integração deste novo princípio configuraria, por fim, um avanço nos macrossistemas de Direito Civil.
Em suma, neste estudo, resta claro que a violação dos deveres da boa-fé objetiva e uma visão sistêmica da causa-fim contratual evidenciam a culpa de quem não cooperou nem viabilizou o cumprimento fático de obrigações que seriam realizáveis e inexigíveis se se extraísse das motivações das cláusulas avençadas, não os deveres por demais onerosas e descabidas, senão a causa-fim do objeto do contrato que foi justamente a aquisição de imóvel para fins residenciais.
Aluno do Curso de Doutorado em Direito pela Universidade Federal da Argentina UBA o autor é MBA Executivo em Segurança do Trabalho e Meio Ambiente; Consultor Executivo Político e Jurídico; ex-advogado; Delegado aposentado da Polícia Federal; pós-graduado em Direito Constitucional Tributário Civil Consultoria Empresarial em Gestão Pública e em Legislação Urbana tendo vasta experiência profissional na área e como projetista social
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