Resumo: Este artigo analisa a aplicação do ICMS sobre os produtos vendidos no comércio eletrônico, procurando demonstrar a problemática da cobrança deste tributo nas operações interestaduais e a guerra fiscal entre os entes federativos do Brasil. O tema busca evidenciar o aumento das vendas no setor do e-commerce; os conflitos gerados na repartição das receitas advindas da cobrança do aludido imposto, entre os Estados predominantemente produtores e os consumidores; além da pujante utilização dos convênios interestaduais como mecanismo de solução dos conflitos de interesse, bem como a constitucionalidade dos mesmos. Foram utilizados dados de pesquisas de campo, jurisprudência e doutrina jurídica sobre o tema. Demonstrada a importância de encontrar soluções jurídicas para solver o conflito prático quando em choque com princípios constitucionais, conclui ser essencial a intervenção da União na busca de um recolhimento equitativo do tributo, que não prejudique as empresas, geradoras da economia nacional, e de uma repartição justa do imposto entre os Estados-membros da federação brasileira.[1]
Palavras-chave: ICMS. Comércio Eletrônico. Guerra Fiscal.
Abstract: This article analyzes the application of the ICMS on the products commercialized in the electronic commerce, looking for to demonstrate the problematic of the collection of this tribute in the interstate operations and the fiscal war enters the federative beings of Brazil. The subject inquiry to evidence the increase of the sales in the sector of e-commerce; the conflicts generated in the distribution of happened prescriptions of the collection of the alluded tax, enter the predominantly producing States and the consumers; beyond the intense use of the interstate accords as mechanism of solution of the interest conflicts, as well as the constitutionality of the same ones. They had been used given of research of field, jurisprudence and legal doctrine on the subject. Demonstrated the importance to find solutions legal to solve the practical conflict when in constitutional shock with principles, it concludes to be essential the intervention of the Union in the search of an equitable collect of the tribute, that does not harm the companies, generating of the national economy, and of a distribution joust of the tax it enters the State-members of the Brazilian federacy.
Keywords: ICMS. Electronic commerce. Fiscal war.
Sumário: Introdução; 1. ICMS; 1.1. Breve Histórico do ICMS; 1.2. O ICMS na Constituição Federal de 1988; 1.3. A seletividade e não cumulatividade do ICMS; 1.4. A incidência do ICMS; 1.5. O ICMS nas operações interestaduais; 1.6. Dos convênios entre os Entes Federativos; 2. Do comércio eletrônico; 2.1. Desenvolvimento do e-commerce no Brasil; 2.2. A tributação no comércio eletrônico; 2.2.1. O ICMS nas transações eletrônicas interestaduais; 2.3. A guerra fiscal interestadual no comércio eletrônico; 2.3.1. O Protocolo ICMS 21/2011 e a bitributação no e-commerce; Considerações Finais e Soluções.
Introdução
Com o desenvolvimento das tecnologias de informação e de transmissão de dados e a emergência da internet, iniciou-se uma nova fase do processo de globalização da economia. Nesse novo panorama, surge como grande novidade no mundo econômico, o comércio eletrônico, possibilitando a realização de transações comerciais sem a definição exata do local de origem e destino.
Essas transformações do mundo econômico implicam, igualmente, grandes mudanças no mundo jurídico, sobretudo no que tange à área tributária. Conceitos fundamentais – como domicílio fiscal e estabelecimento permanente; competência e jurisdição tributária; e outros – sobre os quais se alicerçam os sistemas tributários de todo o mundo, veem-se abalados.
Com o crescimento acelerado do comércio eletrônico no Brasil, estabeleceu-se uma guerra fiscal bilionária entre os Estados pelo recolhimento de impostos nessas vendas.
Pela Constituição, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é recolhido no local onde o produto é despachado – no centro de distribuição da rede –, que não necessariamente é o Estado onde o bem foi adquirido. Em vista disso, os entes federativos tendem a estabelecer normas individuais de benefícios e isenções fiscais e até mesmo bi tributando as mercadorias vendidas no comercio eletrônico, em operações interestaduais.
Por este motivo, a discussão e o debate a respeito do recolhimento do ICMS sobre os produtos vendidos no e-commerce são de fundamental importância para as Administrações Tributárias, que precisam, com urgência, desenvolver novos métodos e soluções, que garantam uma justa e eficaz cobrança do referido imposto.
Uma boa solução, no entanto, pressupõe uma correta formulação e dimensionamento do assunto em análise. Assim, para um debate produtivo sobre a aplicação do aludido tributo, é necessário que delimitemos de forma mais precisa e objetiva a magnitude do problema e as suas implicações e desdobramentos.
Nesse trabalho deixaremos de lado outros aspectos relacionados com a guerra fiscal interestadual – como questões sobre a política de incentivos e isenções fiscais – e enfatizaremos a repartição do recolhimento do ICMS sobre os produtos vendidos por meio eletrônico entre os Estados e a constitucionalidade das ações realizadas pelos mesmos, para resolver os conflitos gerados na questão.
1 O ICMS
A sigla I.C.M.S. é um acrônimo do “Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre prestações de Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”. Para alcançar esta definição, o ICMS passou por sucessivas modificações desde a sua concepção até os dias atuais. No direito comparado, o tributo encontra-se abrangido no IVA (Imposto Sobre Valor Agregado), que engloba também o IPI federal e o ISS municipal. No Brasil, entretanto, o legislador constituinte, designou três tributos distintos, à União, aos Estados e Distrito Federal e aos Municípios. (ALEXANDRE, 2009)
1.1 Breve histórico do ICMS
O primeiro imposto instituído sobre as operações mercantis fora criado no Brasil em 1922, com a promulgação da Lei Federal n° 4.625 de 31 de dezembro de 1922, com a denominação de Imposto sobre Vendas Mercantis (IVM), que incidia sobre as operações de vendas dos comerciantes da época. Naquele momento, a competência para sua arrecadação era da União.
Com a promulgação da Constituição de 1934, a abrangência do imposto fora ampliada, passando a incidir também sobre as consignações, além disso, a sua competência fora modificada aos Estados-membros, que se tornaram responsáveis pela sua decretação. Por conseguinte, sua nomenclatura fora alterada para IVC – “Imposto sobre Vendas e Consignações”, que começou a vigorar em 1936, tendo um efeito negativo sobre a economia brasileira. Segundo Gleisson Fernando Ribeiro (2005):
“Incidindo sobre estas operações, o IVC demonstrou-se um imposto prejudicial à economia, principalmente aos setores industriais com larga cadeia produtiva, pois sua sistemática resultava na incidência do tributo em cada etapa, criando o efeito “incidência em cascata”, encarecendo o produto final. Com isso, as indústrias viram-se obrigadas a realizar todas as etapas produtivas em seu próprio estabelecimento, desestimulando a abertura de novas empresas e impedindo a geração de empregos.”.
Em 1964, através da Lei n° 4.502 de 30 de novembro de 1964, foi instituído o princípio da não-cumulatividade do imposto de consumo, barrando, assim, o efeito de incidência em cascata. Corroborando com a referida legislação, em 1967 o Brasil reforma a sua constituição incluindo também na carta magna, o princípio da não-cumulatividade sobre a tributação sobre o consumo, através da emenda n° 18. Substituía-se, assim, o IVC pelo “ICM – Imposto sobre Circulação de Mercadorias”, perdurando, este, até 1988.
1.2 O ICMS na Constituição Federal de 1988
Com o advento da promulgação da nova Constituição Federal em 1988, no art. 155, inciso I, fora criado o imposto sobre as operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, o ICMS. A nomenclatura do imposto fora modificada, adicionando-se o “S” ao já existente ICM, o qual diz respeito a nova abrangência do tributo: serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. (ALEXANDRE, 2009)
Sob a competência dos Estados e Distrito Federal, o ICMS é disciplinado de forma genérica, na Carta Magna, que estabelecera somente seus princípios e principais funções e incumbira à Lei Complementar, em seu inciso XII do art.155, a prerrogativa de:
“Art.155. §2° O imposto previsto no inciso II, atenderá ao seguinte:
XII – cabe à lei complementar:
a) definir seus contribuintes;
b) dispor sobre substituição tributária;
c) disciplinar o regime de compensação;
d) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas a circulação de mercadorias e das prestações de serviços;
e) excluir da sua incidência, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos industrializado5, e semielaborados;
f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias;
g) regular a forma, como mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados;
h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja sua finalidade; e
i) fixar a base de cálculo de modo que o imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço.”
Este rol taxativo de incumbências limitou tanto a atual legislativa da União, na criação da Lei Complementar n° 86 de 1996, quanto a atual legislativa dos Estados, na concepção de suas respectivas leis estaduais, que regulamentem a operacionalização do tributo.
1.3 A seletividade e não cumulatividade do ICMS
O ICMS, tributo de maior arrecadação no país[2], tem finalidade incontestavelmente fiscal, embora a Constituição Federal, em seu art. 155, §2°, III, permita a seletividade em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços. A utilização ou não do princípio da seletividade, deverá ser realizada pelo legislador estadual, no momento da criação da lei regulamentadora do imposto, em seu ente federativo. Ricardo Alexandre (2010, p. 565) dispõe que tal faculdade, se empregada, “proporcionaria notas de extrafiscalidade ao tributo, pois sua incidência seria mais elevada sobre mercadorias e serviços consumidos pelas pessoas de maior capacidade contributiva, de forma a redistribuir renda”.
O objetivo de tal delegação da União, fora diminuir as desigualdades regionais, possibilitando aos Estados dispor sobre sua hipótese de incidência, arrecadação e utilização do imposto em benefício da população local, consubstanciado no artigo 3°, III, da Constituição Federal.
Entretanto, tal solução acabou por tornar-se um equivoco legislativo, pois proporcionou aos Estados mais ricos, que concentram os principais centros de distribuição do país, a arrecadação de tributos sobre os produtos que, em sua maioria, irão para outros Estados, menores, e sem igual capacidade de produção. Hugo de Brito (2007, p. 344) assevera que:
“Esta regra, todavia, não produz os efeitos práticos desejados em virtude da não cumulatividade do imposto, técnica da qual em muitos casos decorrem sérias distorções, com favorecimento dos Estados predominantemente produtores, em detrimento daqueles predominantemente consumidores.”
Neste sentido, a Constituição Federal preceitua que o princípio da não cumulatividade deverá ser respeitado pelos legisladores dos Estados e Distrito Federal, na edição de suas respectivas leis, que regulem a arrecadação e disposição dos valores arrecadados através do ICMS, condição exigida no art. 155, §2°, I da Constituição Federal de 1988.
A adequação de tal máxima jurídica ao ordenamento tributário brasileiro é matéria de ampla discussão doutrinária, o que não será objeto de estudo neste trabalho. Entretanto, faz-se necessário expor, que, apesar de opiniões doutrinárias contrárias, a doutrina majoritária entende que, a não cumulatividade do ICMS é instituto que gera a desoneração da cadeia produtiva e justa eficiência do tributo, permitindo que o imposto pago em uma etapa da cadeia produtiva gere crédito para as etapas seguintes.
Desta forma, o principio da não cumulatividade atua compensando o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal, impedindo a tributação sob “efeito cascata”, o que ocorreria caso o imposto fosse cumulativo e a cada operação interestadual o contribuinte fosse obrigado a pagar novamente o tributo. Sobre este tema, o Supremo Tribunal dispôs da seguinte forma:
“O sistema de créditos e débitos, por meio do qual se apura o ICMS devido, tem por base valores certos, correspondentes ao tributo incidente sobre as diversas operações mercantis, ativas e passivas, realizadas no período considerado, razão pela qual tais valores, justamente com vista à observância do princípio da não-cumulatividade, são insuscetíveis de alteração em face de quaisquer fatores econômicos ou financeiros.” (RE 195.902, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 20/11/98)
1.4 A incidência do ICMS
Legitimada pela Constituição Federal de 1988, a Lei Complementar n° 87/96, regulou o âmbito de tributação do ICMS, definindo normas gerais, sob a qual deverá ser elaborada a lei estadual definidora do seu fato gerador, o qual independe da natureza jurídica da operação que o constitua, quais seja:
I. “Operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;
II. Prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;
III. Prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;
IV. Fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;
V. Fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.”
O ICMS incide também sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo permanente do estabelecimento, sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; e sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.
É possível constatar-se que, apesar da exigência da Constituição Federal, em seu artigo 146, inciso III, à criação da Lei Complementar n° 87/96 para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária – como a definição de tributos, seu lançamento, obrigação, crédito, prescrição e decadência, entre outros – a instituição do fato gerador do ICMS pertence a lei estadual. Deste modo, a lei complementar federaliza a “área do tributo”, todavia não descreve suas hipóteses de incidência.
A observação dos princípios basilares do Direito Tributário, dispostos na Constituição Federal na regulamentação e arrecadação dos tributos é a base do sistema tributário brasileiro. Nenhum tributo poderá fugir às normas da Carta Magna, ainda que sua regulamentação deva ser realizada pelos entes federativos de forma independente. Sobre este assunto o STF já firmou posição afirmando que:
“As normas constitucionais, que impõem disciplina nacional ao ICMS, são preceitos contra os quais não se pode opor a autonomia do Estado, na medida em que são explícitas limitações.” (ADI 2.377-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 22-2-2001, Plenário, DJ de 7-11-2003.)
José Eduardo de Soares Melo (2003, p. 349) dispõe que as leis complementares que foram criadas para regular, em sentido mais estrito, o ICMS, “só possuem juridicidade na medida em que observem rigorosamente os pressupostos constitucionais do ICMS, sendo desprovidas de eficácia as regras que ampliem o quadro de materialidades e devedores tributários, ou restrinjam o princípio da não-cumulatividade.”
Da mesma forma, os atos e normas reguladoras editadas pelo Poder Executivo, também estão sujeitas à estes princípios. Apesar de, não constituir lei em sentido formal, materialmente, assim é considerado, o convênio, integrando o conceito de legislação tributária (art. 100, IV, CTN), revestindo-se de caráter genérico e abstrato, ostenta normatividade e gera obrigação nos limites de sua eficácia.
Por conseguinte, a competência estadual para dispor sobre as hipóteses de incidência do referido tributo, gerou a controvérsia subsequente das operações interestaduais. (ALEXANDRE, 2009)
1.5 O ICMS nas operações interestaduais
As alíquotas do ICMS variam de acordo com a operação e Estado. A Constituição Federal estabeleceu que nas operações interestaduais que se destinem a bens e serviços à consumidor final, adotar-se-á a alíquota interestadual quando o destinatário for contribuinte do imposto, ou a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele. (CF/88, Art. 155, §2°, VII).
O contribuinte do ICMS é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (Lei Complementar 87/1996, artigo 4°). Neste sentindo, Ricardo Alexandre (2009) afirma que, para que os bens sejam considerados mercadorias, e subsequentemente, o alienante seja considerado contribuinte, faz-se necessário que haja a existência de habitualidade e a realização de compras em volume que configure intuito comercial.
Por conseguinte, nas operações interestaduais, o imposto deverá ser repartido entre o ente federativo de origem e o de destino. A este ultimo caberá a diferença entre a alíquota interna e a interestadual, também designado como “diferencial de alíquota”. Este instituto fora criado para diminuir a desigualdade regional, instituída pela Constituição Federal no momento da delegação do imposto de consumo aos Estados, como já demonstrado anteriormente.
Corroborando com esta medida, o Senado Federal, consubstanciado no art. 155 §2°, IV da CF, estabeleceu em Resolução 22 de 1989, diferenciação entre as alíquotas dos Estados, favorecendo os menos desenvolvidos.
“Art. 1º – A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas a Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transportes Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, nas operações e prestações interestaduais, será de doze por cento.
Parágrafo único – Nas operações realizadas nas regiões Sul e Sudeste, destinadas às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, as alíquotas serão:
I – em 1989, oito por cento;
II – a partir de 1990, sete por cento.”
É possível verificar que, sem a elaboração desta Resolução, a maior parte do valor recolhido através do ICMS, caberia aos Estados mais ricos e desenvolvidos, com maior capacidade de produção, o que acentuaria ainda mais as desigualdades sociais e regionais, explicitamente combatido como objetivo principal da República do Brasil.
Assim, a venda de uma mercadoria que possua alíquota total para o consumidor de 17% da Região Nordeste para a Região Norte, 12% pertencerão ao local de produção (Nordeste) e 5% ao local de consumo (Norte). O mesmo resultado se aplica caso a venda fosse para um Estado do Sul ou Sudeste. Por outro lado, um produto vendido da Região Sul para o Espírito Santo, da alíquota total de 17%, 7% pertence ao Estado produtor (Sul) e 10% ao consumidor (Espirito Santo). A regra geral é que, saindo de uma região menos favorecida (Norte/Nordeste/Centro-Oeste e Espirito Santos), o produto paga sempre 12% na origem e 5% no destino. Quando ele sai de uma região mais favorecida (Sul, Sudeste “exceto Espirito Santo”), paga 7% na origem e 10% no consumo se for destinado ao Norte, Nordeste, Centro Oeste e Espirito Santo, ou 12% na origem e 5% no consumo se for destinado ao Sul, Sudeste (exceto Espirito Santo).
Para isto, o legislador constituinte estabeleceu ainda, que às alíquotas internas não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais (fixadas pelo Senado), salvo deliberação em Estados e Distrito Federal (CF, art. 155, §2°, VI). Desta forma, somente através de convênio celebrado no âmbito da CONFAZ, as alíquotas internas poderão ser maiores ou iguais às alíquotas interestaduais.
1.6 Dos convênios entre os Entes Federativos
A Constituição Federal, em suas Disposições Transitórias, permitiu a utilização de convênios entre os Estados e o Distrito Federal, como forma de viabilizar a instituição do ICMS, se em sessenta dias, a contar de sua promulgação, não fosse editada a Lei Complementar para regular o imposto. (MACHADO, 2007) O que de fato, só veio a acontecer no ano de 2006. Isso criou o hábito entre os entes federativos, de utilizarem os convênios para resolver conflitos tributários interestaduais.
Os convênios são criados no âmbito do CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária, órgão deliberativo, criado pela Lei Complementar 24/75, recepcionada pela Constituição Federal de 1988, que possui seu corpo de debate formado por um representante de cada Estado, do Distrito Federal e da União.
Tais deliberações possuem a finalidade de promover a harmonização de procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência tributária dos participantes, as quais dependerão de decisão unânime dos Estados representados para a concessão de benefícios fiscais, ou da aprovação de quatro quintos dos representantes presentes, quando da sua revogação total ou parcial de um convênio. Não ocorrendo o quórum mínimo suscitado tanto para concessão quanto para revogação de beneficio, a deliberação será considerada rejeitada.
Ricardo Alexandre (2009, p. 222) dispõe que “os convênios são acordos de vontade firmados entre pessoas políticas de direito público interno para a consecução de objetivos comuns.”. Portanto, a sua utilização, constitui-se em mecanismo eficaz para dirimir conflitos de interesses entre os entes federativos acerca da administração do ICMS, muito dos quais possuem previsão constitucional, não podendo ser classificados como atos meramente ‘complementares’.
Da mesma forma, Hugo Machado (2007) corrobora com este entendimento, ao afirmar que a Constituição vigente em seu art. 155, §2°, inc. XII, alínea “g”, ao assegurar à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados, permitiu também o entendimento de que os Estados, mediante convênio, possam regular as questões pertinentes a isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS e também a suas alíquotas, nos termos do art. 155, § 2°, inciso VI, da Constituição Federal.
Há também as hipóteses de formalização de convênios interestaduais para fixar as alíquotas aplicáveis aos combustíveis e lubrificantes definidos em lei complementar como sujeitos à incidência do ICMS em etapa única (CF, art. 155, §4°, IV) e fixar, entre outras, as regras destinadas à apuração e à destinação do ICMS incidente sobre esses mesmos combustíveis e lubrificantes (CF, art. 155, § 5°).
Como visto, o convênio é parte fundamental na manutenção da justiça fiscal do país, sendo meio oportuno à busca de beneficiamento fiscal. Decisões unânimes do Supremo Tribunal Federal contribuem com este entendimento:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS. ICMS. BENEFÍCIOS FISCAIS. NECESSIDADE DE AMPARO EM CONVÊNIO INTERESTADUAL. ART. 155, XII, “G” DA CONSTITUIÇÃO. Nos termos da orientação consolidada por esta Corte, a concessão de benefícios fiscais do ICMS depende de prévia aprovação em convênio interestadual, como forma de evitar o que se convencionou chamar de guerra fiscal. Interpretação do art. 155, XII, g da Constituição. São inconstitucionais os arts. 6º, no que se refere a “benefícios fiscais” e “financeiros-fiscais”, 7º e 8º da Lei Complementar estadual 93/2001, por permitirem a concessão de incentivos e benefícios atrelados ao ICMS sem amparo em convênio interestadual. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente” (Supremo Tribunal Federal – ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade 3794/PR – Relator: Ministro Joaquim Barbosa, 1º/06/2011).
É imprescindível, neste momento, fazer uma diferenciação de convênios e protocolos. O primeiro, como já explanado, é um acordo entre os Estados Membros e ocorre quando é homologado por todos, e a todos possui a mesma validade; Já o segundo é um acordo realizado entre apenas alguns Estados, desde que não interfiram na autonomia dos outros Estados não signatários do concerto.
Tais protocolos por serem mais práticos e céleres do que uma modificação legislativa e possuírem em seu seio apenas alguns Estados da federação, possuem maior probabilidade de serem declarados inconstitucionais, dada a grande possibilidade de exaltar-se sobre a independência de ente federativo, não participante do acordo. Isto será analisado mais profundamente adiante, especificamente no tópico da guerra interestadual no comercio eletrônico.
2 Do comércio eletrônico
O comércio eletrônico caracteriza-se no processo de compra, venda e troca de produtos, serviços e informação através da rede mundial de computadores – a Internet, podendo incluir ainda a prestação de serviços ao cliente, a colaboração entre parceiros de negócios e a condução de transações eletrônicas dentro da organização. As operações podem ser efetuadas entre empresas, ou B2B (business-to-business), ou entre empresas e consumidores, chamadas de B2C (business-to-consumer). (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2001)
2.1 Desenvolvimento do e-commerce no Brasil
Com o progresso da tecnologia da informação, o processo de globalização do comércio tornou-se rápido e eficaz. A emergência da internet, possibilitou a criação e acelerado desenvolvimento do comércio eletrônico. O’Connell (2002) conceitua comércio eletrônico como sendo todas atividades de compra ou venda de bens, produtos, serviços ou informações eletronicamente.
O e-commerce caracteriza-se, entre outros aspectos, pela redução de custos, disponibilidade ininterrupta de funcionamento e inexistência de limite territorial. Uma loja virtual funciona 24 horas por dia, inclusive aos domingos e feriados e seus produtos podem ficar disponíveis para o mundo inteiro. Além disso, há uma redução de custos significativa com aluguel, decoração, funcionários e outras despesas fixas de um estabelecimento tradicional.
Segundo pesquisa do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2011), no decorrer das últimas décadas houve uma mudança significativa dos setores de comércio e serviços do país. Com a derrocada de grandes empresas do comércio varejista na década de noventa e o surgimento de novas tecnologias, o processo de compra e venda deste setor sofreu uma revolução, caracterizando e subsidiando a emergência do mercado eletrônico no Brasil: “A difusão do uso da internet contribuiu de forma decisiva para mudanças organizacionais das firmas brasileiras, especialmente no que se refere aos aspectos relativos às transações comerciais das empresas, que passaram a adotar de forma mais intensa o comércio eletrônico”, é o que conclui o Comunicado nº 95 do IPEA sobre vendas online no país.
Entre 2003 e 2008, a quantidade de varejistas que vendiam pela internet passou de 1.305 para 4.818, um crescimento de mais de 365% em cinco anos, o que majorou a produtividade do varejo brasileiro.
Segundo informações da TIC Domicílios, em 2009 havia 73 milhões de internautas no país que utilizavam os serviços de venda online, isso representa 14,1 milhões de compradores pela internet. A tabela 1 apresenta o percentual de compradores on-line, segmentados por regiões demográficas no país.
Os resultados da tabela acima revelam que, os internautas da região Norte possuem maior probabilidade de serem consumidores on-line do que os da região Nordeste. As demais regiões apresentam coeficientes não significantes, logo que as regiões Sul e Sudeste possuem maior número de habitantes e consequentemente de internautas.
A partir disto, podemos concluir que a o comércio eletrônico modifica a estrutura do ambiente de competição entre as empresas e o comportamento social, alterando os hábitos de consumo da sociedade.
As regiões preponderantemente consumidoras são as que mais utilizam o sistema eletrônico, devido, não somente a escassez de produção da sua região, como também as facilidades oferecidas pelos grandes conglomerados varejistas, localizadas em sua maioria no Sul e Sudeste do país. Estas caracterizam-se por oferecer seus serviços na unidade federativa onde localiza-se a sua matriz e distribuir, através do comércio eletrônico, produtos para diversas regiões do Brasil.
Segundo Kubota e Milani (2011) em pesquisa divulgada pelo IPEA, a maior parte do faturamento das empresas do setor de comércio no Brasil é obtida pelas unidades localizadas no estado de origem destas. Para ele, a localização geográfica das empresas no território nacional é fator importante para identificação dos mercados do comércio no Brasil.
A tabela 2, abaixo disposta, apresenta a disposição geográfica das empresas que utilizam o comércio eletrônico no Brasil.
Em termos regionais, o Sudeste é a região que concentra o maior número de empresas que adotam a prática de comércio eletrônico, totalizando 575. Esse número representa 64,75% das empresas atuantes nesta prática no país. Mesmo que o percentual regional seja pouco para o Sudeste, este ainda supera as demais regiões do país. Ainda segundo Kubota e Milani (2011, p. 20), “o maior número de empresas praticantes do comércio eletrônico nessa região pouco surpreende, haja vista que o principal contingente de empresas do setor de comércio está concentrado nessa região”.
Na Pesquisa Ano do Comércio, realizada pelo IBGE em 2007, das 38.399 empresas entrevistadas, 21.288 encontram-se na região Sudeste, o que representa 55,52% de todas as empresas do país. (IBGE, 2009)
As empresas da região Norte são aquelas que apresentam a menor participação nacional em termos do comércio eletrônico: de 2,36%, ao passo que, em relação ao total das empresas dessa região, o percentual de praticantes desse tipo de comércio é de 1,72%, superando o menor índice de participação regional que é o da região Nordeste.
Analisando concomitantemente as duas tabelas, é possível verificar que, as regiões Norte e Nordeste são predominantemente consumidores dos produtos comercializados, em sua grande maioria, pelas empresas da região Sudeste e Sul, que concentra os maiores conglomerados varejistas do país.
2.2 A tributação no comércio eletrônico
O aumento considerável das compras virtuais nas últimas décadas e o progresso das transações eletrônicas acrescentou novos problemas tributários aos Estados e ampliou os já existentes.
Por ser a internet um ambiente de domínio mundial, as vendas realizadas em seu seio podem efetivar-se de um ponto do mundo para outro diverso. Essa globalização mercantil trouxe consigo umas das maiores dificuldades que advieram com o comércio eletrônico, a coleta de dados por parte das administrações tributárias, o que aumenta o número de casos de sonegação de impostos. (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2001) Outro assunto controverso, brotado do e-commerce, é o recolhimento de tributos sobre os produtos e serviços genuinamente virtuais (digitalizáveis), tema abrangente e que não será matéria de discussão neste trabalho.
No Brasil, a inexistência de uma legislação específica para o comércio eletrônico e a não uniformidade das leis existentes geram incerteza quanto ao regime jurídico aplicável a estas operações, criando insegurança jurídica. Pode se observar, entretanto, que se a venda ocorre por meio do e-commerce e a entrega é física, os tributos de circulação de mercadoria e outros aplicáveis incidirão da mesma forma que os tributos sobre os produtos que não entregues por uma empresa não-virtual. Neste caso, em uma transação realizada através do comercio eletrônico, também será devido o recolhimento do ICMS.
2.2.1 O ICMS nas transações eletrônicas interestaduais
As operações realizadas no e-commerce, que comportam a movimentação da mercadoria de um Estado para outro, trazem consigo um problema fiscal antigo às Administrações tributárias, o da origem e destino da mercadoria.
Como já visto anteriormente, a tributação do ICMS pode ocorrer no destino ou na origem. O ICMS interestadual incide quando uma mercadoria é produzida (ou importada) por determinado estado e vendida a outro. Nestas operações uma parte do ICMS é devido ao Estado de origem da mercadoria e uma parte ao Estado de destino. Ocorre que, como a compra é realizada pela internet, o fato gerador do ICMS só ocorre na origem. Neste caso, o recolhimento do aludido tributo cabe integralmente aos Estados de origem da mercadoria, aplicando-se alíquota interna como disposto no art. 155, §2°, VII, “b” da CF, o que gera aos estados federativos que se caracterizam precipuamente por serem consumidores.
É indispensável lembrar que, neste caso, embora haja o deslocamento interestadual da mercadoria, somente será considerado contribuinte do ICMS a pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial (ALEXANDRE, 2009).
Deste modo, somente será possível a repartição de receitas entre os Estados, na hipótese em que a operação, realizada por meio eletrônico, possua finalidade mercantil, também denominada operação B2B (business-to-business). Neste caso, aplicar-se-á as alíquotas das operações interestaduais que serão compensadas pelas alíquotas internas de cada Estado, utilizando-se do mecanismo de débito e crédito, do princípio da não cumulatividade.
Por conseguinte, as compras realizadas pela internet diretamente ao consumidor final (B2C), não conforma hipótese de contribuinte do imposto, motivo pelo qual deverá ser aplicada a alíquota interna. Segundo Alexandria e Carvalho (2011) estas vendas interestaduais diretas a consumidor final, geram em perda de renda significativa para os Estados consumidores:
“A partir do ano de 2002 as vendas interestaduais a consumidor final, não contribuinte do ICMS, vêm crescendo e é uma tendência de não parar de crescer, isso faz com que os demais Estados consumidores transfiram renda para os Estados onde inicia a operação da mercadoria, fato esse que fomenta mais a desigualdade, no que se diz respeito à distribuição de riquezas, entre os Estados da Federação. A maioria dos Estados da Federação transferem riquezas para uma minoria nestas operações de comércio eletrônico.”
Em 2000, um convênio realizado, no âmbito da CONFAZ, entre os Estados e Distrito Federal, solucionou o conflito gerado pelas fábricas de automóveis, que vendiam diretamente ao consumidor pela internet, dividindo a base de calculo do ICMS em 55% para o Estado de origem e 45% para o Estado de destino, quando da realização de vendas interestaduais diretas ao consumidor. (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2001)
Entretanto, esta solução não é pacífica às outras mercadorias comercializadas no meio eletrônico, gerando uma guerra fiscal diversa da tradicional – que se baseia na politica de concessão de benefícios fiscais. A guerra fiscal do e-commerce está consubstanciada na luta do Estado de destino em receber, de qualquer forma, uma parte das receitas recolhidas pelo Estado de origem, como ocorre nas operações interestaduais habitual.
2.3 A guerra fiscal interestadual no comércio eletrônico
Como já exposto, os Estados mais ricos concentram os principais centros de distribuição do País e, por consequência, a arrecadação do ICMS. Os demais Estados com capitalização menor reclamam da perda de arrecadação e do menor ritmo econômico local, com a transferência de vendas na região para o meio eletrônico. (FARIELLO, 2011)
Nesse contexto, muito se tem debatido a respeito dos impactos do e-commerce sobre as receitas tributárias dos Estados da Federação, onde, na busca de adquirir uma parte dos proveitos do ICMS, estabelecem medidas unilaterais, de modo a não ter suas finanças prejudicadas. Este é o novo panorama que se revela na guerra fiscal entre os Estados-membros, um dos maiores males do sistema tributário nacional.
A guerra fiscal que, antes, era travada na atração de investimentos de empresas industriais com a concessão de benefícios fiscais, atualmente, é realizada nos setores atacadistas e com cunho especificamente arrecadatório.
Juridicamente, toda controvérsia gira, inicialmente, em torno da possibilidade ou não da cobrança do tributo no Estado de destino nos produtos vendidos à consumidores finais.
Um dos principais argumentos dos Estados, que entendem ser cabível a cobrança do imposto nestas operações, deriva do fato de a internet ser um meio de venda de âmbito global, e suas mercadorias poderem ser comercializadas do Sul para o Norte do país, deste modo, tal deslocamento da mercadoria oportuna hipótese de incidência do ICMS com alíquota interestadual.
Alegam, ainda, que a sistemática atual das compras efetuadas pelo internet, telemarketing e showroom deslocou as operações comerciais com consumidor final, não contribuinte de ICMS, para situação diversa daquela que ocorria predominantemente quando da promulgação da Constituição de 1988. Dado que, o ICMS é o imposto devido, onde ocorre o consumo da mercadoria ou bem, a crescente mudança do comércio convencional para a forma não presencial, não se coaduna com a essência do ICMS, na medida em que não estaria sendo preservada a repartição do produto da arrecadação dessa operação entre as unidades federadas de origem e destino.
Apesar da incessante corrida dos Estados em direção oposta, a doutrina majoritária entende ser incabível a cobrança do ICMS interestadual nas vendas de produtos e-commerce, baseando-se no paragrafo segundo, inciso sétimo, alíneas “a” e “b”, do artigo 155 da Constituição Federal de 1988, que dispõe:
“Art. 155. § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;”
Neste caso, Renato Oliveira (2011) mostra-se inconformado com a atuação dos Estados afirmando ser “manifesto que, em relação às operações internas ou interestaduais, o ciclo das operações que ensejam o pagamento do ICMS em favor do Estado de origem, encerra-se até que o destinatário seja consumidor final.” Defende ele ainda, que, a alíquota a ser utilizada para tributar mercadoria ou bem de forma não presencial, deve ser a interna, posto que o destinatário não é contribuinte dele, sendo manifesta a inconstitucionalidade da cobrança de alíquota interestadual nas vendas e-commerce.
Corroborando com este entendimento, Guillermo Grau (2011) assevera que, a incidência do ICMS, tanto no Estado de origem, como no de destino da mercadoria, nas operações com não-contribuintes, como é o caso da venda e-commerce, configura-se claramente inconstitucional, gerando bitributação do referido imposto, uma vez que o consumidor paga o tributo para o estado de destino, além da tributação para o estado de origem.
2.3.1 O Protocolo ICMS 21/2011 e a bitributação no e-commerce
Recentemente, em 01 de abril de 2011, dezoito estados brasileiros, assinaram o Protocolo ICMS 21/2011, celebrado no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que estabelece que os estados que aderiram a ele devem exigir a parcela do ICMS sobre “operações interestaduais em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial por meio de Internet, telemarketing ou showroom”, repartindo sua receita nestas operações.
O protocolo, espécie do gênero dos Convênios, dispõe que, nas operações interestaduais entre as unidades federadas signatárias do acordo, o estabelecimento remetente, na condição de substituto tributário, será responsável pela retenção e recolhimento do ICMS, em favor da unidade federada de destino, relativo à parcela a esta cabível. Sendo exigível, a partir do momento do ingresso da mercadoria ou bem no território do Estado de destino, o pagamento do imposto relativo à parcela a este cabível, mesmo na hipótese de a operação ser procedente de unidade federada não signatária do Protocolo 21/11.
Dessa maneira, na prática, ao contrário do que se esperava, o protocolo, não só não soluciona o problema da guerra fiscal no e-commerce, como a torna ainda mais acirrada, uma vez que a maioria dos centros de distribuição de mercadorias, vinculados aos estabelecimentos virtuais, estão localizados nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que não aderiram ao protocolo.
Neste caso, por exemplo, uma empresa estabelecida em São Paulo, não signatária do acordo, vende mercadoria pela internet a um consumidor não contribuinte do ICMS, estabelecido no Distrito Federal, este exigirá 10% de ICMS (17% – 7%) e São Paulo cobrará sua alíquota interna normalmente, que é de 18%. Com isso, a carga tributária global, neste caso, será de 28%. Além disto, nestes casos, a empresa poderá ter sua mercadoria retida até o pagamento do ICMS correspondente a alíquota interna do Estado destinatário, com as deduções previstas no aludido protocolo.
Tal medida é manifestamente injusta e ilegal, e resulta em bitributação, o que produz prejuízo ao consumidor, que mesmo de maneira indireta, acaba por ter que pagar a diferença no preço final do produto.
Como dito anteriormente, os protocolos apesar de formalmente válidos na sua concepção (assinatura dos Estados, celebração no âmbito da CONFAZ), são propensos a erros e inconstitucionalidades, o que, se não avaliados e efetivados de forma racional gera grave insegurança jurídica. Com o sistema tributário atual, às operações envolvendo como destinatário o consumidor final, o ICMS continuará sendo devido ao estado de domicílio do emitente da nota fiscal, o que beneficia esses estados mais desenvolvidos e faz com que os Estados destinos, que se configuram por serem meramente consumidores, corram em busca de soluções que lhes garantam uma fatia da receita.
A desembargadora e presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Telma de Brito, em julgamento de suspensão de tutela antecipada e liminar que cassava o Protocolo n° 21, afirmou:
“Tendo em vista que a proibição, ainda que temporária, de o Estado da Bahia exigir o ICMS sobre tais vendas implicará em redução significativa na receita estadual, em face da relevância da arrecadação de tal tributo para o respectivo orçamento. Isso posto, presentes os requisitos autorizantes do acolhimento do pleito, defere-se o pedido de suspensão dos efeitos da liminar concedida na Ação Declaratória com antecipação de tutela nº. 008370-67.2011.805.0001.” (Tribunal de Justiça da Bahia – Suspensão de Liminar em Procedimento Ordinário – Relator: Desembargadora Telma Britto, 1º/04/2011).
É visto que, nesta mesma decisão, a Excelentíssima assevera abster-se de julgar as questões relativas ao mérito da causa, pois é inadmissível a sua análise em sede de pedido de suspensão, esclarecendo apenas que, a execução dos efeitos da liminar causa grave lesão à ordem e à economia públicas, e por isto deve ser suspensa.
Diversas Ações de Inconstitucionalidade tramitam no Supremo Tribunal Federal contra o Protocolo ICMS 21, entre elas, a ADI 4628, proposta pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. A CNC afirma que a ação discriminatória dos Estados, participantes do Protocolo ICMS 21/2011, viola o artigo 155, parágrafo 2º, da Constituição Federal, ao ensejar a perspectiva de bitributação diante do recolhimento do imposto também no estado de origem. Em sede de ADI 4628,[3] [3] assevera que:
“Indiscutível que o Brasil e o mundo mudaram muito desde a promulgação da Constituição de 1988. Assim também ocorreu com as formas de se adquirir um produto ou serviço, sendo a internet um instrumento ainda relativamente novo e crescente que alterou em muito a forma ordinária de se fazer compras. Todavia, se este novo modo de se adquirir bens ou serviços aumenta eventuais desigualdades regionais por gerar impacto negativo na arrecadação de ICMS de alguns estados da Federação, que seja alterada a Constituição por seu instrumento apropriado (Emenda) e que não se tente alterá-la de forma inaceitável e flagrantemente inconstitucional”.
Apesar de justa o pleito dos Estados consumidores contra o atual sistema tributário, os meios adotados até o momento são abusivas e eivadas de vícios. Não convém a utilização de uma injustiça para justificar outra, dessa vez contra o consumidor final.
Considerações Finais e Soluções
O comércio eletrônico é um mecanismo relativamente novo e de progresso acelerado, o que não é acompanhado pelo processo legislativo, motivo pelo qual ocorrem inúmeras subversões legais, principalmente no setor tributário.
Apesar de justa a luta dos Estados destinatários das mercadorias vendidas no e-commerce, ela deve estar pautada não somente em fatos, mas em licitude. Fortalecer o comércio local, aumentar a competitividade entre as empresas, garantir a geração de emprego e renda e diminuir o prejuízo na arrecadação, estes são os objetivos dos Estados-membros, sendo-lhes lícito dispor do seu poder-dever de recolher em seu favor esta fonte de renda. Entretanto, isto não os legítima a promoverem reformas “políticas” tributárias à margem da Constituição Federal, sendo-lhes lícito fazer apenas aquilo que a lei autoriza.
O CONFAZ mostrou-se apto a resolver conflitos de interesse, através da instituição de convênios, entre os entes federativos; hipótese já demonstrada na solução do litígio das vendas de automóveis direto aos consumidores. Esta pode ser uma das soluções a ser devassada para o caso do ICMS na compra eletrônica, qual seja, a celebração de um convênio em que todos os estados e o Distrito Federal concordem em abrir mão mutuamente da tributação de ICMS na origem para partilhar a arrecadação do imposto com os estados de destino. Entretanto, a instituição de convênio no Confaz, segundo a Constituição, só pode ser elaborada se houver consenso entre todas as 27 Unidades da Federação.
Deste modo, os Estados mais ricos e maiores beneficiários do sistema atual, precisariam aceitar repartir o seu quinhão com os demais Estados, de forma voluntária. Esta solução é a mais prática e célere, todavia, pela experiência já demonstrada através dos acontecimentos recentes, resulta na mais distante das soluções, pois, enquanto a lei permitir a extração integral do imposto por parte dos Estados de origem da mercadoria, os mesmos recolherão todo o seu quinhão, sem se importar com o estabelecimento da justiça fática e sim com o que, política e economicamente, for mais benéfico aos seus entes federativos.
Outra solução a ser esquadrinhada seria a de uma reforma Constitucional que objetive modificar o regime de tributação nas operações interestaduais decorrentes de vendas para o consumidor não contribuinte do ICMS, inclusive por meio eletrônico, estabelecendo que nas operações e prestações que destinem bens e serviços à consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual.
Em 2008, fora proposta à Câmara dos Deputados tal emenda constitucional, por meio da PEC 227, que trata especificamente sobre este assunto. Ainda em 2008, a mesma fora apensada à PEC 31/2007 que altera o Sistema Tributário Nacional e unifica a legislação do ICMS. Esta solução, apesar de possuir amplo debate e duradouro processo, é o meio mais eficaz e de definitivo combate à guerra interestadual, pois garante a repartição do recolhimento do tributo entre o os Estado de origem e destino e possui maior probabilidade de ser aprovada, contando-se, para tanto, com a união dos Estados prejudicados pelo sistema atual. Entretanto, sua ultima ação legislativa foi em agosto de 2008.
Pode-se dizer então, que o governo não esteja tão preocupado em solucionar o problema da cobrança do ICMS no comércio eletrônico, deixando nas mãos dos poderes Estaduais a discussão sobre o tema e um desfecho sobre o assunto. Tratando-se de um assunto delicado fica difícil acreditar em um acordo pacífico e que não prejudique ninguém, inclusive o consumidor.
Por fim, conclui-se que esta pesquisa não se exaure aqui. Enquanto houver inércia do legislativo e os Estados tiverem que buscar dirimir seus conflitos e encontrar um consenso que produza benefícios para todos, o judiciário continuará a ser meio de resolução das lides tributárias estaduais, havendo teorias e soluções jurídicas a se esquadrinhar.
Advogada. Mestranda em Diplomacia e Politica Externa pela UCES Argentina. Especialista em Direito Constitucional. Graduada em Direito pela Faculdade Ruy Barbosa
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