Resumo: Este artigo discorre sobre a Guia de Utilização – GU, título que permite a extração mineral durante a vigência da autorização de pesquisa, antes da outorga da concessão de lavra, que deve ser emitida sem delongas pelo DNPM, quando requerida nos termos do § 2º do art. 22 do Código de Mineração1, vez que o legislador não delega competência ao Administrador para regulamentar a sua emissão.
Palavras-chave: Guia de Utilização. GU. Requerimento de GU. Situações excepcionais. Políticas públicas.
Sumário: 1. Introdução. 2. O direito do autorizatário da pesquisa à obtenção da GU. 3. A ilegal e equivocada regulamentação administrativa da emissão de GU. 4. O Memorando Circular 22/2015, à margem da legislação. 5. Conclusões. 6. Referências.
1. Introdução
A instituição da Guia de Utilização – GU foi demandada pela longa demora, muitas vezes superior a 10 anos, desde a protocolização do requerimento de autorização de pesquisa no Departamento Nacional da Produção Mineral – DNPM até a outorga da concessão de lavra, retardando o proveito dos recursos minerais presentes na área requerida, na contramão do interesse público, prejudicando a todos, não raro levando o requerente a desistir do seu pretendido empreendimento minerário.
Sensível ao problema, o legislador tratou de minimizá-lo, determinando, na Lei 9.314/19962, nova redação para o § 2º do art. 22 do Código de Mineração1, para admitir a extração excepcional de substâncias minerais durante a vigência da autorização de pesquisa, antes da outorga da concessão de lavra, qual seja ::
“Art. 22 – […]
§ 2º- É admitida, em caráter excepcional, a extração de substâncias minerais em área titulada, antes da outorga da concessão de lavra, mediante prévia autorização do DNPM, observada a legislação ambiental pertinente.”
Essa extração excepcional de substâncias minerais de que trata a Lei é regulamentada pela Portaria DNPM 144/20073, com alterações determinadas pela Portaria DNPM 201/20154. O caput do art. 2º daquela Portaria atribui ao documento ou título que permite tal extração a denominação de Guia de Utilização – GU.
2. O direito do autorizatário da pesquisa à obtenção da GU
O titular da autorização de pesquisa tem o direto de requerer ao DNPM e dele obter a GU referente à área titulada. Afinal, a titularidade de autorização de pesquisa é a condição imposta no § 2º do art. 22 do Código de Mineração1, em sua nova redação, para o requerente de GU fazer jus à sua obtenção, já que o dispositivo faz alusão à “área titulada, antes da outorga da concessão de lavra” e, antes desta concessão, a área é titulada pela autorização de pesquisa.
Essa condição, todavia, não é suficiente para a concessão da GU ao autorizatário da pesquisa, de vez que, para isto, deve ser “observada a legislação ambiental pertinente”, conforme dispõe a Lei. Ademais, a apresentação do plano de lavra – PL, “É condição necessária para o início dos trabalhos de desenvolvimento de uma mina”, conforme estabelecido no item 1.5.3 do Anexo I da Portaria DNPM 237/20015, em redação dada pela Portaria DNPM 266/20086. A despeito do subitem 1.5.3.1 daquela Portaria não incluir o requerimento de GU entre aqueles que demandam a apresentação do PL, entende-se que o DNPM poderá exigi-lo do requerente de GU.
Uma vez instruído o requerimento de GU, isto é, sendo o requerente titular da autorização de pesquisa outorgada na respectiva área e estando o requerimento acompanhado de licenciamento ambiental, expedido pelo órgão competente, e de PL, ou já tendo sido apresentados estes documentos em atendimento a exigência formulada pelo DNPM, esta Autarquia deverá emitir decisão sobre o requerimento em até trinta dias, “salvo prorrogação por igual período devidamente motivada”, prazo fixado no art. 49 da Lei 9.784/19997.
Contudo, nenhuma outra condição poderá ser imposta para fins de emissão da GU. Afinal, a “prévia autorização do DNPM” a que se refere o § 2º do art. 22 do Código de Mineração1, na sua nova redação, não caracteriza delegação de competência do legislador ao DNPM para estabelecer situações excepcionais para efeito de emissão de GU. Tal prévia autorização nada mais é do que a indicação do DNPM para a emitir da GU, a fim de formalizá-la, à semelhança das indicações do mesmo DNPM para outorgar a autorização de pesquisa e do Ministro de Minas e Energia, para assinar a concessão de concessão de lavra, respectivamente, nos artigos 15 e 43 do citado Código1.
Essas indicações transferem ao Diretor-Geral do DNPM e ao Ministro de Minas e Energia competências para outorgar, respectivamente, os títulos de autorização de pesquisa e de concessão de lavra, mas, não para imporem novos elementos de instrução aos respectivos requerimentos, além daqueles estabelecidos na Lei. Quando o legislador quer que a Administração regulamente determinado preceito da Lei, ele o declararia na própria Lei, como o faz, por exemplo, no inciso VI do art. 16, no § 1º do art. 20, no inciso III, alínea “a” do art. 22, no art. 25, no § 2º do art. 26 e em vários outros dispositivos do Código de Mineração1 e de outras leis minerárias.
O administrador não pode agir a seu talante, sponte propria, devendo sempre fazer o que a lei determina, exatamente conforme nela é estabelecido. Enquanto o particular pode fazer tudo o que a lei não proíbe, o administrador público somente pode fazer o que a lei manda. Não pode atuar de forma contrária à lei (contra legem), nem além da lei (ultra legem), mas exclusivamente de acordo com a lei (secundum legem). O art. 88 do Código de Mineração submete à fiscalização direta do DNPM todas as atividades concernentes à mineração, ao comércio e à industrialização de matérias-primas minerais, mas, ressalva, “nos limites estabelecidos em Lei”.
3) A Ilegal e equivocada regulamentação administrativa da emissão de GU.
É conferido à Administração o poder regulamentar, que lhe permite editar atos gerais para complementar as leis e possibilitar sua efetiva aplicação. Contudo, tais atos devem ter o caráter de norma complementar à lei; já que esta, a Lei, não pode ser alterada pela Administração sob nenhum pretexto. Se o fizer, o administrador cometerá abuso de poder regulamentar, invadindo a competência do Poder Legislativo. Afinal, o poder regulamentar é de natureza derivada (ou secundária): devendo ser exercido à luz das leis existentes, estas, sim, que são atos de natureza originária (ou primária), emanados diretamente da Constituição.
Portanto, o Diretor-Geral do DNPM desafia a Lei ao indicar, situações excepcionais para fins de emissão da GU, no § 1º, complementado no § 2º, do art. 2º da Portaria DNPM 144/20073, em redação dada pela Portaria DNPM 201/20154. Ao fazê-lo, esta autoridade atua além da lei (ultra legem), de vez que o caráter excepcional citado na nova redação do § 2º do art. 22 do Código de Mineração1 diz respeito, tão-somente, à extração de substâncias minerais durante a vigência da autorização de pesquisa, antes da concessão da lavra, já que tal extração não era permitida antes da vigência desta nova redação e, por isto, demanda a excepcional emissão de GU.
É oportuno, pois, transcrever os §§ 1º e 2º do art. 2º da Portaria DNPM 144/20073, em sua nova redação, para melhor analisa-los :
“Art. 2º – […]
§1º – Para efeito de emissão da GU serão consideradas como excepcionais as seguintes situações:
I – aferição da viabilidade técnico-econômica da lavra de substâncias minerais no mercado nacional e/ou internacional;
II – a extração de substâncias minerais para análise e ensaios industriais antes da outorga da concessão de lavra; e
III – a comercialização de substâncias minerais, a critério do DNPM, de acordo com as políticas públicas, antes da outorga de concessão de lavra.
§ 2º O Diretor-Geral do DNPM indicará quais as políticas públicas a serem observadas quando da análise do pedido de GU para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo.”
Ademais de ser ilegal, conforme citado, essa indicação de situações excepcionais para efeito de emissão da GU é de todo inadequada. De fato, as situações referidas nos incisos I e II do § 1º já são previstas, como trabalhos de pesquisa, nada excepcionais, no § 1º do art. 14 do Código de Mineração1, na referência à “ensaios de beneficiamento dos minérios ou das substâncias minerais úteis, para obtenção de concentrados de acordo com as especificações do mercado ou aproveitamento industrial”. Vale lembrar que a autorização de pesquisa estará e permanecerá em vigência quando da outorga e da vigência da GU.
Quanto ao inciso III do § 1º do art. 2º da Portaria DNPM 144/20073, este se refere à comercialização de substâncias minerais, “a critério do DNPM, de acordo com as políticas públicas”. A comercialização destas substâncias ocorrerá após a sua extração, etapa estranhamente omitida no dispositivo. Contudo, obviamente, tal extração deverá ser realizada, e será necessariamente coerente com critério do DNPM e estará de acordo com as políticas públicas. Afinal, a GU é requerida em área titulada por autorização de pesquisa, e o objetivo da pesquisa autorizada é bloquear reservas minerais na área titulada, a fim de permitir ao titular requerer e obter a concessão da lavra destas reservas, ou a concessão de extração mineral na área titulada.
Obviamente, pois, ao outorgar a autorização de pesquisa, o DNPM o faz a seu critério e, ao fazê-lo, declara tacitamente que o ato está “de acordo com as políticas públicas”, pois, não poderia praticá-lo em contrariedade a estas políticas. Por conseguinte, a extração de substâncias minerais cuja presença na área titulada for eventualmente comprovada, estará coerente com tais políticas, de vez que a comprovação da presença em níveis econômicos destas substâncias é, exatamente, o objetivo da pesquisa autorizada “de acordo com as políticas públicas”. Considerando que a concessão de GU nada mais é do que a antecipação da concessão da lavra, conclui-se que, sendo a concessão da lavra adequada às políticas públicas, a concessão da GU também o será.
Vale observar ainda que as substâncias minerais extraídas legalmente pertencem àqueles que dispõem de concessão do Governo para extrai-las, aos quais cabe decidir sobre a sua comercialização, desde que também realizada legalmente. Neste caso, o DNPM não poderá interferir nesta comercialização, o que o colocaria fora dos limites da lei, ou fora dos seus limites de fiscalização, aos quais se refere o art. 88 do Código de Mineração1.
Realmente, após legalmente extraídas do solo e/ou do subsolo onde jaziam in natura, as substâncias minerais deixam de ser propriedade da União e passam a ser propriedade do concessionário, conforme declarado no caput do art.176 da Constituição Federal8, a saber :
“Art. 176 – As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra”.
A menção ao concessionário é extensiva a todos os titulares de direitos minerários cujos respectivos títulos lhes permitam lavrar substâncias minerais, sendo todos concessionários de direito real de uso da propriedade minerária para fins de lavra ou de extração mineral, já que as relações jurídicas deste instituto ajustam-se àquelas inerentes aos títulos de direitos minerários. O DNPM reconhece esta situação, tanto que realiza averbações de cessão e transferência de títulos de licenciamento e de permissão de lavra garimpeira, previstas na Portaria DNPM 199/20069. Isto equivale dizer que a referência à cessão ou transferência das concessões, feita no art. 176, § 3º, da Constituição Federal5, atinge todos os títulos que permitem a lavra, sendo todos, repita-se, concessões de direito real de uso da propriedade minerária para fins de extração mineral. Portanto, a referência atinge também o título de GU.
4. O Memorando Circular 22/2015, à margem da legislação.
O Diretor-Geral do DNPM expediu, em 06/10/2015, o Memorando Circular nº 22/2015-DIRE/DNPM/SEDE, destinado à circulação interna, não tendo publicidade no D.O.U., dirigida aos Superintendentes do DNPM., no qual define as políticas públicas a serem observadas para a emissão de guia de utilização – GU..
A despeito de não ser esse um ato geral para complementar a Lei, no exercício do poder regulamentar da Administração, tendo em vista o seu caráter “secreto”, não o expondo à ciência dos administrados, os Superintendentes do DNPM certamente fundamentar-se-ão no mesmo em suas decisões sobre a emissão de GU, tratando-se de recomendação superior, advinda da Diretoria-Geral da Autarquia..
É oportuno, pois, transcrever as situações de políticas públicas, indicadas no citado Memorando, para fins de emissão de GU. São elas :
– Áreas em situação de formalização da atividade e fortalecimento das Micro e Pequenas Empresas de acordo com os objetivos estratégicos do Plano Nacional de Mineração – 2030;
– Áreas que promovam o desenvolvimento da pequena e média mineração por meio de ações de extensionismo mineral, formalização, cooperativismo e arranjos produtivos locais;
– Áreas que visem o aproveitamento de rejeitos em projetos de recuperação ambiental e de subprodutos da mineração, buscando promover a produção sustentável no setor mineral;
– Áreas contendo Minerais Estratégicos (abundantes, carentes e portadores de futuro) de acordo com os objetivos estratégicos do Plano Nacional de Mineração – 2030;
– Áreas que visem a garantia de oferta de insumos para obras civis de infraestrutura, para o desenvolvimento agrícola e da construção civil;
– Áreas com investimentos em setores relevantes para a Balança Comercial Brasileira contendo substâncias necessárias ao desenvolvimento local e regional;
– Áreas com projetos que promovam a diversificação da pauta de exportação brasileira e o fortalecimento de médias empresas, visando a conquista do mercado internacional, contribuindo para o superávit ds balança comercial.
Como se vê, são vagas ou voláteis várias das situações supra listadas, podendo servir para “motivar” tanto o indeferimento dos requerimentos de GU quanto a sua aprovação. Isto é preocupante para os requerentes de GU, pois, é presumível que estas situações serão mencionadas principalmente com o objetivo de indeferir seus requerimentos, restringindo-os ao máximo, a considerar o aparente esforço do DNPM neste sentido, que extravasa dos termos dos ilegais §§ 1º e 2º do art. 2º da Portaria DNPM 144/20073, em redação dada pela Portaria DNPM 201/20154, e do “secreto” Memorando Circular nº 22/2015. A propósito, um tal esforço é inexplicável, já que o DNPM não logrou agilizar a tramitação dos processos de mineração, valendo lembrar que a demora para a obtenção da concessão de lavra, geralmente muito longa, foi o motivo que levou o legislador a instituir a GU.
5. Conclusões
Considerando, repita-se ad nauseam, a ilegalidade que emana dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Portaria DNPM 144/20073, em redação dada pela Portaria DNPM 201/20154, e do Memorando Circular nº 22/2015, aqui comprovada, suas disposições não poderão ser utilizadas para motivar a decisão do administrador sobre a emissão de GU requerida pelo administrado.
Desse modo, se a GU for requerida em área objeto de autorização de pesquisa e estiver completa a instrução do respectivo requerimento, a expedição da GU torna-se, para o DNPM, ato de ofício, a ser prontamente praticado. A omissão da realização deste ato ou seu injustificado retardamento, além do prazo fixado no art. 49 da Lei 9.784/19997, caracterizará ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da Administração Pública, nos termos do art. 11, inciso II, da Lei 8.429/199210, submetendo o agente público responsável às sanções previstas nesta Lei, além de legitimar o requerente da GU para pedir ao Poder Judiciário que ordene ao DNPM a emissão imediata de decisão sobre o requerimento de GU. .
Geólogo. Advogado
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