O processo de recombinação gênica proporciona um alto grau de variabilidade entre os organismos vivos. Cada ser humano possui um perfil genético exclusivo, com a exceção dos gêmeos monozigóticos que compartilham do mesmo conjunto de genes. Como a molécula de DNA (ácido desoxirribonucléico) possui regiões específicas com considerável variabilidade genética, pode-se comparar o DNA a um código de barras capaz de identificar e comparar indivíduos, determinando inclusive a existência ou não de vínculo genético entre estes.
As tipagens através da análise de DNA são um importante instrumento para a distribuição de justiça, podendo torna-la mais ágil devido a economia de tempo e recursos. Com o crescente emprego da “prova do DNA” nos tribunais brasileiros, ganha importância uma questão fundamental: as análises laboratoriais e a interpretação dos resultados dos exames de DNA são infalíveis?
Notavelmente, muitos laboratórios clínicos estão migrando para a execução de tais exames genéticos, uma vez que estes serviços constituem uma lucrativa atividade. Entretanto, em diversos casos, o oferecimento do serviço não é acompanhado das garantias de qualidade necessárias. Historicamente, nos países onde as tecnologias aqui discutidas foram primeiro adotadas, houve uma fase de muitas controvérsias antes da aceitação que os testes de DNA hoje possuem. Este período foi marcado por debates que acabaram por estabelecer rigorosos padrões para a execução dos exames1, 2.
No Brasil, no inicio da utilização das técnicas de análises de DNA para fins de identificação humana buscou-se a normatização dos exames através de um grupo técnico consultivo ligado ao Ministério da Saúde chamado GTDNA. Desta iniciativa participaram representantes de alguns laboratórios brasileiros atuantes à época no campo da tipagem humana para investigação de paternidade. Entretanto, os trabalhos deste grupo não tiveram o sucesso e a repercussão desejados.
A Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é o orgão público competente para avaliar os procedimentos técnicos em laboratórios analíticos. De acordo com as suas normatizaçãoes, todas as etapas da cadeia de custódia das amostras biológicas devem ser documentadas de modo apropriado, a fim de evitar contaminações e a adequação das condições de trabalho à ISO/IEC 17.025. Em adição, Os procedimentos para estabelecer padrões de qualidade, como a calibração de equipamentos e a presença de um segundo analista devem ser implementados no país para que as análises se eqüivalham em termos de segurança e credibilidade àquelas realizadas em laboratórios de referência no exterior. Em adição, por fazerem uso de técnicas de engenharia genética, as tipagens genéticas devem obedecer as normas estabelecidas na Lei de Biossegurança N° 8.974/95.
De fato, a falta de fiscalização adequada e padronização dos exames somada ao desconhecimento que muitos magistrados têm de que os testes não são isentos de erros pode interferir nos julgamentos. Tais circunstâncias, certas vezes, tornam imprescindível a nomeação de um perito competente para avaliar os procedimentos laboratoriais adotados e auxiliar na análise dos resultados no contexto do caso.
Para que haja credibilidade dos exames de DNA é necessário, ao longo das várias fases de execução da tipagem por DNA, aplicar rigorosos procedimentos para a garantia da qualidade dos serviços periciais. A omissão na aplicação dos controles de qualidade efetivamente pode levar a interpretação equivocada dos resultados2. Em investigações genéticas, a validade dos resultados alcançados depende do cálculo das freqüências populacionais dos marcadores empregados.3, 4 Para isto, as fontes destas freqüências devem estar disponíveis a qualquer pessoa relacionada ao processo que necessite desta informação5. Pode-se encontrar significativas variações na composição genica entre grupos populacionais, sendo este um fator importante a ser considerado.
O fato de que duas amostras possuem o mesmo perfil para um grupo de marcadores genéticos em especial não significa obrigatoriamente que elas possuam a mesma origem. Quando a tipagem genética de duas amostras é igual, torna-se necessário expressar numericamente a significancia deste evento. O número de marcadores empregados, a presença de subestruturas na população e mistura de amostras podem interferir nos resultados. A expressão estatística dos resultados deve ainda basear-se na presença ou não de misturas de material biológico, como é freqüentemente encontrado em casos de abuso sexual. 6, 7
Uma questão fundamental concernente ao uso do DNA como evidência está na validação científica dos métodos de análise. Em outras palavras, é preciso ter garantias científicas de que os testes podem inequivocamente identificar inclusões e exclusões para cada marcador genético utilizado. Inicialmente, a credibilidade dos testes deve partir da natureza das amostras biológicas utilizadas2. Com freqüência, as amostras são encontradas em superfícies não-estéreis, podendo sofrer danos após contato com a luz solar, microorganismos e solventes. Existem procedimentos que podem minimizar a ação destes fatores de degradação do DNA. Entretanto, muitos cuidados devem ser tomados para evitar equívocos na interpretação. A amplificação pela PCR (reação em cadeia da polimerase) que é largamente empregada nas tipagens genéticas pode produzir falhas e artefatos quando a qualidade do material biológico está comprometida8. Amostras parcialmente degradadas podem proporcionar, por exemplo, a amplificação preferencial de alelos e o surgimento das bandas fantasmas (“stutter bands”)2. No primeiro caso, tem-se a amplificação de um alelo em detrimento do outro. Isto pode gerar a falsa impressão de se tratar de um indivíduo homozigoto ao invés de heterozigoto para o locus em estudo. Já as bandas fantasmas ocorrem em virtude de falhas no processo que geram bandas com uma unidade de repetição a menos que a do alelo original. Deste modo, pode-se equivocadamente interpretar o resultado como um falso heterozigoto ou identificar um alelo erroneamente.
Atualmente, existem tecnologias como os leitores por fluorescência, que são capazes de dirimir dúvidas e evitar erros desta natureza. Contudo, estes equipamentos são caros e poucos técnicos no Brasil estão capacitados a operá-los.
Outro fator importante está na reproducibilidade dos testes. Em ciência, é preciso que os resultados sejam passíveis de reprodução para que sejam aceitos como verdade científica. No campo forense, não é incomum a necessidade de repetição das tipagens. Isto pode encarecer o processo mas não deve ser descartado, principalmente quando o que está sob suspeita é o teste em si.
Para as análises de DNA, diversos quesitos podem ser postulados para a interpretação dos dados, incluindo-se neste ponto a escolha e o uso apropriado das técnicas; as supracitadas freqüências populacionais empregadas para os cálculos e o tipo de análise estatística empregada; os controles de qualidade adotados; a documentação dos procedimentos; a qualidade dos equipamentos e reagentes utilizados e a capacitação técnica dos profissionais envolvidos.
Todas as etapas empreendidas para a tipagem do DNA, desde a coleta até a interpretação do significado estatístico dos dados obtidos, serão consubstanciadas em uma peça pericial escrita que servirá aos interesses de seus leitores. Em instância final, o laudo poderá ainda servir como elemento de convicção para juizes, promotores e advogados nas ações penais.5
São recomendações básicas de quesitos para a elaboração do laudo pericial de análise de DNA: identificação do número do inquérito policial ou processo judicial; identificação das partes envolvidas e amostras; informação da etnia (raça) dos envolvidos, quando possível e relevante; citação da metodologia empregada na coleta e armazenamento de materiais e, se necessário, esclarecimento dos cuidados empreendidos para manutenção da cadeia de custódia destes materiais. Em adição, o laudo deve conter informações bibliográficas sobre as metodologias utilizadas para a extração, quantificação e amplificação do DNA; forma de identificação dos alelos obtidos nos testes e fundamentos empregados para os cálculos estatísticos. As freqüências estatísticas utilizadas como base para os cálculos também devem ser mencionadas. 9, 10
Cabe aos advogados, juizes e a comunidade científica estar atentos ao fato de que os testes absolutamente não são infalíveis, como ocorre com qualquer outra atividade humana. Deve-se implementar no Brasil, conforme já ocorre em outros países, rigorosos padrões de qualidade para se garantir a credibilidade de tão importante ferramenta.
Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
Mestre em Biologia (UERJ)
Especialista em Educação
Professor Universitário
Vice-presidente do Colégio FOrense de Gestores e Educadores Biologistas – CFGEB
Treinado em Entomologia Forense pelo COFGEB
Consultor em Genética Forense da Academia Jurídica
Perito Judicial membro da Associação dos Peritos Judiciais do Estado do Rio de Janeiro
Ex-pesquisador associado do Instituto de Biologia da Florida International University (Florida/EUA)
Ex-cientista visitante do setor de DNA do Laboratório Criminal de Palm Beach Couny Sheriff’s Office (Florida/EUA)
Treinado nos EUA em: análises de regiões STR (STR MegaPlex Training) por Virginia Division of Forensic Science e Palm Beach Count Sheriff’s Office
Investigação de cenas de crima (Crime Scene Update) pelo Palm Beach Community College
Análises estatísticas de genotipagens (The analysis of DNA profiles using statistical frequencies to determine the occurrence of profiles in the general population) pelo setor de DNA da Palm Beach Count Sheriff’s Office
Bacharel em Biomedicina pela Univercidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO
Especialista em Genética Humana pela Conselho Regional de Biomedicina
Mestre em Morfologia (Genética Molecular) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
Professor Universitário
Secretário Geral do Colégio Forense de Gestores e Educadores Biologistas – COFGEB
Treinado em Entomologia Forense pelo COFGEB
Membro da Comissão Científica de Genética Médica e Molecular da Associação Gaúcha de Biomedicina
Consultor em Genética FOrense da Academia Jurídica, filiado à Associação dos Peritos Judiciais do Estado do Rio de Janeiro
Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista – UNESP, Especialista em Bioquímica pelo CRBio-2, Especialista em Fisiologia Humana pelo CRBio-2, Mestre em Física (Área de Concentração Biofísica Molecular) pela Universidade Estadual Paulista – UNESP. Professor Universitário. Membro da Sociedade Latino-Americana de Genética Forense, Membro da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular – SBBq, Perito Judicial membro da Associação dos Peritos Judiciais do Estado do Rio de Janeiro – APJERJ
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